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fe3/4 fallin “Teulon Dante de Aufl (Philo hee Fragment) sent strata da lc alert publica 19) ot je Frankfurt am Main, Alemanhe prs Feches Veg. copyright © 194, Sos Sue Asociados . New York, Seer ements wit S. Baer Veg Ge Tanke am Main Copyright da ei nm ngs poeogue © 1985: Jorge Zahar Edo Liss tn México 31 sobreloia $903 1-14 Rio de Janeiro. RY Ban) 2108-0808 | Fax: 21 “Sera je@sahas comer 108-0800 Sites woewasharcomm.bt Tsdos ox dices resenados Fase ago nto-auorada dese publica, odo Ar al vag de dics sors (4S 9.610198) eempresto 2006 com nova paisa AP Capa: Dupla Design cap Bras, Catalogariorn fonte indice Nacional dos Etores de Lon BY Forno, Theodor W, 1903-1969 [Axséi Daksa do eearecmenre: Ey feet i de Janet: Joe Zaber A. 1989 “Taducio de: Dilek der Aufiarang Philosophische Fragmente Tock bibliogralis ISBN 97E-SS-THHOSES 1. Filosofia ale 1973.1, Tilo D0: 198, sent filoeficos { Theo PS tao Max Hoebeimen aden, ge An? Seale 3%. 1. Horkheimer, Mass 1895 CDU1G20)_ we Cane Tueopor W. ADoRNO E Max HORKHEIMER v “ DiaéTIca DO E SCLARECU FRAGMENTOS FILOSOFICOS MENTO Tradugio: Gupo Antomto DE ALMEDA Professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janciro QP ZAHAR 16 DIALETICA Bo SCLARSCIMENTO dos a pesquisas empfricas do Instituto para Pesquist Social, a fundacio institut- dae mantida por Felix Weil, sem a qual nao teriam sido possiveis, nfo apenas nossos estudos, mas uma boa parte do trabalho ce6rico dos emigrantes alemes, que teve prosseguimento apesar de Hitler. ‘As primeirastré teses foram escritas com Leo Léwenthal, com quem desde os primeitos anos de Frankfurt rabalhamos em muitas quest6cs cientificas. No iiltimo capitulo publicam-se nocas e esbogos que, em parte, pertencem ao horizonte incclectual dos estudos precedentes, sem encontrar af seu lugar, © ‘em parce tragam um esbogo provisério de problemas a serem tratados num ta- balho futuro. A maioria dcles refere-se a uma antropologia dialética. Los Angeles, maio de 1944 O livro nfo contém nenhuma modificagio essencial do texto tal como conclui- do ainda durante a guerra. Sé a tiltima tese dos “Elementos do anti-semitismo” foi acrescentada ulteriormente. Junho de 1947 THEODOR W. ADORNO. MAX HORKHEIMER O Concerro DE ESCLARECIMENTO N ‘0 sentido mais amplo do progresso do pensamento, 0 esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo ¢ deinvesti-los nna posigao de senhores, Masa terra toralmente esclarecida resplandece sob o sig- no de uma calamidade wriunfal. © programa do esclarecimento era 0 desencan- tamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos ¢ substituit a imaginagio ja reanira seus diferentes pelo saber. Bacon, “o pai da filosofia experimental temas, Ele desprevava os adeptos da tradigo, que “primeiro acreditam que os ‘outros sabem o que eles nio sabem; e depois que eles préprios sabem o que nao sabem. Contudo, a credulidade, a aversao a chivida, a eemeridade no responder, co vangloriar-se com o saber, a timider no contradizer, o agit por interesse,a pre- guica nas investigagées pessoais, 0 fetichismo verbal, o deterse em conhecimen- tos parcais sto coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendi- ‘mento humano com a natureza das coisas € 0 acasalaram, em ver disso, aconceitos vios e experimentos ertiticos: o fruto e a postetidade de tao gloriosa unio po- de-se facilmente imaginar. A impzensa nao passou de uma invengio grosscira; 0 canhio era uma invencio que jf estava praticamente asseguradas bissola ja era, até certo ponto, conhecida, Mas que mudanga essas és invengées produziram. ~ uma na ciéncia, a outra na guerra, a tereeira nas finangas, no coméicio ena na: vvegacao! F foi apenas por acaso, digo eu, que a gente tropecou € caiu sobre elas. Portanco, a superioridade do homem ests no saber, disso nao ha divida. Nele muitas coisas estio guardadas que 0s reis, com rodos 0s seus tesouros, no po- dem comprar, sobre as quais sua vontade nao impera, das quais seus expias ¢ in- formantes nenhuma noticia trazem, e que provém de pafses que seus navegantes « descobridores nao podem alcangat. Hoje, apenas presumimos dominars nacu- reza, mas, de fato, estamos submetidos & sua necessidade;se contudo nos deixds- semos guiar por ela na invengio, nés a comandariamos na pritica.” ra Apesar de seu alheamento matemética, Bacon capturou bem a mentalida- de da ciéncia que se fez depois dele. O casamento feliz entre oentendimento hu- mano ea natureza das coisas que ele tem em mente é patriarcal: o entendimento {que vence a supersticao deve imperar sobre a natureza desencantada. O saber que é poder n > conhece barteira alguma, nem na escravivacao da criatura, nem na complacéncia em face dos senhores do mundo. Do mesmo modo que esta a ser- vvigo de todos 0s fins da economia burguesa na fabrica eno campo de batalha, as- sim também esté & disposigio dos empresirios, no importa sua origem. Os reis nao controlam a técnica mais diretamente do que os comerciantes: ela & tao de- mocritica quanto o sistema econémico com qual se desenvolve. A técnica €a esséncia desse saber, que nao visa conceitos ¢ imagens, nem o prarer do discerni- mento, mas 0 método, a utilizacio do trabalho de outros, o capital. As muiltiplas coisas que, segundo Bacon, ele ainda encerra nada mais sZo do que instrumen tos: 0 ridio, que é a imprensa sublimada; 0 avido de caga, que ¢ uma artitharia ‘ais eficaz; 0 controle remoto, que é uma biissola mais confidvel. O que os ho- mens querem aprender da natureza como empregé-la para dominar completa- mente a ela € aos homens. Nada mais importa. Sem a menor consideragio consigo mesmo, 0 esclarecimento eliminou com seu cautério 0 tltimo resto de sua prépria autoconsciéncia. $6.0 pensimento que se faz violencia a si mesmo ¢ suficientemente duro para destruir os mitos. Diante do atual triunfo da mencali- dade factual, até mesmo 0 credo nominalista de Bacon seria suspeito de metafi- sica ¢ incorreria no veredicto de vacuidade que proferiu contra a escoléstica. Poder e conhecimento sio sindnimos.’ Para Bacon, como para Lutero, o estéril prazer que 0 conhecimento proporciona nio passa le uma espécie de laseivia. O que importa nio € aquela satisfago que, para os homens, se chama “verdade”, mas a “operation”, o procedimento eficaz. Pois nao € nos “discursos plausiveis, capares de proporcionar deleite, de inspirar respeito ou de impressionar de uma smancira qualquer, nem em quaisquer argumentos verossimeis, mas em obrar € trabalhar e na descoberta de particularidades antes desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida’, que reside “o verdadeiro objetivo ¢ fungao da ciéncia’* Nao deve haver nenhum mistério, mas tampouco o desejo de sua revelagio, Desencantar 0 mundo é destruir 0 animismo. Xendfanes zombava da mul- tidio de deuses, porque eram iguais aos homens, que os produziram, em tudo aquilo que é contingente e mau, ¢ a l6giea mais recente denuncia as palavas cu nnhadas pela Hinguagem como moedas falsas, que sera melhor substituir por fi chas neutras. O mundo torna-se 0 «20s, ¢ a sintese, a salvagio. Ni -nhuma distingao deve haver entre o animal totémico, os sonhos do visiondtio e a Idéia absoluta. No rajeto para ciéncia moderna, os homens renunciaram ao sentido « substituiram 0 conceito pela formula, a causa pela regra e pela probabilidade. A causa foi apenas o iltimo conceito filaséfico que serviu de padtio para a criti- ca cientifica, porque ela era, por asim dizer, dentre todas as idéias antigas, 0 tinico conceito que a ela ainda se apresentava, derradeira seculatizagéo do prin- cipio ctiador. A filosofia buscou sempre, desde Bacon, uma definiséo moderna de substincia e qualidade, de asio e paixao, do ser eda existéncia, masa ciéncia jf podia passar sem semelhantes categorias. Essas caregoris tinham ficado para tués como idola theatri da antiga metaisieae jd eram, em sua época, monummen- tos de entidades ¢ poténcias de um >assado pré-histérico. Para este, a vida ea ‘morte haviam se explicado e entrelagado nos mitos. As categorias, nas quis a fi- losofia ocidental decerminava sua ordem natural eterna, marcavam 0s lugares coutrora ocupados por Ocnos ¢ Peséfone, Ariadne ¢ Nereu. As cosmologias pré-socriticasfixam o instante da transicio, © timido,o indiviso, 0 a, 0fogo, ai citados como a matéria primordial a natureza, sio apenas sedimentos raciona- liaados da ineuigdo mitica. Assim como as imagens da geragao a partir das Aguas do tio e da terra se tornaram, entre es gregos, princ{pios hilozoistas, clementos, assim também toda a luxuriante plurivocidade dos demdnios miticos espirieua- Tizou-se na forma pura das entidades ontologicas. Com as Idéias de Plato, final- mente, também 05 deuses patriarcais do Olimpo foram capturadas pelo logos filoséfico. O esclarecimento, porém. reconheceu as antigas poréncias no legado platnico e arisotélico da metafisicae instaurou ui processo contra pretensio de verdade dos universais, acusando-a de superstigao, Na autotidade dos concei- tos universais ele cré enxergar ainca o medo pelos deménios, cujas imagens cram 0 meio, de que se serviam os homens, no ritual magico, para tentar influ- cenciara nacureza, Doravante, a matéria deve ser dominada sem o recurso ilus6- rio a forgas soberanas ou imanentes sem a ilusio de qualidades ocultas. O que io se submete a0 critério da calculabilidade e da utilidade torna-se suspeito para oesclarecimento. A partir do momento em que cle pode se desenvolver sem a interferéncia da coercio externa, nada mais pode seguré-lo. Passa-se entio com as suas idéias acerca do direito humaro o mesmo que se passou com os universais mais antigos. Cada resisténcia espir tual que ele encontra serve apenas para au- mentar sua forga.’ Isso se deve a0 Fao de que o esclarecimento ainda se reconhe- ‘cea si mesmo nos préprios mitos. Quaisquer que sejam os mitos de que possa se valer a resisténcia, o simples fato deque eles se torriam argumentos por uma tal oposigio significa que cles adotam o principio da racionalidade corrosiva da {qual acusam o esclarecimento. O esclarecimento € totalitario. Para ele, o elemento bisico do nito foi sempre o antropomorfisma, a proje G40 do subjetivo na natareza,* O sabrenacural, 0 espirito e os deménios seriam as imagens especulares dos homens que se deixam amedrontar pelo natural. Todas as figuras miticas podem se reduzir,segundo o esclarecimento, ao mesmo deno- minador, a saber, a0 sujeito. A respesta de Eipo ao enigma da esfinge: “Eo ho- mem!” éa informagao estereotipads invariavelmente repetida pelo esclarecimen- 19 20 to, nio importa se este se confronta com uma parte de um sentido objetivo, esbogo de uma ordem, o medo de poténcias maléficas ou a esperanga da reden- sao. De antemio, o esclarecimento s6 reconhece como ser e acontecer 0 que se deisa captar pela unidade. Seu ideal ¢ o sistema do qual se pode deduzir toda ¢ cada coisa. Nao € nisso que sua versio racionalista se distingue da versio empi- rista. Embora as diferentes escolas interpretassem de maneira diferente os axio- ‘mas, a estrutura da cigncia unitéria era semprea mesma. © postulado baconiano dda una scientia universal’ &, apesar de todo o pluralismo das éreas de pesquisa, ‘io hostil 0 que no pode ser vinculado, quanto a mathesis universalisde Leibnia & descontinuidade. A multiplicidade das iguras se reduz 3 posigdo € A ordem, a hist6ria ao fato, as coisas A matéria, Ainda de acordo com Bacon, entre os primei- 105 principios e os enunciados observacionais deve subsistir uma ligagio logica uunivoca, medida por graus de universalidade. De Maistre zomba de Bacon por cultivar “une idole d’échelle”* A égica formal era a grande escola da unificacio. Ela oferecis aos esclarecedores o esquema da calculabilidade do mundo, © equa. cionamento mitologizante das Idéias com os niimeros nos tlkimos escritos de Platio exprime o anscio de toda desmicologizagao: 0 nximero tornou-se 0 cinon do esclarecimento, As mesmas equagées dominam a justica burguesa e a ¢roca mercantl. “Nao éa regra: ‘se adicionareso desigual ao igual obterds algo de desi- gual” (Siinaequalibus aequalia addas, omnia erunt inaequalia) um principio tan- to da justiga quanto da matematica? E nio existe uma verdadeira coincidéncia entre a justia cumulativa e distributiva por um lado e as proporgdes geoméeri- ‘as ¢ aritméticas por ousro lado?” A sociedade burguesa esta dominada pelo equivalente. Ela tora o hetcrogéneo comparivel, reduzindo-o a grandezas abs- tratas, Para o esclarecimento, aquilo que nao se reduz a ntimeros e, por fim, a0 luno, passa a ser ilusio: 0 positivismo moderno remete-o para a liceratura. “Uni- dade” continua a sera divisa, de Parménides a Russell. O que se continua a exi- git insistentemente €a destruigdo dos deuses e das qualidades, Mas os mitos que caem vitimas do esclarccimento ja eram 0 produto do Préprio esclarecimento. No cilculo cientifico dos acontecimentos anula-se a conta que outrora o pensamento deta, nos mitos, dos acontecimentos. O mita queria relatar, denominar, dizer a origem, mas também expor, fixar, explica Com o registro e a colesdo dos mitos, essa tendéncia reforgou-se. Muito cedo deixaram de ser um relato, para se vornarem uma doutrina. ‘Todo rieual inclui uma representasio dos acontecimentos bem como do processo a ser influencia- do pela magia. Esse elemento te6rico do ritual cornou-se auténomo nas primei- Fas epopéias dos poves. Os mitos, como os encontcaram os poetas trigicos, j se encontram sob o signo daqucla disciplina e poder que Bacon enaltece como 0 objetivo a se alcansar. © lugar dos espiritos e deménios locais foi tomado pelo céu sua hierarquias o lugar das préticas de conjurasio do feiticeiro e da tribo, pelo sactificio bem dosado e pelo trabalho servil mediado pelo comando. As dei- dades olimpicas nao seidentificam mais diretamente aos elementos, mas passam a significé-los. Em Homero, Zeus preside o c&u diurno, Apolo guia o sol, Hélio ¢ Eo jd tendem para o alegérico. Os deuses separam-se dos elementos materiais como sua suprema manifestasao. De agora em diante, oserse resolve no logos — que, com 0 progresso da filosofia, se reduz.i ménada, mero ponto de referéncia— nna massa de todas as coisas e criaturas exteriores a ele. Uma dinica distingio, a distingao enere a propria existencia e a realidade, engolfa todas as outras distin- Ges. Destruidas as distingSes, o mundo ¢ submetido 20 dominio dos homens. Nisso esto de acordo a histéria judia da criagao e a religio olimpica.*...e do- minario 0s peixes do mar easaves do céu co gado ea terra intcirae todos os rép- teis que se arrastam sobre a terra."° “Zeus, nosso pai, sois 0 senhor dos céus, ¢a vyosso olhar nao escapa nenhuma obra humana, sacrilegas ou justis, e nem mes- mo a turbuléncia dos animais, e estimais a retidao.”" “E assim se passa que um expia logo, um oucro mais tarde. E mesmo que alguém escape a0 castigo eo fado ameacador dos deuses nfo oaleance, ste acaba sempre por chegar,esio pessoas inocentes — seus filhos ou uma outra geragao ~ que terio de expiar o crime.”" Pe- rante os deuses, s6 consegue se afirmar quem se submete sem restrig6es. O des- pertar do sujeito tem por preso o reconhecimento do poder como o principio de todasas relagdes. Em face da unidade de tal razao, a separacio de Deus e do ho- ‘mem reduz-se iqula itrelevincia que, inabalével, a rario assinalava desde a mais antiga critica de Homero. Enquanto soberanos da natureza, 0 deus criador ¢ 0 «espirito ordenador se igualam. A imagem e semelhanga divinas do homem con- sistem na soberania sobre a cxisténcia, no olhar do scnhor, no comando. O mito converte-se em esclarecimento, e 2 natureza em mera objetividade. © preco que os homens pagam pelo aumento de scu poder € a alienagao daquilo sobreo que exercem o poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como ‘o ditador se comporta com os homens. Este conhece-os na medida em que pode manipuli-los. O homem de ciéncia conhece as coisas na medida em que pode fazé-las. £ assim que seu em-si zomna para-ele, Nessa metamorfose, a essén- cia das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominasao. Essa identidade constitui a unidade da natureza. Assim como a unidade do suje- ito, ela campouco constitui um pressuposto da conjuracéo magica. Os ritos do xam dirigiam-se ao vento, & chuva,& serpence li fora ou a0 deménio dentro do wo que se de- doente, no a matérias ou exemplares. Nao era um eo mesmo esp dicava a magia; ele mudava igual as mascaras do culto, que deviam se assemelhar aos miiltiplos espiricos. A magia é a pura c simples inverdade, mas ncla a domi- nagio ainda nao € negada, 20 se colocar, transformads na pura verdade, como a base do mundo que a ela sucumbiu. © feiticeiro corna-se semelhante aos dem6- nos; para assusté-los ou suavizé-los, ele assume um ar assustadico ou suave. a 2 DxaLerica DOESCARICINENTO Embora seu oficio sejaa repetico, diferentemente do civilizado - para quem os modestos campos de caca se transformam no cosmo unificado, no conjunto de todas as possibilidades de presas ~ ele ainda no se declarow a imagem e seme- ca do poder invisivel. E s6 enquanto tal imagem e semelhansa que o ho: mem alcanga identidade do eu que nao pode se perder na identificagio com 0 outro, mas toma definicivamente posse de si como mascara impenetrivel. E & identidade do espfrito ea seu correlato, 4 unidade da natureca, que sucumbem as miiltiplas qualidades. A natureza desqualificada torna-se a matéria ca6tica ‘para uma simples classificagio, ¢ 0 eu todo-poderoso torna-se 0 mero ter, a iden- tidade abstrata. Na magia existe uma substitutividade especifica. O que aconte- ce A Langa do inimigo, 4 sua cabelcira, a seu nome, afeta a0 mesmo tempo a pessoa; em vez do deus, ¢ 0 animal sacrificial que € massacrado. A substituigio no sactificio assinala um novo passo em ditegio a légica discursiva. Embora a cerva ofetecida em lugar da filha c 0 cordeiro em lugar do primogénito ainda de- ‘vessem ter qualidades préprias, cles j& representavam o genero c cxibiam a indi- ferenga do exemplar. Mas a sacralidade do hic et nunc, a singularidade histérica do escolhido, que recai sobre o elemento substicuto, distingue-o radicalmente, torna-o introcavel na troca. E a isso que a ciéncia dé fim. Nela néo hé nenhuma substitutividade especifica: se ainda hé animais sacrificiais, nao ha mais Deus. ‘A substitutividade converte-se na fungibilidade universal. Umm éromo é desinte- ‘grado, nao em substituigio, mas como um espécime da matéria, ¢ a cobaia atra- vessa, no em substituigo, mas desconhecida como um simples exemplar, a paixdo do laboratério. Porque na ciéneia funcional as distingdes sao tao luidas que tudo desaparece na matéria una, 0 objeto cientifico se petifica, co fgido ri tual de outrora parece flexivel porquanto substicufa a um também o outro. O mundo da magia ainda continha distingdes, cujos vestigios desapareceram até ‘mesmo da forma lingiistica.” As miiliplas afinidades entre os entes séo recalca- das pela tinica relagao entre 0 sujeito doador de sentido ¢ o objeto sem sentido, entre 0 significado tacional ¢ 0 portador ocasional do significado. No estigio ‘magico, sonho e imagem néo eram tidos como meros sinais da coisa, mas como ligados a esta por semelhanga ou pelo nome. A relago nfo éa da intengio, mas do parentesco. Como a ciéncia, a magia visa fins, mas claos persegue pela mime- se, ndo pelo distanciamento progressivo em relagao ao objeto, Ela nio se bascia de modo algum na “onipoténcia dos pensamentos", que o primitivo se atibuiria, segundo se diz, assim como o neurético."" Nao pode haver uma “superestimagao dos processos psiquicos por oporigso &realidade”, quando o pensanento ea rea~ lidade nao estéo radicalmente separados. A “confianga inabalivel na possibilida- de de dominar omundo”,” que Freud anactonicamente atribui & magia, s6 vem corresponder a uma dominacio realista do mundo gragas a uma ciéncia mais as- tuciosa que a magia. Para substituie as privicas localizadas do cutandeiro pela «éenica industrial universal foi preciso, primeiro, que os pensamentos se tornas- sem auténomos em face dos objetos, como ocorre no ego ajustado 8 realidade, Enquanto totalidade desenvolvida lingiisticamente, que desvaloriza, com «sua pretensio de verdade, a erenga mitica mais antiga: a religizo popular, o mito patriarcal solar ele proprio esclarecimento, com o qual o esclarecimento filoss- fico pode-se medir no mesmo plano. A ele se paga, agora, na mesma moeda. A propria mitologia desfecha 0 processo sem fim do esclarecimento, no qual toda concepsao tebrica determinada acaba fatalmente por sucumbira uma critica ar- rasadora, & critica de ser apenas uma crenga, até que 0s préprios conceitos de es- pltito, de verdade, ¢ aré mesmo de esclarecimento tenham-se convertido em ‘magia animista. O principio da necessidade Fatal, que traz a desgraca aos herdis iicos e que se desdobra a partic da sentenga oracular como uma conseqiiéncia légica, nao apenas domina todo sistema racionalista da filosofa ocidental, onde se vé depurado até atingir o rigor da légica formal, mas imperaaté mesmo sobre a série dos sistemas, que comesa com a hierarquia dos deuses e, num permanen- tecrepuisculo dos doles, ransmite sempre o mesmo conteiido: a ita pela falta de honestidade. Do mesmo modo que os mios jé levam a cabo o esclarecimento, assim também o esclarecimento fica cada vez mais enredado, a cada passo que 44, na mitologia. Todo contetido, ele 0 recebe dos mitos, para destru‘-los, € a0 julgé-los, ele cai na érbita do mito. Ele quer se furtar ao processo do destino eda retibuigio, fazendo-o pagio, ee proprio, uma retribuigio, No miro, tudoo que acontece deve expiar uma pena pelo fato de ter acontecido, Eassim continua no csclarecimento: 0 fato corns-se nulo, mal acabou de acontecer. A doutrina da igualdade entte a agio e a reacio afirmava 0 poder da repetigao sobre 0 que existe muito tempo apés os homens terem renunciado & ilusio de que pela repetisio poderiam se identificar com a realidade repetida e, assim, escapar a seu poder. Mas quanto mais se desvanece a ilusio magica, tanto mais inexoravelmente are- peticao, sob o ticulo da submissio a lei, prende o homem naquele ciclo que, ob- jetualizado sob a forma da lei natural, parecia garanti-lo como um sujcito livre. O principio da imanéncia, a explicagio de todo acontecimento como repeticao, que o esclarecimento defende contraa imaginacio mitica, ¢ 0 prinefpio do pré- prio mito, A insossa sabedoria para.a qual nao ha nada de novo sob o sol, porque todas.s cartas do jogo sem-sentido jéteriam sido jogadas, porque todos os gran- des pensamentos jé teriam sido pensados, porque as descobertas possiveis pode. riam ser projetadas de antemio, ¢ os homens estariam forgados a assagurar a autoconservacio pela adaptagio ~ essa insossa sabedoria reprodu tio-somente asabedoria fantastica que ela rejeita: aratificagio do destino que, pela retibuiso, reproduz sem cessar 0 que jd cra. O que seria diferente ¢ igualado, Esse € 0 vere dicto que estabelece criticamente os limites da experincia possivel. O prego que se paga pela idencidade de tudo com rudo ¢ 0 fato de que nada, ao mesmo tem- a3

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