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IMAGO Revista de Emblemitia y Cultura Vistal oi: 10.7203/inago-+.1737 [Nim 4.2012] pp 79.95 ISSN DIGITAL 2254-6633 -IMPRESO 2171-0147 «O ENGENHO E A ARTE» DE CAMOES NOS EMBLEMAS DAS FESTAS QUE SE FIZERAM PELO CASAMENTO DEL REY D. AFFONSO VI ‘THE «INGENUITY AND ART» OF CAMOES IN THE EMBLEMS OF FESTAS (QUE SE FIZERAM PELO CASAMENTO DEL REY D.AFFONSO VI [FESTIVITIES CELEBRATED ON THE OCCASION OF THE MARRRIAGE OF KING AFONSO VI] Filipa Medeiros Unersidace de Coimbra CIEC ABSTRACT: This study aims to offer an interpretation of the possible meanings of the ‘emblematic images and verses of Camdes present in the triumphal arches erected for the royal wedding of Afonso VI and Maria Francisca de Saboia (1666), through the analysis of the epithalamic album entitled Festas que se izerio pelo Cazamento del Rey D. Affonso VI Itstexts and symbolic watercolors are of great artistic and cultural interest, because they derive their inspiration from the emblem books of the period in order to disseminate political messages that can be readin multiple ways. KEYWORDS: Emblematics, Ephemeral Art, Marriage, Baroque Courts, Caméer. RESUMEN: Este estudio pretende realizar una aproximacin a los posibles significados de las imagenes emblematicas y los versos camonianos presentes en los arcos del triunfo de las fiestas del matrimonio de Afonso VI de Portugal con Maria Francisca de Saboia (1666), me diame ef anilisis del dlbum eplialimicy thulado Festas que se flzerdo pelo Cazamento del Rey D. Affonso VI. Sus textos y acuarelas simbilicas son de gran interés artistico y cultural, pues se inspiran en las composiciones de los libros de emblemas del periodo para difundir mensajes politicos de doble lectura, PALABRAS CLAVES: emblematica, arte efimero, matrimonio, cortes barrocas, Camoes, Fecha de recepcién: 1-4-2012 / Fecha de aceptaci6n: 22-6-2012 Filipa Megeiros A FESTA BARROCA COMO INSTRUMENTO PUBLICITA- RIO DA IDEOLOGIA POLITICA «Cantando espalharei por toda a parte, / Se 4 tanto me ajudar 0 engenho e arte» (Lusia- das, 1.15-16). Assim expressa Cambes a sua vontade de revestir de fama eterna a me- méria gloriosa dor reiz conquistadores © de todos os que fogem a maldicao do rio Letes, ‘empunhando as armas épicas na luta contra a efemeridade humana. Fste topos postico, ristalizado por Homero através do simile entre as geragSes humanas e as folhas das vores (Ilfada, VI. 181), evidencia ocontras- le entre o desejo de eternidade e a conscién- ia da mortalidade que sempre atormentou 9s filhos de Prometeu. No context lusitano, a vontade de superar as limitagoes impostas pelas leis naturais alancou a sua maxima expresso na epopeia camoniana, que viu 0 seu sentido patridtico reforgado na sequén- cia da Restaurag3o da Independéncia, pois celebrizava simultaneamente os dois instru- mentos mais eficazes para conquistar uma centelha de imortalidade: a espada ea pena. ‘A «tuba canora e belicosa» de Camoes recorria, assim, aos artificios inspimdos por Caliope para erigir um testemunho aere pe- rennius (Hor., Odes, Il, 30), insensivela erasao dos tempos e as vicissitudes da fortuna. Sa- bemos, porém, que o irénieo devir dos acon- tecimentos fez com que o povo dominador de um vasto Império Ultramarino perdesse a propria autonomia, num contexto em que 0 quadro politico europeu registava profundas alteragies, semeando oclima deincertera, a ‘mesmo tempo que alimentava a volatil rede de influéncias entre as principais casas rei nantes. Foi precisamente a consciéncia de sa atmosiera global 0 agente promotor das grandiosas encenagdes festivas nas cortes do Barroco, vidas por se admirar a si mesmas e causar admiragio, através de espectaculos que se exgotavam no regodjo de uma reali dade faustosa mas efémera (Alvarez, 1996: 7). Esse principio ditou a mudanca dos eédi 40% estéticos ao longo do século XVII no sen. tido da exuberanca omamental, colocando © convencimento emocional dos sentidos rno cere das manifestagoes artisticas, como preconizava a teoria do «bel composton desen- vyolvida por Bernini. A capacidade persuast- va da Arte foi entio habilmente aproveitada pelos governes absolutistas, que recorriam a cestratégiae propagandistica: aparatosas para impressionar os espectadores directos ¢ in- directos. Este fenémeno atingiu a sua maxi ma expressao nas ocasides festivas de maior tradico ¢ mais expressiva participacdo po- pular: as entradas régias.” 1 impora saliemar que © erincipe dos Foetasy nao era apenas um simbolo de ongulo naconalsta, nem 3 sua pond poli ser corsparada a um vulgar texto de redsténca, muito cm voga ma Gpoxa. A exalacSo ca superio- ‘dade de camoes. enguanio genio posice, envelveu a sua ligura com um Ralo transcendental, de tal forms que 2s profeciascamponianas ¢ a utopia do Quinto Império so consderaias arevelacbes equivalentes da dimensdo ‘mstinicada forma meni do portuguts de Seiscentos» (Pires, 1982: 67). 2. Deste modo a lesa deve ser entendida como espaho de um determinado contexto social, na medida em que cxprime asrelerencias do imaginario vigenteem cada época, pele que representa um «manifesto da esencialrea- lidade de um reino, uma espéciede cpfania na qual acomunidade podia contemplar-se asi mesma em toda 3 sua ‘ohacrentawociale polices (Alvares,1996¢ 12}. 3. Bes actos assumiam-s como o wénice dos rituaspitlicos do poders, uma ver que eciavam os mitosfun- adores dapropia sodedade da sua casa real (Aavier, 2008: 217). Noque dz respeito 3 caso portugues, © rao olicial dos ronisias medievais tende a descrever as enadasrégas como uma marifestaio espontinea das ge no entanta, a parr d> read de D. Duane, nooU-s uma preecupacao crescente cm SQcaIHAE 0 MONaFe, 35- similando as rtuais d Igrea, nomeadamente a proteco do pal (Alves, 1986: 20). Fssa tendénca foi refoxada no periodo humanist, adaplando a um propasito sceular o Formato dis majstosas procissces de Corpus Christ € das solenes festvidades pasais (Strong, 1984: 19). 0 protocolo [oi evluindo até que em 1502 se estabeleceu © Regimonto dar Entradas em ishoa, que implicavam tm cerimonial complexe com dots components essen: 3 dramatizacéo da tomada de posse os rtuas de hospialidade. 30 IMAGO, NUM.4 2012, 79-95 «0 engenho e aarte> Desde os primérdios da civilizagio que «os actos celebrativor ritmam pontuam 3 vida das sociedades» (Pereira, 2000: 9), pelo que a sua funggo social e politica ganhou particular relevancia -e eficacia— num mo- mento em que a maioria das monarquias cid batalha: extra muros, os soberanos lutavam contra as ambigies imperialistas rivats; in- tra murss, resistiam a0 descontentamento popular causado pelos sacrificios bélicos As estas reais tornaram-se, entao, precio- sas aliadas para fortalecer a consciéndia de identidade nacional e proporconavam, também, uma forma de evasdo que dise traia 0s siibditos e favorecia a empatia com ‘0s governantes. Além disso, os festejos de- empenhavam um importante papel peda- ‘gégico na medida em que todo 0 aparato visual era concebido de forma a transmitir sterminados conteiidos ideolégicos, atra- 's de cendrios fantastices, rapidamente fa- Dricados. Este mecanismo de manipulagio popular, descendente do classico panem ct circenses, enganava a fome com lautos ban- quetes de pompa ¢ luxo, compondo um verdadeiro teatro institucional, de modo a que a festa se transformasse num «evento institucionalizado dirigido as massas anéni mas e controlado pelos detentores do poder mondrquico» (Tedim, 2009: 55), De facto, a transcendéncia politica destas ceriménias piblicas ¢ 0 seu cardcter repre: sentativo proporcionavam excelentes oca- sides para homenagear os reinantes, mas também a cidade e © povo que os recebiam (Zapata, 2008: ADR). Ora, & nessa perspect. va que devem ser interpretadas as celebra- ‘gBes em honra do casamento de D. Alonso VI com D. Maria Francisca de Sabsia. No verio de 1666, a capital do reino portugués tais combatia em duas frentes de A. Katte efémere ‘manifestaybes perenes (1 descrtvas dos eventos a que esiveram asociadas. pollen eso IMAGO,NUM. 4,2012,79-85 > tmodan catcan por vere ger im, 2009.56), pelo que nao se deve igneraro seu contribulo para 2 his ‘Aléi disss, a magnlcénda de algumas produySes justileou o eu tesgate através de folie, cra, de cengalanou-se para receber Suas Majestades, que benevolamente partihavam 3 =u3 fel Cidade com a multidao, movida pela curio- sidade de ver os protagonistas do poder ¢ comovida pela sumptuosidade do cortej. De facto, a representacao plastica dos ideais politicos revestia os e:pagis urbanios de ex caniamento, forialecendo a conviegio de que Portugal estava a viver uma exa doura da, pela mio do seu rei Vitorieo, Toda essa ilusio dptics, sustentada por «onstrugdes fantisticas, maquinas de sonhos ¢ inven- Bes» (Tedim, 2009: 54), geralmente assina- das por artistas de renome, veio comprovar 4s potencialidades da arte clémera ao servi o da Fama eterna.* Nao devemos, por isso, desconsiderar a qualidade eriativa e a fungio simblics des sas realizacbes que geralmente colmatavam a brevidade da sua existéncia com a ousadia experimental dos seus projectos. de modo a cumpriro seu objectivo performativo junto da opinido pablica. O programa festivo as sumia-se, assim, como um produto cultural € artistico que conjugava tradigao e inova- fo, configurando a teatralizagso de uma situagéo hist6rico-social através de temas ¢ simbolos seleccionados de acordo com um determinado fim ideolégico, numa relagio dinimica entre formatos estereotipados ¢ contextos de aplicagio multe particulares (Jacquot, 1979: 13). As bodas de Afonso VI reencarnavam, portanto, numa ceriménia de longa tradigio © com uma morfologia muito propria, de modo a adequar a lin- guagem artistica € os meios de comunica- Gio intervenientes aos diferentes niveis de capiagio do publico (Alves, 1986: 9). Pre- tendia-se, entdo, unira sociedade a volta do filho do Resiaurador, para que 0 encontro aleg6rico entre ocortejo real ea turba forta moves tendncas posterirmentec tse rlacts o, mais um mecanismo publidtirc do sistema due asin pretendia perpetuar cin gravuras a ondem hicréuica des parichans e a nagiilces ‘a das leividades, para que fowsem difunddas no su tempo e rocordadas no Teturo (Alvarez, 1996: 21) 81

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