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Doenças crônicas não-transmissíveis no Brasil:

ARTIGO ARTICLE
um desafio para a complexa tarefa da vigilância

Chronic non-communicable diseases in Brazil:


a challenge for the complex task of surveillance

Ines Lessa 1

Abstract There is a scarcity of literature in the Resumo A literatura na área da saúde pública é
field of public health with regard to the surveil- pobre em textos sobre vigilância epidemiológica
lance of non-communicable diseases but there are (VE) para DCNT, mas contém várias propostas
various proposals for programs and various net- de programas e várias redes em andamento nos 5
works in operation throughout the 5 continents. continentes. O tema encontra-se em destaque
The subject is in debate all over the world not on- mundial, não só pela liderança das doenças car-
ly because cardiovascular disease is now the lead- diovasculares na mortalidade na grande maioria
ing cause of death in most countries, but because dos países, como pela já considerada pandemia
of what is already being considered a pandemic of da obesidade, inclusive em crianças e adolescen-
obesity, including children and adolescents. The tes. A endemia do diabetes é esperada. No Brasil
diabetes endemic is expected. In Brazil the situa- a situação é grave. O envelhecimento populacio-
tion is serious. The population is aging fast and nal é rápido, com expectativa de aumento real
this rapidly accentuates the importance of obesity das freqüências da obesidade e o diabetes como
and diabetes as a public health issue. Healthcare problema populacional sem concomitantes estra-
up to now has been curative. However, this does tégias de proteção e promoção da saúde no con-
not de facto and de jure assure the uninterrupted texto das DCNT. Predomina maciçamente a prá-
treatment of NCD within the basic healthcare tica clínica, mas sem assegurar o tratamento
system. The text presented gives a summary of the ininterrupto para as DCNT na rede básica de
NCD surveillance in general and comments on saúde. O texto apresentado aborda sumariamen-
the STEPwise approach to NCD surveillance pro- te a VE para DCNT de modo geral e comenta o
posed by the World Health Organization for the Método Progressivo de VE para DCNT proposto
emerging countries as Brazil. To have this propos- pela OMS, no caso do Brasil. Para aceitá-la é
al accepted, a critical analysis of the secondary imprescindível uma análise crítica dos dados
data available in Brazil and mentioned in the secundários nacionais disponíveis e mencionados
proposal is necessary. Methodologically standard- na proposta. É também necessário produzir, a
ized primary data with an emphasis on risk fac- curto prazo, dados primários metodologicamente
1 Instituto de Saúde tors should also be produced within a short time- padronizados com enfoque para fatores de risco.
Coletiva da Universidade frame. Palavras-chave Doenças crônicas não-trans-
Federal da Bahia. Key words Non-communicable diseases, Sur- missíveis, Vigilância, Programas, Pandemia, Epi-
Rua Padre Feijó 29/4o andar,
40170-000, Salvador BA. veillance, Programs, Pandemic, Epidemic demia
inlessa@ufba.br
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Lessa, I.

Introdução de uma série de outras esperadas. Seguiram-se


as epidemias de sobrepeso e obesidade nos paí-
Os conhecimentos sobre a epidemiologia das ses desenvolvidos, inclusive a detectada eleva-
doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT), ção das suas prevalências entre crianças e ado-
tratamentos, metodologias para estudos de lescentes, com registros da ocorrência do dia-
tendências originaram-se nos países desenvol- betes tipo 2 nesses grupos etários (Moakdad et
vidos da América do Norte e Europa. Também al., 2001; Eyre et al., 2004). Essa epidemia já
deles procedem os conhecimentos sobre pre- ocorre em vários dos países emergentes, com
venção e controle, mas os resultados nem sem- perspectivas reais de pandemia. Epidemias e
pre têm sido favoráveis. As epidemias de fato- pandemias de DCNT, associadas à crescente
res de risco como a da obesidade e do diabetes longevidade da população de países emergen-
surgiram nos últimos anos, neles começaram e tes, determinam graves conseqüências sociais,
agora se disseminam por outros países (Jacoby, pois são países despreparados para deter a car-
2004; Eyre et al., 2004; Stein & Colditz, 2004). ga de doença que prevalecerá nas próximas
A vigilância epidemiológica para as DCNT nos décadas (Yach et al., 2004).
Estados Unidos iniciou-se em torno de 1923 e Não sem razão, entre os modismos da lite-
acelerou-se a partir dos anos 70, por metodo- ratura médico-social da atualidade encontram-
logias mais modernas. Por diversas razões os se, por um lado, os determinantes comporta-
países em desenvolvimento estão reproduzin- mentais e os político-econômicos e sociais para
do, de modo muito acelerado, a história das as DCNT, destacando-se entre eles: síndrome
DCNT dos países desenvolvidos (Reddy & Yusuf, plurimetabólica, inflamação, mensurada pela
1998) com um agravante: a maior parte da Proteína C reativa de alta sensibilidade (seu
população de quase todos eles convive com a marcador mais potente), aterosclerose, exposi-
pobreza e com imensas desigualdades sociais. ção a fatores de risco nutricionais desde a vida
No caso do Brasil as dificuldades em lidar com intra-uterina ou nos primeiros anos de vida,
essas doenças têm um desafio a mais: a dimen- carga de doença, “globalização” e as iniqüida-
são continental do País para implementar pro- des sociais (Murray & Lopez, 1996; Yusuf et al.,
gramas abrangentes para DCNT. 2001; Grundy, 2003). Em grande parte desses
A literatura na área da saúde pública é po- fatores existe uma intensa inter-relação. Por
bre em textos sobre vigilância epidemiológica outro lado, ressalta-se o ressurgimento, com
(VE) para DCNT, mas contém muitas propos- outros enfoques, das doenças infecciosas entre
tas de programas e vários em andamento. O os determinantes das DCNT (Knobler et al.,
tema encontra-se em destaque no momento, 2004).
tendo em vista as perspectivas da disseminação A iniqüidade social é preferencialmente
das epidemias desse tipo de doença, resultando comentada em relação aos países em desenvol-
em endemias e os custos sociais advindos. vimento, a despeito da sua presença em alguns
Neste texto pretende-se abordar sumaria- dos países muito desenvolvidos.
mente a questão das DCNT e a VE para DCNT A epidemiologia das DCNT é incompleta e
de modo geral e comentar a adaptação da pro- complexa. Nenhum dos fatores de risco para a
posta do “STEPwise approach for surveillance quase totalidade das DCNT é necessário, sufi-
of non-communicable disease” (WHO, 2001) ciente, ou necessário e suficiente (Susser, 1973.
para o Brasil. Citado por Pereira, 1995). Curiosamente, a
A partir dos últimos anos da década de grande maioria dos fatores de risco para doen-
1990 e neste início do século 21, a prevenção ças cardiovasculares são os mesmos para o dia-
para DCNT, em especial das cardiovasculares, betes, para a doença renal crônica e comparti-
vem sendo preocupação de várias organizações lhados por uma variedade de neoplasias malig-
internacionais, enfatizando os chamados países nas. A síndrome metabólica, composta por
do Terceiro Mundo (WHO, 2002, 2003; Nissi- vários elementos ateroscleróticos, está entre os
nen et al., 2001). Bilhões de pessoas estão mais comentados determinantes das doenças
vivendo mais, enquanto as doenças cardiovas- cardiovasculares e do diabetes na atualidade,
culares parecem novamente em ascensão (Mit- com especial relação com a inflamação. Supos-
ka, 2004). A identificação da pandemia das tamente, a presença de vários desses fatores na
doenças cardiovasculares (Reddy & Yusuf, epidemiologia de diferentes doenças facilitaria
1998; Magnus & Beaglehole, 2001; Beaglehole as ações preventivas e de controle além da uti-
& Yach, 2003) em torno de 1997 foi a primeira lização racional dos recursos humanos e finan-
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ceiros, mas não ocorre na prática (McGlynn et gerados pelos países industrializados são por
al., 2004; McGlyn, 2004). vezes complexos e de difícil aplicação pelos
A excepcional importância dos fatores com- países em desenvolvimento. Países emergentes
portamentais e ambientais não permite rejeitar são inexperientes com a prática da VE para
o campo biológico, representado pela herança, DCNT e para adotá-la são necessárias boas es-
nem descartar a participação de agentes vivos, tatísticas de saúde e de dados complementares
como, por exemplo, do papiloma vírus huma- que impliquem a cobertura populacional, con-
no em relação ao câncer do colo do útero (Bra- fiabilidade, precisão, qualidade global, abran-
sil, Ministério da Saúde, 1993). Vários outros gência espacial, bem como precisam formar e
microorganismos foram descritos como asso- qualificar recursos humanos, dentre outros
ciados a aterosclerose de modo geral, ao infarto pré-requisitos. É importante que os indicado-
agudo do miocárdio e aos acidentes vasculares res selecionados estejam de acordo com a reali-
encefálicos (Knobler et al., 2004) ou a outros dade do País, caso estes não consigam desen-
agentes epidêmicos, como o vírus da influenza volver os seus próprios indicadores.
(Collins, 1932), responsável por grande epide- As estatísticas de mortalidade por DCNT
mia no início do século passado, e atribuída são as mais comuns e disponíveis em todo o
por alguns autores a epidemia de doenças car- mundo. A morte, como evento único, exclui o
diovasculares da metade do mesmo século nos indivíduo da sociedade, devendo ser oficial-
países desenvolvidos (Azambuja, 2002). mente registrada. O registro é uma informação
A expressão clínica das DCNT faz-se após de rotina, tornando as estatísticas de mortali-
longo tempo de exposição aos fatores de risco e dade as menos dispendiosas e de mais fácil
da convivência assintomática do indivíduo com obtenção em qualquer país. Por essas razões, as
a doença não diagnosticada, mesmo quando os estatísticas de mortalidade são as primeiras
fatores de risco são perceptíveis (tabagismo, consideradas para a VE das DCNT, sendo os
obesidade generalizada, obesidade central com coeficientes de mortalidade o primeiro indica-
ou sem obesidade generalizada, alcoolismo, dor selecionado em todos os países para o
sedentarismo, etc). Conseqüentemente, os diag- acompanhamento da tendência temporal das
nósticos são em fases tardias, com a doença já causas de morte.
complicada ou num desfecho que pode ser o Nos países com boas estatísticas hospitala-
primeiro e fatal, como ocorre muitas vezes com res, sociais, comportamentais, sobre o uso de
a doença coronariana aguda e com o acidente tecnologias diagnósticas e de tratamentos, eco-
vascular encefálico. As DCNT correspondem à nômicas, de incapacidades/invalidez, de pro-
maior proporção das mortes nos países indus- gramas de prevenção e controle, entre tantos
trializados e nos emergentes. Para esses últimos outros, as análises ecológicas de tendência po-
as projeções são pessimistas: concentrarão o derão explicar ou sugerir explicações para o
maior número de mortes por DCNT e a maior movimento ascendente ou descendente das ta-
população mundial com essas doenças em tor- xas de mortalidade e subsidiar decisões para
no do ano 2050. reversão de quadros indesejáveis ou melhoria
daqueles cujas tendências já são favoráveis.
Para morbidades, as neoplasias malignas e
Vigilância epidemiológica para DCNT os eventos cardiovasculares agudos e sintomá-
ticos podem ou poderiam ter suas incidências
As doenças cardiovasculares são a primeira monitoradas. As demais DCNT são de difícil
causa de morte no mundo. O câncer ocupa a monitoramento na população pelo longo cur-
segunda ou terceira posição nos países desen- so assintomático, por não serem de notificação
volvidos, mas, como o diabetes, encontra-se obrigatória e por serem as coortes populacio-
entre as 10 primeiras causas de morte em vá- nais caras e desaconselháveis para países po-
rios países (Yach et al., 2004). Essas mesmas bres. Porém, as redes internacionais de progra-
causas são de elevada prevalência bem como mas de prevenção e controle das DCNT são
seus fatores de risco, muito dos quais conside- organizadas por regiões, com objetivos e me-
rados doenças (hipertensão, diabetes, obesi- todologias semelhantes nas regiões, mas com
dade). diferenças entre regiões, mostrando ser possí-
Existem várias propostas de indicadores vel o monitoramento das DCNT em alguns dos
para VE das DCNT, incluindo mortalidade, países componentes das redes. A maioria deles
morbidade e fatores de risco. Os indicadores conta com a participação da Organização
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Lessa, I.

Mundial da Saúde (OMS) e suas representa- exemplo de fracasso é a citada epidemia de


ções nos países dos diversos continentes. Pro- obesidade, abrangendo faixas etárias precoces.
põem-se que as experiências de sucesso possam O mais conhecido e, provavelmente, o me-
ser repassadas a outros países das mesmas regi- lhor e mais amplo acompanhamento dos fatores
ões, mesmo que não tenham sido planejadas de risco para DCNT, com excelente resposta de
para VE, conquanto o monitoramento de vari- participação populacional, é o Behavioral Risk
áveis selecionadas esteja subentendido nas pro- Factor Surveillance Survey System (BRFSS, Esta-
postas. São exemplos das redes os programas dos Unidos, que monitora os fatores de risco
aqui citados por suas siglas: CINDI (Europa), para DCNT em todos os estados americanos por
CARMEN (América), NANDI (África), EMAN inquéritos com conteúdos obrigatórios e, para-
(Região do Mediterrâneo), MOANA (Região lelamente, outros de interesse de estados especí-
do Pacífico), SEARO (Sudeste da Ásia) (WHO, ficos, a depender de outras exposições das suas
2001), e ainda o MEGA-COUNTRY, para paí- populações (www.nih.gov).
ses com mais de 100 milhões de habitantes dos
diversos continentes e o MONICA, que abran-
ge 32 países com maior concentração na Euro- Brasil: doenças crônicas
pa, com milhares de pessoas sob acompanha- não-transmissíveis
mento para o estudo das doenças coronarianas
(WHO, 1990). Há pelo menos quatro décadas os brasileiros
Especificamente nos Estados Unidos, desta- convivem com as doenças cardiovasculares co-
cam-se os projetos ARIC (White et al., 1996) e mo primeira causa de morte (Lessa, 1998), com
o Minnesota Heart Survey (MHS) (McGovern o excessivo aumento da mortalidade pelo dia-
et al., 1992), iniciados em 1978 e 1970, respec- betes nas últimas décadas (Lessa, 2004 – relató-
tivamente. O ARIC é uma coorte sobre fatores rio de pesquisa à SVS-MS); ascensão de algu-
de risco para doenças cardiovasculares e que mas neoplasias malignas como causa de morte;
também atua na vigilância comunitária dos prevalências elevadas de múltiplos fatores de
fatores riscos para aterosclerose. risco para as DCNT (Lessa et al., 2004) e,
Outra fonte importante de acompanha- sobretudo, com a predominância da medicina
mento da morbidade, de alerta e de dissemina- curativa. Os programas da hipertensão arterial
ção da informação é o National Health and e diabetes, criados na década de 1980 (Lessa,
Nutrition Examination Survey (NHANES), do 1998), não apresentaram o desempenho espe-
National Institute of Heart, Blood, and Lung rado em razão de mudanças e de substituições
(NIHBL). Esse inquérito vem sendo realizado a ou desativações temporárias por cada nova
cada 10 anos nos Estados Unidos, desde o iní- administração central na área da saúde, sem
cio da década de 1980 e complementado anual- que os mesmos tivessem sido avaliados. Em
mente com outras informações relacionadas à outros momentos, os programas não recebe-
saúde. ram – e ainda não recebem – o apoio essencial
Outras fontes de dados de morbidade são à sua manutenção e sucesso. Foram programas
hospitalares e não têm a mesma validade dos com propostas de educação e controle direcio-
dados primários procedentes dos programas nados à hipertensão e ao diabetes, mas que não
ou dos estudos referidos dos quais saem milha- conseguiram se enquadrar na prevenção pri-
res de publicações anuais. mária, de baixo custo, desviando-se exclusiva-
Os investimentos em monitoramento dos mente para a prática clínica, onerosa, de restri-
fatores de risco para DCNT são os mais impor- to acesso e baixa cobertura.
tantes. É neste ponto que se quebra a cadeia No contexto epidemiológico e social do
epidemiológica da doença com todos os bene- Terceiro Mundo, as previsões futuras para o
fícios que não se alcançam com a prevenção Brasil, em relação às DCNT, até o momento,
secundária e menos ainda com a terciária. são sombrias. Persistem as políticas de saúde
Contudo, apesar de os fatores de risco mutáveis do País em optar maciçamente pela medicina
serem aqueles com as mais fortes e consistentes curativa, pelo atendimento e tratamento das
associações com DCNT, eles são comporta- DCNT em serviços de urgência, emergência ou
mentais, exigindo estratégias de intervenção sob hospitalizações. O custo elevado dessas
convincentes, consistentes, inovadoras, sem opções, obviamente reconhecido, não favorece
coerções e muito bem elaboradas para serem as mudanças desejáveis. Esse é um aspecto já
bem-sucedidas. Não é tarefa fácil e o maior bastante conhecido daqueles que lidam com
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DCNT, dependente da burocracia, de difícil as em passado recente em todo o País (cólera,
resolução, impedindo a prática da promoção e dengue) ou em focos regionais (febre amarela).
proteção da saúde, mesmo que se tenha incor-
porado essa idéia nos programas oficiais para
tais doenças, em períodos governamentais su- VE em DCNT
cessivos desde a década de 1980.
Nas próximas duas a três décadas, os atuais A VE para DCNT foi aventada em 1993, quan-
adultos jovens dependentes da assistência do do gestores do Ministério da Saúde promove-
SUS serão a grande massa de idosos que deixa- ram um amplo seminário incluindo partici-
ram de receber, no momento adequado, a pro- pantes das Secretarias de Saúde da maioria dos
moção e proteção para a saúde e/ou controle de Estados. Os documentos resultantes foram
DCNT, freqüentemente instalada em idade pre- publicados no Informe Epidemiológico do SUS,
coce. Portanto, sem planejamento adequado e 1994. Em 2002, foram ministrados cursos espe-
metas cumpridas para atender a esses futuros ciais sobre a epidemiologia das DCNT no Bra-
idosos, o envelhecimento ocorrerá com altas sil e incursões sobre a VE para essas doenças
prevalências de simultâneas DCNT, parte delas patrocinados pelo então Centro Nacional de
com incapacidade. A projeção de pessoas ≥ 60 Epidemiologia/MS (CENEPI/MS). Esses cursos
anos para o Brasil em 2050 é de 18% do total, a contaram com a participação dos Estados de
mesma prevista para o grupo 0-14 anos (IBGE, todas as regiões do País.
2004) e atualmente as DCNT já representam Excetuando-se o programa do câncer, exis-
66% da carga de doença no País (Schramm et tem no País apenas experiências pontuais de
al., 2004). A longevidade cursará sem qualidade VE para DCNT. Desenvolvem-se em pequenas
de vida e a seguridade social estará mais sobre- localidades e têm pouco tempo de acompanha-
carregada, com difícil retorno. mento, com respostas não divulgadas na litera-
tura científica. Um deles, no município de Qui-
rinópolis (GO), é oficialmente o representante
Vigilância epidemiológica no Brasil brasileiro da rede CARMEN, apoiado parcial-
mente pela Organização Pan-Americana da
A experiência brasileira com VE para doenças Saúde. É uma proposta que se viabiliza pela
infecciosas e parasitárias está consolidada há adesão voluntária de municípios e da popula-
várias décadas com sucesso, como no caso da ção. Em Marília, Estado de São Paulo, também
manutenção da eliminação de algumas doen- se desenvolve o projeto CARMEN de modo
ças infectocontagiosas agudas e a erradicação mais independente, ou seja, apoiado pelo mu-
de outras, todas passíveis de prevenção primá- nicípio. Alguns Estados têm programas não
ria por imunização ativa. Pode-se antever su- atuantes e outros estão motivados e/ou empe-
cesso, embora ainda distante do ideal, para a nhados na sua implementação. Embora o taba-
emergente Aids. Menos evidente ou com retro- gismo esteja no rol dos fatores de risco, é o úni-
cessos têm sido os resultados para morbidade co que se destaca na VE, incluindo-se escolares
por doenças infecciosas de curso prolongado na faixa etária inicial da adolescência.
(tuberculose) ou parasitárias endêmicas. Essas Um outro tipo de monitoramento que se
últimas são situações em que, vetores ou hos- destaca no Brasil é o registro do câncer de base
pedeiros intermediários participam da cadeia populacional, com participação de alguns Esta-
epidemiológica da doença, com forte depen- dos. Esse registro se refere aos casos de câncer
dência, por uma lado, das condições sócio-am- diagnosticados no ano de referência, quando o
bientais desfavoráveis e, por outro, da educa- caso é sintomático ou, mais raramente, quando
ção para a saúde inexistente ou muito precária. se trata de detecção precoce. Essa é a maior
São exemplos: malária, chagas e esquistosso- experiência com VE de morbidade no País, mas
mose e a Leishmaniose. O sucesso da preven- mantém-se inconsistente na coleta de dados
ção, controle ou eliminação, nessas situações, em quase todos os Estados participantes e a
dependeria fortemente de outras áreas sociais, metodologia é sujeita a vieses.
que não a da saúde. Entretanto, sucessos alcan- Na Secretaria de Vigilância em Saúde/Mi-
çados não permitem falhas na VE, sendo os nistério da Saúde, criada em 2003, está em dis-
maiores exemplos do descuido o retorno de cussão a implementação ampliada da Vigilân-
doenças graves, não ameaçadoras por muitos cia Epidemiológica para as DCNT, como uma
anos, mas que resultaram em grandes epidemi- das prioridades atuais. Abrem-se perspectivas
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de atenção especial a esses problemas no Brasil, Esforços devem ser feitos para a redução da
com propostas de estratégias que podem con- morbidade que tende a elevar-se sobretudo
duzir a bons resultados. diante do envelhecimento populacional. Não
se observa investimento concomitante na pro-
moção da saúde, prevenção primária nem ga-
Bases para a VE das DCNT rantia do tratamento contínuo, incluindo-se as
complicações que levam à incapacidade invali-
As estatísticas de mortalidade das DCNT no dez. O Brasil é um dos raros países a dispor de
Brasil mostram tendência decrescente não estatísticas atualizadas sobre internações por
explicada para algumas delas (cerebrovascula- todas as causas e em todo o País, porém, so-
res e isquêmicas do coração), e ascendente para mente para aquelas financiadas pelo SUS, e dis-
outras (diabetes e alguns tipos de câncer). Em ponibilizadas pelo Datasus (www.datasus.gov.
qualquer dos casos, são de tal magnitude de br), sob a denominação de Sistema de Infor-
custos em idades economicamente ativas que mação Hospitalar (SIH). Com essa restrição,
requerem estratégias imediatas que contri- desconhecem-se as estatísticas referentes a 25%
buam para reduzir ou, pelo menos, limitar os da população brasileira, que é a parcela assisti-
seus avanços. As figuras de 1 a 3 ilustram as da por planos e seguros privados de saúde,
tendências à mortalidade para doenças do apa- socialmente melhor inserida.
relho circulatório, cerebrovasculares e isquêmi- Por várias razões dependentes do modelo e
cas do coração por 100 mil homens e mulhe- da prática assistencial, as estatísticas procedentes
res, nas regiões brasileiras, no período 1980- da rede pública e da conveniada ao SUS são de
2001; e a figura 4, os coeficientes de mortalida- pouca confiabilidade. Portanto, mesmo com um
de pelo diabetes por sexo, para o Brasil no mes- bom sistema de informação, a VE por estatísti-
mo período. A dinâmica da tendência da mor- cas de altas hospitalares apresenta uma ampla
talidade pelo diabetes, estimada de modo sim- gama de vieses. Exemplos são a possibilidade de
plificado, encontra-se na tabela 1. Tanto os da- múltiplas internações anuais de uma mesma
dos brutos quanto os ajustados demonstram pessoa por uma mesma causa, a dependência do
excessivo aumento no período. acesso a esse tipo de assistência, os casos mais

Figura 1
Coeficientes de mortalidade por doenças do aparelho circulatório, ajustados por idade. Regiões brasileiras, 1980-2001.

400
CO-fem
350 CO-masc
Coef. de mortalidade/100.000

300 S-fem

250 S-masc
SE-fem
200
SE-masc
150
NE-fem
100 NE-masc
50 N-fem

0 N-masc
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
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2000
2001
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Figura 2
Coeficientes de mortalidade por doenças cerebrovasculares, ajustados por idade. Brasil, 1980-2001.

120
CO-fem
CO-masc
100
Coef. de mortalidade/100.000

S-fem
80 S-masc
SE-fem
60
SE-masc
40 NE-fem
NE-masc
20
N-fem

0 N-masc
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
Figura 3
Coeficientes de mortalidade por doenças isquêmicas do coração, ajustados por idade. Brasil, 1980-2001.

120
CO-fem

100 CO-masc
Coef. de mortalidade/100.000

S-fem
80 S-masc
SE-fem
60
SE-masc
40 NE-fem
NE-masc
20
N-fem

0 N-masc
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Figura 4
Mortalidade pelo diabetes mellitus, ajustada por idade. Brasil, 1980-2001.

30
Coef. de mortalidade brutos e ajustados/100.00

Fem-aj

25 Fem-br

20 Masc-Aj

15 Masc-br

10

0
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graves serem mais representados nas estatísticas que existam os meios para evitar (promoção da
hospitalares; opções por diagnósticos de maior saúde/prevenção primária) ou minimizar a sua
custo e ausência de um bom denominador para ocorrência (tratamento e controle), que esses
indicador de hospitalização. Por outro lado, a meios sejam aceitos pela população e acessíveis
mortalidade hospitalar, que poderia ser outro a todas as classes sociais. É importante observar
bom indicador, inclusive da qualidade da assis- que em algumas situações a seleção da condição
tência, é subestimada em razão de o denomina- a ser monitorada é de elevada mortalidade, mas
dor dos cálculos corresponder ao número de de muito baixa prevalência. Exemplo: no Brasil,
hospitalizações em substituição ao número de os acidentes vasculares cerebrais (encefálicos)
pessoas internadas pelo evento que determinou são a primeira causa de morte. Sua prevalência
a morte. Prestam-se melhor ao monitoramento é muito baixa, a letalidade é elevada e as seqüe-
do tempo médio de permanência hospitalar e las são computadas como incapacidade ou inva-
do custo médio por internação, mesmo que lidez, porém os seus principais fatores de risco
uma pessoa tenha sido internada pela mesma são de alta prevalência – a hipertensão arterial e
causa por várias vezes, no período sob enfoque. o diabetes. O impacto social é grande.
Entende-se que são imprescindíveis estra- 2) Onde monitorar?
tégias que permitam a implementação de siste- A condição tem a mesma importância em
mas de VE abrangente, mas para isso seria todo o País? A decisão deve ser racional. As pri-
importante algumas observações, correções e oridades podem diferir entre as regiões. No ca-
ajustes das fontes de informação para os dados so das DCNT, se uma condição não é priorida-
que deverão ser utilizados para a VE. de atual poderá vir a ser em futuro próximo,
Em princípio é preciso clareza no que se caso a vigilância não se faça sobre os seus fato-
quer vigiar/monitorar. As questões abaixo po- res de risco. Nesse caso os benefícios com mo-
derão ajudar nas respostas e decisões. nitoramento dos fatores de risco se configuram
1) O que monitorar? como ideal.
A seleção dos agravos que se deseja monito- 3) Como monitorar?
rar é de suma importância. Obviamente deverá Definida a condição a vigiar, é preciso co-
ser um problema de saúde pública, de grande nhecer como ela se apresenta como problema
impacto em populações jovens e em idades eco- maior de saúde desde as freqüências dos seus
nomicamente ativas, de elevado custo social, fatores de risco ao seu impacto social.
939

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Tabela 1
Coeficientes de mortalidade pelo diabetes e cálculo simplificado da tendência no Brasil, período 1980-2001.
Sexo masculino Sexo feminino
Período Coeficiente 100.000 Tendência% Coeficiente100.000 Tendência%
1980 7,16 10,46
1981 7,39 3,1 10,86 3,7
1982 7,85 5,9 11,24 3,4
1983 8,32 5,6 11,91 5,6
1984 7,92 -5,1 11,59 -2,8
1985 8,39 5,6 12,16 4,7
1986 8,9 5,7 12,75 4,6
1987 8,84 -0,7 13,37 4,6
1988 9,6 7,9 13,95 4,2
1989 10,25 6,3 14,38 3,0
1990 10,47 2,1 14,98 4,0
1991 10,56 0,9 15,15 1,1
1992 10,92 3,3 15,83 4,3
1993 11,81 7,5 16,43 3,7
1994 12,12 2,6 17,03 3,5
1995 12,6 3,8 18,18 6,3
1996 13,87 9,2 19,58 7,2
1997 14,6 5,0 19,86 1,4
1998 14,87 1,8 20,11 1,2
1999 16,47 9,7 22,12 9,1
2000 17,78 7,4 23,67 6,5
2001 17,37 -2,4 22,98 -3,0
Incremento no período 85,3 76,4

Conforme a resposta, identificam-se a dis- algumas considerações sobre distorções de


ponibilidade de fontes de informação, a exis- diagnósticos da causa da morte.
tência de bases de dados para cada uma delas e Bancos de dados secundários para morbi-
a sua confiabilidade para o monitoramento. dade quase nunca têm representatividade po-
Pode-se monitorar com base exclusiva em da- pulacional, mas existem exceções: as neoplasias
dos secundários, primários ou ambos. malignas com curto curso clínico são um exem-
O monitoramento baseado em dados se- plo. Entre os cuidados com a informação, deve-
cundários é economicamente vantajoso, mas as se também estar atento para não duplicar ou
informações dos bancos de dados devem ser triplicar um mesmo caso, quando se usam vá-
confiáveis. A mortalidade só pode ser monito- rias fontes de diagnóstico e/ou tratamento.
rada por dados secundários, excetuando-se em O uso de dados primários é o ideal. Os in-
estudos especiais, como as coortes, mas inade- quéritos têm a capacidade de produzir um con-
quadas para VE. Antes de uma decisão sobre o junto de informações diretamente obtidos da
monitoramento da mortalidade, seria impor- população. A amostragem, a metodologia e a
tante a validação de alguns diagnósticos regis- padronização de técnicas e de entrevistadores
trados nos certificados de óbito. Em países co- são aspectos importantes nesse tipo de infor-
mo o Brasil, uma grande parcela dos óbitos mação bem como a análise de consistência das
ocorre sem assistência médica prévia e sem o informações e o controle de qualidade. São mais
diagnóstico confirmado. Muitas das mortes difíceis de execução se a cobertura for para um
com sintomatologia de curta duração podem país das dimensões do Brasil. São mais caros do
ter diagnósticos por conveniências ou por pres- que a coleta de dados secundários, porém mais
supostos. Exemplo é o infarto agudo do mio- compensadores. Se programados para periodi-
cárdio. Muitos óbitos declarados como hospi- cidade compatível com os recursos disponíveis,
talares, de fato não o foram. Essas são apenas em prazos não superiores a 10 anos, os custos
940
Lessa, I.

se diluem. Além do mais, podem ser intercala- gressivo) e vem sendo apresentada aos países
dos com mini-inquéritos específicos, como se em fórum itinerante, sempre patrocinada pela
faz nos Estados Unidos. OMS e suas representações. O III Forum reali-
4) O que medir? zou-se no Brasil em novembro de 2003, em
A questão se refere à seleção dos indicado- parceria com a Secretaria de Vigilância em Saú-
res. Em países sem experiência com DCNT de- de/Ministério da Saúde. Parece ser o método
vem-se selecionar cuidadosamente um mínimo mais racional, especialmente para os países
de indicadores que sejam capazes de retratar o emergentes. O enfoque sobre os fatores de ris-
que se pretende com a menor possibilidade de co, como organizado, pode ser trabalhado por
erro possível. O número de indicadores deve ser etapas, o que caracteriza a progressividade da
o suficiente para acompanhar mudanças da proposta. O Método consta de três passos, usan-
condição sob monitoramento e indicar o que do dados do passado, presente e futuro. Para
deve ser corrigido com intervenções, ou se o investigação dos fatores de risco, cada passo
indicador é adequado para descrever ou analisar contém componentes principal, ampliado e op-
tendências. Quanto maior o número de indica- cional. Nos quadros 1 e 2 aparecem sumariza-
dores selecionados por países inexperientes, tan- dos os conteúdos propostos no método; a figu-
to maiores as possibilidades de: a) fracasso com ra correspondente é elucidativa e pode ser ob-
a metodologia; b) interrupção do processo de servada no documento original da OMS.
vigilância; c) necessidade de maior contingente O tempo passado do quadro 1 se refere a
de recursos humanos qualificado para análises e óbitos nos três passos. O indicador usado é a
interpretações; d) não interpretação dos resul- taxa de mortalidade específica por idade, sexo
tados; e) não avaliação das intervenções. e causa, dependendo do passo (dados secundá-
O tipo de análise programado deve ser sim- rios). Apenas no passo 2 a autópsia verbal é
ples, como recomendado por alguns autores obtida por entrevista (dados primários) e o in-
(Luepker et al., 2004). Deve ser padronizado dicador não é taxa de mortalidade. O tempo
para o País, usando ajustamentos por idade e presente refere-se a dados de morbidade, sendo
sexo para comparações. No Brasil, normalmen- baseada em dados secundários nos passos 1 e 2
te não existem pesquisadores nos órgãos gover- e em dados primários (prevalência e incidên-
namentais responsáveis pela saúde pública, cia) no passo 3. No tempo futuro os dados são
onde se centralizam os bancos de dados e ou- primários (inquéritos) e os três passos estão
tras informações, e parece inviável preparar direcionados para fatores de risco “ referidos”
equipes com esse perfil para todo o País. É mais (tabagismo, sedentarismo, etc.), medidos (an-
razoável uma análise mais simples, sem recur- tropométricas e da pressão arterial) ou dosa-
sos tecnológicos avançados, mas que possa ser dos (bioquímica).
descentralizada e executada sem interrupções e O quadro 2 é exclusivo para fatores de ris-
capaz de oferecer respostas aos problemas na co. O módulo principal é simplificado nos três
velocidade desejada pelos planejadores e gesto- passos. Busca o essencial no inquérito (passo
res dos programas de saúde. Análises de ten- 1), medidas antropométricas básicas no passo
dência temporal por metodologias sofisticadas, 2, e bioquímica básica no 3.
por modelos de regressão, que podem variar de O modo ampliado é um aprofundamento
uma para outra causa sob vigilância, devem ser do principal e no conteúdo do optativo, as
evitadas, deixando-as para investigadores das variáveis a serem questionadas dependerão da
academias. Talvez, em tempo futuro seja possí- necessidade e dos recursos alocados ao progra-
vel pensar num centro especial para concentra- ma, embora seja desejável a sua realização. O
ção das análises mais complexas para todo o detalhamento deste método, incluindo descri-
País. Para isso é preciso que os programas este- ção dos fatores de risco, encontra-se na refe-
jam consolidados na prática e que haja domí- rência original.
nio da prática VE. Observando o modelo, o Brasil dispõe das
Desde 2002 e pela primeira vez, a OMS vem informações sobre óbitos nos três passos refe-
recomendando aos diversos países a imple- rentes aos óbitos (passado), exceto a autópsia
mentação da vigilância para DCNT, com enfo- verbal, só disponível nesse momento para o in-
que nos maiores fatores de risco que predizem farto agudo do miocárdio em cinco capitais
as mais comuns delas (Armstrong & Bonita, (Belém, Maceió, Salvador, Vitória e Cuiabá),
2003). Essa proposta é o “STEPwise approach onde na validação da declaração de óbito fo-
to non-communicable disease” (Método Pro- ram elevadas as proporções de diagnósticos fal-
941

Ciência & Saúde Coletiva, 9(4):931-943, 2004


Quadro 1
Método progressivo da OMS para vigilância das DCNT.
DCNT Passo 1 Passo 2 Passo 3
Óbitos Taxas de mortalidade Taxas de mortalidade por Taxas de mortalidade por
(passado) por idade e sexo idade, sexo e causa de idade, sexo e causa de morte
morte (autópsia verbal) (certificado de óbito)
Doenças Admissões em clínicas / Taxas e doença principal Incidência ou prevalência
(presente) hospitais por idade e sexo em 3 grupos: doenças da doença pela causa
transmissíveis, DCNT concreta
e lesões
Fatores de risco Informações baseadas Inquérito + medidas Inquérito + medidas
(futuro) em inquérito sobre antropométricas antropométricas + exames
fatores de risco chave bioquímicos
Reprodução autorizada pela OMS para fins não-comerciais. WHO 2001. Surveillance of risk factors for non Communicable
disease. The WHO STEPwise approach. WHO, Geneva. Traduzido para o português pela autora.

Quadro 2
Método progressivo da OMS para avaliação de fatores de risco.
Módulos Passo 1: Passo 2: Medidas Passo 3: Medidas
Questionário antropométricas bioquímicas
Principal Variáveis socioeconô- Peso, altura, Glicemia de jejum e
micas e demográficas, circunferência da colesterol total
consumo de cigarro cintura, pressão arterial
e de álcool, inatividade
física, nutrição
Ampliado Modelos de alimentação, Circunferência HDL-colesterol,
educação e indicadores dos quadris triglicérides
familiares
Optativo Outros comportamentos Caminhada cronometrada, Teste de tolerância à
(exemplos) relacionados com a saúde, pedômetro, espessura glicose, exame de urina
saúde mental, de pregas cutâneas,
incapacidades e lesões freqüência do pulso
Reprodução autorizada pela OMS para fins não não-comerciais. WHO 2001. Surveillance of risk factors for
non Communicable disease. The WHO STEPwise approach. WHO, Geneva. Traduzido para o português pela autora.

sos positivos (Lessa et al., 2004. Relatório de tuais em áreas do País, sobre essas condições,
pesquisa à SVS-MS). Esse procedimento é ne- mas sem programação para vigilância e sem
cessário para algumas causas de morte, em par- padronização metodológica.
ticular as mortes súbitas ou eventos agudos Estão em fase de análise as informações do
com poucas horas de duração, especialmente inquérito sobre fatores de risco referidos para
quando o óbito ocorre sem assistência médica DCNT, desenvolvido em 16 capitais entre 2002
e fora do hospital, sem que a autópsia tenha si- e 2004, que poderiam ser o início da vigilância
do solicitada. Para o tempo presente, passos 1 e dos fatores de risco, pois preenchem os conteú-
2, dispomos das estatísticas hospitalares do SUS, dos descritos para o passo 1 dos três módulos
com as críticas já referidas. No passo 3 (futuro) do quadro 2. A restrição é que os dados não re-
os estudos multicêntricos para o diabetes, esta- presentam o País, mas é uma etapa cumprida
do nutricional e tabagismo estão desatualiza- para as capitais participantes do inquérito. Para
dos, embora se disponha de informações pon- os demais passos existem informações pontu-
942
Lessa, I.

ais de boa e de má qualidade, metodologica- mados são viáveis. A questão maior parece ser a
mente diferentes e não planejados para vigilân- adequação de recursos para que esses inquéritos
cia, sem abrangência e portanto, não podem venham a ser prioridade real para as DCNT no
ser usadas para essa finalidade. País. Essa decisão, no entanto, só será pertinente
Para a implementação da VE para DCNT, se o setor responsável pela atenção básica à saú-
usando o método progressivo, são necessárias de incorporar, de fato e de direito, a prática da
três decisões técnicas importantes quanto aos promoção da saúde, da prevenção primária, vi-
dados de óbito: a primeira é decidir se a quali- sando à eliminação ou minimização dos fatores
dade dos dados procedentes de vários Estados de risco para DCNT na sociedade. Se isso não
especialmente do Norte e de alguns do Nordeste ocorrer, a VE será desnecessária.
se prestam, nesse momento, ao monitoramento; A VE para DCNT no Brasil é uma decisão
a segunda é validar a causa da morte registrada que não pode retroceder, mas será necessário
nos certificados de óbito por autópsia verbal, em um grande esforço para participação e colabo-
várias localidades do País, de modo que se possa ração de todos os estados, sem interrupções. O
corrigir distorções; a terceira é a definição parci- método progressivo da OMS é uma proposta
moniosa dos indicadores para mortalidade. válida, coerente, e poderá ser implementada se-
Para o uso dos dados de morbidade hospi- lecionando-se as etapas com disponibilidade
talar – internações e taxa de mortalidade hospi- de dados, facilitando a adaptação dos recursos
talar –, será necessário refletir sobre a sua confi- humanos a esse tipo de vigilância, especial-
abilidade e definir os indicadores. É preciso mente nos Estados com maiores dificuldades
também tentar recuperar informações dos pla- com a organização da informação e análise. O
nos e seguros de saúde, uma vez que a vigilân- ideal seria incluir de imediato a VE dos fatores
cia baseada exclusivamente no SIH seria parcial de risco em todo o País. Com alguns ajustes nas
e distorcida, procedente das classes sociais mais fontes de dados, com a prática da prevenção
pobres, não refletindo a realidade nacional. precoce e garantindo-se a coleta de dados pri-
Para a parte mais importante da VE, o mó- mários em períodos pré-definidos, pode-se
dulo dos fatores de risco, os inquéritos progra- afirmar que a VE para DCNT é viável.

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