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O BRASIL E A REFORMA DA ONU MONICA HERZ A reforma da Organizagdo das Nagdes Unidas é um tema central da agenda internacional. Assim sendo, o debate sobre as diferentes pro- postas para a adequacio da ONU ao cendrio internacional apés 0 final da Guerra Fria constitui parte relevante das relagdes multilaterais e bilaterais do pafs. A apresentagao dos principais-eixos deste debate permitiré a com- preensio do -quadro politico e conceitual no qual a elaboragdo de uma politica internacional coerente deve ser construfda. A observagdo de um conjunto de tend@ncias que caracterizam a posi¢ao brasileira quanto ao papel da organizagao permitird delinear a relaciio entre a politica do Estado quanto & ONU e as perspectivas de insergdo do pafs no sistema interna- cional nos dltimos anos. Muito embora o cingiientendrio da ONU e o fim da Guerra Fria nao tenham resultado em um processo de reforma do sistema das Nages Unidas, como alguns analistas esperavam, nos dltimos anos podemos observar um intenso debate sobre diversas propostas de reforma em elabo- rag4o e negociagao. Estas propostas surgem e so discutidas por académi- cos, liderangas nacionais e por aqueles diretamente envolvidos com as diferentes agéncias e 6rgdos das Nages Unidas. Observa-se na literatura especializada e nos diversos foros de debate sobre o papel da organizagZio uma preocupagiio em recuperar a sua hist6ria. Apesar dos entraves que o inicio da Guerra Fria criou no momento de gestagiio da ONU, hoje percebe-se a relevancia do impacto da mesma em dimensdes normativas e operacionais durante a segunda metade do século XX, em questées centrais como seguranga, desenvolvimento e direitos humanos (Weiss; Forsythe & Coate, 1994). Por outro lado, percebe-se que revisitar as operagdes da organizagao, as normas e princfpios gerados em seu interior, permite a elaboragao de propostas relevantes no contexto atual. 78 LUA NOVA N° 46 —99 Alguns diriam que a organizago ndo pode e ndo deve ser refor- mada, Segundo esta visio a ONU sempre teve, e continuar4 tendo, um papel marginal no cendrio polftico internacional. A idéia de que a organi- zagiio poderia preencher um papel central no processo de governanga global seria fruto da tentativa equivocada de recuperar princfpios idealistas ultrapassados. Outros propde que a Carta, pilar constitucional da organiza- do, deve ser reescrita ¢ uma nova organizagdo deve ser criada, adaptada 4 realidade do novo século. No entanto, a maior parte dos analistas do fun- cionamento, do papel ¢ da histéria da ONU, assim como as liderangas politicas que vém se manifestando sobre o assunto, concordariam que uma tevisdo institucional é 0 caminho mais vidvel para adaptar e revigorar a organizagao. Durante o perfodo imediatamente posterior ao fim da Guerra Fria, marcado pelo “sucesso” da intervengao no Golfo Pérsico, observava- se uma articulagdo entre a idéia de uma “nova ordem internacional” e o novo papel da ONU. Assim, as propostas que surgem neste momento séo marcadas por um clevado grau de otimismo em relagdo ao papel da orga- nizagao e as possibilidades de reforma da mesma (Urquhart e Childers 1990). Posteriormente, as dificuldades inerentes & transformagao da orga- nizagdo internacional mais abrangente e inclusiva que a histéria teste- munhou foram reconhecidas. Por outro lado, a reforma da OTAN, os processos de integragao regionais, a necessidade de regulamentar o merca- do financeiro internacional, os problemas econémicos transnacionais tém ocupado a agenda internacional. A profusiio de estudos sobre 0 assunto (mais de 50 livros foram produzidos nos tiltimos anos) resulta do descongelamento da organizagiio a partir do final da Guerra Fria, da incorporagdo de novas atividades e da consciéncia sobre a interdependéncia entre as sociedades nacionais. As transformagées do sistema internacional geradas pelo final da Guerra Fria resultaram em um descongelamento do processo decisério no Conselho de Seguranga e em uma revisdo do papel hist6rico da ONU. Ainda em 1988 e 1989 cinco operagées de seguranga foram inauguradas (Afeganistao, fron- teira Ird-Iraqui, Angola, Namibia e América Central) depois de dez anos de interrupgao. Assim, é relevante apontar que hé um movimento de transfor- mago da organizacio, a partir das necessidades da comunidade interna- cional, de mudangas culturais e da nova distribuigdo de poder no sistema internacional, que ocorre em paralelo a este debate e, muitas vezes, em desacordo com as posigées mais correntes. Esse movimento é particular- O BRASIL E A REFORMA DA ONU 19 mente claro no que concerne ao estabelecimento de mandatos da ONU para operagdes de seguranga e a atuagao do Conselho de Seguranga. As propostas de reforma caracterizam-se pela multiplicidade de questes abordadas. Assim, buscarei abordar o debate detectando seus eixos politicos e conceituais, ou seja, a necessidade de flexibilizar 0 con- ceito de soberania, os problemas operacionais da organizagdo, a coope- rag4o com organizagGes regionais, a democratizagiio da ONU e seu papel no fomento ao desenvolvimento. O DEBATE SOBRE A REFORMA DA ONU a - Soberania O conceito de soberania é um dos pilares normativos do sistema internacional moderno. No entanto, a crescente interdependéncia entre sociedades nacionais, 0 processo de transnacionalizagio, o papel de atores no estatais e a crescente reflexdo sobre questdes que nao podem ser tratadas no interior de fronteiras territorialmente delimitadas vém gerando um intenso debate sobre a validade, a flexibilidade e a transformagao do conceito. O final da Guerra Fria propiciou uma intensificagao deste debate. O principio de soberania e ndo intervengdo em assuntos domés- ticos, cristalizados na carta da ONU (art. 2), encontra-se em estado de ten- so com a crescente consciéncia em relacgdo a interdependéncia entre sociedades nacionais. Esta tensao se expressa em dois debates distintos, um. de cardter processual, 0 segundo de cardter substantivo. Por outro lado, dis- cute-se a necessidade de gerar um processo decisério ¢ um locus de autori- dade que elimine as restrig6es do cardter intergovernamental da Organizaciio. Por outro, o tipo de intervengio legitimo da comunidade internacional € parte central da atual agenda de debates, As propostas que mais claramente propde a superagao dos li- mites impostos pelo principio de soberania tém a Unido Européia como modelo, e concentram-se na gestagéo de uma estrutura institucional supranacional. Para que isso seja possfvel € necessdria uma reforma cons- titucional da organizagao (Bertrand, 1994, 1989). Durante o perfodo “otimista”, mencionado acima, as propostas de reforma que incorporam a idéia de gestacio de instdncias supranacionais so mais facilmente encon- tradas. Assim, € sugerido que a Secretaria Geral seja fortalecida e que novas agéncias de cardter supranacional sejam criadas (Tinbergen, 1991). 80 LUA NOVA N® 46 — 99 Accultura politica internacional tem se transformado significati- vamente nos tltimos anos e 0 conceito mais visivelmente atingido é a soberania estatal. Novas possibilidades de intervengdo da comunidade internacional so articuladas, atingindo diretamente a nogdo de sobeania interna e externa, A discussao sobre a legitimidade de regimes politicos, a expansao do escopo das atividades da ONU, incluindo tarefas antes con- sideradas exclusivas dos Estados, a superagéo do principio do consenti- mento das partes, sdo algumas das questdes que expressam a relagdo entre a reforma da ONU e o debate mais abrangente sobre a crise com conceito de soberania. No Ambito da ONU os pafses do “Sul” tem expressado sua pre- ocupagao com relagao a flexibilizagdo do conceito de soberania, particu- larmente a partir do renascimento das operagdes de paz no final da década de 80. No entanto, mesmo estes atores, tradicionais guardides do principio de soberania, t¢m modificado sua atitude, aceitando novas formas de inter- veng4o da comunidade internacional (Childer e Urquhart, 1994), Os processos politicos no interior da ONU, que prevaleceram durante os primeiros cingilenta arios de sua historia, reforgavam a concep¢io de soberania. Esta tendéncia se expressa na defesa da soberania territorial dos Estados e na criagdo de novos Estados soberanos no processo de descolo- nizagdo (Emerson, 1965). Hoje, observa-se uma crescente preocupagio com a viabilidade e legitimidade dos estados e regimes politicos, que exige uma redefinigdo dos limites de intervencao da comunidade internacional. A natureza de regimes governamentais € 0 respeito aos direitos humanos so considerados assunto legitimamente tratados pela acdo diplomatica. Em 1991, por exemplo, a Assembléia Geral votou pela con- denacao do golpe de Estado no Haiti, contradizendo a tendéncia dominante dos paises em desenvolvimento de adotarem uma posigdo defensiva em relagdo a soberania estatal. As mudangas verificadas nos tltimos anos nas operagées da ONU representam na pratica a gestagdo de um novo conceito de inter- vencio. A operagio de paz estabelecida para facilitar e monitorar a retira- da da Africa do Sul da Namibia e a realizagao de eleigées (UNTAG, 1990) ainda funcionou de acordo com o principio do consenso e uso minimo de forca. Entretanto, jé se verificou uma expansao significativa das atividades da ONU, como 0 envolvimento na administragao civil, na organizagao de eleigdes e em atividades policiais. Durante a operagio na Nicaragua (ONUCA 1989-1992), que visava monitorar o acordo de Esquipulas I, pela primeira vez a ONU participou de um esforgo de desmilitarizacio, O BRASIL E A REFORMA DA ONU 81 recolhendo e destruindo armamentos. A missiio que monitorou o processo eleitoral no Haiti (ONUVEH, 1990-1991) foi significativa, pois as tarefas empreendidas tinham cardter ao mesmo tempo militar e civil, envolvendo as dimensées de seguranga e direitos humanos. A revisio do conceito de seguranga internacional, incluindo a dimensio:de direitos humanos, tem implicagdes importantes no que con- cerne a legitimidade da intervengdo da comunidade internacional em assuntos domésticos. Nesse sentido, a resolugio 688, aprovada pelo Conselho de Seguranga em abril de 1991, segundo a qual a repressiio das populagées curdas e xiitas do Iraque pelo governo de Saddam Hussein con- stitui uma ameaga A paz e seguranga internacional, representa a primeira vinculagéo explfcita entre seguranga e direitos humanos, embora o Conselho j4 houvesse considerado suas responsabilidades no campo dos direitos humanos no caso da Rodésia e da Africa do Sul. De fato, nos alti- mos anos, a determinagdo formal, segundo o artigo 39 da Carta, de que uma ameaga A paz e A seguranga deve ser detectada, antes da autorizag’io de acées contidas no capftulo VIL. tem se tornado um limite processual ¢ nao substantivo a atuag3o da organizagao (Berdal, 1996). Contudo, historicamente, a reagdo a intervengdo internacional no campo dos direitos humanos, a partir de uma posicao defensiva em relag&o ao conceito de soberania, tem sido expressiva. Assim, apenas em dezembro de 1993 foi possfvel a criagdo de um Alto Comissariado da ONU- para Direitos Humanos. Os mecanismos de seguranga da ONU foram elaborados objeti- vando tratar de conflitos entre Estados. Porém, nos tltimos anos, os con- flitos intra-estatais tm sido mais freqiientes, gerando crises de cardter humanitdrio mais dramaticas. Nestas situagdes, o princfpio do- consenti- mento das partes dificilmente podera ser respeitado. De fato, nas operagdes no Camboja (UNTAC), em Angola (UNAVEM II), na ex-loguslavia (UNPROFOR) e na Somalia (ONOSOM) este princfpio nao foi respeitado. As resolugdes do Conselho de Seguranga condenando a invasiio do Kuwait pelo Iraque em agosto de 1990 dao inicio as ages de imposigao de paz (“peace enforcement”) da ONU no pés Guerra Fria. O texto do secretdrio-geral Boutrous Boutros-Ghali, que tenta analisar as transfor- maces em curso e projetar a organizaco para a nova configuragio do sis- tema internacional, expressa a tensio entre 0 conceito de soberania ¢ 0 novo comportamento da ONU. Em seu texto “Agenda para Paz”, o secretdrio geral distingue quatro 4reas de atuagdio da ONU: diplomacia pre- ventiva, construcio da paz — subdividida em imposigio da paz (“‘peace- 82 LUA NOVA N° 46—99 enforcement”) e manutengio da paz (“peace keeping”) — e construgao da paz apés os conflitos. (Boutrous, 1992), Em janeiro de 1995, o secretario geral publicou um suplemento & “Agenda para Paz” no qual ele ressalta as mudan¢as qualitativas das operacGes de paz, que agora incluiriam a recons- trugdo de estruturas estatais, O secretario geral enfatiza que a maior parte dos conflitos tem cardter interno e que civis séo as maiores vitimas (Boutrous, 1995). Como apontam Weiss, Forsythe e Coate, o secretério tenta elaborar a nogdo de construgdo da paz (“peacemaking”), incluindo atividades tradicionalmente realizadas pela Organizagio, como a mediagaio entre as partes de um contlito, e outras, no centro da nova agenda da ONU, como sangGes econémicas e militares. Essas novas atividades entram em contradigéo com a nogdo de soberania. O secretério geral, no entanto, reafirma 0 respeito 4 nogdo tradicional de soberania, se eximindo de dis- cutir as “novas” formas de intervengao. As lacunas em seu texto séo expresso do estado atual do debate, em que a redefinigdo de conceitos ndo acompanha as mudangas politicas em curso. b - Funcionamento da organizagao Os problemas operacionais da ONU referem-se aos mecanismos de coordenagao de suas agéncias, ao financiamento de suas atividades e & capacidade militar disponfvel. As modificag6es qualitativas e quantitativas que marcaram a organizagio nos tiltimos anos geraram uma urgéncia para a resolugao destas questées. A pressio internacional, particularmente norte-americana (Departamento de Estado dos EUA, 1997) para que a administrago da orga- nizagdo seja racionalizada e a alocacio de verbas seja mais claramente defini- da, sendo as exigéncias de prestagdo de contas estabelecidas, é a face mais visfvel do problema, Em 1994 um érgio do Secretariado foi criado para cor- rigir as deturpagdes orgamentarias do Secretariado, Em julho deste ano, 0 secretdrio geral Kofi Annan anunciou uma série de medidas, em resposta & crescente pressio intemacional, para que a organizagdo se torne mais fun- cional. No entanto, as medidas tem cardter estritamente administrativo: con- gelamento do orgamento regular, supressio de 10% dos postos burocraticos; prioridade aos programas de auxilio ao desenvolvimento, a ctiagiio do posto de vice-secretario-geral e 0 funcionamento de um gabinete do secretario geral. Enquanto a ONU foi criada no pés-guerra paragarantir a paz e prevenir a guerra, a evolugdo da organizagéio foi marcada pela incorpo- ragdlo de novas problemdticas, particularmente no campo sécio-econdmico. ‘O BRASIL E A REFORMA DA ONU 83 Desta forma, uma série de deformagées estruturais foram geradas. Os pro- blemas de coordenagao, duplicagio de atividades e definigiio de jurisdicdes so muito sérios e podem ser observados nas recentes operacdes multifun- cionais da organizagao (Righter, 1995). Os interesses particularistas e a politica burocrdtica impedem esforgos de racionalizagio, de forma que, em alguns casos, se deveria contemplar a possibilidade de eliminar determi- nadas agéncias do sistema. As agéncias especializadas no campo sécio-econémico, por exemplo, seriam, de acordo com a carta da ONU, coordenadas pelo Conselho Econ6mico e Social. No entanto, as agéncias especializadas tém suas proprias constituigdes internas e diregdes e 0 escopo de suas ativi dades nao foi previsto. O problema é particularmente grave nesta drea pois, além das cinco comissées regionais do Conselho Econémico e Social, 15 outras agéncias esto formalmente relacionadas ao conselho e programas especiais foram criados para lidar com questées especificas. A criagdo de novos érgdos, como a Comissio para Desen- volvimento Sustentavel, nfo tem sido acompanhada da necesséria adequagao estrutural (Woroniecki, 1995). Observa-se uma sobreposigao de jurisdigées. Por exemplo, no tratamento da tortura estéo envolvidas a Sub-Comissio de Direitos Humanos, o Conselho Econémico e Social, a Assembléia Geral, a Comissao contra Tortura, a Comissao Européia contra Tortura, e a Comissio. Internacional da Cruz Vermelha. A expansao das atividades da organizagio gera uma demanda de recursos financeiros ja escassos. O orcamento anual para operacées de paz, por exemplo, cresceu em 4 bilhdes de délares entre 1991 e 1993. As pro- postas para a resolugdo do problema versam sobre mecanismos para garan- tir o pagamento de contribuigdes, transferéncia de custos de operagées de paz para 0 orcamento de defesa dos Estados membros, unificagiio do orgamento (Fundacio Ford, 1993), geragio de impostos destinados a organizacdo (Evans, 1993). A delegagdo de fungoes & organizagoes regionais, coalizées tem- pordrias de paises, governos individuais, e até organizagdes néo governa- mentais tem sido discutida como uma possfvel resposta ao problema orga- mentdrio e a necessidade de descentralizar operagdes, ao mesmo tempo em que uma maior coordenagdo das atividades seria gerada. Um dos problemas mais graves que a ONU enfrenta hoje é a fragilidade de sua capacidade militar, especialmente no que se refere a0 controle das operagGes autorizadas pelo Conselho de Seguranga. De acor- do com a carta da ONU, as operagées de imposigio da paz deveriam ser 84 LUA NOVA N° 46 —~ 99 controladas pelo Comité Militar (“Military Staff Committee”). No entanto, assim como na Coréia, hd quarenta anos atrés, durante operacdo no Golfo Pérsico 0 controle da operagdo coube ao Estado norte-americano. De fato, © comité militar ndo tém funcionado desde 1947. As dificuldades da ope- rag4o na Somilia, quando o controle da operago coube ao secretério geral, ressaltam a necessidade de reformar o sistema. Enquanto a criagdo de forgas permanentes da ONU teria um custo militar e polftico muito alto, uma proposta mais préxima & realidade seria a criagio de unidades nacionais em reserva, especialmente para a Organizagao. c- Regionalizagdo Aconcepgio original da ONU incorpora a idéia de cooperagao entre a ONU e organizagoes regionais. Contudo, a posi¢éo hegem6nica, no momento de gestagdo da organizagao, era de que estas deveriam estar claramente subordinadas 4 organizagao de cardter universal. Observa-se a influéncia da perspectiva wilsoniana, que tende a identificar o regionalis- mo com aliangas competitivas e conflituoses (Claude, 1983, p. 113-114). Por outro lado, durante a Guerra Fria, organizagées regionais eram vistas como extensao do conflito bipolar. Entretanto, o capitulo XVIII da Carta sugere a possibilidade de uma divisao funcional de trabalho entre organi- zagdes regionais e a ONU (Barnett, 1995, p 413). Com 0 final da Guerra Fria, a cooperagio entre a ONU e orga- nizag6es regionais voltou a ser discutida intensamente. Boutrous Boutros- Ghali ressalta, em seu relatério, os aspectos positivos da descentralizagao, delegagdio e cooperagio possfveis, quando houver uma articulagdo entre os esforgos da ONU e as organizagdes regionais (Boutrous, 1992). Asupervisao dos acordos de paz na Nicarégua pela ONU foi uma experiéncia significativa de cooperagéo com uma organizagao regional — a Organizagaio dos Estados Americanos. No Camboja, na Libéria, em Burundi e Ruanda, no Haiti e El Salvador e na Bésnia a cooperagao entre a ONU e as organizagGes regionais foi efetivada, com diferentes graus de sucesso. O maior conhecimento das realidades locais, afinidades cultu- rais e hist6ricas, as vantagens funcionais da descentralizagao de atividades, ea legitimidade das organizagées regionais no “Sul” sao algumas das van- tagens mencionadas. A criagdo de centros regionais de diplomacia preven- tiva e construgdo da paz (Evans, 1993) e a delegagaio da nomeagio de membros do conselho de seguranga a grupos regionais sao alguns dos temas dessa agenda. O BRASIL E A REFORMA DA ONU 85 d - Democratizagdo O debate sobre a necessidade de democratizar a Organizagao tem focalizado duas questdes centrais: (a) 0 processo decisério dentro da organizagdo e (b) a representagao de atores estatais, As propostas sobre a democratizagiio do processo decisdrio den- tro da organizagio incluem formulagdes sobre (1) O equilfbrio de poder entre a Assembléia Geral e o Conselho de Seguranga; (II) a necessidade de ampliar 0 Conselho de Seguranga e mudar o sistema de veto; e (III) 0 esta- belecimento de critérios mais claros sobre a jurisdi¢gao do Conselho de Seguranga ¢ 0 papel da Corte Internacional de Justiga neste contexto. Historicamente, as propostas do movimento nio alinhado e do grupo dds 77 tém representado uma tentativa de discutir a democratizagéo da organizagdo. Essas tém, tradicionalmente, enfatizado a necessidade de reforcar 0 papel e o poder da Assembiéia Geral. O modelo elaborado pela Fundagdo Rajiv Gandhi expressa esta posigdo. Propde-se que a Assembiia esteja envolvida nos processos de diplomacia preventiva é trate de ameagas nao militares 4 paz, sugere ainda a formacio de uma comissio da Assembléia para prevengdo e resoiugiio de conilitos. Por outro lado, a restric&io & imposigfio do veto por membros do Conselho de Seguranga as situagdes em que a implementagdo de sangées ¢ o uso de forca militar est’io sendo discutidas representaria uma restrigdo & atuagdo do conselho (Rajiv Gandhi Memorial, 1994). Annecessidade de reformar 0 Conselho de Seguranca vem sendo discutida desde 0 infcio da década de 90, como conseqiiéncia da maior relevancia internacional da ONU no pds Guerra Fria e do questionamento de sua autoridade enquanto 6rgao executivo da Organizagdo. A representa- tividade do Conselho € questionada do ponto de vista geopolitico, estando 0s paises do “Sul” subrepresentados e porque os pafses com maior capaci- dade de contribuir para a manutengdo da paz ndo esto propriamente re- presentados (Russet, O’Neill, Sutterlin, 1996). AS discussdes tem como eixos as possibilidades de expansio do Conselho e a modificagio de sistema de votagdo. As maiores dificuldades referem-se, por um lado, em atingir um consenso que possa ser aprovado, de acordo com a carta da ONU por 2/3 da Assembléia Geral e pelos mem- bros permanentes do Conselho de Seguranga (art. 108), ¢, por outro lado, a manutengdo de um equilfbrio entre representatividade e eficiéncia. A resolugao 47/62 da Assembléia Geral de 1] de dezembro de 1992 convidou os Estados membros a apresentarem propostas referentes & 86 LUA NOVA N° 46 — 99 reforma do Conselho de Seguranga e mais de 100 pafses apresentaram su- gestdes. A 47* sesso da Assembiéia Geral decidiu criar um grupo especial de trabalho para discutir a expansao do Conselho de Seguranga. Aaceitacao do principio de ampliagao deste 6rgio, a inclusdo da Alemanha e do Japio, mesmo que com um status especial, ¢ a necessidade de encontrar uma férmula para a representagiio de paises da Asia, Africae América Latina é 0 consenso minimo do qual partem as discuss6es. A cria- gao de uma terceira categoria de membros é uma proposta que tem tido apoio significativo; membros semi-permanentes ou membros permanentes sem direito a veto, ou 0 “meio veto” sao algumas das sugestées em pauta. A representacdo regional da Asia, Africa e América Latina, apoiada pela comunidade internacional, inclusive pelo governo norte ame- ricano, gera outras questdes de dificil resolugiio. A decisio sobre quais pafses representarao estas regides, sobre o cardter desta representagdo e sobre 0 acesso ao direito de veto so alguns dos problemas que deverdo ser resolvidos. Quanto ao sistema de votagdo, as propostas em discussdo incluem a reforma do sistema de veto, por exemplo a limitagdo de dreas em que 0 veto possa ser aplicado, a criagéio de um sistema de votagao que per- mitiria ao Conselho se sobrepor a um veto, 0 aumento do ntimero de vetos necessarios para eliminar uma resolugdo, 0 aumento do ndmero de votos positivos necessérios para aprovar uma decisao. A atuaciio do Conselho de Seguranga tem sido muito criticada tendo em vista a influéncia de interesses particulares e deliberages infor- mais. Por exemplo, durante a Guerra do Golfo Pérsico teriam prevalecido 0s interesses ¢ a lideranca dos EUA. A democratizagio do processo decisério implica a criacao de critérios transparentes e capazes de limitar a influéncia dos interesses particulares de atores poderosos. No contexto do Conselho de Seguranga este é um assunto particularmente sensivel. O esta- belecimento de mecanismos de “gatilho automético”, que obrigassem o conselho a discutir determinados problemas (Weiss, Forsythe e Coate, 1994, p. 94) é uma sugestdo em pauta. Critérios objetivos estabeleceriam quando uma decisio deveria ser tomada; estes critérios poderiam incluir 0 ntimero de refugiados ou mortos ou ainda o requerimento de uma comis- so independente. Assim, as agdes da comunidade internacional seriam geradas com base na natureza do problema e ndo nos interesses particulares de um ou varios atores. Observa-se hoje um interesse renovado no papel que a Corte Internacional de Justiga poderia preencher na resolugdo de controvérsias. A O BRASIL E A REFORMA DA ONU 87 Assembléia Geral aprovou diversas resoluges, incentivando os Estados membros a utilizar a Corte para a resolucao de controvérsias, buscando for- talecer a mesma. Em 1989, 0 comité especial da carta iniciou um estudo para fortalecer o papel da Corte Internacional de Justiga. Dentro do préprio Conselho de Seguranga o recurso & Corte tem sido discutido, como no caso do genocfdio na Bésnia Herzegovina, em Ruanda e do incidente aéreo de Lockerbie. Enquanto 0 cendrio internacional durante a Guerra Fria dificul- tava a referéncia 4 Corte por parte do Conselho de Seguranga, hoje esta possibilidade estd em aberto (Bernal, 1995). De acordo com os principios estabelecidos em 1945, quando a Corte foi criada, sua competéncia refere-se a deliberar sobre os con- tenciosos entre Estados, a partir da interpretagdo do direito internacional, entretanto, no contexto do debate sobre a democratizagiio da ONU seu papel na distribuicdo de poder entre as agéncias da organizagio vem sendo discutido. A democratizagaio da ONU deve incorporar formas de represen- tag4o da sociedade civil, seja enquanto atores coletivos — organizagies, movimentos e asscciacées de diferentes tipos seja enquanto individuos. A participagio de atores nfo-estatais nos debates promovidos pela ONU teve como marco as conferéncias internacionais realizadas a partir do infcio dos anos 90. Embora as resolugées das conferéncias nao sejam mandatérias, elas tém criado um novo patamar de legitimidade para as discuss6es sobre o meio ambiente, a codificagdo de conceitos de igualdade social e o avango das relagGes entre géneros. A Conferéncia sobre 0 Meio Ambiente e Desenvolvimento, rea- lizada no Rio de Janeiro em 1992, é freqiientemente considerada um marco nas relagdes entre ONGs e a ONU!. No entanto, desde a realizagio da Conferéncia de Estocolmo em 1972, a relagdo entre as ONGs e a ONU vem se desenvolvendo, gerando formas de cooperacio entre as agéncias inter- governamentais e nfo governamentais e uma influéncia significativa das ONGs na elaboragdo de agendas politicas. Esse processo nao se restringe a rea ambiental, incluindo esforgos no campo do desenvolvimento, politica de populacao, direitos da mulher, politica de satide e direitos humanos (Willetts, 1996). ' Ver General Review of Arrangments for Consultations with Non-Governmental Organisations. Report of the Secretary-General, documento da ONU E/AC. 70/1994/5 26105194. 88 LUA NOVA N? 46 — 99 Uma organizacio ndo-governamental pode, em principio, ser credenciadas junto 4 ONU, desde que tenha uma estrutura internacional, nfo defenda o uso de violéncia, nfo seja um partido politico, nao vise 0 lucro, nao tenha sido estabelecida por governos e apdie o trabalho da ONU (Willetts, 1996), No entanto, a gestagao de uma relagZo de cooperagao e consultas entre as organizagGes ndo-governamentais e a ONU nao responde a uma série de questdes referentes a representagio e participagiio da sociedade civil na Organizagao. Se, por um lado, essas organizagdes sofrem de um déficit democrdatico, decorrente de sua prépria estrutura interna, e representam apenas uma forma de organizagio coletiva da sociedade civil, por outro lado, critérios mais universais ¢ transparentes de representagao e participagao devem ser estabelecidos. e - Desenvolvimento O relatério do secretdrio geral das Nagdes Unidas de 1994 é expressdio da pressdo existente na comunidade internacional para que a organizaydo tenha um papel mais efetivo no incentivo ao desenvolvimen- to, particularmente em um contexto em que a relagdo entre paz e desen- volvimento esté firmemente estabelecida, (Boutrous, 1994). Esta conexdo gerou a sugestio, presente no relatério, de um “desenvolvimento preventi- vo € curative”, acompanhando os objetivos de uma diplomacia preventiva e da construgao da paz. AS propostas mais concretas neste campo incluem a criagdo de um conselho de seguranga econémico, ou a criagdo de uma sessao econémica do Consetho de Seguranga, e uma maior coordenagio entre os 6rgdos do sistema ONU que lidam com questdes socio-econémicas, par- ticularmente entre o Conselho Econémico e Social e as agéncias especia- lizadas, como a Organizagdo Mundial de Satide ou a Organizacao para Agricultura e Alimentagiio. A preocupago com a coordenagio e dupli- cacao de atividades no campo social econémico foi expressa pelos paises que compéem 0 G-7 nos encontros de 1995 e 1996 em Halifax e Lyon. Eles concordaram que o Conselho Econémico e Social deveria ser mais claro na definig&o das estratégias da organizagiio nesta 4rea e que havia necessidade de rever os programas e agéncias de ajuda humanitédria, assisténcia ao desenvolvimento e andlise estatistica, no sentido de evitar a duplicagao e atividades (Departamento de Estado dos EUA, 1997). debate sobre o papel da ONU na efetivacio de politicas fun- cionais, a partir da atuagdo de seus rgios funcionais, e na elaboracao de O BRASIL E A REFORMA DA ONU 89 uma agenda distributiva deverd ter continuidade e tende a expressar 0 con- flito entre diferentes concepgdes de governabilidade global. A PERSPECTIVA BRASILEIRA A atual posigao brasileira sobre a reforma do Sistema das Nacées Unidas pode ser compreendida a partir de cinco atitudes bdsicas, relativas ao multilateralismo e ao pape! das organizagGes internacionais: a defesa do princfpio de soberania, a aceitagdo da internacionalizagao das estruturas de autoridade, a percepgao de que os problemas relacionados a0 desenvolvimento so responsabilidade da comunidade internacional, a preocupacao com a marginalizagdo do pais do processo decisério interna- cional, a busca de instituigdes internacionais de cardter universal. a- A defesa do principio de soberania A compreensao de que o sistema internacional est4 hoje sob pressio de forcas centrffugas e centrfpetas « de que instituigdes interna- cionais nado devem furcionar como um mecanismo de governo mundial leva a elite deciséria brasileira a enfatizar a necessidade de proteger a dimensio interna e externa da soberania estatal, em um contexto de cres- cente interdependéncia. Observa-se, particularmente depois do impeachment do presi- dente Collor de Mello, a presenga de uma posigio defensiva quanto a0 intervencionismo da comunidade internacional em questdes como direitos humanos, ecologia, tratico de drogas ¢ terrorismo. Alguns eventos colo- caram 0 governo brasileiro em uma posi¢ao particularmente delicada, como 0 assassinato de jovens no Rio de Janeiro em julho de 1993, o mas- sacre de indios ianomani em agosto de 1993 e a discussdo sobre a devas- tagdo da floresta amazénica. Quanto ao debate sobre a reforma do Sistema das Nagdes Unidas, a posi¢do brasileira tem favorecido a discussio de procedimentos, em detrimento do debate sobre a mudanga dos direitos de intervengdo da Organizagao. Assim sendo, diplomatas brasileiros tém se mostrado céticos quanto as propostas presentes no relatério do secretério geral de 1992. A visio de que a Organizagao deva exercer uma fungio “pacificadora”. a despeito das posigdes das partes envolvidas, é considerada especialmente problematica (Macieira, 1994). Quando o Brasil preencheu uma das vagas tempordrias no Conselho de Seguranga em 1993-1993, o pais se absteve 90 LUA NOVA N° 45 — 99 quando da votagio do fim do embargo de armas em regides da ex- Toguslavia e quando a intervengao no Haiti foi votada. Ademais, a repre- sentagao brasileira ndjo favoreceu as operagées de imposico da paz na Somélia e em Ruanda. A defesa do principio de soberania é acompanhada de esforgos no sentido de afirmar a legitimidade do pafs enquanto um ator central no cenério internacional. Assim, a tentativa de alcancar um equilibrio entre a aceitagao da crescente rede de normas internacionais e condicionalidades e a proteg%o da soberania estatal pode ser observada. Enquanto a elite deciséria tem incorporado uma compreensao mais sofisticada da crescente interdependéncia entre sociedades nacionais no campo econémico, social, politico e cultural e do papel das organizagdes internacionais, no contexto de uma visdo dualista do sistema internacional, a defesa do principio de soberania estatal constitui-se em uma pega central da estrutura do discurso e comportamento oficiais. b-A internacionalizagéo das estruturas de poder e autoridade governo brasileiro tem participado ativamente das discussées que objetivam gerar normas internacionais capazes de lidar com problemas ambientais, relativas aos direitos humanos, ¢ a ndo-proliferagdo de armas. Durante a conferéncia sobre o meio ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992 um tratamento equilibrado entre a protegao do meio ambiente c 0 incentivo ao desenvolvimento foi uma caracteristica da posigao brasileira, em conjunto com pafses como a China e a {ndia. Os dois princfpios que os representantes brasileiros apoiaram foram que problemas ambientais sdo de natureza global e que a responsabilidade relativa a estes deve ser diferenciada, proporcional & capacidade econémica dos paises. Desde 1972, quando a conferéncia de Estocolmo foi realizada, a posicdo brasileira quanto & constitui¢géo de normas internacionais para a proteciio do meio ambiente modificou-se de forma significativa. Durante os anos 70 e 80 a idéia de incompatibilidade entre desenvolvimento e pro- tegéio ambiental prevalecia. Durante 0 governo Sarney, apesar da posi¢io defensiva do governo face & pressdo internacional quanto ao desenvolvi- mento da regiao amaz6nica, diversas medidas (0 monitoramento e fisca- lizagio de queimadas, a suspensdo de incentivos para a criagdo de animais e a agricultura na regio, a criagdo de reservas extrativistas) forram imple- mentadas, objetivando gerar uma imagem de responsabilidade ambiental. Essa tendéncia teve continuidade no perfodo posterior. Embora, de uma O BRASIL E A REFORMA DA ONU OL forma geral, 0 efeito das decisdes da conferéncia de 1992 tenha sido limi- tado, observa-se uma preocupagao da elite deciséria em participar de ini- ciativas multilaterais e aceitar as normas estabelecidas pelos regimes de maior sucesso, como o regime de protegdo da camada de ozénio e o regime da Antértica (Viola & Ferreira, 1996). Durante a II Conferéncia Internacional sobre 0 Meio Ambiente (Viena, 1993), tendo o Embaixador Gilberto Sabdia presidido 0 comité de redacio da conferéncia, os representantes brasileiros enfatizaram a relagdo entre direitos humanos e desenvolvimento (Trindade, 1994), de acordo com uma tendéncia mais geral de tratar direitos humanos em um contexto mais amplo, incluindo aspectos politicos, sociais, culturais e econdmicos. Acriagdo de um programa da ONU de assisténcia material e financeira aos projetos e instituigdes nacionais diretamente relacionados a protecao de direitos humanos e ao fortalecimento do Estado de direito foi defendida pelo Brasil. Depois do fim do regime militar foi possfvel ao governo brasileiro restabelecer seu papel no debate internacional sobre direitos humanos, tendo a Conferéncia de Viena representado um momento de afir- magao da posicao brasileira neste campo. De fato, desde 1985 observa-se uma gradual transformagao da perspectiva adotada pelo governo brasileiro. Neste ano, o governo decidiu aderir a trés tratados de protegdo de direitos humanos (Convengao Americana e os dois pactos da ONU sobre direitos humanos), tendo estes sido ratificados apenas em 1992. Durante as conferéncias sobre populagdo e desenvolvimento no Cairo em 1994, sobre desenvolvimento social em Copenhague em 1995 e sobre mulheres em 1995, os representantes brasileiros tenderam a defender uma visao universalista, reiterando a relagdo entre direitos humanos e desenvolvimento: uma perspectiva que tem marcado a posigao brasileira desde a segunda metade dos anos 80. Por outro lado, diversos estudos tém estabelecido a tendéncia do governo, em colaboragiio com as organizagGes nao governamentais e redes institucionais locais, de incorporar as normus estabelecidas no contexto das tltimas conferéncias internacionais da ONU. Este comportamento expressa uma preocupagdo em alcangar maior legitimidade internacional e uma compreensdo de que a crescente rede de normas e regras interna- cionais é uma das facetas do processo de internacionalizagdo de estruturas de poder e autoridade. Quanto ao regime de nao-proliferagiio, o Brasil tem assumido um perfil ativo na gestagdo de um regime de ndo-proliferacao na América 92 LUA NOVA N° 46 — 99 do Sul, enquanto a assinatura do tratado de ndo-proliferagao foi possivel apenas depois de um longo processo de negociagdo (Wrobel, 1996). O tratado de Tlatelolco foi assinado em 1994, o pafs aderiu ao regime de con- trole de tecnologia para misscis e a0 grupo de fornecedores nucleares. Ademiais, a Constituigdo de 1988 profbe o desenvolvimento de tecnologia nuclear para fins nao pacificos. Apesar da aceitagdo visfvel das normas internacionais neste campo, é importante observar que o debate em torno da assinatura do TNP expressa uma visdo, ainda vigente, de que o tratado tem cardter discriminatério. Os governos brasileiros nos tltimos anos tém apoiado a criagdo de normas quanto & producio e distribuicéo de arma- mentos. O Congresso jd aprovou a legislagdo necessdria para o controle de exportagdo de bens e servigos com aplicagao militar e as informages sobre armas convencionais s&o periodicamente fornecidas ao registro da ONU, estabelecido em 1991. A posigao brasileira, participando da elaboragiio e negociacao de normas internacionais e aceitando jurisdigées multilaterais, expressa a com- preensdo de que hoje hd uma relacao inegdvel entre a insergdo ‘internacional do pais e a internacionalizagao das estruturas de poder e autoridade. c¢ - O desenvolvimento e a comunidade internacional O ministro das Relagées Exteriores, embaixador Aratijo Castro, ao abrir a sessio da Assembiéia Geral da ONU trés décadas atrds afirmou que 0 desarmamento, o desenvolvimento e a descolonizagio eram as tare- fas fundamentais da organizagio. De acordo com o ministro Celso Amorim, na ocasido da abertura da 48, reunido anual da ONU, a organi- zagdo hoje também deve enfrentar trés tarefas: democracia, ‘desenvolvi- mento e desarmamento. Tendo em vista a posigdo internacional do pais, nao é surpreendente que seus representantes insistam quanto a relevancia de tratar a questao do desenvolvimento em féruns multilaterais. Contudo, & esclarecedor que os novos temas da agenda internacional tenham sido sistematicamente articulados ao problema do desenvolvimento econémi- co e social. Assim, os debates sobre direitos humanos, terrorismo, meio ambiente, novos conceitos de seguranga, género, tem sido abordados a partir desta ética. Por outro lado, podemos observar que a énfase dada aos proble- mas ligados ao desenvolvimento € articulada 4 defesa da soberania do Estado, ainda percebida como responsdvel por fornecer garantias ao desen- volvimento nacional. De acordo com esta perspectiva, o pafs apoiou a pro- © BRASIL E A REFORMA DA ONU 93 dugao pelo secret4rio geral da ONU da “Agenda para o Desenvolvimento”, © qual complementou a “Agenda para a Paz” de 1992. d- A preocupagao com a “exclusao” do pats Podemos detectar nos tltimos anos, no discurso e pratica dos elaboradores da polftica externa brasileira, uma preocupagéo com a “exclusdo” do pafs do centro da politica internacional, e tentativas de construgéo de uma estratégia de insergio (Lafer & Fonseca, 1994). Embora este nao seja um tema novo, as mudangas sistémicas recentes e a preocupagiio com a “década perdida” geraram uma renovagio desta discussao. Esta tendéncia foi expressa quando o pafs foi candidato a uma cadeira no Conselho Executivo da Liga das Nagdes? e, quando, em 1945, pretendeu ser um dos membros permanentes do Conselho de Seguranga da ONU. Esta perspectiva pode ser observada hoje, quando o governo busca estabelecer a legitimidade da candidatura do Brasil a um assento perma- nente no Conselho de Seguranga da ONU, e quando a mudanga da imagem internacional do pafs torna-se objeto de atuagdo do Estado. O argumento contra a marginalizagao do pais, a despeito da rea- lidade sécio-econémica e da posigao relativa do Brasil na hierarquia de Estados, prope que a diversidade cultural e étnica, a presenga de carac- terfsticas de um pafs em desenvolvimento e outras de um pafs do primeiro mundo, a tradigdo de uma politica externa coerente e¢ de uma diplomacia sofisticada, a natureza pacffica das relagdes internacionais do pafs, favore- cem uma participagéo mais intensa no processo decisério internacional (Abdenur, 1994), Durante 0 governo do presidente Itamar Franco, 0 Brasil apre- sentou sua candidatura a um assento permanente no Conselho de Seguranga e 0 governo de Fernando Henrique Cardoso manteve a mesma posigdo. O argumento tem sido de que a composi¢do do Conselho deve expressar as mudangas verificadas no sistema internacional, particular- mente a emergéncia de pafses em desenvolvimento no cendrio mundial. Um conselho mais representativo teria maior legitimidade, o que favorecia a sua eficiéncia. O Brasil € um candidato forte em decorréncia de sua 2 Em 1923 0 Brasil deixou a organizagio como consequéncia da crise politica gerada pela exclusio do pais do Conselho Executivo. 94 LUA NOVA N? 46 — 99 tradigao diplomatica como mediador internacional e como resultado de sua participacdo ativa na organizagao (Amorim, 1995, 1996). A relevancia da candidatura atual decorre da percepgdo, men- cionada acima, quanto internacionalizagiio das estruturas de poder e autori- dade, do debate sobre a reforma do Sistema das Nagdes Unidas, descrito na primeira parte deste trabalho, e da maior importancia que o 6rgao executivo da ONU adquiriu a partir do fim da Guerra Fria (Macieira, 1994). A estabilizagéo da economia, a democratizagao politica do pais ea participagao brasileira no debate internacional sobre 0 meio ambiente, direitos humanos e nao proliferagdo de armamentos favorecem a mudanca da imagem internacional do pais. Esta realidade tem sido explorada pelo aparato diplomatico e pelos érgaos executivos do Estado. e- A busca de instituigdes de cardter universal: A presenga de uma visao “idealista” do sistema internacional pode ser observada na cultura internacional das elites politicas brasileiras. “3m 1907, quando o pafs participou da II Conferéncia de Paz de Haia, 0 Toco do discurso dos representantes brasileiros foi a relevancia das normas do direito internacional e da resolugo negociada de conflitos. Naquele contexto, os “paradigmas de Haia” foram gerados e a tradigao de defesa do ideal de uma sociedade internacional, bascada em principios universais e 0 apoio sistematico ao papel da razdo e mediagao na resolugao de conflitos internacionais estebeleceu rafzes. A visio de que a ONU ocupa, ou deveria ocupar, uma posigao central na geracéio de normas internacionais é resultado da visio de que usta agéncia é a nica A disposigdo de quase todos os Estados soberanos e capaz de gerar uma ordem internacional baseada no direito universal. Neste contexto, a despeito da candidatura do pafs a um assento permanente no Conselho de Seguranga, diplomatas brasileiros tém expressado a visio de que o papel e as funcées da Assembléia Geral devem ser renovados e que © Conselho de Seguranga deve operar de acordo com critérios clara- mente estabelecidos e transparentes (Sandenberg, 1993, 1994, 1995). A preservagio das credenciais universais e representativas da Organizagao tem sido um tema abordado com insisténcia pela elite deciséria. © governo brasileiro tem apoiado a idéia de que a ONU é 0 canal preferencial para a solugao de conflitos e manutengio da paz e segu- ranga internacional. As operagées de paz so percebidas como a expresso mais efetiva do papel da ONU na conformagao da ordem internacional. © BRASIL E A REFORMA DA ONU 95 Conseqiientemente, 0 Brasil tem participado ativamente das operagées de paz. Os princfpios a partir dos quais tem sido efetivadas tradi- cionalmente — acordo prévio das partes, imparcialidade, uso minimo de forga — tém sido apoiados pelos governos brasileiros. Militares brasileiros participaram em operagdes no Oriente Médio, na América Central, nos Balcis e na Africa. A participagao brasileira é particularmente importante na misso em Angola. Depois de 1989, observa-se uma diversificagdo da contribuicéo do pais. A partir do final da Guerra Fria, diplomatas brasileiros tem manifestado sua preocupagdo com a falta de imparcialidade e consentimento prévio das partes em algumas operagées. Por outro lado, © governo tem afirmado sua preferéncia pelo revigoramento das fungdes de seguranga coletiva da organizagao previstas nos capitulos VI e VII da carta, em contraposigao & transferéncia deste papel parra organizagées militares regionais (Alvez, 1996). As conferéncias internacionais realizadas nos tiltimos anos sdo consideradas foros relevantes, nos quais os diferentes pafses podem estar representados. A preparagdo para cada uma das conferéncias tem envolvi- do o Itamarati, outras agéncias do aparato de Estado e setores da sociedade civil. Em cada uma destas conferéncias, além das tendéncias j4 men- cicnadas, os representantes brasileiros t¢m concentrado esforgos na busca de um equilfbrio entre interesses particulares, realidades culturais ¢ reli- giosas particulares e ideais universais. CONCLUSAO Podemos assim concluir que as posig6es brasileiras quanto & reforma do Sistema das Nagées Unidas no presente debate tém sido e de- verdo ser balizadas pelas cinco tendéncias detectadas. Essas tendéncias, por sua vez, refletem 0 movimento de inserciio do pats na politica interna- cional no pés Guerra Fria. As dificuldades e possibilidades de contribuir para as discussdes sobre a reforma da ONU podem ser interpretadas como indicadores deste movimento. Aexisténcia de elos histéricos com a ONU, desde a sua criagdo, a despeito da posigdo marginal do pais no processo decisério da mesma, a congruéncia entre o cardter universal e inclusivo da ONU e um dos ele- mentos da cultura politica internacional brasileira, o papel da organizagiio como foro de discussdo para uma série de quest6es que concernem aos pafses em desenvolvimento e o lugar ocupado hoje pela discussio sobre a 96 LUA NOVA N° 46 — 99. reforma e 0 novo papel da ONU na agenda internacional explicam a relevancia do atual debate para os formuladores da politica brasileira Contudo, devemos ressaltar as dificuldades de elaboragao de uma politica internacional coerente no presente contexto. Em primeiro lugar, a tensdo entre as tendéncias detectadas pode ser observada. Neste sentido, é importante enfatizar a dificil convivéncia entre, por um lado, a busca de uma maior participagdo no processo decisério internacional, a percepgao de que uma rede de normas internacionais cada vez mais densa e efetiva se conforma, e, por outro, a defesa de uma esfera de soberania interna e externa, Ademais, a tradigdo universalista da cultura politica internacional brasileira se confronta com uma crescente tendéncia & oligar- quizagdo das relagGes internacionais. Em segundo lugar, observa-se um comportamento em que a crescente relevancia das relagdes multilaterais, reconhecida pelos princi- pais atores e analistas do sistema internacional contemporaneo, nao tém gerado uma politica de constituigao de aliangas diversificadas. Um proces- 50 interativo, e nao relativo, face aos processos politicos internacionais s6 pode ser construido em contextos multilaterais regionais ou a partir da demarcagio da confluéncia de interesses em Areas especificas. A partici- pacdo brasileira no processo de reforma da ONU poderia ser mais produ va se redes de interagdo multilateral fossem fomentadas. A preocupagaio com a “exclusao” do pais do processo decisério nao pode ser considerada a partir de uma pratica unilateral. Finalmente, a alocagao de recursos materiais e politicos para maior participacdo brasileira nas organizagdes funcionais da ONU, nas operagées de paz e no processo decisorio deverd ser discutida na sociedade brasileira. A politica internacional do pafs, e em particular, a insercdo brasileira no sistema ONU, s6 poderio adquirir coeréncia e continuidade a partir da constituigao de esferas de consenso quanto a necessdria alocagao de recursos, Os eixos do debate sobre a reforma da ONU sao expresso de um processo politico internacional em que as normas do sistema interna- cional sao constantemente reavaliadas e redefinidas. O Estado e outros atores coletivos nacionais sero pecas e/ou jogadores neste quadro. Este texto é apenas um convite a retlexdo, MONICA HERZ ¢ doutora em Relagdes Internacionais pela London School of Economics and Political Science ¢ professora do Instituto de Relacdes Internacionais IRI da PUC/RJ. O BRASIL E A REFORMA DA ONU 97 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ABDENUR, Roberto (1994). “A politica Extema Brasileira ¢ 0 “Sentimento de Exclusio™ in Gélson Fonseca Jr & Sérgio Henrique Nabuco de Castro (org.). Temas de Politica Externa Brasileira Il. Rio de Janeiro, Paz e Terra, pp. 31-46. ALVAREZ, José E. “Judging the Security Council”. American Journal of International Law v.90 n, 1, 1996, pp. 1-39. ALVEZ, Lauro Soutello (1996). “O Brasil © as operagdes de paz da ONU. Caria Internacional n. 37, p. 3. AMORIM, Celso (1995). “O Brasil e o Conselho de Seguranga da ONU". Politica Externa n. 3. AMORIM, Celso (1996). “A Reforma da ONU". Estudos Avangados n. 43, Instituto de Estudos Avangados/USP. BARNETT, Michael (1995). “Partners in Peace? 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