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Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Mestrado em Sociologia
2ºciclo

Área de especialização em Desenvolvimento e Políticas Sociais

Disciplina
Sociologia da Deficiência e da Reabilitação

Tema

Representações sociais e atitudes sobre a deficiência

Docente: Professor Doutor Carlos Veiga


Discentes: Diana Borges
Vítor Andrade

Braga, Junho 2008


“A cada um conforme as suas necessidades
De cada um conforme as suas possibilidades”
Marx e Engels, 1848

Representações sociais e atitudes sobre a deficiência

A apreensão das diferenças inicia-se no período esclavagista com os


escravos a garantirem a infra-estrutura necessária para que os homens livres
praticassem o ócio.
A partir desta altura surge o paradigma espartano com a valorização da
ginástica, da estética, da beleza, da perfeição do corpo e da força pois,
dedicavam-se predominantemente à guerra e as boas condições físicas lhes
eram exigidas. Deste modo, as crianças que nascessem com alguma
deformação que não se encaixava nos padrões estabelecidos eram eliminadas.
Ao longo da Idade Média a deficiência física é vista como pecado,
perversidade ou castigo por um erro cometido pelos pais ou algum familiar.
O século XVI apesar de impulsionar novas formas de produção, de
descobertas científicas que potenciaram melhores condições para os seres
humanos continuou a estigmatizar, discriminar as pessoas com deficiência
rotulando-as de seres sem alma, anormais, demónios, loucos, etc.
Assim, ao longo dos tempos, o desfigurado, o anormal ou simplesmente,
a pessoa com deficiência foi e continua a ser considerada “pelos seus
familiares e pelo grupo social como erros, como castigos divinos, desprezados
e injuriados (…) como expressão máxima do confronto que estabelecem com
as pré-configurações idealizadas do ser humano” (Veiga, 2006:17). Desta
forma, a ignorância, os estereótipos, os preconceitos, a superstição e o medo
foram, e ainda são, factores sócio-culturais que isola(ra)m, marginaliza(ra)m e
desvaloriza(ra)m as pessoas com deficiência, dificultando o seu
desenvolvimento e inclusão na sociedade.
Neste sentido, é preciso desconstruir mitos, preconceitos e outros
sentimentos negativos a respeito das pessoas com deficiência. Os estereótipos
surgem como frutos do preconceito, que por sua vez tem como matéria-prima o
desconhecimento, que é pré-concebido e as emoções, são desencadeadas
pelo contacto com a deficiência, na qual os próprios familiares criam mitos que
estão longe da necessidade e da realidade da pessoa com deficiência.
O nascimento de uma criança deficiente numa família irá desencadear uma
série de reacções, que variam conforme a severidade da deficiência e o grau
de autonomia. Quando uma criança tem uma deficiência severa ou profunda
que é detectada logo no nascimento os pais experimentam um choque
imediato. Quando a deficiência física ou mental é detectada mais tarde o
choque nos pais não é tão grave. Se por um lado a deficiência severa
nitidamente visível desculpa um comportamento público desapropriado pela
criança, por outro lado, provoca na família um estigma social e uma rejeição.
Sintetizando, as reacções dos pais e da sociedade em geral variam do
desejo que a criança morra, até à hostilidade e rejeição reprimidas e
simbólicas. Estes sentimentos, originando culpabilidade, vão resultar, na
maioria das vezes em superprotecção, preocupações excessivas, auto-
abdicação, numa tentativa de negação ou compensação dos sentimentos
hostis. Nesta lógica é conveniente expormos o conceito de representações
sociais, que na perspectiva de Moscovici (1993) implica uma relação entre o
processo cognitivo do actor e o contexto social em que este actua.
Assim, é no decorrer do convívio e na adaptação do indivíduo à sociedade que
se criam representações, uma vez que a existência humana não decorre num
vazio social.
Nas representações sociais construídas sobre os indivíduos
estigmatizados, a estrutura social existente é anterior ao nascimento do
indivíduo: “a criança já nasce no bojo de uma concepção de mundo reforçada
socialmente, ou seja, a família já possui suas próprias representações sobre a
deficiência e o deficiente. Tais valores se constituirão em referenciais que
serão reelaborados pelos sujeitos no convívio com a pluralidade dos grupos
sociais” 1. A este propósito distinguem-se duas abordagens (socialmente
construídas) acerca da forma como a sociedade percepcionou a pessoa com
deficiência. Uma é de cariz mais positivista e tende a percepcionar a deficiência
como uma limitação na funcionalidade do corpo humano seguindo o
pensamento de uma representação social baseada nos mitos, crenças e
medos associados à deficiência, gerando imagens globalmente negativas das
pessoas com deficiência. E, uma segunda de carácter mais construtivista, que

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1
Informação disponível online em http://200.156.28.7/Nucleus/media/common/Nossos_Meios_RBC_RevAbr2003_Artigo_2.rtf
resulta da interacção do sujeito com o meio social onde a representação social
que é formada em torno da deficiência é cada vez mais o resultado da própria
percepção e imagem que o sujeito com deficiência constrói de si próprio.
Esta alteração de perspectiva no modo de entender a deficiência ocorre
no contexto de transição de um “modelo médico” para um “modelo social” no
processo de reabilitação.
No paradigma médico-biológico, a deficiência é considerada como o
resultado de uma patologia individual, ou seja, as suas causas são estritamente
de natureza biológica logo, a deficiência é apenas de âmbito individual.
Eliminam qualquer hipótese de as suas causas serem provocadas pela
sociedade ou pelo meio físico e social (Veiga, 2006: 205).
O modelo social que define a deficiência como resultado da interacção
do indivíduo com o seu meio envolvente e que preconiza que a inclusão social
das pessoas com deficiência é considerada uma responsabilidade pública,
tende a emergir: à rejeição do modelo médico subjaz a ideia de que a
deficiência (física ou mental) é, à semelhança de outros conceitos, socialmente
construída” (Araújo, 2001: 121). É um modelo baseado na ideia de “patologia
social”, ou seja, a deficiência não é inerente ao indivíduo mas sim, à estrutura
social. A desvantagem da deficiência encontra-se no meio ambiente onde se
inserem as pessoas e nas situações do dia a dia com que se deparam.
As fracas condições de acessibilidade e mobilidade, o alto desemprego
e a fraca escolarização das pessoas com deficiência devem-se à inadequada
organização institucional dos sistemas sociais como os transportes, a
educação ou o trabalho que fazem com que as desvantagens vivenciadas
pelas pessoas nas situações mais rotineiras não cessem de aumentar.
Este modelo social permitiu perceber que os cidadãos deficientes lidam
fundamentalmente com limitações que lhes são extrínsecas: incapacidade da
sociedade adaptar-se às necessidades das pessoas com deficiência. Esta nova
abordagem sociológica da deficiência é concretizável por meio de
financiamentos, leis, estruturas físicas e apoios técnicos, mas
fundamentalmente através de uma maior consciencialização da sociedade para
as reais capacidades das pessoas com deficiência.
Deste modo, é necessário referir que a sociedade é regulada por regras
sociais construídas ao longo da história e que estas por sua vez regulam
comportamentos, estruturam comportamentos e atitudes sociais.
Relativamente às representações sociais da deficiência uma das regras
que vigora é o dever prestar assistência e auxílio, sentindo piedade pelas
pessoas que tiveram este triste destino. Mais regras sociais se verificam
nomeadamente, a de inculcar numa qualquer pessoa com deficiência
incapacidades que são socialmente reconhecidas a outras categorias, a
descrença na (res)socialização das pessoas com deficiência, o que reforça a
regra da marginalização que considera indesejável para as pessoas sem
deficiência estarem na presença de pessoas com deficiência, a regra da
segregação, segundo a qual é bom para as pessoas com deficiência estarem
juntas em locais próprios e o mais afastadas das pessoas normais, e ainda a
regra da dependência e improdutividade que, pressupõe incapacitados, inúteis,
anormais as pessoas com deficiência.

Políticas Sociais para a Deficiência

O modelo da sociedade industrial através dos seus agentes promove a


expansão de imagens e mensagens que descrevem a forma ideal da aparência
humana: imagens de beleza e de perfeição corporal e mental que lhes são
sugeridas pela publicidade. De facto, durante o século XX os avanços
tecnológicos e o desenvolvimento dos meios de comunicação contribuíram
para incrementar a simbólica da aparência corporal e mental idealizada. A par
de toda esta simbologia da perfeição humana que são um recurso dos poderes
económicos e sociais encontrámos a regra que considera as pessoas com
deficiência improdutivas e, concomitantemente, pela sua fraca presença no
mercado de trabalho.
É precisamente da constatação destes factos que se exige uma
intervenção por parte do Estado. Espera-se do Estado acções que, pelo
menos, apazigúem o rol de situações e problemáticas com que as pessoas
com deficiência convivem e com as quais se deparam (problemáticas/
obstáculos muitos deles ilegais!).
Nesta ordem de pensamentos, podemos começar por dizer que, a
Constituição da República Portuguesa qualifica o Estado Português,
simultaneamente, como um Estado de Direito Social e como um Estado
Democrático. Por outras palavras, o Estado português apresenta-se como um
Estado de direito social, na medida em que é obrigado a respeitar e a garantir
os direitos sociais de todos, e ao mesmo tempo, como Estado democrático
social porque tem como finalidade assegurar a participação de todas as
categorias e grupos sociais no bem-estar da comunidade (Veiga, 2006: 249).
Desde 1976, que a Constituição da República Portuguesa consagra um
Artigo dedicado às pessoas com deficiência. Neste artigo é afirmada a
igualdade dos cidadãos perante os direitos consagrados na Lei Fundamental, o
dever do Estado em realizar uma política de reabilitação e apoiar as
organizações representativas dos cidadãos com deficiência. O XV Governo
constitucional reconhece como desígnios nacionais a inclusão social, a
inserção na sociedade e a integração efectiva no mercado de trabalho das
pessoas com deficiência.
Por sua vez, é da responsabilidade do Estado impedir as condições que
levem ao aparecimento ou agravamento da deficiência, e de fazer frente aos
seus efeitos e consequências. Ao Estado compete seguir um caminho mais
solidário, assente no humanismo da respectiva política social, eliminando os
excessos, superando as incapacidades e neutralizando as resistências. O
Estado deve ser o primeiro a despertar a consciência, a sensibilização e o
reconhecimento pela população quanto às contribuições e potencialidades que
seriam alcançados com a inclusão das pessoas deficientes em todas as
esferas da vida social, económica e política, assim como os seus direitos,
necessidades e deveres. Não obstante, a responsabilidade que a sociedade
em geral, os indivíduos e as organizações em particular, têm em garantir aos
cidadãos com deficiência o usufruto dos direitos humanos.
Sendo as questões da deficiência matéria transversal, que abrange todas
as áreas e respeita a todas as entidades e organismos, sendo que em
determinadas matérias as entidades privadas sejam também chamadas a
intervir, impõe-se a Lei n.º38/2004 de 18 de Agosto, que define as Bases
Gerais do Regime Jurídico da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e
Participação da Pessoa com Deficiência. Com a presente Lei de Bases o
Governo pretende avançar uma política global, integrada e integradora, que
valoriza o desenvolvimento de acções sucessivas, agregadas, complementares
em vez de actividades esporádicas, isoladas e ocasionais, que pouco têm
colaborado para a absoluta participação das pessoas com deficiência.
Esta lei definiu como principais objectivos a promoção de igualdade de
oportunidades que permitam a participação na sociedade; promoção de
oportunidades de educação, formação e de emprego; promoção de acesso a
serviços de apoio; promoção de uma sociedade para todos através da
eliminação de barreiras e da adopção de medidas que visem a plena
participação da pessoa com deficiência.
Os princípios que estruturam a lei anteriormente citada resumem o
reflexo das orientações constitucionais e da política social do Governo,
assegurando a singularidade da pessoa com deficiência, bem como o direito à
cidadania e à não discriminação, privilegiando a autonomia daquelas pessoas.
A presente lei de bases consagra ainda o direito da pessoa com deficiência a
ser informada e esclarecida acerca dos seus direitos e deveres, assim como
também assegura a respectiva participação no planeamento e
acompanhamento da política de prevenção, habilitação e reabilitação das
pessoas com deficiência. Os princípios ora consagrados repetem e reforçam
ainda a transversalidade e a globalidade da política de prevenção, habilitação,
reabilitação das pessoas com deficiência, ao mesmo tempo que se identifica o
primado da responsabilidade pública, sem descuidar a responsabilização das
pessoas, das famílias, das instituições, das empresas e de toda a sociedade na
continuação bem sucedida da política em causa.
De acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 24º da Lei n.º38/2004 de 18 de
Agosto, “a prevenção é constituída pelas medidas que visam evitar o
aparecimento ou agravamento da deficiência e eliminar ou atenuar as suas
consequências e, por conseguinte, cabe ao Estado o dever de promover todas
as acções necessárias à efectivação da prevenção, nomeadamente de
informação e sensibilização sobre: acessibilidades; sinistralidade resultante da
circulação de veículos e de actividades laboral, doméstica e de tempos livres; o
consumo de álcool, drogas e tabaco; hábitos alimentares; cuidados peri, pré e
pós-natais; segurança, higiene e saúde no trabalho”.
Posto isto, o artigo 25.º refere que a “habilitação e a reabilitação são
constituídas pelas medidas do emprego, trabalho e formação, consumo,
segurança social, saúde, habitação e urbanismo, transportes, educação e
ensino, cultura e ciência, sistema fiscal, desporto e tempos livres, que tenham
em vista a aprendizagem e o desenvolvimento de aptidões, a autonomia e a
qualidade de vida da pessoa com deficiência”.
De acordo com a mesma Lei “ a participação é constituída pelas medidas
que asseguram a participação da pessoa com deficiência, ou respectivas
organizações representativas, nomeadamente na elaboração da legislação
sobre deficiência, execução e avaliação das políticas referidas na presente lei”
(Artigo 40.º).
Com o objectivo de promover a reabilitação, a integração e a
participação das pessoas com deficiência na sociedade, o Governo através de
uma Resolução do Conselho de Ministros 120/2006 aprovou o primeiro Plano
de Acção para a Integração das Pessoas Deficientes (PAIPDI), que vigorará
até 2009. Este Plano, que é composto por noventa e duas medidas das quais
se destacam: o arranque de um programa nacional de promoção de
acessibilidades; o aumento do apoio até 39% das principais valências sociais
nesta área; a extensão da escola inclusiva até ao Ensino Superior; a criação de
seis Centros de Novas Oportunidades para reconhecimento, validação e
certificação de competências das pessoas com deficiência e a criação de
novos programas em articulação com o tecido empresarial, no âmbito da
responsabilidade social.
O PAIPDI desenvolve-se em torno de três eixos de intervenção, estando
o primeiro ligado às acessibilidades e informação, o segundo à educação,
qualificação e promoção da inclusão laboral e o terceiro a habilitar e assegurar
condições de vida dignas.
O primeiro eixo definiu como estratégias a seguir o acesso universal ao
meio físico, ao edificado e aos transportes, à comunicação e à informação, a
promoção de mais cultura, mais desporto e mais lazer e, por último, à
promoção de uma sociedade mais tolerante para a deficiência.
Por sua vez, o segundo eixo definiu como estratégias a seguir a
promoção da educação para todos, tendo para isso de assegurar condições de
acesso e de frequência por parte dos alunos com necessidades especiais nos
estabelecimentos de educação desde o pré-escolar ao ensino superior;
habilitar os profissionais com as competências específicas que permitam
melhorar o atendimento das pessoas com deficiência ou incapacidade, dotar as
pessoas com deficiência ou incapacidade de competências e conhecimentos
necessários à obtenção de uma qualificação profissional que lhes permita
alcançar e ou manter um emprego e progredir profissionalmente no mercado
de trabalho. O último eixo definiu como estratégias a seguir a protecção e
solidariedade social e imprimir uma melhor qualidade e mais inovação no
sistema de reabilitação.
Para concluir, pode-se dizer que a implementação das medidas
enumeradas no Plano pretende contribuir para o desenvolvimento de uma
sociedade mais coesa e integradora dos cidadãos com deficiência e ainda para
um aumento significativo da qualidade de vida destes cidadãos e suas famílias.
De salientar que a par deste Plano, Portugal, na Cimeira de Lisboa
(Março de 2000) assumiu o compromisso de produzir um impacto decisivo na
erradicação da pobreza e da exclusão social. Para tal apresentou-se um Plano
Nacional de Acção para a Inclusão 2006/2008, acordado numa análise do
contexto sócio-económico e os seus reflexos sobre a pobreza e a exclusão
social, o que conduziu para a identificação de um conjunto restrito de
prioridades políticas de intervenção sendo uma delas: ultrapassar as
discriminações, reforçando a integração das pessoas com deficiência.

Em jeito de conclusão, poder-se-á dizer que as regras mostram sempre


a tendência para a estigmatização e para o recurso à exclusão social das
pessoas com deficiência atribuindo-lhes uma configuração globalmente
negativa. São as ideias erradas e preconceitos negativistas relacionados com
as capacidades das pessoas com deficiência que provocam as situações de
desigualdade e vulnerabilidade por eles vivenciadas. Para além disso, também
a existência de barreiras de várias ordens, condicionantes do percurso
educativo e formativo, do acesso ao mercado de trabalho, da mobilidade, e da
participação na sociedade de informação e de comunicação.
Diríamos então que, quando os excluídos mergulham num universo de
fragilidades, as políticas sociais têm de possuir a capacidade de abrir
horizontes de futuro, conferindo graus suficientes de confiança à vida das
pessoas. Neste caso, as representações sociais tendencialmente voltadas para
a reprodução social necessitam de ser alteradas de modo a favorecer a
produção social. Deste modo, entendemos que actualmente estas regras
sofreram alterações, no que respeita à aceitação da presença das pessoas
com deficiência na sociedade e ao reconhecimento dos seus direitos de
cidadania. Estas alterações vêm no sentido de reduzir a exclusão social
tornando a sociedade em que vivemos mais inclusiva. Podemos constatar que,
é cada vez maior o número de pessoas com deficiência que está inserido na
sociedade, ou seja, que têm um emprego, que vão à escola, que têm família,
amigos, etc. A este respeito, podemos afirmar que o conceito de integração
respeitante às pessoas com deficiência está a mudar de sentido, tornando-se
mais rigoroso e referindo-se agora à execução de actividades com valor e
utilidade social.
Contudo, a integração continua a ser uma aproximação das pessoas
com deficiência à norma e a uma imitação das pessoas sem deficiência. Como
refere Veiga “Teoricamente, a melhor solução para impedir a exclusão seria
evitar o aparecimento das deficiências através de políticas informativas e
preventivas baseadas no desenvolvimento científico e técnico. Não sendo isso,
por ora, possível, uma das regras a seguir obriga a procurar soluções de
integração social, envolvendo na sua consecução os recursos sociais postos à
disposição do campo” (Veiga, 2006: 224).
Com efeito, devem levar-se a cabo importantes esforços com o objectivo
de promover o acesso ao emprego destas pessoas, preferencialmente no
mercado normal de trabalho. Trata-se de um dos instrumentos fundamentais de
luta contra a exclusão social das pessoas com deficiência, de promoção da sua
independência assim como da sua dignidade. Esta medida requer, não
somente a activa mobilização dos parceiros sociais mas igualmente das
autoridades públicas que devem continuar a reforçar as medidas já existentes.
Para além do emprego, e intimamente ligada ao desenvolvimento social e
económico das sociedades, a educação representa, de igual modo, um dos
mais importantes passos para a autonomia e integração social dos cidadãos.
Daí a inclusão dos “deficientes” nas escolas regulares ser, cada vez mais, uma
prioridade social e implica o desenvolvimento de meios técnicos e humanos
capazes de assegurar a sua integração nas melhores condições.
As crianças que são privadas do contacto com outras realidades e
ambientes acabam por diminuir o seu desenvolvimento psico-social, intelectual
e psico-motor, o que torna a inclusão dos deficientes um problema cada vez
mais difícil de contornar. Outra consequência perversa desta situação passa
pelas crianças ditas normais não aprenderem a lidar com a diferença.
“O trabalho e a educação tornam-se, então, instrumentos fundamentais
no processo de integração dos indivíduos “portadores de deficiência” que, por
sua vez, proporcionam a diminuição da força do estigma que a “deficiência”
possui, uma vez que trabalhar implica ser reconhecido como “igual”, capaz,
responsável e útil facilitando a sua integração. Trabalhar passa a ser sinónimo
de dignidade e de exercício da cidadania”. 2
Em suma, garantir a efectivação dos direitos das pessoas sujeitas à
discriminação constitui uma condição fundamental para a concretização de
uma sociedade democrática, baseada na dignidade das pessoas. As pessoas
sujeitas à discriminação ficam impedidas de participar social e
profissionalmente, pelo que importa desenvolver competências para o exercício
da cidadania, quer junto de agentes estratégicos de intervenção social, quer
junto da população em geral. Importa ainda, introduzir nas estruturas sociais e
organizacionais as alterações necessárias para o reforço do acesso a serviços
e oportunidades essenciais, com a aplicação da legislação anti-discriminação e
o desenvolvimento de abordagens direccionadas para situações específicas.
A prossecução destes objectivos implica, por fim, direccionar
intervenções de sensibilização e mobilização para a construção de uma
sociedade inclusiva alicerçada na igualdade de oportunidades, neste sentido é
necessário um sistema de contra-regras, que se faz pela contestação do
sistema de regras sociais sobre a deficiência.
O Programa de Acção Mundial para as Pessoas com Deficiência
aprovado em 3 de Dezembro de 1982 pela Organização das Nações Unidas
(ONU), é a melhor fonte para identificar algumas das contra-regras. Este
Programa estabeleceu os princípios a seguir em favor das pessoas com
deficiência, sendo eles: o princípio da prevenção, o princípio da reabilitação e o
princípio da igualdade de oportunidades. O primeiro define-se pela “adopção de

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2
Informação disponível online em http://www.cchla.ufpb.br/paraiwa/00-dantasdasilva.html
medidas destinadas a impedir que se promovam deficiências físicas, mentais e
sensoriais (prevenção primária) ou a impedir que as deficiências, quando se
tiverem produzido, tenham consequências físicas, psicológicas e sociais
negativas”. O princípio da reabilitação consiste num “processo de duração
limitada e com um objectivo, direccionado para permitir que uma pessoa com
deficiência alcance um nível físico mental e/ou social funcional óptimo,
proporcionando-lhe assim os meios para modificar a sua própria vida”. O
princípio da igualdade de oportunidades refere-se ao “processo mediante o
qual o sistema geral da sociedade - tal como o meio físico e cultural, habitação
e transporte, os serviços sociais e sanitários, as oportunidades de educação e
de trabalho, a vida cultural e social, incluindo as instalações desportivas e de
recreio - se tornem acessíveis para todos”. Este último princípio assume-se
como uma regra fundamental à qual as legislações dos países devem
obedecer.
Após uma leitura atenta do princípio da igualdade de oportunidades
identifica-se as seguintes contra-regras: as pessoas com deficiência devem
prover das mesmas oportunidades que as pessoas sem deficiência; as
pessoas com deficiência não devem ser vítimas de discriminação; devem ser
vistas como capazes de exercer os direitos e liberdades consagrados aos seus
concidadãos e devem, ainda, ter direito à educação, ao trabalho, à segurança e
protecção social.
Não obstante, para além das contra-regras de direitos, o Programa de
Acção Mundial estipula, também, regras de deveres e obrigações relativos às
pessoas com deficiência. É o que provém da contra-regra que considera o
dever destas pessoas em participar na construção da sociedade, referindo que
para isso se tem de oferecer oportunidades de emprego e não pensões de
reforma prematura ou assistência pública aos jovens com deficiência.
Por conseguinte, no documento Standarts for Services for People Whith
Developemental Disabilities, estão contidos outros princípios que identificam
outras tantas contra-regras, sendo eles: o princípio da capacidade de
crescimento e desenvolvimento; o princípio de acessibilidade para melhorar a
independência, autonomia, bem-estar e desenvolvimento do indivíduo; o
princípio da integração no ambiente físico, social e cultural; o princípio da
interacção entre os membros da família e as pessoas sem deficiência; por
último o princípio da normalização que preconiza como regra que o dia-a-dia
das pessoas com deficiência deve ser o mais aproximado possível ao das
pessoas ditas normais.
De acordo com Veiga (2006: 238), estas e outras contra-regras,
“emergem da discussão em torno de alguns direitos essenciais, como são o
direito a estar com os outros e o direito à participação funcional e social, que
são vistos como instrumentos capazes de romper o sistema de regras sociais
negativas a que estão votadas as pessoas com deficiência e de promover a
sua reabilitação e integração social”. O direito de estar com os outros encontra-
se ligado à contra-regra da acessibilidade, que permite o acesso ao exercício
de outros direitos de cidadania tais como, o direito de ter a sua própria casa, de
frequentar a escola, de ter um emprego, de deslocar-se sem obstáculos, entre
outros. Este primeiro direito relaciona-se com o direito à sexualidade activa, a
casar e ter filhos, a escolher os amigos, entre outros. A aplicação desses
direitos visa eliminar as regras segundo as quais compete às pessoas sem
deficiência definir as escolhas das pessoas com deficiência.
Por sua vez, o direito à palavra e à liberdade de expressão relaciona-se
com a contra-regra que considera o direito das pessoas com deficiência a
serem ouvidas e ao estatuto de interlocutores.
Por fim, o direito a um papel social de adulto activo e reconhecido
socialmente, considera as pessoas com deficiência aptas a encontrarem por si
próprias o equilíbrio para a sobrevivência, assim como, para o desenvolvimento
pessoal e social. Sob este ponto de vista, trata-se também do direito a uma
imagem pessoal e a uma identidade socialmente valorizada que, pressupõem o
direito das pessoas com deficiência ao uso de vestuário e acessórios de acordo
com o seu gosto, enquadrado nos padrões sociais correntes e valorizados, e a
cursar espaços sociais valorizantes.
Porém, até no campo da reabilitação e integração existem práticas
subtis de exclusão o que permite concluir, que exclusão e integração não são
práticas antinómicas. “A própria luta contra o poder do sistema de regras
sociais sobre a deficiência que se encontra socialmente instituído fica
submergida por disposições ditas de discriminação, que embora classificadas
como positivas não deixam de se desviar desse princípio. O sucesso das
próprias lutas pela normalização e pela plena integração parece depender do
próprio desvio aos princípios e contra-regras do campo da reabilitação, quando
obriga a recorrer a práticas de excepção” (Veiga, 2006: 245), como se constata
pelos lugares reservados às pessoas com deficiência que são devidamente
assinalados e por isso estigmatizantes.
Contudo, estas práticas são necessárias porque, sem elas, a participação das
pessoas com deficiência nas actividades sociais pode tornar-se problemática.

Todas as pessoas têm o direito a serem e viverem felizes.


Bibliografia

ARAÚJO, António (2001), Cidadãos Portadores de Deficiência: o seu lugar na


Constituição da República, Coimbra Editora.

COSTA, Alfredo Bruto da (1998), Exclusões Sociais, Lisboa, Gradiva


Publicações.

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pensamento social” in J. VALA e M. B. MONTEIRO (org) (1993), Psicologia social: 353
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VEIGA, Carlos Veloso da, (2006), As Regras e as práticas: factores


organizacionais e transformações na política de reabilitação profissional das pessoas
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Webgrafia

http://www.mtss.gov.pt/docs/Paipdi.pdf
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http://200.156.28.7/Nucleus/media/common/Nossos_Meios_RBC_RevAbr2003_Artigo
_2.rtf

http://www.cchla.ufpb.br/paraiwa/00-dantasdasilva.html

Legislação Consultada

Lei 38/2004 de 18 de Agosto da Assembleia da República


Define as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e
participação da pessoa com deficiência.

Resolução Do Conselho de Ministros nº. 120/2006


Promover a inclusão social das pessoas com deficiência através da tentativa de tentar
levar a cabo práticas de uma nova geração de políticas.

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