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COLECAO PENSAMENTO CRITICO vol al Fics extlogriica CCaalogucd-ne-fonte alton Baitors de Livros, RD. se ‘A Conscidniafagmeatads/ Renato Oni. Rio (Colegio Pensarmento critic; v. 41) 1. Culwra popular 2. Religie 1 Thulo M Stic cpp - 2012 200 0.0098 cpu -008 EDITORA PAZ E TERRA Conteho Eto Antonio Cansivo Ceo Furia Fernando Gasparian Fernando Henrique Cardoro RENATO ORTIZ A CONSCIENCIA FRAGMENTADA copyright @ by Renato Onie SAU _ Rew (. Grr, .C330580 ob / awe | 1934 Capa: Mario Roberto Corts ds Siva Direitoe adgutios pela Rus Ande Cavalcanti eta Tel: 253-4599 Rio de Janeiro = RB Rua Cars, 128 Lapa Tel: 263.9539 Sto Paulo SP 1980 SUMARIO. Prekicio Parte fy CULTURA POPLLAR Capitule 1 Canaat Capituly 1 Carnaval ba Capital HL Guanes probes alia people Capiale VV Parte H: RELIGIAU, 1D Sin rptee Sit namie, Weber eo ntatom para nina Capitulo VIE ~ Grats p PREFACIO Os estudos reunidos neste livro, embora escritos em momentos distintos, refletem todos uma mesma proble matics que pouco a pouico procurel desenvolver. O pon to de aticulagdo que agrupa os diferentes artigos & a + questdo do poder. Na verdade a esfera da cultura popu- lar e da religide me parece um lugar privilegiado para se estudar 0 embate politico entre classes © grupos 30- ciais, No entanto énecessirio eompreender que a novia de politico € por mim utilizada em seu sentido mais, abrangente; um pressuposto implicto marca tod mir tha anise a respeito da cultura popular e da relipit,« politico consticul uma dimensio imanente ler muni si ial, Filosoficamente eu dizia com Granisel, ¢ Murs dos ‘seritos histéricos, que o homent age politieantente no mundo, ele € agdo que transforuna ou reprontus as rl: ‘Gdes socials. Antropologicimiente ett me vultaria tulveza (tastes que mostra com clare eargicia somo opt ‘oS mre inclusive em sotedades que ndoconhecem 4 instugio do Estado, afimat« inanéncia Go poles Signiliedeonsiderilo como elemento social comum x todas at formagdes hstrieas; entrant, sb teaho em ment o aba de Clastres,abservo que entre socieds des sam Esta esocedades com Estado uma difesnga {ualtativaente polio poltca se insaura: Conte dlr ou soparar radcalnente eas duasesfras seria meu ver eat ao eto det supervalorizara questo par tidiia‘ou de te eseamotear'a problemética do poder tris de arguments de ordem ealfra A srougto 60 ensamento anolgico & paricularmente interessante {cee reset, Ndo por deaso que Balancer sublinha gue a AntopoiogiaPallics se conti como eapeci Uracko tarda do conhesinento aniropolgico, Ov an. tropologos sempre tiveram tendzncl, com algimes ex ceybet m separa pols da orgatzages ses ut procuravam compreener, Uma fz que es nse bes primitives eeifeencaven fundamsntalnente des Organizages moderas, 0 mei simples fl evita se dar una aengio maior desea do politic nas scieda- ds areaies. Por exemplo, 0 parenteso €geralmente ‘malisdo exclsivamente com sistema classieatrio, tas poueas vet como universo através do qual sees truturam a reaper de poder, Entetanto, se enti tos imtiaamentea sera do polic ts mantaie tar" indevidamente dterminadas dress cy elemento Gominantese define ele sua espenidae eae Tigo ete) Neste sentido eu dra qe poli fem sempre se tualieaenguaato poliea © que imple em vropramedte pollias € necessri defini una mvs tits de poder, ore, sera proprio conser fos Uo exprestoinesiata de uma consents poltca oa lum programa partido, As ta relgost fe se pre lutaspolieas religions, negara conungdo€ acer ‘Solera que petende neler osarato so espe trarscencens de Des © exemplo do Carnaval, cons {Stade nos epitelos =I, escarece bem meu ponte de sign: Quando afro que oexpag canavasseo& ex nlosvo™entendo com sto que el, mesmo que eontidoe Ulmicado pele onde sods, um elemento de man {Rinedo do poltico que se aticula no interior do ritual Gat Sere ore ings posure cara tse une tepresentagto imodiia da pola tal como & ‘Sbseevames has insiugoes como patos e sindeaos, Soment em momento de erne os fenomenos cultura aaron un ester expictamente de plc: ¢ocaso a feligdo quando se disocia do Estado e forma partt vp cfs de sean stereo primero. Esa hen fleagio de ineressex no exgota porém tematic tel flona, na realdadea Int poicaseredobra de proble Shes outos somo «oposite entre ortocoxiaheterode Tio gus dehnea espelicidade do empo telipioso. A Sussad que se colon portanto & de como articular a Aiedtags que veculariao problema do poder, ees Sos datoominadasesferas cltras, problematic pol Aiea das organizages dos grupos e sates socials. gue Dracut long deste taba &desevolver esta pers Beeiva ue reorenemente se manifxa ao longo dos {von ‘ etudosapesentados foram exerts ene 1976 1979 (a nies exceplo 60 trabalho sobre o sincretism0 pubtsady na eeanga en 1975, Dene eles, poucas fo Me pubkindos em reves eadensas te orelasdo i restrita, em sua maioria as paginas apresentadas slo iné- ditas€ revelam um esforgo em se aprofundar a temdtica acima aludida. A presenga de Gramsci é important, Nao acredito entretanto que os trabalhos possam ser de- finigos como "gramstianos”, o que me interessau sobre- tudo em Gramsci foram as sigestdes, absolutamente ge- higis a meu ver, deste pensamento que seguramente [pode enriquecer as teorias antropolégicas e sociologicas. Os escritos de Gramsci sio fragmentérios e no pos- suem em nenhum momento a dimensio de “teoria™, tle vez dai o titulo deste livro. Eu havia pensado em outro, Jogo de Amarelinha, mas como todos sabem, Cortazar jd me antevipara de longa data. Fico com Consciéacia Fragmentada o que rellete ndo somente a conscitneia politics das classes subalternas mas também 0 estégio tual do pensamento do préprio autor. Renato Ortiz. Belo Horizonte, 29/11/79 1 CARNAVAL: SAGRADO E PROFANO* io alts do pedestal Caste Ale pare serine com ta orb ¢ (pts Canto Aves 6 eof na da Antes de iniciar este artigo, no qual pretendo, = partir do Carnaval baiano, teveraigumas reflexdes sobre © Carnaval em geral, devo elucidar certos aspectos me- todolégicos relativos & minha posigio face a0 objeto es- tudado, pois no momento da festa carnavalesca, minhe finiea preocupagdo era situar-me como um simples fo- Tigo dentro da folia geral. Entretanto, visto que chegave havia poueo de uma longa estadia no exterior, o clima festivo me impressionow a tal ponto que minha partici ago s0 transformou em notas etnolégicas, relativas rio mais a sociedades exéticas como se encontra fre- ‘qlentemente em antropologia eléssica, mas minha pré- pria cultura, Outro aspecto que pode fer influenciado “a posteriori" meu interesse pelo Carnaval foram duas con- Feréncias pronunciadas nu X Reunido Brasileira de An ‘ropologia pelos professores Roberto da Matta e Maria Isaura de Queiroz’. Como estas comunicagées tinham por tema especifico a festa carnavalesca, e uma vez que © congresso foi realizado na semana mesma do Carna- val, € bastante provavel que, inconseientemente, tenia icorporado um interesse muis "cie férias earnavalescas. Este preimbulo de ordem metodo- légica me parece importante, pois ele caracteriza minha posigdo ante o objeto aqui estudado. Eu me encontrava assim, "a priori", desmunido de qualquer tipo de preo- ccupagio de order “cientiiea”; se método houve na co- Teta das observagdes que pretendo apresentar, ele deve- sia chamar: 0 da participagio observante, 0 processo de inversio* Para o observador ou folido que vem de fora, seja do Sul do pais ou do exterior, © Carnaval baiano 56 pode ser caracterizado pelo adjetivo extraordinario, Os pardmetros da ordem quotidiana se enfraquecem a um onto tal que se tem a impressfo real de viverse um tempo e espago radicalmente diferentes. Durante quatro 1M, 1 P- Qurcs- “Cuno do Bras cama de Arsen Lt a bere Go Nata "Vac sabe com eur ed lado” ABA, De Para ure ane deals do proces dees ver Mobi ds aca "0 Carnal somo sito Pantages. 2 Into, Pipl Vows 1973 pp 18. “ uke “ia” lteralmentee as classes sociis se i sit correria infernal atris do trio elétrico. O in eerra als portas, as igrejas baianas que desfru- ial Lito prestigio, no decorrer do ano, se recolhem, ‘0 Limsputes piblicas deixam de correr pelas vias nor- ' Uvinsito &desviado, a comida ¢ pouca, 0 povo se indo de petiscos e sanduiches, 0 que evita de se jar do centto carnavalesco, Por outro lado as a Vides pouco corrigueiras, exatamente aquelas cons ras Como festivas, acentuam-se: cantarse, danga-se te bebeese a valer ‘Todas essas transformagdes indicam de forma inre- Tutdvel que 0 Carnaval ndo st situa dentro do tempo or- ddindtio da sociedade; a andlise de outros elementos s6 faz confirmar este ponto de vista. Tomando-se como ‘exemplo o comportamnento tanto dos homens quanto ‘das mulheres, pode-se observar que os papéis sexuais instituldos pela ordem quotidiana se alteram. Na cat iroria masculina deve-se considerar 0 “machdo” e o ho- fossexual . Estes dois elementos que parecem ser tio ‘antugnieas na vida quotidiana, vém curiosamente se Tundir durante os festejos curnavalescos. Certamente porque eles representam o reverso da mesma medalha, € {que 0 Carnaval implica em um rorupimento da ordem texistente, & que eles podem, por um determinado mo- ‘mento, participar sem antagonismo da mesma manifes 1agio social. Em Salvador, embora existssem blocos ex- clusivos de homossexuais (como 0 Mariposas do Amor), ‘o nimero de ndo-homossexuais travestidos em mulher lltrapastave em muito a presenga daqueles. O forte © heredleo “macho” brasileiro se transforma assim na + Roger taste "homer dere de ber” Sota fit si isi, S.A 8, deicada figura da moga, of libios grossos alegrados Palo batom, perce plas eavalides plas mse to Tastes. Considerando-se otros relaivos ao eomper tamento feminino as eonelusdes permanecem as mes- mas, Abordadas, apulpadas, bescadas, elas se perm tem “um rapaz por cada molt, contrariando tiga mente o padi da moral exigida pela sociedade, Podet- Sera pensar que as mulheres constderassem a "proxi dade masculina” (belises, spssar a mio" elo) como tum ultrje;alids, muitas delay se queixam da grosseria dos homens. Eniretanto, abservando-se bem, tonge de recusarem a proximidade do elemento masculinos elas Smplesmente pretendem “sleget (no sentido parsoniay fo) um determinado parcero sexual, Uma foliona ative ime defniu a situagdo da seguinte maneiza: “eu acho tudo isto muito bam, se a gente quer € 16 fear, se nd0 uer £6 sit".o belted se transforma asim em t= nica de aproximasio sexual Esta rGpida andlise do Carnaval mostra como este fendmeno socal se caracteratsobretudo por um mest. nismo de inversio toca o dia pela noite, 0 trabalho pela folg, 0 pudor pelo descarament, trocase mesmo fe sexo; d orden do quotiiano substitute a “desor, dem carnavaesce". Entretanto 0 estudo do Cornaval com ritual da desordem, da oposigio entre o sagrado eo profano, ou da estrutiss e communis, je foi en Breendido por muitos, ndo pretendo portato repeti-os Avontece, prem, que este ipo de abordagem 96 perm te-uma visto dua da festa carnavalesca,o polo da eer- Yesotneiasendo sempre contraporto ao polo da morost dade da vide quotidina. O Carnaval es transforma as 6 sim em um fendmeno social sem descontinudades, seu sttdo se reduzindo & comparagio entre dois tipos de continuidades: a extraordindria que Ihe € interne, € a quotidiana, que se situa fora do tempo de festa. Esta aneira de apresentar o problema exclui um raciocinio dialético no qual se reaizaria @ passugem entre dois po. los da andlise que parecer & primeira vista como irre. ‘mediavelmente untagdnicos. Efeverctncia, sagrato, de- sordem,, communitas, serdo sempre quiificativos de uma regio homogénea, mesmo que se trate de homoge. neidade “desordenada”. Um exemplo deste tipo de en. foque, €0 trabalho de Roberto da Matta, onde cle esta. dda delalhadamente 0 Carnaval para comparé-lo em se- ‘uida & parada militar de setembro . Utlizando as cate. sgorias de Turner, estrutura e communitas, ele aproxima © desfile do dia da Patria & primeira, reduzindo © Carma: val 20 segundo tipo de ritual. Porém, 0 autor, pressen- lindo as dffculdades que este tipo de raciocinio pode ens endrar, mostra em um outro artigo, como estruture ¢ communites podem se interpenettar', Entretanto, ele ‘io analisa como esta interpenetragio dialética de plos opostos pode servir de instrumento tebrico para a des: crigho interna da festa carnavalesc, se limitando a apicla ao ritual da Semana Santa, Invertendo-se o referencial que normalmente tem sido utilizado pelos estudiosos, isto é, considerando-se 0 fendmeno carnavalesco ndo mais em relaclo a outros t- pos de manifestagdes sociaisexteriores ao momento de festa, o resultado que se obtém & uma andlise meis com Plexa deste ritual que, muitas vezes, perfila, como que se al Rata “Conta sence: «pe cconstituiado de uma homogeneidade que se reduz ao s \do, desordem ou communitas. Fuzendo-se a pergun ti "o que & 0 Carnaval visto de dentro”, descarta-se de uma vee por todas qualquer comparagio de ordem ex- terna ao fendmeno e pode-se mostrar a complexidade deste ritual, Mudando-se o enfoque do problems, cen- trando a analise numa visio interna do fendmeno, pode- Se responder mais Tacilmente & pergunta colocada, ov melhor demonstrar como se organiza a “desordem car- havalesca”, Isto ndo quer dizer que a série de oposigBes bindrias sagrado-profano, communitas-esirutura, desor- dem-ordem, devam ser excluidas deste tipo de aborda- em. Trate-se, porém, de inserir este quadro instrumen- tal (e6rico, dentro de um enfoque no mais exterior ao probleme, mas interno a urn mesmo rito social . Desta haneita, pode-se testar o valor heurfstico destes concei- tos, e mostrar até que ponto eles podem servir de termos esctitivos de um fendmeno socal 0 carnaval baiano visto de dentro ara a compresnsiio da andlise que pretendo desen- volver, ereio que certos esclarecimentos relaivos & utile zaeio dos conceitos empregados, s4o necessérios. Pri- miro 0 termo “sagrado" aqui ulllizado na sus concep- io durkheimiana, isto & referente d efervescéneia reli Glosa '. A palavea “profane” earacteriza entdo 0 pélo ‘poste: o da monotonia da vida quotidiana. Neste senti- 80.0 Camaval sera descrito em termos de festa sagrada, 2 ktetip de ane et por Roberto Matto get WE, Durkin, Ler formes elémentaves de le ieee ans, PUT ‘om que efervescéneia dos sentimentos parece se mani- Testar da forma mais esponténea, Contrariamente a0 uqne'se encontra na linguagem comum, a folia camava- Tese niio ser considerada como uma manifestagao pro- una, eoncepgdo profundamente erst que pretends re- Hucit os Testes de Momo iia de pecado. A utiliza- ‘cio desta terminologia € sugerida pela leitura do proprio Thuvkheim, e-também de Mauss, sobretudo se tomamos ena exemplo 0 argumento que pretende demonstrar @ pinese do sentimento religioso. Com efeito, Durkheim ‘omparando as fests dos povos australianos com o fe- ‘udmeno de multiddo, situa & origem do pensamento reli vivso junto & manifestacio de efervescéncia dos sent fnettos hursanos, Os austraisnos cantando e dangando ‘aparecem para o autor como homens que vivem um empo exttaordinario, deixando de serem, neste mo- mento, pessoas “normais", ou melhor, homiens do quo- tigiano, O fato de eles experimentarem este momento de ‘xtase thes dé consciéncia de-que o mundo se divide em ‘lias zonas opostas: uma sagrada, relativa 20s momer tos de festa, outra profana, o tempo das atividades de ccuriter ordindrio. A diferenga estrutural que se faz entre ‘lois pos de mundos é, portanto, a mesma que diz res ito # oposigdo entre o Carnaval e x ordem quotidiana. Var outro lado aproximarel esta terminologia sagrado- nrofuno iquela desenvolvida por Turner, isto é, a opost {ko entre communitas e estruturas, onde a primeira ca- Treteriza justamente um momento ritual nfo estrutura- tip, ou rudimentarmente estruturado, 08 individuos par- tiipantes relacionando-se entre si dentro de um clima tle comune’, Qualquer folio baiano carrega consigo certos con- cxitos relativos 20 Carnaval, Assim, a primeira coisa ‘que o “estrangeito” escuta &:"nio pule atris do trio elé- itico”, ndo se aproxime da praca da Sé”. A linguagem utlizada sugere que as pessoas do lugar revonhecem cer- tas divisBes que, de inicio, passam despercebidas ao visi tante. Mais importante ainda, elas indicam gue existem zonas consideradas como “perigesas" dentro da festa carnavalesca. Confinar-se & praga Castro Alves signifi cari um Carnaval mais “ameno” do que “atris do trio elétrico; a praga da Sé, sendo a chegada dos blocos,é na- turalmente considerada como mais “quente” do que 0 largo Sio Bento. O espago carnavalesco fica assim divi- digo em seu préprio seio, Alids, este divisdo ecoldgicn de Salvador em pontos “quentes" e “frios” € fil de ser percebida desde que se observe a cidade de um ponto de vista mais global. Por exemplo, Brotas e Amaralina fi- cam excluidas da efervescéncia, que se concentra no ce tro da cidade. Se por acaso encontramos folides por estas paragens quase deserias nesta &poca do ano, é porque eles deixaram de ser folides estdo simplesmente Voltando para casa, Entretanto, ea diferenga ecologica se manifesta no interior da cidade carnavalesca, ndo & ‘menos verdade, como sugere a linguagem baiana, que ela se reproduc dentro da propria regido da foi. Basta introduziro fator tempo para se percsber gue existe um aradiente de efervescéncia carnavalesce, Considerendo- 0 trecho do Campo Grande & praca da Sé, observa-se que em tempos diferentes o movimento de efeevescéncia ual. Por exemplo, domingo é um dia mais “carre- do que segunda-ivira, de mani hi menos gente pulando do que de tarde. Porém, dentro de um mestno periodo, éiurno ou noturno, a festa osela em fungio da Dresenga dos blocos ¢ dos trios elétricos, No momento a passagem dos blocos a efervescéncia atinge o lima, 20 para diminuir depois que a misica nto é mais ouvida. E ‘a vaga repetida dos trios eléricos que dé uma falsaimn- pressio de continuidade, Na verdade, entre tempos “quentes” se intercalam tempos “frios™ onde o folido ppira de danger, de cantar, ¢ e dedica a conversas quoti- lianas como apresentar a esposa ao colega, ou simples- hnente senta-se para descansar, A descida do proximo bloco reavende as chamas e pode arrancar 0 carsado fo- lido da sarjeta, da drvore, dos muros, e puxé-lo até @ praga da Sé. Neste sentido pode-se dizer que o centro da Folia & a musics, « danga se coneentrando onde ela exis- te. Na medida em que 0s trios eléircos e os bloeos pas- n, 08 espectadores se transformam em atores partci= antes, Quando agueles desaparecem, a assisténcia "7e- Dousa’™ & espera de uma nova investida, A anilise da diferenga entre zonas carnavalescas di- ferentemente “consagradas” pode set aprofundada le- vando-se em conta a “unidade carnavalesca”, isto €, 0s Inlocos 0s trios elétricos. Quando alguém diz “nao pule utris do trio eletico", ele nfo estd pensando em excluir tereciros da partiipagdo no Carnaval; © baiano pensa sinmplesmente em enunciar uma adverténcia ao viitant, ‘A expressiin pode muito bem ser transformada na se- ruin: "ua ple junto ao tro elétrieo™. O que se tenta teypunnir€ que pain ao trio elGtrico as pessoas pula ‘le uur muatneita "wis violenta”, a eegito se earacteri Zaks vine) allamiente elervescente, Pensando-se em (eins durkheimitiy, onde © migrado se earacteriza por su essticts perciians, poale-se dizer que ele cami- hha ena seni inverse a net ceutto ae irradingao, & me sca, Na medial em te ne dtaniit da unde de pro: papacio de elervesc@iet, leva se “prafatiz”, of Cane Tos ea danga tornando s¢ cui ver menus inensos een volventes, Ouizo elemento que ordena a festa baiana € 0 cor- dio de isolamento dos blocos que desflam pelas ruas Estes blocos poden assim se apresentar em concurso, sendo julgados pel beleza e animagio de cada grupo em particular, O cordio de isolamento desempenba uma Fungo de ordem ji bastante conhecida em outros rtos como as paradas iilitares, ou mesmo em desfilescarns- valescos. Entretanto, ele toma uma dimensio peculiar ‘em Salvador, pois a0 invés de separar os atores dos es- pectadores, o sagrado do profano, ele simplesmente es- tabelece uma distingdo entre regides diferentemente cralizadss. Desta maneita, tanto 0 pUblico como os componentes dos blocos participam da mesma eferves- céncia carnavalesca. Porém, subsiste entre os dois uma Sseparagao fisica¢ simbdlica, a corda, que de um lado se- ‘grega um espago particular sos folides, de outro estabe- Tece um lago de distingio entre estes eo piblica. Pode-se ‘observar que a preocupagio que os blocos tém em con- mar esta separagdo ¢ bastante grande, por exemplo, & guarda do cordio ¢ feita exclusivamente por homens, u melhor por elementos “fortes” que alugentariam os eventuais “penetras”. No bloco do Saku-Xeio, estes es- pevalistas se diferenciavam marcadamente dos outros Componentes, eles vestiam uniformes especiais, calga- ‘vam luvas para no cortar as mos no atrito com a cor- a, ¢ chamavam-se sugestivamente: seguradores de cOr- a, Estes iragos distintivos demonsteam claramente vontade dos blocos em se diferenciarem do simples fo- lid que brinca na rua. Porém, tratando-se de zonas que pertencem a uma mesma esséncia, ao sagrado, era dees- perar que a barreira da eorda fosse rompida, visto até nue diferenga que se forja entre zonas homogéneas, Com efeito, a andlise demonstra que, introduzino-se 0 fator tempo, a tendéncia & coneretizar-se uma desagree wo do cordao de isolamento, Como os hlucos ever ser julgados por uma comissto de jurados, a primeira Uescida nas ruas é a mais importante, O espetdculo ge tha sobre a participaglo do piblico, As pessoas sim- plesmente assistem & passagem dos atores participantes. Na segunda descida pode-se notar um certo esvaziamen- to des elementos componentes dos blocos, pouco a pou- ‘co muitos deles deixar o desfile para se misturarem @ ‘outros pontos efervescentes da cidade, por exemplo, a praga Castro Alves. A passagem em sentido inverso,a8- Sisténcia-bloco, também se realiza sem maiores proble- ‘mas; desta maneita, os amigos, as namoradas, os cupin- ‘has, ultrapassam a'corda para brincar dentro do espago dlimitado pelo pelo cordio. A fusio total destas duas ‘zona sagratdus se verifca no final da tarde, com o encer amento dos desfiles; as mertalhas dos componentes dos blocos se indiferenciando das outras, todos correndo in- sistentemente atris do trio elétrico. Outea zona espacial que determina um foco de or dem quotidiana no seio da folia carnavalesca sto as baneas de acaraj, abaris e quitutes baianos. Uma opo- sigho nitida se estabelece assim entre estes centros de waeite fervente, braseiros para assar churrascos, ea dan- ‘et frenética a0 som dos frevos, sambas e marchas. A primeira vista a presenea do fogo (Isico, ndo simbélico) parece ser bastante perigosa (no no sentido sagrado), podendo acarretar queimaduras nos folibes desavisados. (Ora, o que se observa é que estes tabuleiros de chutras cos ¢ acargiés se distribuem por toda zona carnavelesea, fe que os foli6es mantém inconscientemente, durante @ Testa, uma distneia conveniente que evite problemas maiores. Dentro do espaco “quente” da efervescéncia vamos encontrar, portanto, zonas “fias”, onde baianas Cozinham trangiilamente pata folidesesfaimados, Evi ‘lemtemente algumas vezes a fronteira entre esses espa- os € rompida de uma forma violegta; um empurrto B bem forte pode projetar um brsero longe & acaretar dqueimadurts. Porm, tratase de casos que nio eonst- them aera: como o nome suger, eles uo clssfendos om send aidentes. Dest manna, podese cet que 8 tabuletros recortam 0 espagoearnavaesco para nse. fir, dentro. dele uma ordem que difere daquaia que se sia for dele. A'pastagem entre estas duasrepides, sa zrado-profeno, se fas maitesvezes deforma quase ine pereeptivel Um folido que péra, tira o dineiro de sun 8 debaixo da mortalha, come rapidameate um acarajé, pata continuar sua corde tlver até praga da Se. Paralelamente a eies elementos acina desenvolv- dos, dois outros se impdem: «pols as ambulance, Muito embora 0 carnaval de Ssivador nao ten tide este ano um polciamento ostensivo, a presenga dene forga cowretve no drow dese manifests em fodos ot ‘momentos da fla caravalsca, Bastava desencaden tua brea, ou um problema maior, para que se mani tasse a presenga do corpo poli As vituras penetra: vam rapidamante dentfo'da zona de eervectnea para remover 0 folido om questéo. Lima coisa, porem, dove Ser notada, a manent pela qual pristo ¢ eleuada Normale et erence dun clin felt cesta, o pUblio patispanco da agio por meio deg. tos de “até quarefere ou do tipo "vl ea sem ear naval’, Em Salvador existe um espetéculo do qual alo ude participa, que iustra bem o arate pafcula en manifestagio poliial nesta época do ano: quarta-era de cinzas 0 public se rene ao luda de eadeia munieipal para aprcia a saida dagueles que foram apreendiges durante a festa Estes pos de compoctamentosugerem ues etd diane de ume aco poltial partisan festa amavalesca, entretanto nose deve perder de vista que { presenga coereitiva & om equlvogon © apuralo dees pressio funetonando perfekament ben us tinentos fem que a “desordem” tende a ultrapassar o limite esta- belecido plas préprias autoridades. O mesmo racioci- nilo poderia ser desenvolvido em relagto ds ambuléneias, tstas epresentando nko mais ordem policial, masa oF dem de safe daqueles que participaim da fest carnava- (Observaedes finais Turner, estudando os rtos liminares, mostra como fas manifestagdes de “communitas” aparecem como por- tadoras de um caréter andrquico, expiosivo, enfin, peri- 080, que poderia a longo prazo ameagar a existEncia © ontinuidade da propria estrutura social. Por isso elas ‘evem ser controladas de fora, isto &, submetides & cor- repo daqueles que representarajustamente o plo opos- to, o da estrutura®. A agio policial juntamente com @ assistncia de side realizada pelas ambuldncias, en- {tam justamente dentro desta categoria de rituais de exorcismo da foliacarnavslesca, Na realidade estes dois elementos nio tém somente uma funglo de repressio, mas fundamentalmente o papel de corretores, de contr lndores do "xtase" dos falides. Um paralelo poderia ser feito com as manifestagBes dos exus pagdes dentro da esirutura de mundo umbandista ". Da mesma maneire ‘que os exus devem ser controlados por entidades que representam a ordem umbandista, o Carnaval deve ser contido dentro de determinados limites, sem o qual 2 WT Wer Gatbe piace 0 spre strc, ale Tern, 188 e Rest Ori ba mor Hance de trier aT SeBoutornento = Past EOHE, 1, propria estratura do quotidano se sentiia ameacads, O Policia eo médica figurariam asim lado a lado dos ca- Eoclos pretos vlhos da Umnbunda, Porm a andlise de folia carnavalesca revela que, paralelamente a uma aoio coeretiva de ordenacio, sea lizada de fors para dentro, existe uma série de necans- sos interns que regulam a propria desordem da fs ts; por exemplo, os blocas etre cltics revortando 9 espaco e o tempo em zones dstins mas des outras Uma ‘analogia pode ser desenvohida em felaglo. to transe nos eultos de possess. Nests eultos primeira anise d xara, 0 “ant bra, deve Ser canaliad, io, insielda €controlade pelo grupo iso. Somente desta maneira€ quo o ritual pode oe desenrolar sem maiores proslemes, tasocontrio tor, em institaiea nio seria emai rexpeitada, Roger Bust dc, comparando o transe selvagem (esordenado) a0 transe damesticado, mostra como na propsia mantes. tugio do "sagrado selvager ocorre umm transforma’ Go "de instivant on insttué™ int 6 ss amarias dae tratura se manifetando dentro da ‘communitas" E tem verdade qe os clos de possessio sto muito mas arganizados do. que uma menfesiagio. carnavalsca Eniretanto,nestes doit fendmenos se encontsum mes nismos semelnantes que reglam 9 fuxo da efervesce fia do interior.O profano pares assim germinar no seo di csncin do eagrado, “Esta rpidnandlse do Carnaval perme se ter uma visto mas ample det fenbmna Sch west de xo dese caractesane por uns forme homogérea, para Urarsparecer dena de uma sve de tempos “quertas™ ie ert gen Bsn gens, FL Sle

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