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SERIE TEMAS rhritik und Gesellichafe MS CruCMgG 196954 Copyright © Suhrkamp Verlag Feankfurt am Main 1969 Editor Femando Paixio Editor de arte Marcello Aranjo Impresso nas oficinas da Grafica Palas Athena ISBN 85 08 06667-8 1998 Todos os direitos reservados SUMARIO Critica cultural e sociedade A consciéncia da sociologia do conhecimento Spengler apés o declinio O ataque de Veblen a cultura Aldous Huxley e a utopia Moda intemporal — sobre o jazz Em defesa de Bach contra seus admiradores Arnold Schoenberg (1874-1951) Museu Valéry Proust George e Hofmannsthal — correspondéncia: 1891-1906 Caracterizagio de Walter Benjamin Anotagées sobre Kafka Notas Anexo: : Réplica a uma critica a “Moda intemporal D B 0 Caracterizacgao de Walter Benjamin* e escutar os rumores do dia, como se fossem os acordes da eternidade. Karl Kraus O nome do filésofo, que acabou com a sua prépria vida durante a fuga ante os esbirros de Hitler, foi ganhando uma aura nos mais de vinte anos que desde entdo transcorreram, e isso apesar do cariter esotérico dos seus primeiros trabalhos e fragmentirio dos tikimos. A fascinagio de sua pessoa e oewore s6 deixou a alternativa da mag- nética atragao ou da rejei¢ao horrorizada. Sob o olhar de suas pala- vras — onde quer que ele cafsse —, tudo se metamorfoseava, como se tivesse tornado radioativo. A capacidade de incessantemente pro- jetar novos aspectos — nao tanto mediante a ruptura critica de con- veng6es quanto pela maneira, dada pela sua organizagio intrinseca, de se comportar em relago ao objeto, como se as convengdes nio tivessem poder sobre ele —dificilmente conseguir também ser cap- tada pelo conceito de originalidade. Nenhuma das intuigdes desse pensador inesgotavel apresentava-se como mera intuigao. O sujeito, a quem pessoalmente cabiam todas as experiéncias fundantes que a rm 1950, publicado em Die Newe Rundichan, 1950. No caso deste texto, excep de comam acordo com os traduores do vo, por eprodusie a tradugio de Flivio R. Kothe W. Adorno. Gabriel Coha, org, ‘Kiica, 1986 (Colegio Grandes Cientsas Soi, vol 54). (NE) snizopoR W. ADORNO fiosfin oficial contemporines apenas discute de modo forma, parecia ao mesmo tempo nio ter nenuma participagio nelas, mes” tho porque a sua maneira, sobretudo a arte da formulagio ase, tinea — definitiva —, também se despojou do que, no sentido tradicional, 6 espontineo e esfuziante, Ele nio dava a impressio de seralguém que criavaa verdade ou a adquiria 20 pensa, mas de que 4 citava pelo peasamento como um refinado instrumento de conke cimento, no qual ela imprimia a sua marea. Nada tinha do filocofs; segundo o padrio tradicional. O que ele mesmo accescentou aos seus achados nio foi tampouco algo vivo e “orginico”; comparé le um criador seria errar pela base. A subjetividade do seu pensamen. to inclinava-se mais para a diferenga especifica; o momento idiossin. critico de seu préprio intelecto, o que cle tinha de singular — voltar-se para aquilo que, no modo tradicional de filosofar, seria considerado ocasional, efémero ¢ totalmente insignificante — con- firmava-se nele como a via de acesso a0 obrigatsrio. A frase de que no conhecimento o mais individual é o mais universal ajusta-se-he inteiramente, Se, na era da divergéncia radical entre consciéncia social ¢ consciéncia das ciéncias naturais, nao fosse profundamente suspeita toda analogia fisica, entio se poderia efetivamence falas, no caso dele, da energia da desintegracio atdmica intelectual. Diante da sua inssténcia dissolvia-se o indissolivel; apoderava-se do essen- cial exatamente If onde 0 muro da mera facticidade veda inexora- velmente tudo que é enganosamente essencial. Falando 20 modo de formula, movia-o um impulso de romper com uma légica que se limita a encobrir 0 particular na teia do geral, ou que 56 abstrai 0 geral do particular. Ele queria compreender o essencial ali onde ele no se deixa destilar numa operagio automitica, nem se deixa vis lumbrar de um modo diibio: adivinhé-lo metodicamente a partir ds configuracio de elementos alheios & significagio. O rebus [2 visada da coisa] torna-se o modelo de sua filosofia. Mas, & sua planejada marginalidade, corresponde a sua SY lade. Ela nao reside nem num efeito magico (que ne? era estranho), nem numa “objetividade” como mera submersio © sujeito naquelas constelagdes. Ela provém muito mais de wo a4 que a departamentalizagio do espirito costuma reservar & 278 0 que, convertido em teoria, ibera-se da aparéncia ¢ adquire HT pardvel dignidade: a promessa da felicidade. O que Benjamin 24 | sins escrevia soava como se 0 pensa contos de fdas e dos lvrox infra minine lireral que torna perceptivel a mesmo areshefan ee mado Ho mento. Em sua topografiafloscfies iva do coal © que radicalmente se recurs é a rentincia, Quem com ele conversvaseninse oe eee que, através das frestas da porta taneal, cosopee oe Iuzes da drvore de natal Mas tl prometi mb cone' razio, a propria verdade, nfo o seu reflexoimpotte New ae o pensamento de Benjamin uma eriaio a pay do nats oe compensagao, uma dédiva a pari do lena ele queda tecaen tudo 0 que 0 espitito de acomodagio ede autopretenagio prof no prazer, em que os sentidos eo intlecto se crutam. Emsevenaie sobre Proust, ele definiu a busca da flicidade coma o moti dese artista, 20 qual estava unido por afinidade dletiva de se errar quando se busca af a origem de uma paxi, & qual se devem duas das mais perfeitas wadugdes da lingua alemi: ade A Pombre des jennes files en fleur ea de Le cdté de Guermantes. Mas, assim como em Proust a busca da flicidae aleang sua dimensio mais profunda na densa sobrecarga do romance da dslusio — que culmina mortalmente na Recherche d temps perdu — asim tan- bbéma adesio a felicidade negada é paga em Benjamin com uma rs- teza, da qual a hist6ria da flosofia dé tio poucotestemunho quanto da utopia do dia radioso. Ele nio é menos aparentado com Kafka do aque com Proust. Que posts have infin epeans 6 que oo para nés, poderia servir de mote para a sua metafic, alguna ¥ ele tivesse se dignado a escrever algo assim; € nao € gratuito Oat cemne da sua obra tedrica mais desenvolvida, 0 livro sobre 0 frat barroco, encontra-se a construgi daesteza como iki seo transformacional; a alegoria da salvagio. A subjetiv eal ‘e Precipta no abismo das sigaiicaes “ormse gars Oe milage, pois anunca a propria aio divin” Bevis °9 as suas fases, pensou simtultaneamente 0 ocato do suite 107” S80 do ser hiumano, Isso define © imbito macrocbsmice 2S microcdsmicas ele watou de examina: odode Pois o elemento diferenciador de su filosofis ie i Concregio. Como o seu pensar trata de — para dle, nome ‘om empenhos sempre renovados, asim © Promessas dos Secunia erepe- us ‘THEODOR W. ADORNO- das coisas ¢ dos homens é 0 prot rellexdo procura reconstruir tal nome. Nisso ele parece enceng a. com a tendéncia geral, contriria 20 idealismo e 4 teotia do conhe. Gimento, que queria chegar “As proprias coisas”, a0 invés det derivado mental, ¢ que encontrou a sua expressio doutrniig fenomenologia ena endéncis otoléicsligadas sea Mego as diferengas decisivas entre os filsofos sempre se esconden ruances, ¢ como o mais irreconcilivel €aquilo que mais se ase tha (endo, contudo, alimentado a partir de centros diferentes assim Benjamin se comporta em relagio i hoje tio aceita ideology do concreto. Conseguiu desvendé-la como mera miseara do cee ceito que passa a errar em torno de si mesmo, assim como rejeitou o conceito existencialista ontolégico de histéria como uma simples diluigao, na qual a matéria da dialética histérica havia sido evapo- rada. O reconhecimento critico do Nietzsche tardio no sentido de que a verdade nio é idéntica 20 universal atemporal, mas que tio somente o histérico ministra a configuragio do absoluto, é um cnone que ele seguiu em seu procedimento, sem talvez conhecé-l. © programa esté formulado numa nota de sua fragmentéria obra principal, segundo a qual “o eterno , em todo caso, antes uma do- bra na vestimenta do que uma idéia”. Com isso, ele de modo algum pretendia inocentemente ilustrar conceitos com coloridos objetos histéricos, como o fez Simmel ao expor a sua singela metafsica da forma e da vida na asa do vaso, no ator, em Veneza. Pelo contriro, 0 seu desesperado esforco no sentido de escapar a prisio do con- formismo cultural obedecia a constelag6es do hist6rico que nio sio redutiveis a meros exemplos permutiveis de idéias, mas que no entanto, em sua peculiaridade, constituem as idéias como sendo e mesmas histéricas. A oe ‘Tso Ihe acarretou a fama de ensafsta. Até hoje a sua aura ainda’ a do refinado “literato”, como ele mesmo, com aay seis coquetismo, te-se-ia denominado, Em vista da imtensio shee A sua reeigio da desgastada tematic da filsofa¢ su janie costumava chamé-lo de linguagem de gigol6 —; acaba mal-ente” bastante fécil rejeitar o cliché de ensaista como um mero 0 e atuagio de for dido. Mas apelar para mal-entendidos na asfo « a om magées espirituais nfo leva a muito longe, Isso peter ag ser-em-si do contetido independente de seu destin ipo de toda esperanga ¢ sug Prisuas mesmo do que 0 autor entio concebia, coisa que, em princip pode alguma vez ser fxado, ¢ ctamente, jamais no aah a escritor tio multestratficadoe fragmentirio quanto Benjamin, Mae entendidos sio 0 meio de comunicasio do nio-comunicivel.O rep. to de que um ensaio sobre as passagens parisienses contenba waka filosofia do que cogitacdes sobre o ser do ente, se coaduna mais com @ sentido da obra de Benjamin do que a busca daquele arcabougo conceitual auto-idéntico que ele mandou para o depésito de trastes lids, a0 nao respeitar os limites entre o literatoe o filoséfico, fee dda necessidade empirica a sua virtude inteligivel. Para sua prépria vergonha, as universidades 0 recusaram, enquanto nele o antiquirio se sentia atraido pelo académico com a mesma ironia da atragio de um Kafka pelas companhias de seguros. A pérfida acusagio de set superintelectualizado perseguiu-o a0 longo de toda a sua vida: um bonzo existencialista ousou xingé-lo como “um possuido pelo deménio”, como se o sofrimento daquele que é dominado pelo espirito, tornando-o estranho, fosse a sua metafisica condenagio & morte; s6 porque perturba a vivaz relagio eu-tu. Na verdade, 0 ‘mero jogo de sutilezas verbais Ihe era estranho até 0 imago. Ou seja, cle despertava 0 dio porque o seu olhar, iavoluntariamente, sem qualquer intencio polémica, mostrava o mundo habitual no estado de eclipse que é sua iluminagio permanente. Ao mesmo tempo, no entanto, 0 incomensurével de sua natureza, impossivel de superar por titica alguma e incapaz de fazer 0 jogo social na reptblica dos «spiritos, permitiu-lhe, em compensacio, ganhar a vida, por si mes- mo e sem qualquer protecio, como ensaista. [sso estimulow infini- tamente 2 agilidade de seu senso profundo. Com uma risedela calada, aprendeu a demonstrar o cariter oco das arcaicas pretenses da prima philosophia. Todas as suas manifestagdes estdo i mesma distancia do ponto central. Os artigos dispersos na Literarische Welt ¢ na Frankfurter Zeitung nao testemunham menos essa tenaz intengio do que os livros ¢ os grandes ensaios da Zeitschrift fiir Sozialforschung. A mixima contida na Einbabnstrasse [Via de mio Sinica] — de que hoje todos os golpes decisivos seriam dados com a ‘mao esquerda — foi seguida por ele mesmo, sem, no entanto, aban- donar minimamente a verdade. Até mesmo os jogos literdrios mais preciosistas funcionam como estudos para a chef d'ocwore, apesar de, a0 mesmo tempo, desconfiar fundamentalmente desse género. 27 226 Bt amass sss E HEEL ESHEE ‘THEODOR W. ADORNO __ O ensaio como forma consiste na capacidade de hist6rico, as manifestagdes do espirito objetivo, a “culnmee Pt ® se fossem natureza. Benjamin tinha essa eapacidade ert? 80 ‘ome Todo o seu pensamento podetia ser designado come ng natural”. Todos os elementos fossilizados,congelados ou oh one , $ 04 obsolty da culeura, tudo o que nela perdeu a aconchegante vivseidng isso Ihe falava como a0 colecionador falam o petrefare nt? no herbério. Entre os seus utensilios favorites contr ng Pat nas esferas de video, dessas que contém uma puisagem, sole natureza-morta, nature morte, poderia ser escrta no umbral decors labirintos filoséficos. Em Benjamin, ganha uma posicio-chave 0 conceito hegeliano de segunda natureza enquanto objetivagio de relagoes humanas alienadas de si mesmas, bem como 1 categoria marxista do fetichismo da mercadoria, O que o fascina no éapenss — como na alegoria — despertar no que estava petrificado a vida congelada, mas também considerar 0 que esta vivo de modo tal que se apresente 0 que hi muito jé transcorreu, 0 “proto-histérico” para liberar de subito a significagio. Mesmo a filosofia se apropria do fetichismo da mercadoria: para ela, tudo tem de se encantar em coisa para desencantar o ruim da coisidade. Esse pensamento esté Gio saturado de cultura como objeto natural, que ele conju a coi ficagio a0 invés de opor-se irreconciliavelmente a cla, Essa 2 oi gem da tendéncia de Benjamin para ceder a sua energia esprtul 0 totalmente antittico. Expresso méxima disso é seu trabalho sobre a obra de arte na época de sua reprodutbilidade técnica. O seu filosofar tem o olhar de Medusa. Se nessa filosofia o coneeito de mito ocupa o lugar central como oposto ao ato de reconciliato (06 menos em sua fase mais antiga, reconhecidamente teolégica),

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