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ERA UMA VEZ…

Quem nunca reparou nos olhinhos abertos e reluzentes das crianças


quando estão ouvindo um conto de fadas? Por que as mesmas estórias que
fascinaram nossos avós quando criança continuam fascinando as crianças de
agora?

A resposta pode estar no fato de que os contos de fadas oferecem às


crianças novas dimensões para o seu universo imaginário. A criança se
identifica com o herói; sofre e triunfa com ele no final.

A criança sabe que existem pessoas boas e más e ela tem que fazer uma
escolha de que tipo de pessoa ela quer ser. Os contos de fadas ajudam nessa
escolha porque há polarizações. “Com quem eu quero me parecer: com o herói
ou com o vilão?”

Para Bruno Bettelheim, que se dedicou à psicologia infantil, os contos de


fadas contribuem psicologicamente para o crescimento interno das crianças.
Estas estórias mostram, de forma simbólica, os passos necessários para o
crescimento e a conquista da independência. Elas ajudam as crianças a
entederem elas mesmas de uma forma inconsciente e a encontrarem a solução
para aquilo que as incomodam.

Os Três Porquinhos, por exemplo, mostra como o planejamento


inteligente e o trabalho árduo nos levam a conquista. Os três porquinhos podem
ser entendidos como um símbolo do homem em seu progresso na história. Eles
representam estágios de desenvolvimento. O desaparecimento dos dois
primeiros porquinhos não é traumático. Para evoluir, temos que deixar certas
formas mais rudimentares de existência. É como se os três porquinhos fossem,
na verdade, um só em três estágios de amadurecimento. A estória não só
ensina que há desenvolvimento, mas que o desenvolvimento inteligente resulta
em vitória sobre aqueles que querem o nosso mal.

O Chapeuzinho Vermelho mostra que confiar nas aparentes boas


intenções nos deixa expostos ao perigo. Na estória, Chapeuzinho usa uma
roupa vermelha, cor que simboliza emoções fortes, inclusives de conotação
sexual. Mas Chapeuzinho é muito pequena e inocente e acaba por se deixar
enganar pelo lobo.

Chapeuzinho encontra com o lobo vestido com as roupas da vovó.


Chapeuzinho pergunta pelas grandes mãos, nariz, orelhas, olhos e boca. Aí está
uma clara referência aos cinco sentidos. Todos os sentidos fazem parte do
mundo infantil, e a criança os usam para compreender o mundo a sua volta.

Tanto a vovó quanto Chapeuzinho acabam sendo engolidas pelo lobo.


Neste conto de fadas, a figura masculina é divida em dois opostos: o lobo, que
representa o sedutor perigoso; e o caçador, que é responsável, uma figura
paterna, que resgata Chapeuzinho.

O caçador faz uma operação no lobo, uma verdadeira cesariana, e a vovó


e Chapeuzinho renascem. Chapeuzinho não é agora a inocente criatura do
passado. A Chapeuzinho que renasce toma a iniciativa de colocar pedras no
estômago do lobo para matá-lo; uma representação de que ela sabe agora como
se defender dos perigos. Simboliza uma transformação interior, um
amadurecimento.

E o que a criança capta dessas estórias? A criança entende que


transformação é possível. Nos contos de fada os processos de transformações
internas são traduzidos em imagens visuais. Mostra a criança que, apesar de
todas as atribulações, ela triunfará no final. Isto dá a criança segurança, força e
auto-confiança no seu processo de amadurecimento.
Denise Maria Osborne é mestranda em Lingüística Aplicada no Teachers
College Columbia University (Nova York) e professora de português como
língua estrangeira. dmdcame@yahoo.com

Artigo originalmente publicado pelo Jornal Clarim (Minas Gerais, Brasil):

Osborne, D. (2009, April 24). Era uma vez. Clarim, Ano 14, n. 665, p. A2.

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