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IVONE PERL

Introdução

Cap 1 - Um livro reaparece muito tempo depois

Cap 2 - Uma portuguesa conquista a América

Cap 3 - Darshana

Cap 4 - Richard "Anbel"

Cap 5 - Harry - Jo Kim - Kevin e Sarah

Cap 6 - O Necronomicon

Cap 7 - Enfiem eles vieram e foram

Cap 8 - Músicos de plantão

Cap 9 - Joe

Cap 10 - Os avatares

Cap 11 - Spiritus Locus

Cap 12 - T.I.A.

Cap 13 - A guitarra vermelha

Cap 14 - O caderno perdido

Cap 15 - Shows e fantasias

Capítulo 1 – Um livro reaparece muito tempo depois

IVONE PERL

Na província de Saint Marie du Ceil vivia uma família


numerosa, cujos membros sempre se dedicaram à arte de
fazer vinhos e especialmente o tipo espumante, que em outro
lugar se chama Champagne.
A parte da plantação de uvas ficava em um maravilhoso
vale além das montanhas, cuja vista era protegida da estrada e
por conseqüência, dos turistas que iam para a cidade próxima
e que sempre eram ávidos por fotografar paisagens naturais.
A família que morava nessa província e que interessa a
nossa história chamava-se Arguidon e era muito unida, já que
todos seus membros estavam felizes em serem vinhateiros.
Pai, mãe, cinco filhos, ou seja, ou seja Arguidon pai, cujo
primeiro nome era Jean Jacques, a Sra. Arguidon, nascida
Marie Thérèze Boucheron, como o perfume, e os rapazes:
Jacques, thomas, Robert, Pierre e Gustave. É claro que todos
foram a escola aprender a ler, a escrever e a fazer contas,
afinal lidando com os bancos e com a Câmara de Comércio
Européia era fundamental não se enganar nos números.
Jacques era o filho mais velho e é claro não foi poupado da
pior parte do serviço - gerenciar a vinha, lidar com os
empregados e fazer a terra produzir seu magnífico e
estonteante fruto. Thomas o ajudava da forma que podia, pois
tinha muito bom coração, além de ter um jeito muito especial
de lidar com as pessoas. Robert e Pierre eram os
encarregados da fábrica, ou melhor, de fazer os vinhos
propriamente ditos, uma vez que não sabiam lidar bem com os
empregados administrativos e adoram fazer os vinhos. Para o
caçula Gustave restou os números e o trato comercial e para
isso ele tinha muito jeito. Ah que família feliz e produtiva, faria
inveja ao Cândido de Voltaire.
O velho Jean Jacques tinha uma saúde de ferro, embora
fosse um homem de temperamento forte. Gostava de seus
vinhos, de seus pratos fortes: ratatouille e cassoulet, os patês
de lebre, as compotas de maças - todas as delícias que a
imaginação da Sra. Arguidon permitisse elaborar ou criar mais
a da cozinheira brasileira, que se metia a aventuras tropicais. O
Arguidon era o típico camponês que se tornou proprietário e
aproveitou a sorte, a criatividade, os anos bons do governo e o
azar dos concorrentes. A Casa Arguidon estava ficando
conhecida em toda a Europa e ele não tinha motivos para
maldizer a vida.
O filho mais velho, Jacques, iria se casar naquele mês e, é
claro, que as duas famílias fariam uma festa maravilhosa.
- Papai, Irene gostaria de conhecer a Grécia na nossa lua-
de-mel, o que o senhor acha?
- Para mim está tudo bem, desde que o avião seja bem
firme, o piloto um bom homem de Deus e que não tenha
nenhum terrorista sabotador. Por mim, prefiro mais nossas
praias, a Côte D'Azur. Em todo caso espero que voltem a
tempo da colheita.
Walesa já tinha lido todos os livros disponíveis naquela casa
e se preparava para pedir a seu pai que a levasse até a Livraria
Maison du Culture para comprar mais alguns. Afinal a única
coisa que a interessa em Paris são suas livrarias antigas ou
modernas.
- Minha filha deixe para o outro mês, pedirei Gustave que a
leve.
- Papai, Gustave não tem mais tempo para mim. agora é só
Salma para cá e Salma para lá e os outros estão ocupados
com os novos negócios.
- Veremos, veremos.
O velho Arguidon não tinha mais nenhuma disposição de
viajar, ainda mais à Paris. Enfim, se não agüentasse a
insistência da filha, iria. Fechado em seu escritório resolveu
folhear seus próprios livros. Muitos deles eram antigos, da
época de seu tataravô, ou, antes, alguns estavam escrito em
grego, latim, coisas que ele já esquecera. Também tinha o
pequeno livro de capa de madeira, suas letras estavam
apagadas que não davam para ler. O título fora raspado da
caixa, mas as gravuras desenhadas eram lindas. Verdadeiras
miniaturas feitas por algum miniaturista de convento. Flores,
anjos, animais e o infalível bode maléfico, escondido em um
dos lados, era preciso olhar com uma lupa para notá-lo quase
oculto atrás das palmas desenhadas. Seus olhinhos vermelhos
um dia deviam ter soltado chispas.
Aquele livrinho fora passado de geração em geração e
nunca ninguém tivera interesse em descobrir o que estava
escrito ali.
Arguidon tinha tomado uma bela taça de vinho e começava
a sentir seu efeito e o livrinho de madeira nem existia em seu
escritório, era apenas um sonho. Sono e sonhos e o infinito
túnel que nos arrasta para a morte enfim chegara.
- Senhor.
Beatriz batera à porta do escritório até que resolvera
chamar o mordomo para abrí-la com a chave reserva.
O enterro do velho Jean Jacques fora realizado em uma
tarde chuvosa e fria e Walesa não pode ir porque pegara um
forte resfriado naquele dia e ficara com a babá ardendo em
febre. Mais tarde ela resolvera andar pela casa, enquanto a
babá na cadeira e encontrara a porta do escritório de seu pai
aberta e um livrinho de madeira caído no chão, mas não era o
mesmo dos sonhos de seu pai, era apenas uma estátua.
Quando Walesa olhou para ele pensara que era uma caixa
de guardados e logo descobriu que parecia simplesmente um
livro de madeira.
A suposta capa era bem entalhada e ela resolveu levá-lo
consigo antes que seus irmãos aparecessem no escritório.
Esse livro foi a única coisa de seu pai que conseguiria levar
daquela casa, isso Walesa iria lembrar muitas vezes mais
tarde.
Durante meses sua mãe ficara triste e emudecida, mas aos
poucos fora recuperando a capacidade natural de reagir
perante qualquer circunstância e conseguira retomar o rumo
normal da sua vida naquele lugar.
Tia Irene era realmente uma ótima pessoa e fora ele quem
conseguira incentivar os demais a permitir que ela saísse dali
para estudar na Universidade. Talvez não quisesse
concorrência para Jean.
Uma longa carta de recomendação e dólares, o quanto
permitido na alfândega. Uma francesa seria bem recebida na
terra ianque?
Walesa não conseguia dormir nesse sua última noite em
Saint Marie du Ceil. Sua mente borboleteava de um
pensamento a outro, como se fosse um cavalo doido.
Era hora do café. Sua mãe viera chamá-la e como perdera
muito tempo tentando dormir, perdera a hora, então teve que
se conformar com um banho rápido demais até para uma
francesa, enquanto Anna, a babá, arrumava a bagagem
novamente.
Anna vendo a pequena caixa de madeira toda enfeitada
pensava que era uma caixinha de segredos e colocara na
frasqueira forrada de seda rosa, junto a perfumes e batons.
A caixinha de música favorita ficara esquecida dentro do
armário, então ela não poderia ouvir nenhuma daquelas
melodias tão velhas conhecidas de sua infância.
Ela chegara a Harrisonburg, University James Madison. Um
mundo diferente a aguardava.
Nosso livro de madeira era apenas uma chave para a porta
de outro lugar.
Capítulo 2 – Uma portuguesa conquista a América

IVONE PERL
Na distante cidade de Azevinhos uma jovem muito bonita,
finalmente convence a mãe a sair da santa terrinha e tentar a
sorte na América. Bem isso não é nenhuma novidade, apenas
seguir os ancestrais passos. Que todo português já nasce com
uma passagem nas mãos, só espera o melhor momento de
utilizá-la.
Já vai longe o tempo em que os portugueses se
amontoavam em um navio chinfrim, espremidos entre fados e
saudades, em busca de melhores dias. Agora a maioria
quando parte é em busca da aventura de conquistar uma parte
do paraíso prometido. Tirena simplesmente segue sua sina ao
deixar o Concelho onde nascera. Quem a olhasse vinha uma
moça de pele branca, ligeiramente sardenta covinhas nas faces
e uns olhos verdes, não desses maliciosos, mas desses que a
gente lembra de uma floresta de cedros e pinheirinhos, na
época do inverno; seus cabelos loiros e compridos estavam
sempre amarrados, de modo que todo seu rosto sempre estava
à mostra. Não era muito alta, tinha mais ou menos um metro e
sessenta e dois de altura, onde seus cinqüenta e oito quilos se
espalhavam de uma maneira harmoniosa, sem lugar para
ossos pontiagudas.
A faxina de sua casa não era difícil de fazer, ainda mais que
havia uma infinidade de produtos modernos e máquinas que
facilitavam o dia a dia. A única coisa que estava atrapalhando a
vida de Tirena era o fato de não ter conseguido fazer nenhum
amigo, nem amiga ali na universidade. Ali havia muitos
estrangeiros, mas nenhum português, talvez devesse ter ido
para o Brasil, apesar da má fama do país.
Sua vida iria definitivamente mudar naquele 4 de abril.
Uma moça alta de cabelos negros andava apressada,
quando deixou cair uma carteira. A moça nem percebera, mas
Tirena solícita como sempre a chamou.
- Ei, você deixou cair sua carteira.
- Obrigada, nem percebi, estou atrasada e esqueci de
guardar a carteira na bolsa.
- Às vezes eu me atraso um pouco também.
- De onde você?
- Sou de Portugal e você?
- França. Somos praticamente vizinhas. Qual sua turma.
- Estudo inglês, literatura moderna e autores modernos.
Afinal era pegar ou largar.
- Eu também. Venha conhecer meus amigos.
Assim as duas acabaram amigas e morando no mesmo
local, pois tinham alguns interesses em comum, o mesmo
gosto literário, musical e os filmes românticos.
Tirena, às vezes, ficava calada, curtindo sua tristeza
visceral, mas eram apenas segundos e depois explodia em
brincadeiras e piadinhas já que era muito popular com os
rapazes, embora não tivesse arranjado nenhum namorado por
ali, por sua culpa, já que se realmente quisesse eles fariam fila
para disputar um lugar a seu lado. Ela era o que se podia
classificar de amiga, sempre pronta a ouvir, a alegrar e a
compartilhar. No fundo conseguia esconder muito bem a
pessoa que realmente era, uma solitária a procura de
conhecimento e reconhecimento independente de seus verdes
e atraentes olhos.
Ela não era exatamente uma pessoa religiosa,
principalmente por odiar a mania de sua mãe de obrigá-la a
rezar intermináveis novenas a Santo Antônio e outros santos
que já não se lembra, os joelhos ficavam doloridos de tanto
dobrar e levantar nas missas infindáveis. Que bom, isso era
passado, ali, nada de missa, nada de padre, nada de reza. Ler
bastante, conversar com todos os rapazes que tivesse vontade,
como um bom aquário e resolver todos os problemas da
humanidade em um piscar de olhos.
Tirena, ou Ti, como Walesa a chamava seria apenas um
peão popular nesse imenso jogo de xadrez que é a vida.
Capítulo 3 – Darshana

IVONE PERL

O passado não interessava àquela jovem, nem os deuses


familiares. Ela era uma moça bonita, embora não fosse alta,
tinha apenas um metro e sessenta e apenas cinqüenta quilos.
para os padrões de magreza de sua terra natal, era até que
bem nutrida. A primeira coisa que pensou em fazer tão logo
teve certeza que sairia do Gujrati era cortar os cabelos longos,
esconder o castanho-preto sob um manto vermelho de tinta e
coocar umas lentes de contato coloridas, talvez cor de mel ou
verdes. Ela queria tirar a Índia da sua vida, deixar as poesias
de Diva Pandya e de Mehta.
A família de Darshana era enorme, muitos tios e tias e
primos, pareciam uma praga de gafanhotos, tantos eram que
ela nem lembrava todos os nomes, o que era motivo de críticas
por parte de sua mãe, mas na sua faixa etária apenas ela
sobrevivera e vários parentes esperavam que seu pai aceitasse
um casamento dentro da família. O velho Naru era o patriarca.
Que bom que não era uma pessoa conservadora, cada vez que
um tio falava de casá-la com um dos filhos ele desconversava,
olhando o infinito como se fosse o próprio Vishnu
contemplando o infinito. Na verdade ele queria um futuro
diferente para sua filha caçula. Ele sonhava com uma
sociedade moderna, sem roupas laranjas e via uma Índia cada
vez mais moderna e dentre os grandes países, sem a
imundície das cidades cheias de peregrinos e pessoas magras.
Talvez ela pudesse ser uma cientista, como em seus sonhos,
já haviam alguns na América.
A mãe de Darshana, Sarup, não concordava com o marido,
mas ele era o patriarca agora e não ousaria contrariá-lo na
frente dos outros, mas nas quatro paredes do quarto ela
demonstrava todo seu aborrecimento.
- Naru, Darshana devia se casar com o Chavati, ele é um
bom homem, não é feio sua família tem posses e parece gostar
dela.
Naru abaixava a cabeça, ajeitava o turbante branco e
pigarreava e ela já sabia o que esperar.
- Oh, mulher, cala-te, que os desígnios da vida são
obscuros para os descrentes. Ela terá um futuro brilhante e não
será aqui. Vejo fama e distinção, mas nunca atrás de um fogão.
Depois disso Naru se calava e voltava a contemplar o
infinito e Sarup sabia que não adiantava insistir.
O avião que levou Darshana até os Estados Unidos
aterrisou no aeroporto em uma bela manhã, contra toda a
torcida da maioria de seus parentes e as lágrimas de sua mãe,
somente o velho Naru, sorria.
No mesmo dia em que ela chegou, a única vaga disponível
era juntamente com Walesa e Tirena. Mais uma no time.
Capítulo 4 – Richard "Anbel"
IVONE PERL

Anbel – 18 anos – branco – cabelos loiros – olhos azuis –


nacionalidade suíço – 1,80 – 75 kg. Era isso que estava escrito
na ficha biométrica dele, entre outras coisas. Talvez seja bom
para situarmos as pessoas, ou, apenas para matar as linhas e
os espaços em branco. Quem sabe.
Ele era alegre e nem mesmo parecia um fleumático suíço.
Talvez a convivência com outras raças quando vivera na
França, ou no Brasil tivessem feito dele um brincalhão. Anbel,
foi apelidado assim, por causa do seriado, era muito parecido
com o ator, exceto pelo tom dos olhos e cabelos e é claro a
idade. Seu grande interesse em infindáveis pesquisas sobre
música antiga, seus instrumentos, as escaladas dóricas, as
modernas as jônicas e as pentatônicas. Partituras e mais
partituras. Acordes do primeiro ao sétimo grau, encadeamento,
harmonia e improvisação - tudo isso ele conhecia bem.
Seus colegas usaram tampões de orelha no dia seguinte em
que ele trouxe uma pequena flauta redonda e muito diferente, o
som era doce e agudo e, a medida que as notas eram
sopradas, era como um vento quente soprando nas orelhas de
quem não se desvia e persegue sempre. Anbel tinha uma
mania desagradável, quando ele gostava de uma música
costumava tocá-la repetidamente até que alguém gritava.
- Pára com isso, toca Happy birthday to you or something
shit.
Ele não se alterava, pois herdara um certo sangue frio do
pai. Aliás, ele fora um diplomata e havia passado ao filho a
mais esmerada educação, modos maneiras e, até uma certa
filosofia de vida, baseada em seus próprios princípios morais,
que considerava adequados e sólidos. Assim Anbel
representava um europeu educadíssimo na maioria das vezes,
mas tinha certas horas que ele parecia um enorme duende
fazendo das suas, escondendo objetos, amarrando sapatos
diferentes, ou embaraçando o cabelos das moças. Era sua
personalidade reprimida que saía do fundo do calabouço e
emergia qual uma Samara louca. Isso era apenas questão de
minutos, pois definitivamente ele não era uma personalidade
bipolar.
Quando tinha saudades de casa, pegava a maldita flautinha
e tocava muitas melodias medievais, algumas eram lindas e
outras simplesmente desagradava a maioria pelo fato de
possuirem um motivo muito repetitivo, tanto que os colegas
perguntavam para perturbá-lo se ele tinha TOC.
Bem isto aqui não é um tratado de psiquiatria, mesmo
porque devemos respeitar todas as criaturas, não como
criaturas de deus, que não acredito nele, mas como seres
viventes que estão juntos no mesmo barco - solidariedade - a
palavra mais linda que existe na Terra.
Quando Anbel chegou na Universidade, por um acaso do
destino acabou se aproximando de Walesa, por tê-la
confundido com uma prima que não via a muito tempo. Ele
falava um ótima francês e a amizade entre os dois foi ficando
cada vez mais estreita, pois ambos falavam geralmente em
francês para desgosto dos americanos que estavam bastante
aborrecidos com a França por causa do Iraque.
Capítulo 5 – Harry - Jo Kim - Kevin e Sarah
IVONE PERL

Harry – 18 anos – branco – cabelos castanhos – olhos azuis


– nacionalidade americana – 1,81 – 79 kg.
Jo Kim - 18 anos - pele branca - cabelos pretos - olhos
pretos - sul coreano - 1,66 - 59 kg.
Kevin - 18 anos - branco - cabelos ruivos - olhos cor de mel
- nacionalidade americana - 1,72 m - 69 kg.
Sarah - 17 anos – branca – cabelos castanhos – olhos
pretos – nacionalidade ??? – 1,56 – 53 kg.
Mais fichas. Elas estavam preenchidas em formulários de
matrícula, de professores, passaportes, enfim em muitos locais
porque não aqui? E porque todas estavam juntas? Na república
estavam juntas pois Tirena estava fazendo um cadastro e tinha
separado essas quatro que estavam incompletas, faltavam as
fotos atualizadas, ou ela queria conferir a nacionalidade, e no
fundo no fundo ela queria talvez sumir com uma das fichas
para a pessoa preencher outra completa.
Harry era um típico garoto americano, sonhador, cheio de
orgulho de sua terra, muitos e muitos sonhos povoavam sua
cabeça. Ele era um homem apaixonado que sonhava todos os
dias com uma garota. Paixão não faz mal a ninguém, faz parte
da idade e ele contava com sua americanisse (perdoem-me o
neologismo) para conquistar alguém através de um belíssimo
Green Card.
Harry, Harry, não é assim que as coisas funcionam,
algumas vezes você aluga uma parte de seu corpo por alguns
momentos, mas ninguém compra sua alma por uma vida, um
dia a máscara cai. Ele não ia ter tempo para descobrir isso.
Ele conhecera Tirena, Walesa e Anbel por causa das aulas
de literatura, já que detestava ler muito, sempre dependia de
um deles para um resumo literário, mas sua amizade não era
feita de interesses, ele realmente amava as pessoas, embora
fosse cheio de manias, medos e um pouco dominador. Um
bom leonino, com ascendente em escorpião.
Jo Kim era mais um coreano que viera bem pequeno para a
América e estava perfeitamente ambientado ali, tanto que
somente se lembrava de sua nacionalidade quando tinha que
preencher algum papel. Seu pai era um militar refugiado,
portanto não precisava se preocupar com renovação de visto
ou coisa que o valha. Kim era o mais patriota de todos eles,
tinha um verdadeiro orgulho de viver ali e não cansava de se
sentir feliz por estar ali, onde mesmo com ameaças terroristas,
a pressão crescente dos fundamentalistas ele se sentia livre
como uma águia voando no céu. Não, Kim não era uma águia,
era um desses pássaros canoros que cantam e encantam, mas
nunca vão para muito longe, amando seu ninho, sua
companheira e sua própria vida. Ele era um pessoa realmente
feliz.
Quanto ao nosso amigo Kevin não há muito a se dizer,
exceto que era um pouco falador e encrenqueiro, não que
fosse má pessoa, mas não agüentava provocações nem
tolerava brincadeiras. Apesar da diferença de olhos e cor de
cabelo, tanto Kevin quanto Harry pareciam gêmeos, sendo
Kevin mais magro e atlético. Kevin era verdadeiramente
elétrico e não conseguia ficar parado em um lugar muito tempo,
exceto quando resolvia tocar suas músicas ou escrever cartas
para sua mãe. Ele gostava muito dela e sabia de todo esforço
que ela fizera para mantê-lo na universidade, sempre
animando-o e falando coisas que ele gostava de ouvir;
provavelmente ele jamais arranjaria uma namorada que
conseguisse ficar a altura da figura materna e isso sempre
seria uma sombra em sua vida.
Sarah, a Sarah, não era seu nome e, ela possuía muitos.
Era baixinha, tinha cabelos castanhos e olhos negros e
amendoados. Muitas pessoas olhavam-na e lembravam da
Índia, os árabes e até dos chineses, embora ninguém se
lembrasse que os mongóis tinham estado na Península Ibérica,
de onde Sarah tinha um pezinho. Ela era, na opinião do Rider,
um pouco misteriosa e binária, ou seja, pouco assunto e difícil
de entender as coisas, pobre Rider, como estava enganado,
calada sim, mas entendia tudo muito bem e era altamente
manipuladora. Não era uma pessoa má, apenas fruto de seu
tempo e de sua solidão, afinal fora praticamente abandonada
pelos pais desde muito nova e acabara fazendo amizades
indesejáveis. Os documentos de Sarah viviam escondidos e
nunca ninguém vira seu passaporte, uma vez alguém disse que
a fotografia não parecia com ela, mas com uma pessoa mais
velha, pois Sarah não aparentava 17 anos, que dizia ter, nem
agia como tal, pois muitas vezes parecia uma criança mimada.
Deixemos nossos personagens entregues a seus afazeres e
espiemos por outra janela.
Capítulo 6 – O Necronomicon
IVONE PERL

Não foi por acaso que Darshana e os demais acabaram


juntos na mesma sala da velha Faculdade. Dizem que se
pessoas têm um destino comum, fatalmente acabarão se
aproximando. O destino também pode ser uma enorme
ciranda, um efeito dominó.
- Ei Walesa, Tirena, ......, vejam, trouxe pizza. Harry dizia
isso com uma felicidade realmente sincera.
As moças amavam aquele rapaz, e realmente nenhuma
delas se dispunha a atacá-lo, porque ali a amizade falava
muito, muito mais alto. Quem já teve um amigo sincero sabe
bem do que estou falando.
- Adoro as aulas de literatura, principalmente aquela parte
voltada às tradições. Pena que aqui é tudo tão fundamentalista.
- Tirena portuga celta. Sonha em ser uma elfa, com seus
lindos cabelos loiros. Harry, realmente se divertia com ela e
vivia imaginando seus amigos como personagens de RPG,
eles ora eram elfos, magos, bardos, arqueiros e até orcs.
- Darshana, a Sarah vai trazer aquele livro de magia hoje,
vamos nos divertir muito com ele e, se tiver umas boas
ilustrações, podemos bolar alguma coisa louca para ser nosso
avatar. Necronomicon. Walesa falava com um ar maroto, pois
sabia que Darshana detestava falar de magia mesmo que
fosse de brincadeira, pois embora quisesse muito ser
totalmente ocidental, alguma coisa dentro de si, ainda tinha o
ranço de seus deuses ancestrais e Kali vingava a tudo e a
todos.
No fundo Walesa gostaria que seu pequeno e entalhado
livro de madeira fosse o próprio livro da magia, mas apesar da
idade antiga não passava de um entalhe feito para iludir os
incautos e o que Sarah iria apresentar a eles: mais uma
brincadeira da turma, ou, como diria um certo Malk, um
"entrouxamento", a turma amou essa palavra.
- Vocês são malucos.
- Darrie, é apenas um livro boboca, não precisa ficar
preocupada, apenas queremos copiar alguns desenhos e bolar
um jogo com base nos demos.
- Wal, simples, como abrir a porta do Inferno e cair direto no
garfo do capeta.
- Ei, vocês duas, a pizza está esfriando, a coca cola
esquentando, vou comer tudo e Tirena vai sortear que limpa a
cozinha.
- Já vamos.
- Eu não gosto muito desse autor, ele escreve de um jeito
estranho, você nunca sabe como ele vai concluir o
pensamento, se é que tem um, tenho a impressão que é a
mesma coisa que giz de cera em mão de criança de dois anos,
você nunca sabe se é rabisco ou desenho, nem o tamanho.
- Por mim tudo bem.
- Vou confessar tenho um pouco de preguiça de ler,
enquanto Wal devora livros eu mal consigo terminar o primeiro
e o professor já está querendo o resumo do terceiro.
- Harry, é apenas uma questão de se acostumar, leitura
dinânima é bom para livro que não seja ficção, mas literatura,
só se for desses livros em que as páginas parecem ser
vendidas por quilo.
- É Tirena, sei que você também não tem preguiça de ler,
mas eu prefiro ver um bom filme.
- Gente falando em filme, está passando um terrorzinho
muito legal.
- Keep out.
Capítulo 4 – Enfim eles vieram e foram
IVONE PERL

Sarah chegou pontualmente as 21 horas e trazia um


pequeno volume dentro da bolsa cor de palha.
Era um livro velho, empoeirado, e as letras pareciam relevos
esculpidos por algum artista perito em afresco. Tinha também
algumas ilustrações entre um capítulo e outro. O cheiro dele
não era nada agradável, como se tivesse ficado muito tempo
em algum lugar úmido e mofado.
Definitivamente estava escrito Necronomicon na capa. E
isso parecia muito fácil, apesar das letras estarem tão
apagadas e o dourado de seu colorido ter sido praticamente
destruído pelo tempo, elas tinham um relevo que davam
destaque e era impossível não perceber letra por letra saltando
capa afora.
- Harry deixa eu ver, Walesa reclamava para ele, que
praticamente tomara o livro de Sarah.
- Calma Walesa.
Walesa foi quem notou que a capa estava se descolando,
bem na verdade a capa tinha uma capa, e a imagem que
saltava de dentro dessa outra capa era diferente, nada de
relevos, apenas uma figura no meio das sombras e uma cruz
virada, no desenho o que se destacava era a mão no gesto
típico indicador e mínimo levantados e o título estava escrito
em um idioma antigo, essas línguas representadas por
símbolos, mas não eram hieróglifos não.
- Alguém sabe que idioma é este?
- Não Ti, pensei que fosse português, disse Harry às
gargalhadas.
- Imagens para avatar é o que não falta, vejam essas
pequenas, podíamos ter um por mês em sistema de rodízio é
claro.
- Eu faço o desenho, a Phedra fotografa e a Sarah faz a arte
final no Fireworks, Corel Draw ou qualquer editor de desenho.
- Flash, quero um gif, uma animação bem louca. Um
diabrete vermelho girando, com seu rabo pontudo.
- Orkut, aqui vamos nós, dizia Walesa
Depois de uma semana de trabalhos durante boa parte da
noite os sete avatares estavam prontos e mais alguns de
reserva. Claro que nem todos quiseram diabinhos, afinal alguns
dos amigos nem estavam presente para escolher.
- As aulas estão me matando, essa república está me
matando, ninguém limpa nada, era Tirena reclamando. A
cozinha está suja, o banheiro, os quartos, tudo está sujo.
- Quando os outros voltarem fica mais fácil, um por dia.
- Me engana, que eu gosto, já sei, todo mundo conta com
minha mania de limpeza, depois, vocês vão ficar me
comprando com doces, vou engordar feito uma porca.
- Culpa sua que não resiste a uma rosquinha, parece policial
na ronda.
- Domingo, adoro os domingos. Daqui a quatro semanas
começarão as férias, vocês irão voltar para casa? Harry dizia
isso extremamente feliz, pois tinha seus planos.
- Talvez, Harry, respondeu a francesa. E vocês duas?
- Não, passarei uma semana das férias com minha tia
Deolinda, fica na Califórnia e gosto de ajudá-la.
- Eu ficarei por aqui, se for para minha casa, deve ser as
férias da minha mãe e, aí, sim, irei limpar o equivalente a dez
repúblicas de oito pessoas, pois ela tem mania de limpeza.
Sarah detestava as manias da mãe e quando se encontravam
sempre brigavam.
- Você quer ir para minha casa?
- Quem eu?
- É, meu pai não irá se importar, ele vive na estrada mesmo.
Tirena olhara para o Harry com uma certa ponta de ciúme,
afinal ele premeditara aquela situação, pois todos sabiam que
Sarah não gostava de ir para casa nas férias.
"Que bom encontrar você".
Os planos de Harry não eram tão secretos, Sarah era a
dona do livro e levaria o dito cujo com ela. Ele mal podia
esperar, pois conhecia alguém muito culto que poderia ajudar
na tradução do Livro, que nem se sabe se era mesmo algum
exemplar do Necronomicon, e virou simplesmente o Livro de
Sarah.
- Harry, você com esses olhos azuis, e seus óculos
redondos, pelo menos não é o Potter, apenas Harry.
- Você sabia que o Kevin, o Anbel e o Kim ficaram fazendo
curso de férias?
- Claro, Harry, advinhe o que?
- Hum, economia doméstica?
- História da Música. Você sabe que todos eles gostam de
tocar algum instrumento, o Kevin gosta de guitarra, o Anbel, de
teclado e o Kim, faz malabarismos na bateria, mas já viram ele
com uma flautinha também.
- Então aquela musiquinha que ouço de noite é ele?
- Você é cara de pau. Você até pede algumas para ele,
pensa que não sei.
Tirena, Walesa e Darshana foram dormir cedo para os
padrões da República Maldita, como era chamada, mesmo
porque iriam arrumar suas malas apenas no dia seguinte.
Onze horas, noite Harry e Sarah ainda estavam acordados
e ouvindo música, pois iriam viajar naquele mesmo dia.
- Harry você não me disse onde fica sua casa?
- Aqui perto, Virgínia, o motorista mexicano do meu pai, vem
nos buscar daqui a quinze minutos eu acho.
O carro preto chegou.
- José, esta é a Senhorita Silverlight, irá conosco.
- Muchas gracias señorita.
- Nice me too.
Pobre José tantos anos naquela terra e as palavras básicas
não chegavam aos seus ouvidos em todo caso pelo rosto
risonho da senhorita ele teve a percepção de um cumprimento
e sorriu também.
As bagagens foram acomodadas de um modo prático sem
ordem, sem minha, sua ou da tia. O caminho e as estradas não
eram desconfortáveis, ao contrário, era possível sonhar sobre
aquele tapete de manta asfáltica e conversar ou até dormir.
- Sarah, todos ficaram muito interessados no livro, parece
um sonho.
- Harry, o livro é apenas para montarmos os avatares.
- Claro, mas podemos nos divertir, trouxe ele, não?
- Claro.
- Quer ouvir uma música nova? Não vou falar a banda,
advinha.
Harry passou para Sarah os minúsculos fones de ouvido,
era um som realmente incrível, bem na linha do black metal
gótico.
- Kevin, o Kim e o Anbel devem estar esfolando os dedos de
tanto tocar.
- É também eles apenas estudam e ensaiam e quando
sobra tempo dormem.
- Essa banda deles não vai decolar, quem já viu bando com
coreano?
- Ele toca bem, e daí, ele já é chamado de chinês e já viu,
sucesso aqui, são poucos, atualmente Jack Chan.
- Quem está fazendo as composições de verdade, eu sei
que não são os três, mas eles vivem fazendo segredinhos,
quando um faz a letra, o outro diz que fêz a música, o outro os
arranjos.
- Aquela última estava bonitinha.
- Não gosto desse rock sugar, que diz que é new metal, ou
folk rock, isso não existe.
- Atenção senhores empregados da fábrica de cervejas, os
rótulos estão saindo a mil por hora.
- Sarah!
- O que interessa é se original, agradável e chacoalha.
- Como chacoalha?
- Música tem que ter um impacto no peito. É como
ultrassom, a onda vai encontra uma parede mais grossa e
devolve imagem. Bate no peito, ou cérebro, o que você quiser
e você fica impactado.
- Você acha mesmo?
- Sim, como percebemos a música, ouvimos ela chega ao
nosso cérebro através de milhares de ramificações nervosas,
mas a batida compassada de uma bateria tem que fazer seu
sangue pulsar, ela tem que causar um certo desarranjo, para
que você consiga entrar no ritmo dela e ter vontade de se
mexer nem que seja um dedinho, se você for muito contido.
- Tipo aqueles batuques africanos?
- Isso, é bem por aí, eles ouvem e entram no alfa deles, o
transe.
- Mas eu não entro em transe e fico com vodu.
- É só uma comparação Harry, você ouve, e você pode
viajar por ela.
Capítulo 5 Voltar
Capítulo 6 – Músicos de plantão
IVONE PERL

Além do interesse de Harry pelo livro, ele também gostava


de Sarah e, na realidade, apenas criara uma oportunidade para
ficarem sós, embora ele realmente acreditasse que ela tinha
percebido seu pequeno truque. Mas paixão é paixão e embora
não acreditasse nessas coisas de magia, aceitaria tratar de
qualquer assunto que ela quisesse.
- Sarah, você está tão calada.
- Estava pensando no Livro, afinal de contas você nem
imagina como ele me atrai.
- É, dá para perceber, você está sempre falando dele.
- Foi muito estranho. Eu ganhei esse livro de um cara todo
maltrapilho. Ele era pediu alguns cents em troca do livro. Eu
não queria nada, apenas me livrar do cara, ele cheirava a mijo,
mas ele deixou o livro no chão e saiu andando. Quando
cheguei em casa resolvi abrir e folhear e vi essa linguagem
estranha e esses desenhos.
- Esquece, vamos dar uma volta, daqui a pouco escurece e
você não viu nada.
- Está bem.
Os planos de Harry falharam miseravelmente pois uma
chuva torrencial se instalou naquele lugar e simplesmente eles
não estavam perto suficiente do abrigo nem da casa. Assim
ficaram absolutamente molhados.
- Corre, Sarah ele virou-se tentando apressá-la, mas o vulto
que ele viu não era Sarah, não possuia aqueles cabelos longos
tão seus conhecidos, nem estava com a camiseta preta com
flores vermelhas. Quando o clarão do raio iluminou tudo era
outra pessoa, uma mulher vestida de branco, e seus cabelos
pareciam feitos de raios e seu rosto era tão cheio de luz que
impedia a visão por mais de 1 segundo.
Harry desabou no chão,,,, gritando, sua mente pregava mais
uma de suas peças e Sarah teve que correr até a casa e pedir
ajuda aos empregados.
Quando o pai de Harry chegou ela ficou um pouco
apreensiva, pois não entendia o que acontecera ao rapaz.
- Senhor Stevenson, nós saímos para um passeio e aí a
chuva desabou, quando estávamos voltando o Harry ficou
parado de um jeito estranho, de repente caiu no chão gritando
coisas estranhas. Eu juro que não tínhamos bebido nada ou
usado qualquer coisa estranha.
- Não se preocupe, meu filho tem essas crises às vezes,
logo estará bem. Você deseja voltar para sua casa.
Pelo tom de voz dele ela percebeu que sua presença não
era desejada. Talvez a doença do filho causasse algum tipo de
constrangimento.
O mesmo motorista que os trouxera a levava de volta.
Sarah resolveu ficar na cidade e não ir imediatamente para a
República.
Na verdade ela gostava de Harry, o suficiente para não
impor uma situação dentro da casa dele. Enfim nada de drama,
um pouco de discrição, mais solidão e ponto.
Alguns cybercafé ainda estavam abertos. Ela resolveu
entrar em um, quando se lembrou de alguém com quem
conversava algumas vezes.
Harry não se recuperara e morrera quase três meses
depois, vítima de sua velha doença, cujo nome não vou
declinar, para não magoar amigos e familiares de meus
amigos, que se foram vítimas dela também e que em minha
vida foram muitos, sendo que até agora, apenas eu escapei, e
olhem que já estou com mais de quarenta anos e convivo com
esse cito astro maldito há muito tempo.
No dia do enterro de Harry, nenhum deles estava presente,
mesmo porque ele havia sido hospitalizado em outro estado e
não chegaram a tempo. As homenagens póstumas foram
prestadas de forma sincera perante a foto dele, onde cada um
pois um bilhete de adeus e tudo foi queimado, como se fosse
um ritual.
Jo Kim, Kevin e Anbel estavam mergulhados na sua busca
pela música perfeita, embora seus estilos musicais fossem
diferentes eles sabiam tocar muitas coisas juntos. Anbel tirava
umas notas soltas de seu teclado, já Kim não podia espancar a
bateria, pois havia quebrado todas as baquetas e Kevin
resolvera tocar algo meio infantil, algo como o tema dos
Cavaleiros do Zodíaco e também uma músiquinha que era a
favorita de Harry.
- Kim, sabe quem vem para cá?
- Não. Aquele maluco do Joe.
- Não acredito.
- É ele teve que sair da escola dele e vem para cá.
- Ele é metido a sabe tudo.
- Que nada, ele é boa gente.
- Quando ele vem?
- Anbel pergunta para a Sarah, foi ela que convidou ele.
- A Sarah?
- É.
- Coitado do Harry, ficou doente justamente nas férias,
morreu ha pouco tempo e ainda perde a namorada.
- Kim, ela nunca foi namorada do Harry, ela nunca ficou com
ele, ele que era a fim dela, porisso ele armou de nas férias ficar
sozinho com ela, a gente resolveu colaborar e sair de cena,
você não sabia? Só que deu tudo errado.
- Pára de ser fofoqueiro e vem escutar essa musiquinha.
- Está um lixo.
- Minha obra prima.
- Sua obra de merda. Olha só é apenas uma escala
diatônica sem graça e sem tesão.
- Eu gosto.
- Escala, vocês só falam disso.
- Parece música para terror japonês.
Kevin ria da cara de Anbel.
- Parem, vocês dois e escutem essa música.
Kim tentava assobiar algo, mas na realidade não saia um
som muito limpo, pois ele estava com os lábios um pouco
rachados.
- Olha só o que peguei no caderno da Tia.
- Que Tia.
- Você não conhece?
- Ninguém conhece, deve ser uma ficção da Sarah.
- O que você mexeu nos cadernos da Tia?
- Bem ela deixou.
- Deixou nada Sarah, a Tia deve ser seu alter ego.
- Ela existe e ela escreveu umas coisas engraçadas, dizia
Sarah com ar misterioso. Querem ouvir, ou não.
- Querer, a gente não quer, mas você vai falar do mesmo
jeito, então fala logo, dizia Kevin.
Capítulo 7 My ritual
By Lilith Tera

It’s night and moon shine in the sky


Perfect for my ritual
Roses and blood I offer for Branwen
Dancing with flowers
Fire and wing
Water and air
Elementals are here
The world is opening
Galind, Galind, Galind
Play the flute in the forest
Joy’s children
Fire on the earth
Wing in the sea
Listen to the music
Sage, Sage, where is my heart?
Shaman, Shaman, Shaman
Don’t change the rhythm
Or the melody
We like this tone and time
To be master of our ritual
For to feel the escapes
And think
I know you like heavy
But we like so manner
To be our ritual
In the night
On the light moon
Silvered on the garden and in the graven.
It’s my last time in the earth
I don´t need a reason
If I have another season
For to born.
Capítulo 9 – JOE
IVONE PERL

Quando Joe chegou na República Maldita fazia um calor


infernal e o ar condicionado estava quebrado, tanto que tiveram
que, a contra gosto, providenciar um ventilador, pois Joe
sempre reclamava do calor.
Ele era um rapaz muito extrovertido e estava sempre
fazendo piada de tudo e de todos, embora fez outra fosse
capaz de gritar com os colegas como se pedisse um remédio
na farmácia, ele fazia isso sem perceber, e cinco minutos
depois, era como se nada tivesse acontecido.
Seu nome não era Joe, era apenas um codinome que fora
adotado desde criança quando ele e os pais ficavam se
digladiando frente o jardim com a grama por fazer.
No ano passado ele se correspondera com Walesa e Tirena
e ambas achavam que uma delas iriam namorar com ele, pois
além de serem bonitas, eram simpáticas e realmente adoráveis
e todos os rapazes apreciavam a companhia delas.
Darshana estava namorando com um rapaz fora da
república e praticamente passava todo tempo livre com ele e
não fora surpresa nenhuma quando ela comunicou que iria se
mudar. Assim além do lugar de Harry estava vago o lugar dela.
Anbel, Jo Kim, Kevin, Sarah, Tirena, Walesa e agora Joe,
no final das contas eram sete avatares mesmo então
resolveram sorteá-los durante um jogo, a medida que saísse
um vencedor escolhia o avatar e o nick.
Ninguém sabia que Joe era um mestre em muitas
modalidades de jogos e foi ele o primeiro a escolher o avatar,
mas por razões que não falou resolveu manter o nick que já
possuía e seu avatar era o círculo mágico - Spiritus Locus.
Jo Kim foi o segundo a ganhar e resolveu escolher um
demônio que lembrava um dragão, escolheu o nome de
Guland.
Tirena escolhera o avatar de Egim, e adotou o nome de
Nastrache.
Kevin escolhera o avatar do rei do oeste e o nome de
Baimon.
Walesa adotou o símbolo e o nick de Astaroth.
Anbel o nick de Silcharde
Por último restou Sarah que não havia ganhado nenhum
jogo e resolveu adotar o avatar do rei do Leste e também
resolveu manter seu outro nick. Ela teria escolhido o avatar de
Surgat, Surgat era Jhva e era a Tia, que também era todos os
outros. Confuso não?
Quem iria fazer a primeira tatuagem? Ninguém nunca
soube, mas Joe apareceu com uma no mesmo dia que outra
pessoa. Sarah iria fazer sua tatuagem quando tivesse dinheiro,
pois para variar sua mãe dizia que não tinha dinheiro para um
monte de coisas.
Joe não gostava de ficar sozinho e depois das aulas sempre
chamava um dos amigos para seu quarto e geralmente ficavam
ouvindo música ou jogando até altas horas.
Ele não era uma pessoa reservada, pois como era muito
falador, sua vida, com exceção de alguns fatos, era
praticamente um livro aberto.
O fantasma de Harry, ou melhor, suas memórias ainda
assombravam Sarah e os outros, ninguém realmente sabia
qual motivo era difícil ficar um dia sem lembrar de alguma coisa
que ele tivesse feito, não que ele fosse especial, mas ninguém
ali sabia que ele era uma pessoa doente, pois era muito alegre
e brincalhão. Walesa ficava se perguntando porque ele
continuou levando uma vida normal, estudando, ao invés de
procurar tratamento. Essas coisas talvez apenas o pai de Harry
pudesse responder, claro que ninguém iria questioná-lo.
"Talvez eu devesse reescrever as linhas, mas o que está
escrito está escrito e não posso tecer o destino novamente, as
horas passam e não voltam mais e são elas as tecelãs
infernais. Se não me entendo, como vou pretender que alguém
me entenda e meus medos e segredos".
- O que você está lendo Nastrache.
- É um pedaço de caderno, acho que caiu das coisas da
Sarah.
- Deixa ver.
- Hum. Quanta bobagem, não é a letra dela.
- Não, parece um pedaço de diário.
- Wal, esse seu nick de Egim não combina com você.
- Tá, então diminua para Gim, vai lembrar genius.
- Ótimo.
- Será que a Darshana está feliz com o Frank.
- Deve estar, ouvi dizer que ela está grávida e que eles vão
sair da república e morar juntos.
- Será.
- Alguém acorde o Joe, hoje é dia dele fazer faxina.
- Aposto que ele vai negociar a faxina com a Sarah.
- Como?
Joe dormia calmamente quando seu quarto foi invadido
pelos outros, e ele foi alvejado por uma saraivada de
travesseiros e almofadas.
- Quero dormir.
- Onze horas, domingo, dia de sua faxina.
- Shit. Big shit. Hole crap.
- Stop.
- You need to walsh the bathroom and the kitchen.
- Somebody help me.
- No. Your business.
- Sarah, do you change with me?
- No away.
- I learn to play that music.
- Bleeder. I do.
Joe era altamente manipulador, ele tinha uma expressão
corporal incrível e realmente sabia obter o que queria com ela.
Fazia jeitos e trejeitos, conforme a pessoa com quem falava e
com esse seu modo maroto foi conquistando todos da
república, mas ele era muito misterioso e parecia carregar um
segredo consigo.
Ás vezes seus enormes olhos verdes olhavam para o vazio,
como se estivesse vendo algo que ninguém mais via, parado e
imutável e outras brincava de um rosto para outro,
cantarolando músicas intermináveis.
Capítulo 10 – Os avatares
IVONE PERL

- Veja Sarah a sua tatuagem está com a cor mais viva hoje.
Era Wal-Astaroth falando alto como era seu costume quando
queria chamar a atenção de alguém, com uma novidade.
- Srta. Astie, eu sei, fui dar retoque nela outro dia, porque a
coroa estava muito cinza e não dava para ver direito.
- E nem convidou a gente.
- Vocês estavam na casa da Darrie.
- Que é isso?
- A tradução de uma parte do Livro de Sarah, quer ouvir?
- Não chama o Silcharde, o Guland e até Nasty e Baimon?
- Está excluindo o S.L.?
- Não precisa, basta vocês se juntarem que ele vêm.
Nem precisaram chamar o resto da turma, pois com o
barulho que faziam todos acabaram acordando.
- Conjuro do Rei do Oriente - Eu te conjuro e te invoco, ó
Magoa, valente rei do oriente, pelos nomes do Um e pela
minha obra sagrada! Ordento-te que me obedeças, venha a
mim, ou mande-me os mensageiros Massayel, Ariel, Satiel,
Arduel e Acorib, que possam responder minhas perguntas e
acudir meus desejos. Venha vós também em nome das
virtudes e poderes do Uno. Sarah recitava o papelzinho
freneticamente.
- Cadê o círculo de proteção?
- Não sei, não.
- Quem apagou a luz.
- Cinderelas, meu boa noite.
Passava dez minutos da meia noite quando o círculo
acendeu e não se sabe qual deles desenhou o segundo avatar
em homenagem a alguém.
Matinas et Laudas.
"Per obedientiam itaque raro praecipiendum censuit, nec
primo fulminandum iaculum, quod esse deberet extremum. Ad
ensem, inquit, non cito manus mittenda est. Eum vero qui
praecepto obedientiae obedire non festinaret, nec Deum timere
nec hominem reveri. Nihil verius istis. Nam quid in temerario
praeceptore auctoritas imperandi nisi gladius in manu furiosi?
Quid vero desperatius religioso obedientiam contemnente?
Capítulo 11 – Spiritus Locus
IVONE PERL

In principio erat Verbum, et Verbum erat apud Deum, et


Deus erat Verbum.
Hoc erat in principio apud Deum.
Omnia per ipsum facta sunt : et sine ipso factum est nihil, quod
factum est.
In ipso vita erat, et vita erat lux hominum :
et lux in tenebris lucet, et tenebræ eam non comprehenderunt.
Fuit homo missus a Deo, cui nomen erat Joannes.
Hic venit in testimonium ut testimonium perhiberet de lumine, ut
omnes crederent per illum.
Non erat ille lux, sed ut testimonium perhiberet de lumine.
Erat lux vera, quæ illuminat omnem hominem venientem in
hunc mundum.
In mundo erat, et mundus per ipsum factus est, et mundus eum
non cognovit.
In propria venit, et sui eum non receperunt.
Quotquot autem receperunt eum, dedit eis potestatem filios Dei
fieri, his qui credunt in nomine ejus :
qui non ex sanguinibus, neque ex voluntate carnis, neque ex
voluntate viri, sed ex Deo nati sunt.
Et Verbum caro factum est, et habitavit in nobis : et vidimus
gloriam ejus, gloriam quasi unigeniti a Patre plenum gratiæ et
veritatis.
Gratiae Dei, hosana Davi fili. In nomine Pater, Filii, Spiricto
Sancto...
Adonay, Tetragrammaton, Ywva, Otheos, Athanatos,
Ischiros, Agla, Pentagrammaton, Saday, Ywva, Eloy, Adonay.
Eu te conjuro, ó Serpente do mal e amaldiçoada Spiritus
Locus a aparecer segundo meu desejo e prazer, .... Gog e
Magog, exceto Van o Gog.
Naquela manhã eles acordaram bem tarde e acabaram
chegando atrasados para ir a escola, evidentemente que Miss
Morrison estava muito zangada, pois havia reservado o
laboratório e eles não apareceram, o que era óbvio, já que
ninguém se lembrara da pesquisa ou de qualquer coisa que
não fosse os avatares.
Jo Kim estava batucando na bateria imaginária feito um
louco, até que um dos alunos disse bem alto que ele estava
atrapalhando a aula.
Kevin não sabia compor solos de guitarra muito bem e
perdia-se na partitura, isto porque era extremamente vaidoso e
não usava os óculos que necessitava.
Kim, Sarah, Joe, Anbel, Tirena e Kevin resolveram montar
uma banda. Claro que a bateria já tinha dono, Kevin já tocava
guitarra, Tirena era uma excelente vocal e Joe e Sarah ficaram
disputando para ver quem ia tocar baixo e a outra guitarra, para
dizer a verdade ambos tocavam as duas coisas e aprenderam
a se revezar, Anbel é claro que ficou dono absoluto do teclado.
Apenas Astie resolveu ficar fora dessa, mesmo porque já
bastara o tempo em que foi obrigada a aprender piano na casa
dos pais.
Não se sabe bem porque um deles resolveu dar o nome na
banda de Voor-Hastur . Na segunda semana o nome foi
mudado para Spiritus Locus, e Joe acabou ficando sem seu
nick e ficou simplesmente Joe.
As primeiras músicas que ensaiaram causaram muito
aborrecimento nos demais apartamentos da república, uma vez
que o barulho era tremendo e a maioria queria um pouco de
sossego, acabaram se acostumando.
Capítulo 12 – T.I.A.
IVONE PERL

Era uma vez uma princesa muito magrela e feia que nasceu
em um reino distante, onde o ogro de seu pai costumava comer
um rancheiro por dia, só para abrir o apetite. Claro que a mãe
da princesa não concordava com essa comilança todo e de vez
em quando conseguia esconder um rancheiro e mandá-lo para
bem longe.
A princesa não sabia dos maus hábitos do pai e tinha
verdadeira adoração por ele, mas nunca entendera porque ele
sempre comia longe dos demais. Um dia resolveu surpreendê-
lo na hora do almoço com uma magnífica torta de morangos
feita por ela própria.
Com arte e engenho a princesa havia surrupiado o molho de
chaves do bolso do mestre do castelo e foi testando chave por
chave até descobrir qual delas abria a sala onde o pai comia.
Pensamento pensado, ato feito. Quando ela abriu a porta
deparou com o pai se deliciando com um pedaço da coxa do
último rancheiro assado, que estava tão mal passado que
escorria um caldo avermelhado.
Ela não era burra nem nada e percebeu muito bem como o
pai havia ficado vermelho de raiva, deixou a torta no aparador
desejando bom almoço e foi saindo de fininho.
À noite ela não conseguia dormir imaginando de quem seria
aquela perna, mas sua ignorância durou pouco tempo, quando
precisou de seu cavalo, o cavalariço que a atendeu era um
outro rapaz diferente e o bom moço que havia sido seu amigo
de infância havia desaparecido para todo o sempre.
A princesa ficou realmente muito aborrecida e foi pedir
ajuda da sua velha avó. Era simplesmente uma múmia
petrificada que um dia tinha sido uma mulher bonita. Ela
morrera jovem, aos 33 anos, não se sabe se de parto ou de
uma forte dor de cabeça.
Tante Imite Ami era o que estava escrito na certidão da avó,
e foi esse papel que a princesa levou e adotou o nome da Tia.
Claro que a magia da avó a transportou para outro tempo e
assim a princesa que nunca mais foi princesa vivia em dois
tempos, no passado e hoje, e a ponte que a levava de um lado
para o outro era absolutamente invisível para os outros, nem
mesmo ela sabia exatamente o caminho nem conseguia
destruir a ponte.
As portas da criação foram ultrapassadas e o Vago medita
sobre o Caos e Nêmesis acolhe quem bem ele entende e eles
escolheram Tia.
Capítulo 13 – A guitarra vermelha
IVONE PERL

- Joe que aconteceu com sua guitarra?


- Sei lá, não gosto muito desse tipo de guitarra, então
estava pensando em outra, que tivesse um som mais
harmônico e tal, fosse mais leve.
- Vai comprar outra?
- Talvez. Daqui uns tempos.
Walesa perguntou da guitarra, porque havia percebido um
monte de ferrugem nos trastes e as cordas também estavam
ficando em péssimo estado. Claro que ela resolveu não dar
palpites pois não havia se interessado em participar da banda.
As notas da escola estavam um tanto baixas e então o
pessoal resolveu ensaiar um pouquinho menos e liquidar logo
com as provas e demais afazeres escolares.
Sarah andava sempre calada o que deixava os demais
amigos sempre reclamando dela, pois como eles eram
extremamente falantes não tinham capacidade de entender o
velho ditado que diz, se você não tem nada de bom para dizer,
então silencie", na verdade Sarah estava mergulhada em seu
próprio mundo de sonho onde apenas ela vivia isolada do
sofrimento e da dor, como já lhe haviam ensinado antes. Seus
amigos eram desenhos, músicas, jogos, pois esses são
simples e não são tão exigentes, como o grupo do amor
exigente que a a Igreja Católica criou.
Simplesmente era uma pessoa sensível demais e percebia
todos os joguinhos que os outros faziam tão bem quando
queriam realizar as coisas a seu modo. Que isso importa, tudo
tem seu preço e, às vezes, é melhor sonhar o sonho que
realizá-lo, pois pessoas não são meros bonecos, com quem se
brinca e depois se deixa de lado.
Um dia um dos rapazes da outra fraternidade parou Walesa
e perguntou se alguém ali estava interessado em comprar um
guitarra usada. Era uma bela guitarra vermelha, muito bem
cuidada, que tinha pertencido a um parente dele.
Ela vinha em um belo estojo marrom, depois de afinada seu
som era simplesmente espetacular e Joe acabou ficando com a
guitarra vermelha.
A guitarra tinha vida própria, de seu pedestal , parecia olhar
os outros instrumentos com vida própria e lançar seu
olharzinho de curiosidade como se dissesse eu estou aqui, me
olhem.
O antigo dono daquela guitarra gostava muito dela, mas
havia desistido de ser músico, pois precisara de dinheiro para
suas despesas de urgência e havia deixado a preciosa na loja
com muito desgosto. O desgosto dele durou pouco tempo, pois
um acidente com uma pistola automática fora fatal para ele.
Anbel, Kim, Sarah, Joe, Kevin e Tirena discutiam muito
sempre que pensavam em escolher uma música para ensaiar e
na maioria das vezes, acabava sendo escolhida a música que
era primeiramente tocada na guitarra vermelha, pois sua
sonoridade era realmente muito boa e enriquecia a melodia,
mesmo porque Anbel pouco se intrometia na escolha das
músicas e apenas Sarah, Joe e Kevim ficavam discutindo
interminavelmente qual seria o repertório mais adequado. O
fato era que nenhum deles era realmente profissional no
gerenciamento de tudo, pois simplesmente acreditavam que a
musa inspiradora baixava, igual a santo em terreiro de
macumba, e as coisas aconteciam como por magia.
Geralmente o músico acaba, em começo de carreira, por
insegurança, fazendo repertório de outros, que já são
famosos, apenas escolhendo dentre esses, aqueles mais de
acordo com seu gosto e capacidade musical, desde que
satisfaça a platéia.
A primeira música não tinha jeito de desencantar, pois
começavam muitas, acordes, solos, rifs e nada parecia ganhar
vida, não parecia brotar daquelas batidas de tum ta ta pum,
blim, bon, bliei, ton, tan, pois o pessoal estava meio sem
sintonia, cada um pensando em seus próprios problemas.
Um dia Joe estava sem sono e pegou a guitarra vermelha
para simplesmente tirar uns acordes, para passar o tempo e foi
assim que nasceu a primeira música deles. Não era
exatamente um rock pesado, era mais um blue, e era uma
belíssima canção que todos gostavam de ouvir e tocar.
Capítulo 14 – O caderno perdido
IVONE PERL
"Não sei mais o que fazer
tudo me parece perdido
As horas passam e eu aqui
olhando feito um bobo
um simples retrato de mulher.
Apenas uma loira bonita
com seu sorriso sensual.
Tenho apenas vinte anos
e sei que ela é apenas sonho.
Vou ficando por ai
uma garota simpática me sorri.
Ela é magrela, mas serve bem
para passar meu tempo
até que ela convém.
Mas se ela quiser casar
eu não quero nada disso.
Vou saindo fora
de qualquer compromisso
quero apenas ficar."
- Ei pessoal de quem é este caderno, era Joe perguntando
para a turma.
- Não é meu, disse logo Walesa.
- Olhe se tem algum nome, geralmente as pessoas anotam
na agenda fronta, disse Kevin.
- Deixa eu ver, Kim pegou o caderno de Joe.
- É na tal agenda não tem nada apenas o ano de 1982,
então não é de ninguém de agora. Onde você achou esse
caderno?
- Estava caído atrás daquele armário que vocês nunca têm
tempo de esvaziar, a minha palheta rolou para lá quando vi que
tinha alguma coisa.
- Depois do livro da Sarah, vamos ter o caderno do Joe.
- Não é meu, eu já disse que achei.
- Tem muitas coisas escritas, mas a letra é medonha, não
dá para entender tudo e tem muitos erros de gramática.
- Joe, você entende o que está escrito aqui.
- Claro, quer ouvir:
"Sou um rapaz sonhando com liberdade,
como em um quadro minha vida está ausente.
Não sabia o que era sofrer de verdade,
até chegar aqui, onde tudo é diferente.

Vou lutar para ter algo mais que um anel


Quero saber da brisa do mar
E também provar um pouco de mel
Nem mesmo sei quem vai me amar
O que importa é por os pés para andar
Por qualquer estrada que daqui me tire
Não quero saber quem para trás vai ficar
Da sua vida fora não me fora atire

Desculpe eu não posso ficar


Eu sou livre, vou gritar
Até você não mais me segurar
Como seu jeito de amar."
"Para Tammy, minha namorada, um dia você vai entender."
- E o cara não assinou? Pois isso parece uma carta, deveria
ter uma assinatura.
- Sei lá de repente se arrependeu.
- Sua vez Sarah, veja se acha algo aí nessas linhas.
Sarah folheou o caderno, era um daqueles enormes com
mais de duzentas folhas e, praticamente todas tinham alguma
coisa escrita, com uma letra muito pequena, como se a pessoa
se forçasse a ser detalhista e perfeita.
Ela não quis ler nada e simplesmente passou o caderno
para Anbiel, que olhava curioso e, por estar um pouco
sonolento, apenas seguia a conversa e tentava prestar
atenção. Quando o caderno chegou nas mãos dele acabou
caindo e todos foram ver se tinha rasgado. Mas não, estava
intacto exigindo mais um quadro de seu conteúdo. Era um
desenho onde se via um dragão, uma cobra, um cavalo, um
galo e um cachorro, todos haviam algum dia tido um pouco
mais de cor; o dragão tinha sido vermelho, a cobra verde, o
cavalo era castanho, o galo também era vermelho e o cachorro
era creme escuro, também havia uma cruz pequena e muito
trabalhada além da inscrição "my dreams was put into the
earth". A parte superior do desenho estava riscada tão
completamente que não se podia saber o que estava
desenhado ali.
Anbiel começou a ler o que estava na página seguinte que
parecia ser o início de um diário.
"Hoje é o primeiro dia em que estou realmente sozinho ela
se foi, não com outro como eu pensei, simplesmente se foi, fui
tolo e apenas vi a minha pessoa refletida no lago. Estarei só
novamente, talvez eu tenha alguma coisa muito errada que
afugente os outros. Foi assim com a Mariana, com a Jenny e
agora com a Sarah. Minha doce Sarah, com seus cabelos
loiros como o Sol e seus olhos azuis."
O grupo parou de olhara para a Sarah depois que Anbiel leu
a parte da descrição, pois aquela Sarah não tinha cabelos
loiros como Sol, nem poderia, pois tinha uma fisionomia meio
oriental, com seus olhos amendoados e escuros.
- Continua, quero saber o resto, pediu Sarah para Anbiel.
"Meus dedos sabem o caminho do piano a tanto tempo, que
para lá se encaminham sozinho e os acordes que desfilam
estão tão automatizados que nem preciso pensar, então fico
montando acordes impossíveis e errados:
I – DO MI SOL – C E G
II – RE FA LA – D F A
III – MI SOL SI – E G B
IV – FA LA DO – F – A - C
V – SOL SI RE FA – G B D F
VI – LA DO MI – A C E
VII – SI RE FA LA – B C F A

I - COM QUALQUER
II - V
III – IV -VI OU- V
IV - II, V OU I(SE FINAL)
V - II OU VI
VI - II, IV OU V
VII - I OU VI
As cifras desfilam feito loucas na minha mente e os
sustenidos são mortos pelos bemóis.
Haydn, não eu quero Bach, Bolero de Ravel, não sei mais o
que,."
"Ela se foi e só agora eu percebi, eu queria uma vida e
minha vida era ela".
- Nossa que cara chato! disse Joe.
- Sarah esse caderno não é mesmo seu?
- Não, já disse que não. Meu aqui é o só o Livro de Sarah,
aquele que vocês esconderam porque tem medo de magia,
seus covardões.
- Eu não escondi nada defendeu-se Walesa.
- Disse covardões e não covardona, replicou Sarah rindo, já
desfeita de sua raiva inicial.
- Será que a T.I.A. sabe de quem é o caderno?
- Ah, eu não vou atrás dela uma hora dessa, passa de meia
noite e ela deve estar dormindo.
- Amanhã a gente fala com ela.
Capítulo 15 – Show e fantasias
IVONE PERL

Joe conseguia produzir muitas músicas que causavam-lhe


um impacto visual muito impressionante, pois ele sempre
parecia a beira de um ataque, ferindo e quebrando cordas sem
cessar. Gritando seu canto, como um louco e principalmente
observando a reação da pequena platéia. Mas faltava alguma
muito essencial, faltava carisma e empatia, a primeira atordoa
quem se aproxima e a segunda permite se por na pele dos
outros para dar exatamente aquilo que querem...
Sarah começou a perceber que nesse mundinho de Joe não
haveria mais espaço para ela e seus erros certamente seria
expostos com lente de aumento digna de um satélite Corona e
porisso fez o que as mulheres fazem, devagar foi procurando
outros, mais meigos e menos individualistas.
- Joe essa bateria está muito pesada e desse jeito não dá
para ouvir a guitarra, nem sua voz.
- Você não gosta de nada do que faço, só sabe ficar aí
sentadinha no cubo e não faz nada para ajudar.
- Como não? Amplio a rede de conhecimentos, faço
contatos, providencio material, venho para os ensaios.
- É mas você não ensaia nada, só fica olhando com cara
feia.
- Claro meu filho, você não quer parceria, quer aplausos
para qualquer bosta que fizer, isso deixo para outras pessoas
fazer.
- Você só sabe me criticar.
- Não se trata disso, apenas não vou ficar carregando o
piano e parecer que você é quem faz tudo. Só sabe ficar aí na
internet horas e horas. Cadê o Joe que conheci quando veio
para cá, hein?
- Minha filha, morreu, onde não se pode sonhar não existe
nada para fazer. Quer escutar esta daqui. É especial para
você.
Zumbi não tem coração,
para ele é tudo aberração.
Ele vai comer o seu cérebro
igual se como um marshmallow
e ainda vai rir de você, wow, wow.
Levanta, estica os braços,
não vai te abraçar, o seu cheiro
é mesmo de arrasar,
podridão na pele, olho parado,
seu tom de pele arroxeado,
e esse sorriso é de espantar,
dentes a amostra, sem lábios para beijar.
Zumbi não sabe mais amar,
Zumbi não sabe mais amar,
- Ah não sei não, tem alguma coisa que não encaixa.
- Minha filha isso é Misfits.
- Não conheço nenhuma música do Misfits com essa letra.
- Deixa de ser idiota, é tipo Misfits.
Sarah olhava para Joe com um olhar disfarçado e no seu
íntimo sabia que não ia rolar, pois havia ódio na canção e o
zumbi estava bem ali, fazendo pickfinger no baixo cada vez
mais baixo.
Os outros se entreolhavam preocupados pois a data do
show estava chegando e a única coisa que acontecia todo dia
eram os ataques de Joe e o desânimo de Sarah.
O livrinho dormia em algum canto da casa, em seu sorriso
sinistro de satisfação, pois spiritus locus realmente estava
muito louco e não percebia que ao mesmo tempo que
manipulava também estava sendo manipulado pelas forças
mentais. E o sangue arrastava ao sangue.
E a Tia em silêncio remava uma imensa canoa de volta à
nascente do rio, impassível como devem ser as tias. O lago
calmo de sua alma não se abalava ouvindo acordes
desesperados ou sinistras baladas de lobisomem. Os signos
que ela traçava no ar eram simplesmente aqueles recebidos
por meio do correio e tinha nomes tão estranhos para coisas
malignas, atendiam pelo simples e sempiterno nome de contas
a pagar, contas vencidas, contas a vencer. Ou seja, o simples
mundo que faz com que os vivos não durmam durante a noite:
dinheiro.
Joe delirava seus sonhos draconianos de grandeza e sua
megalomania estava ficando realmente insuportável, pois na
opinião dele apenas o que ele fazia era bom o bastante para
ser apreciado por todos indistintamente de cor, credo ou raça.
Onde será que ele tinha adquirido tamanha falta de senso.
Seria da falta da mãe gorda e sempre ausente, que voltada de
madrugada com uma caixa de pizza ou uma bandeja de
esfiras, Lorene era uma boa mulher, não sabia fazer outra
coisa da vida e criar mais um filho não era exatamente sua
prioridade e, assim, meio que para apagar suas culpas
maternas, tentava na medida do possível fazer-lhe as
vontades.
Será que era errado o pobre Joe sonhar com sua música
camaleonante, será que era errado tentar fingir uma alegria
que não sentia e contar mentiras inocentes ou nem tanto para
chamar atenção, mas principalmente obter a importância que
julgava jamais teria? Ninguém poderia saber o que ia naquela
alma atormentada, pois ele patéticamente bradava aos quatro
ventos que aos tolos e fracos arrancaria o coração sem
piedade, com um cândido sorriso nos lábios e devoraria
existências inteiras se assim fosse preciso para atender seus
desejos imperiosos de palco e aplauso.
Ele jamais seria o Billie Joe pois seu espírito era por demais
atrasado para perceber que muitas vezes é preciso ceder para
ganhar algo mais importante. Ele ainda não tinha percebido
que o mais importante dessa vida não é conquistar muitas
amizades, mas saber manter aquelas existentes. Ele não tinha
percebido que em cada ser humano existe uma vida atrás que
precisa ser olhada com dignidade e respeito.
No dia seguinte seria o primeiro show da Spiritus Locus e
realmente ninguém havia conseguido dormir direito. Cada um
desejando alguma coisa: sucesso, desgraça, vergonha,
contratos.
O que importava de tudo isso é que enquanto durasse os
vinte minutos de show podia existir a fantasia.
E afinal terminada fantasia e acabado o sincronismo
encerrou-se os sonhos de alguém e o livro perdeu-se em
gavetas e a guitarra vermelha já nem era vermelha.
A banda acabou depois de dois CDs e Sarah resolveu
estudar medicina e ela seria uma excelente médica.

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