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APRESENTAÇÃO

Dez anos do PPGEduC


Participação nas mudanças educacionais
no contexto baiano

O título “Projetos e metamorfoses” da coleção “Educação e con-


temporaneidade” parafraseia a obra “Sociedades Complexas: projetos
e metamorfoses”, de Gilberto Velho, com a intenção explícita de
demonstrar que existem lógicas operativas, pragmáticas funcionais,
modos de se estabelecer relações e laços sociais, formas discursivas,
práticas sociais, que evidenciam a natureza relativa, dinâmica, da
realidade e dos conhecimentos que se pretende gerar e difundir sobre
seus objetos. Em particular, estes são o contexto e a base primária
nos quais os homens desenvolvem expressões de formação e modelos
educacionais, todos inscritos nos seus interesses, desejos, necessi-
dades, e dentro de uma correlação de forças inegável, que explicita
para o objetivo de nossas reflexões a sempre atual dimensão política
da coisa educacional, sobretudo em tempos contemporâneos, em que
as dinâmicas societárias estão criando condições para importantes
mudanças qualitativas, perseguindo e renovando antigas lutas por
melhoria da condição de vida para todos, equidade na apropriação e
distribuição dos bens e riquezas produzidos socialmente, solidariedade
e ética em prol da justiça econômica e social.
Neste complexo ideário, cabe à educação um papel específico
e relevante, conforme as experiências relatadas e aprofundadas nos
capítulos desta obra, que traçam um panorama e um quadro geral,
numa inserção local na Bahia, ilustrando e ao mesmo tempo mo-
bilizando a esperança nas mudanças que podemos realizar a partir
de nosso comprometimento, inserção político-social e implicação
pessoal e subjetiva.
Aqui, como naquela obra de Velho, realizamos uma crítica à racio-
nalidade científica, à medida que desvelamos outros modus operandi
e outras inteligibilidades que testemunham a riqueza da aventura do
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conhecimento humano, seu pluralismo, a necessidade de assumir uma


política de convivência na diferença, tanto no que se refere às epis-
temologias quanto aos seus correspondentes primários na estrutura
social e cultural que geraram tais configurações de conhecimento,
saberes e processos criativos – evitamos tratar desses processos sobre
a velha rubrica da “estrutura de conhecimento” e da “produção”, cuja
política de sentidos está diretamente relacionada a antigas hegemonias
econômicas, políticas e culturais. Assim, ressaltamos o caráter plural e
dinâmico desses processos. Neste sentido, demonstramos que os pro-
cessos formativos constituem expressões educacionais diferenciadas,
com bases epistemológicas relativas, contextuais, as quais compreen-
dem o conhecimento enquanto “lugar” constantemente ressignifica-
do, dinamizado, atualizado, pelos sujeitos, ao modo de uma autoria,
implicando autonomia, articulando dialeticamente sua condição social
e particular (subjetiva). Desse modo, compreendemos a geração e a
difusão do conhecimento, bem como as expressões educacionais daí
decorrentes, enquanto dinâmicas de desconstruções/reconstruções
humanas. Compreendemos o conhecimento como estando/sendo no/o
lugar do saber e não da verdade, portanto, relativo aos processos sociais
e subjetivos, nas mais variadas e diferenciadas formas de conquistas
do pluralismo humano, em nível histórico, social e cultural.
Os textos que seguem procuram refletir e narrar formas de ex-
pressão e construção dessas possibilidades, também com o intuito
de apresentar algumas proposições e criações do Programa de Pós-
graduação em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC) sobre a
unidade problemática da relação educação e contemporaneidade.
O texto “A construção de abordagem alternativa da relação entre a
Educação e as Tecnologias de Informação e Comunicação: tecnogêne-
se, o impossível da comunicação e a metáfora da linguagem” faz uma
síntese da crítica que o autor elaborou sobre a perspectiva meramente
instrumental, determinista-mecanicista da tecnologia, dos potenciais
que as tecnologias de informação e comunicação representam quando
os fundamentos comunicativos e informacionais são assumidos numa
vertente sociológica, antropológica, histórico-dialética, além de discu-
tir provocativamente a incompletude da comunicação e informação,
metaforizadas na figura da linguagem humana. Deste modo, destaca a
importância desse vazio/buraco estrutural nos limites instrumentais e
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operacionais da comunicação e informação para que o sujeito advenha,


com seus interesses, desejos, modo singular de ser, “autoriando” e
autorizando – numa dinâmica de poder – as diferentes expressões dos
processos tecnológicos em geral, dos comunicativos, informacionais
e educacionais em particular.
O texto seguinte, “Educação e trajetórias de negros na Bahia:
inclusão, exclusão e resistência”, trata da exclusão dos negros da
escolarização, na Bahia, circunscrevendo a reflexão neste século
que se seguiu à abolição. Nesta linha temática, traz elementos que
recompõem e reescrevem a memória do processo lento de luta em
prol do acesso dos ex-escravos à escola, movimento que naturalmente
desenvolveu estratégias, instrumentos, práticas diferenciadas, que
configuram importante base de formação e constituem alternativas de
expressão da educação ainda válidos, necessários, atuais e, portanto,
que respondem pelo caráter de contemporaneidade que vimos discu-
tindo em nosso programa, ao ressaltar não uma linha do tempo, mas
aqueles aspectos e características que ajudaram a modificar e subverter
o modelo de educação hegemônico, comprometido com os interesses
capitalistas, e instrumentalizados pela racionalidade científica.
“Na prosa da sala de aula, o sujeito se tece e se engendra”,
aborda a relação entre fala e escuta de professores, na sala de aula,
ancorada na experiência profissional da autora, como professora e
psicanalista, e teorizada por meio de saberes que a sustentam. O
texto enuncia uma pergunta que emerge: que lugar e posição teriam
as representações sociais de professores sobre fala e escuta em sala
de aula e como os suportes psicanalíticos permitiriam compreender
essas representações? Para a autora, compreender o lugar e a posi-
ção que teriam as representações sociais de professores sobre fala e
escrita significa definir os objetivos do estudo: a) analisar a fala e a
escuta de professores em sala de aula, compreendidas pelo campo das
representações sociais; b) compreender diferentes sentidos que a fala
e a escuta revelam em sala de aula, a partir do referencial teórico da
psicanálise. As categorias descritivas e teórico-interpretativas foram
construídas a partir das entrevistas e das observações, ao serem regis-
trados os comportamentos verbais dos professores em três momentos
da aula: recepção de chegada, durante a aula e conclusão da aula. Em
conclusão, mostra que a fala e a escuta de professores em sala de aula
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estão ancoradas em representações de sedução, relação transferencial,


ambivalência, repressão e frustração, que essas representações, ao
serem observadas, mereceram atenção, desvelando, assim, os sentidos
da fala e escuta em classe.
A reflexão apresentada em “Da invisibilidade ao centro do de-
bate: o negro na universidade no século XXI” analisa criticamente
a questão das raças nas relações sociais no Brasil, denunciando a
persistência de mecanismos de padrão hierarquizados de relações
raciais, camuflados na idealização de nossa sociedade como uma
“democracia racial”. Assim, insere-se um debate acerca das relações
raciais brasileiras no contexto de políticas públicas de democratiza-
ção do acesso da população negra à universidade, revisitando suas
formas de interpretação no século XX, a omissão da problemática em
estudos educacionais brasileiros, a presença de desigualdades raciais
no ensino superior, entre outros.
Em “Juventude, violência e exclusão social: experiências de
vida de jovens presidiários de Salvador”, a autora discute algumas
entrevistas resultantes de uma pesquisa realizada sobre a questão
contemporânea da violência e sua relação com os jovens. Foi usada
a metodologia da história oral de vida para estimular a construção
da narrativa da trajetória dos entrevistados que participaram da in-
vestigação. Estes, ao recomporem suas complexas redes de relações
sociais, mostraram como elas se desenvolvem e influenciam seus
comportamentos e ações. A investigação teve como seus sujeitos
um grupo de jovens e adultos do sexo masculino, condenados por
crimes de grande violência. Foram realizadas visitas frequentes e
regulares à Casa do Albergado, prisão semiaberta do Complexo
Prisional Lemos de Brito, em Salvador. A pesquisa se desenvolveu
basicamente através de entrevistas, fruto de um relacionamento
amistoso que progressivamente foi se criando, à medida que eram
vencidas as fortes resistências e desconfianças iniciais. Como re-
sultado da confiança e interesse que os entrevistados depositaram
na pesquisa, surgiram progressivamente suas narrativas densas e
corajosas. Assim, foram analisados alguns fragmentos das histórias
de vida de jovens envolvidos com a criminalidade e que descreveram
como a realidade se apresenta para eles. Para a autora, sem negar
sua responsabilidade pessoal como delinquentes, eles discutem
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razões e justificativas contundentes e esclarecedoras para o enten-


dimento desta característica negativa da contemporaneidade. Os
entrevistados mostram como as questões familiares, econômicas,
sociais e a violência que permeia esta realidade os transformam
em multiplicadores desta perversão social, ora no papel de sujeito,
ora no papel de vítimas deste fenômeno. Reconhecendo a comple-
xidade destas experiências de vida e suas circunstâncias, a autora
tomou como referência para análise dos resultados da pesquisa os
eixos temáticos das fases de infância, adolescência e juventude.
O objetivo destacado foi mediar estas falas e torná-las uma história
pública, a fim de socializar o conhecimento desse universo pouco
conhecido e como forma de denunciar uma realidade perversa,
anunciando que é possível transformá-la através de políticas públi-
cas e do compromisso, da conscientização e da ação da sociedade
civil organizada.
O trabalho “O reencantamento do mundo: perspectivas de aná-
lise para a compreensão do nosso tempo” destaca que há uma recusa
radical característica da nossa atuação científico-acadêmica de sub-
metermo-nos às análises que ficam na superfície de dados empíricos
e em suas seriações, nas prescrições históricas dos arquivos coloniais
que se fixam na matematização e esquematização da dinâmica so-
cioexistencial, reduzindo-a a “objeto de ciência” ou transformando-a
em taxionomias submetidas à expansão tecnoeconômica do mundo
imperialista. Segundo a autora, a onipotência contábil/mensurável
que atravessa o discurso científico predominante no poder de Estado
tende ao recalque, à unidimensionalidade e denegação de todas as
formas de sociabilidade que caracterizam as alteridades civilizató-
rias que mapeiam o planeta. O texto revisita Gaston Bachelard, para
alertar sobre a história positivista-empirista que impõe a finitude e
a linearidade como estratégia de análise para pensarmos e interpre-
tarmos a existência, e considera as propostas de rupturas essenciais
para penetrarmos num novo continente epistemológico, em que não
há lugar para a finitude dos conceitos, das verdades absolutas, da
intransitividade dos discursos que apequenam a existência.
Os autores de “Por uma perspectiva crítica da análise cognitiva
de processos de aprendizagem a partir das redes sociais” aproximam
importante provocação acerca da natureza ideológica da área de
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Difusão Estratégica do Conhecimento, que trata os processos cogni-


tivos de modo estritamente instrumental, obliterando a condição de
autonomia do sujeito do conhecimento. Neste texto, são indicados
aspectos que constituem uma abordagem de cunho social que, entre
outros, relativizam as estruturas lógicas, instrumentais, metodológicas
e tecnológicas no âmbito da difusão do conhecimento em contexto
de redes sociais, considerando o papel/lugar ativo, politicamente
engajado, subjetivamente implicado, dos processos cognitivos nesta
problemática contemporânea.
Outra reflexão, “A categoria espaço/território no contexto da
pesquisa e da pós-graduação em Educação no Brasil”, é composta de
cinco seções e trata da universidade pública, levantando como ques-
tão: a categoria espaço/território pode dar conta dos desequilíbrios
regionais no campo da pesquisa e da pós-graduação em Educação?
Território usado e capacidade instalada são os conceitos-guia neste
estudo, o qual destaca a produção intelectual, eixo de todo o processo.
O trabalho procura estabelecer elos entre a Educação e o desenvolvi-
mento científico e tecnológico, focando as regiões Norte e Nordeste,
a partir de dados do Inep. Também registra que a área da Educação,
tomada desde a especificidade do seu campo de conhecimento, não
se encontra inserida entre as chamadas áreas estratégicas e alerta
para o risco de a Educação ver-se apropriada, exclusivamente, na
sua dimensão instrumental e, portanto, capturada de forma restrita
pelos programas de formação de pesquisadores das demais áreas. O
texto indaga ainda se as medidas que estão sendo adotadas refletem
um esforço nacional em favor da equidade e conclui que este é um
desafio ainda presente para a pesquisa e a pós-graduação em Educa-
ção, nas regiões Norte e Nordeste do País. Finalizando, conclui que
a categoria espaço/território revela-se consistente para a abordagem
dos desequilíbrios regionais e para a superação das desigualdades
sociais.
O artigo “Efetividade das políticas públicas e do sistema de Justiça
no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes: a
educação em valores e a responsabilização” apresenta a temática da
Educação em valores democráticos e a dimensão ética da práxis edu-
cativa, objeto de investigação do Grupo Interinstitucional de Pesquisa
em Educação em Valores para a Democracia – Sociaprende. O texto
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analisa as políticas públicas para o enfrentamento da exploração sexual


de crianças e adolescentes nas duas últimas décadas, sua efetividade
(ou não) e a relação desses com os valores subjacentes na sociedade
brasileira. Reflete sobre o sistema de Justiça (e nele o de Garantia
dos Direitos), como política pública estatal, e os principais “curtos-
1
circuitos ” reveladores dos níveis de eficácia e de eficiência (ou não)
do Estado, da sociedade e do indivíduo na sua operacionalização.
Sugere alternativas de encaminhamento ao enfrentamento desse grave
mal social, à luz dos processos educativos, com foco na formação de
personalidades morais, centrada nos valores da corresponsabilidade, da
justiça social e da solidariedade, assim como reflete sobre a importância
da identificação, controle e responsabilização das violações aos direitos
de crianças e adolescentes, quando a sociedade ainda não possui uma
cultura de reciprocidade e respeito aos direitos humanos.
Por sua vez, o excerto “Gestão do ensino, política e formação
docente” faz uma reflexão em torno da evolução da educação, da
escola e dos sistemas de ensino no Brasil. Mostrando que a educação
básica tem sido objeto de estudo constante e de busca de alternativas
para a formação e para a ação docente, constituindo uma das bases
na formulação de políticas públicas para o setor, na aquisição de no-
vas tecnologias da informação para aperfeiçoamento dos processos
de formação docente e na construção do diálogo da escola com a
comunidade.
Com exceção do artigo “Por uma perspectiva crítica da análise
cognitiva de processos de aprendizagem a partir das redes socais”,
os demais foram produzidos como requisito para a promoção e pro-
gressão na carreira de Magistério Superior, no âmbito dos Concursos
de Professor Titular e Titular Pleno do Departamento de Educação,

1
Segundo a autora, trata-se de pontos de estrangulamento nos quais as ações previstas não
são realizadas, comprometendo a efetividade do processo e dos resultados. Entendemos que a
estratégia dos Fluxos Operacionais Devidos, adotada pela Associação Brasileira de Magistrados
e Promotores, juntamente com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e
a Childhood WFC-Brasil, representa um instrumento adequado na análise da efetividade das
políticas públicas, porque propõe evidenciar as competências dos diversos atores a serem
exercitados na direção de oferecer atendimento e os serviços que se fizerem necessários à
população, nas hipóteses de violências sexuais praticadas contra crianças e adolescentes e
apontar, inclusive, as medidas responsabilizadoras a serem adotadas quando esses serviços
e/ou políticas forem inexistentes, inadequados ou insuficientes.
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Campus I, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, durante o


ano de 2008. Assim, esta reflexões inscrevem-se na unidade teoria-
prática, consubstanciando saberes decorrentes de práticas sociais,
institucionais, históricas (locais), traduzindo também o processo de
construção da perspectiva teórica, social e cultural que estruturaram
a dinâmica e as proposições do PPGEduC, expressando a confluência
dos trabalhos para uma compreensão múltipla da contemporaneidade,
multifacetada, mas com o compromisso de também refletir sobre
questões comuns ao humano, universais e ao mesmo tempo não
totalitárias, ou seja, universal enquanto complexidade, pluralidade,
relatividade. Este é o caminho construído e trilhado pelo Programa
ao longo de seus 10 anos de trabalho.
Nesse sentido, esperamos noticiar e socializar, em mais esta
coletânea, um conjunto de reflexões críticas em torno desta unidade
problemática vigorosa: Educação e Contemporaneidade. Destacamos
que, embora se trate de um livro organizado, seus textos comunicam
um conjunto de conhecimentos construídos/produzidos com origi-
nalidade, fruto de um processo de estudos, investigações e inserção
profissional e social de seus autores, garantido o ideal social da política
de pós-graduação e da difusão social de conhecimento, que é refletir
a realidade em processo, contextualmente, com vistas a encontrar
respostas efetivas para os desafios encontrados em nossa realidade,
enquanto constituição de sentidos válidos, legitimados, em constante
ressignificação pela dinâmica mesma da realidade e do conhecimento,
compreendidos na sua incompletude, inacabamento, relatividade,
contextualização.

Salvador, 1º de dezembro de 2009.

Antonio Amorim
Arnaud Soares de Lima Jr.
Jaci Maria Ferraz de Menezes
(orgs.)

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