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Srie 7

Uma surpresa para Daphne

Daphne mal podia acreditar nos seus ouvidos. Ou no seu ouvido esquerdo,
pois era neste que chegava a voz de Peter Vest-Pocket, atravs do fone.
-Daphne, voc est a? Sou eu, Peter.
Quando finalmente conseguiu se refazer da surpresa, a pequena e vivaz
Daphne era assim que a legenda da sua foto como debutante do Tattler a
descrevera, anos atrs esforou-se para controlar a voz.
- Voc quer dizer o sujo, tratante, traidor, nojento, desprovido de qualquer decncia ou
carter, estpido e desprezvel Peter Vest-Pocket?
- Esse mesmo. bom saber que voc ainda me ama.
- Seu, seu...
- Tente porco.
- Porco!
- Foi por isso que eu deixei voc, Daphne. Voc sempre faz o que eu mando. Era
como viver com um perdigueiro. Agora acalme-se.
- Porco imundo!
- Est bem. Agora acalme-se. Pergunte por que que eu estou telefonando para voc
depois de dois anos.
- No me interessa. E foram dois anos, duas semanas e trs dias.
- Eu preciso de voc, Daphne.
- Peter...
- Preciso mesmo. Eu sei que fui um calhorda, mas no sou orgulhoso. Peo perdo.
- Oh! Peter. No brinque comigo...
- Daphne, voc se lembra daquela semana em Taormina?
- Se me lembro.
- Do jasmineiro no ptio do hotel? Das azeitonas com vinho branco tardinha no caf
da praa?
- Peter, eu estou comeando a chorar.
- E daquela vez em que fomos nadar nus, ao luar, e veio um guarda muito srio pedir
nossos documentos, e depois os trs comeamos a rir e o guarda acabou tirando a
roupa tambm?
- No. Isso eu no me lembro.
- Bom. Deve ter sido em outra ocasio. E a penso em Rapallo, Daphne.
- A penso! O velho do acordeo que s tocava Torna a sorrento e tea for two.
- E a festa de aniversrio que ns entramos por engano e eu acabei fazendo a minha
imitao do Maurice Chevalier com laringite.
- Ah, Peter...
- Lembra o pimento recheado da signora Lumbago, na penso?
- Posso sentir o gosto agora.
- Qual era mesmo o ingrediente secreto que ela usava, e que s nos revelou depois
que ns ameaamos contar para o seu marido do caso dela com o garom?
- Era...Deixa ver. Era manjerico.
- Voc tem certeza?
- Tenho. Ah, Peter, Peter... No consigo ficar braba com voc.
- timo, Daphne. Precisamos nos ver. Tchau.
- Tchau?! Tchau?! Voc disse que precisava de mim, Peter!
- Precisava. Eu estou fazendo aquele pimento recheado para uma amiga e no
lembrava do ingrediente secreto. Voc me ajudou muito, Daphne, e...
- Seu animal! Seu jumento insensvel! Seu filho...
- Daphne, eu j pedi desculpas. Voc quer que eu me humilhe?

VERSSIMO, Luis Fernando. Uma surpresa para Daphne in: _______ . O peru de
Natal e outras histrias. So Paulo: tica, 2003.

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