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INTRODUÇÃO
Nos últimos dias de Outubro o país acompanhou com espanto o resultado das
investigações da Policia Federal a respeito de mais uma fraude no país. As investigações tinham
começado desde agosto e buscava desarticular o esquema de adulteração do leite. Ela foi
intitulada pela PF de Operação Ouro Branco e, a imprensa brasileira acabou aceitando o nome da
operação e todo o enquadramento colocado pelas fontes oficiais.
Nesse artigo pretendo fazer uma analise da cobertura do jornal A Tarde durante os dias 23
a 26, 30 e 31 de Outubro e 1º de Novembro sobre a Operação Ouro Branco e seus
desdobramentos. Tomando por base as Teorias do Agendamento ou Agenda-Setting e do
Enquadramento, observarei qual foi o enquadramento usado pelo veiculo, bem como os motivos
da inserção desse tema na agenda do público por tanto tempo.
O artigo está dividido em duas partes principais: a primeira delas trás os referenciais
teóricos, e a segunda parte a minha análise sobre a cobertura do jornal A Tarde sobre a
adulteração do leite longa vida.
TEORIA DO AGENDA-SETTING
A pesquisa consistia numa análise da campanha eleitoral nos Estados Unidos em 1968,
com o acompanhamento da cobertura da imprensa e com entrevistas aos eleitores. McCombs
escolheu eleitores que estavam indecisos na escolha de seus candidatos, pois, achava que esses,
teoricamente, tinham que procurar mais informações a respeito das eleições, sendo assim
estariam mais expostos a serem pautados pela mídia. Em 1972 McCombs se junta com Shaw e
publicam um artigo intitulado: The Agenda Setting Function of Mass Media e concluem que:
A influência da mídia foi tão grande que não só os eleitores indecisos foram agendados,
foi constatado que os candidatos colocaram nas suas agendas os assuntos debatidos pela mídia.
A teoria defende que a audiência exclui ou inclui das suas conversas do dia-a-dia assuntos
que estão presentes na mídia. Assim, os receptores são agendados pelos meios de comunicação e
quanto maior a exposição das pessoas a mídia, maior será a ação do agendamento sobre elas.
Desta maneira é possível perceber o poder que a mídia tem de definir em que as pessoas vão
pensar.
Existe uma seleção das notícias que irão pautar a audiência, e fica claro que essa escolha
passa por vários critérios de noticiabilidade como: impacto sobre as pessoas, interesse da
audiência, proximidade entre outros. Entretanto no momento que a mídia escolhe o que vai ser
noticiado ou omitido, ou seja, o que o público vai ficar sabendo ou não, ela está manipulando a
agenda desse público. Essa idéia da influência direta ou a longo prazo dos meios de comunicação
sobre as pessoas, com a idéia dos receptores passivos e os emissores onipotentes, que está
presente na Teoria do Agenda-setting, atualmente é questionável, pois na década de 1970 a
Teoria dos Efeitos ainda estava em voga. Hoje já existem autores que defendem um contra-
agendamento, a sociedade tentando entrar na agenda da mídia.
A aspiração de estar na agenda na mídia é tão grande que a cada dia que passa os
assessores de imprensa estão ganhando mais importância. Eles são contratados com o objetivo de
desenvolver estratégias para colocar seus clientes na agenda da mídia. Luis Martins da Silva
enumera em seu texto Sociedade, esfera pública e agendamento maneiras de ingressar na agenda
da mídia como: oferecendo um ou mais temas, elaborando produtos, influenciando os editores,
entre outros. A sociedade foi modificando ao longo do tempo, pelos mais diversos motivos e por
isso a maneira como ela está sendo pautada já não é mais a mesma. Os movimentos sociais, como
o MST, por exemplo, que reivindicam inclusão na sociedade, os movimentos políticos
espetaculares e a utilização das novelas, com o chamado merchandising social, são evidências
dos novos métodos utilizados para agendar a sociedade.
Além de a mídia agendar a sociedade e vice-versa, descobriu-se também que a mídia pode
agendar ela mesma, é o chamado interagendamento. Verifica-se que hoje em dia com os diversos
tipos de mídia e o auxilio da tecnologia acelerando a transmissão das informações, fazem com
que a concorrência entre os meios de comunicação aumente cada vez mais. Os jornais impressos
eram os que mais sofriam com essa atualização das notícias ao longo do dia, mas com o advento
da internet e o conseqüente desenvolvimento do webjornalismo houve várias mudanças que
reduziram essa desvantagem entre os impressos e as outras mídias. Traquina nos mostra que entre
os critérios de noticiabilidade existe um em que os jornalistas buscam neutralizar o seu
concorrente, nesse sentido eles têm que estar todo o tempo prestando atenção em outras mídias.
Observa-se no jornal A Tarde, o veiculo escolhido por mim para fazer a análise a partir das
Teorias do Agendamento e do Enquadramento, que a hora que o jornal é fechado é sempre depois
da edição do Jornal Nacional, o telejornal mais assistido do país.
TEORIA DO ENQUADRAMENTO
Uma das criticas a Teoria do Agenda-setting era por que ela se limitava a analisar os
aspectos que incluiriam ou não determinada notícia na agenda do público. A Teoria do
Enquadramento vai complementar esses estudos quando observa como o jornalismo decide a
maneira da audiência refletir o tema. Segundo Robert Entman com o framing é possível atuar
politicamente, definir problemas, diagnosticar causas, fazer um julgamento moral e sugerir
remediações.
Um enquadramento feito com sucesso nos mostra ser uma grande fonte de poder, podendo
manipular a audiência, apesar de não ser totalmente eficiente, por motivos que ainda serão
mostrados. Mais uma vez penso numa Assessoria de Comunicação, que além de ter a função de
levar o seu cliente a ser inserido na agenda da mídia e posteriormente a agenda do público, aspira
também que o enquadramento dado pela mídia seja o planejado, por isso uma assessoria também
busca estruturar relações sólidas com a mídia e monitora como o tema está sendo tratado.
Foi possível observar que a denúncia da venda do leite com substâncias químicas
prejudiciais à saúde entrou na agenda do público desde o primeiro momento. Naquela semana o
jornal A Tarde publicou matérias sobre a fraude de terça a sexta, dedicando um grande espaço no
jornal para essas matérias. O veiculo fez entrevistas com consumidores do leite longa vida para
saber se eles confiavam no produto e, além disso estava sempre buscando a opinião de
especialistas da área de saúde e pessoas responsáveis por saber se o leite adulterado chegou aqui
na Bahia. Isso mostra que o tema ainda não tinha sido esgotado na mídia e a audiência buscava
mais informações.
A observação durante esses dias mostra que as matérias tinham a função de prestar
serviços à população, dizendo onde estava o leite adulterado, seus impactos sobre a saúde, as
providências tomadas pelas autoridades, etc.. Todas essas informações objetivavam fomentar
discussões na sociedade. Sendo assim fica claro que o jornal e a mídia em geral obtiveram êxito
quando colocaram na pauta da audiência os desdobramentos da Operação Ouro Branco, pois em
todos os lugares as pessoas procuravam informações e debatiam esse assunto. Entretanto o
enquadramento do tema não foi diversificado, o jornal não procurou outras fontes e o
enquadramento pode ter sido produzido pelas fontes oficiais e não pelos jornalistas.
Entman nos indica quatro etapas que devem ser levadas em consideração quando se
pretende analisar o enquadramento de uma reportagem. Transportando essa idéia para analisar a
cobertura do jornal A Tarde, nos sete dias escolhidos, começo destacando qual a definição do
problema. Os objetivos da utilização de substâncias no leite consistiam no aumento do volume e
dos prazos de validade, consequentemente uma ampliação nos lucros. Sendo assim a definição do
problema seria econômico e moral. Tanto os donos das cooperativas que adulteravam o leite
quanto os fiscais do Serviço de Inspeção Federal, que deveriam ter identificado as alterações do
leite, agiram de má fé, não demonstrando a menor preocupação com os prejuízos a saúde dos
consumidores.
As causas publicadas pelo A Tarde são: a irresponsabilidade dos donos e funcionários das
cooperativas irregulares e a corrupção dos fiscais. Com o passar dos dias a cobertura sai do
âmbito da denúncia e passa a acompanhar as atitudes que serão tomadas pelos órgãos
fiscalizadores. Desde a noticia que falava da decisão da coleta nacional do produto para análise,
passando pelo dia que foi anunciada a proibição da venda de algumas marcas adulteradas, até
quando a Vigilância Sanitária da Bahia resolveu examinar todas as marcas vendidas no estado.
Quanto aos atores envolvidos, estão presentes nas matérias: as marcas envolvidas na
fraude, os órgão responsáveis pela fiscalização, os consumidores e as pessoas que foram presas.
Entre os atores envolvidos o jornal ouviu representantes de todos os grupos que foram citados,
contudo o grupo que menos teve espaço foi o das pessoas presas, somente o diretor da
Coopervale teve seu depoimento citado em dois dias dos sete analisados, as outras 26 pessoas
sequer foram ouvidas ou tiveram seus nomes citados. Entretanto existiu a possibilidade de ouvir o
outro lado da história, pois as pessoas que foram presas logo foram soltas. Em contrapartida o
grupo que mais teve espaço na cobertura do jornal A Tarde foi o dos órgãos fiscalizadores, em
todos os dias havia representantes de um desses órgãos, entre eles estão: Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária), Abase (Associação Baiana de Supermercados), Procon, Divisa
(Diretoria de Vigilância Sanitária e Ambiental) entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo tentei mostrar quais os possíveis motivos que levaram a Operação Ouro
Branco ter entrado na pauta da audiência. Percebi também que a PF conseguiu colocar seu
enquadramento na mídia, pelo fato de ser uma fonte oficial e os jornalistas precisarem seguir uma
rotina de produção diária, portanto dando preferências as fontes oficiais. Com o jornal A Tarde
não seria diferente, ele inicialmente qualificou o grupo das pessoas suspeitas como: quadrilha e à
medida que os dias passaram, e grande parte desse grupo já estava solto, portanto podia ser
ouvido, não mais foi citado nas matérias. Durante os dias de cobertura o enquadramento mudou
da denuncia da fraude para as soluções que seriam tomadas para proteger os consumidores dessa
e de outras fraudes. E o jornal tinha realmente que mudar o enquadramento por que não podia
ficar todos os dias da cobertura falando sobre a descoberta da fraude, já que novas informações
estavam sendo divulgadas. O problema é que a mudança do framing continuou não ouvindo o
outro lado da história.
REFERÊNCIAS
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<http://labweb.fsba.edu.br/hipertexto.asp?ID=65> Acesso em: 7/11/2007 06h25min
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VIZEU, Alfredo. O newsmaking e o trabalho de campo. In: LAGO, Cláudia e BENETTI, Márcia.
Metodologia de pesquisa em jornalismo. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 223 - 236.
ANEXOS