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27 de maio de 2010

Caminhar com clareza

A motivação para escrevermos este texto sobre o construtivismo é a


necessidade de responder à matéria “Salto no escuro”, de 12 de maio, com a
qual, infelizmente, a revista Veja presta, mais uma vez, um desserviço à
sociedade, com uma abordagem tendenciosa e superficial das questões
educacionais. Não nos interessa aqui rastrear quais as razões que levam um
veículo de comunicação e um jornalista a atentarem contra a informação, mas
certamente é nosso compromisso esclarecer que os graves e muitos problemas
que assolam a educação brasileira certamente não perpassam, nem sequer
tangem, o construtivismo.
A matéria publicada pela Veja tem como foco a responsabilização dos
educadores brasileiros por uma apropriação rasteira das ideias de Piaget, mas de
quebra também assume que a abordagem construtivista não se presta à
aprendizagem escolar, pois foi posta de lado em países que buscam melhores
desempenhos na alfabetização e no ensino de matemática. Ao fim, a moral da
história: melhor saber como se livrar do construtivismo, pois nem que ele fosse
devidamente apropriado teria algo a contribuir para a educação. Seria ótimo se
fosse simples assim: livrando-nos do construtivismo, que para nada pode nos
servir, resolveremos, então, os profundos problemas da educação brasileira. No
entanto, pelo que consta, esses problemas são derivados da histórica carência de
uma política pública apta a enfrentar a questão da formação, valorização social e
remuneração dos professores, assim como desenvolver estratégias eficientes para
minimizar os efeitos das péssimas condições sociais de muitas crianças brasileiras
que estão hoje na escola.
A prática pedagógica, realizada em qualquer perspectiva, requer igualmente
professores bem preparados, com conhecimentos gerais sobre a aprendizagem e
específicos das áreas de conhecimento a que se dedicam. No complexo cenário da

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educação brasileira atual, é simplesmente uma falta de responsabilidade social
atribuir as mazelas do ensino à - inevitável, dadas as precárias condições da
formação docente - má apropriação de uma perspectiva teórica.
O problema que urge e deveria ser pautado por uma imprensa séria e
comprometida com a sociedade é justamente como garantir as condições das
quais a educação brasileira carece para cumprir o projeto constitucional e
democrático de construir uma escola para todos.
A matéria da revista Veja mistura de forma reducionista duas questões
distintas: uma, os problemas da educação brasileira, outra, a abordagem
construtivista na educação. Tendo tratado acima da primeira questão, passamos
agora a considerar a segunda.
O construtivismo é uma teoria do desenvolvimento cognitivo, que pode
também ser tomada como uma teoria da aprendizagem em sentido amplo, a qual
a educação formal se alia, a partir de meados do século XX, para realizar sua
função social de transmitir os conhecimentos culturalmente acumulados a todos
os alunos. Com base nessa concepção, é possível elaborar projetos pedagógicos
claros e traçar planos de aula absolutamente rigorosos. Falta de metodologia e
desacertos educacionais não têm nada a ver com o entendimento de que a
aprendizagem se dá em interação com o meio e de que se constitui em uma
atividade reflexiva do sujeito. No entanto, apropriações ligeiras do construtivismo
por parte da educação formal certamente geraram equívocos nas salas de aula,
como é o caso de práticas baseadas na ideia de que o aluno constrói tudo a partir
de si mesmo e, assim, que todo o conteúdo da aprendizagem deve ser pautado
em suas próprias experiências. O que a concepção construtivista afirma,
diferentemente, é que a aprendizagem depende de estruturas cognitivas que se
formam gradualmente, na medida em que o sujeito interage com o mundo
empírico e social, sendo esta o resultado de um processo de descentramento do
sujeito em relação a si mesmo e ao seu próprio ponto de vista.

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Em relação à pedagogia dita tradicional, a diferença marcante de uma
pedagogia fundamentada na perspectiva construtivista não diz respeito nem à
sistematização e fixação de conteúdos, nem ao rigor metodológico e acadêmico
ou à clareza de objetivos, que, pelo contrário, são tão necessários em uma
quanto em outra abordagem, mas sim à consideração de que os conteúdos
requerem formas cognitivas para serem apropriados, e que essas formas são
gradualmente construídas pelo sujeito em interações diversas com o meio. Daí a
preocupação com o processo em uma prática pedagógica inspirada na concepção
construtivista. É no processo de aprendizagem que se estabelecem as condições
de apropriação dos conteúdos, é nele que se formam as estruturas cognitivas
necessárias para se apreender as explicações sobre o mundo empírico – através
das teorias de cada área de conhecimento – , e interagir no mundo social –
através do estabelecimento do diálogo calcado no respeito mútuo. Nessa
mudança do foco do resultado para o processo de aquisição do conhecimento,
está embutida uma mudança da lógica do conteúdo a ser ensinado para a lógica
do desenvolvimento das estruturas cognitivas. Essa mudança de lógica não
significa, porém, que os conteúdos deixam de ter importância, mas sim que o
currículo escolar deve respeitar o desenvolvimento cognitivo subjetivo, investindo
nas condições da aprendizagem.
Em uma escola como a EDEM, por exemplo, todo o currículo é elaborado
levando-se em conta, além dos conteúdos estipulados oficialmente para cada
segmento de escolaridade, as especificidades da aprendizagem de cada faixa
etária. A prática pedagógica se realiza, então, através de recursos diversos e
diferentes estratégias didáticas, observando ainda as potencialidades e
dificuldades apresentadas por cada aluno. Ou seja, a aprendizagem, tal como
concebida na EDEM, constitui um complexo que envolve conteúdos disciplinares
oficiais, teoria do desenvolvimento cognitivo infantil, características subjetivas do
aluno, metodologias pedagógicas favorecedoras da apropriação, significação e
reflexão do conteúdo pelo aluno, e recursos didáticos diversos. Em um contexto
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como este, no qual são relevados os múltiplos aspectos que integram o processo
de aprendizagem, o construtivismo não é jamais um equívoco teórico ou um
entrave prático, pelo contrário, é um excelente interlocutor, com o qual se pode
aprender, debater e até, inclusive, chegar-se ao entendimento de que novas
formulações devem ser buscadas.
A concepção de desenvolvimento cognitivo de Piaget é universalista e gerou
uma série de críticas dos socioconstrutivistas, além de complementações teóricas,
por exemplo, para a dimensão afetiva. No entanto, a revelia do que alguns
afirmam, essa concepção contribuiu enormemente com a área da educação,
propiciando a compreensão de que todos, e não apenas aqueles que se
submetem passivamente à lógica dos conteúdos, são capazes de aprender, desde
que sejam observadas as condições de aprendizagem, levando-se em conta o
desenvolvimento gradual da estrutura cognitiva subjetiva. A partir disso, foi
aberto à prática pedagógica um caminho que pode sim - e muito já tem feito em
relação a isso - ajudar na construção de uma escola para todos, uma escola não
meritocrática, excludente e elitista, mas uma escola democrática, onde todos têm
direito a construir aprendizagens, adquirir conhecimentos, interagindo com os
outros e refletindo sobre o mundo a sua volta.

Claudia Fenerich – Assessoria de Comunicação da EDEM

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