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Dopamina vs.

Noradrenalina no Tratamento do Choque

Introdução

Choque é uma condição comum que leva à admissão na UTI e que tem
um grande potencial letal. Além da correção da causa de base, a expansão
volêmica deve ser sempre o tratamento inicial. Entretanto, frequentemente, o
uso de fluidos não é suficiente e faz-se necessário o uso de vasopressores
para a manutenção da pressão arterial.

A dopamina e a noradrenalina são os vasopressores mais comumente


usados e são recomendados como agentes de escolha em diretrizes
internacionais (2). Ambos agem por estímulo adrenérgico, sendo que a
dopamina tem um maior efeito β-adrenérgico e a noradrenalina um maior efeito
α-adrenérgico.

Estudos observacionais sugerem que o uso de dopamina associa-se a


uma maior mortalidade quando comparada à noradrenalina (3). No entanto,
nenhum grande estudo clínico comparou estes vasopressores, o que foi o
objetivo deste estudo.

O estudo

Foram incluídos todos os pacientes maiores de 18 anos admitidos nas


UTIs participantes que tivessem PAM<70mmHg ou PAs<100mmHg após
expansão volêmica com pelo menos 1000ml de cristalóide ou 500ml de colóide
[exceto aqueles que tivessem PVC>12mmHg ou Pressão de oclusão de artéria
pulmonar (se monitorizados com o Swan-Ganz)>14mmHg, quando se optava
por não dar fluidos] e sinais de hipoperfusão [alteração do estado mental, pele
fria e úmida, diurese<0,5ml/kg/h por 1h ou lactato>18mg/dl(2mmol/l)]. Foram
excluídos pacientes com menos de 18 anos, que já tivessem usado algum
vasopressor por mais de 4h durante o episódio de choque, tivessem arritmias
ventriculares ou fibrilação atrial com FC>160bpm, ou estivessem em morte
encefálica.

Os pacientes eram randomizados para um dos dois vasopressores e


tanto os pacientes quanto os médicos assistentes não sabiam qual a droga que
estava sendo utilizada. O protocolo previa que a dopamina poderia ser
aumentada ou reduzida 2µg/kg/min e a noradrenalina, 0,02µg/kg/min até
atingir-se o alvo de PA a critério do médico assistente. Se o paciente
permanecesse hipotenso após as doses máximas permitidas (20µg/kg/min de
dopamina ou 0,19µg/kg/min de noradrenalina), era iniciada a infusão de
noradrenalina “de resgate”). No desmame dos vasopressores, sempre era
retirada inicialmente a noradrenalina de resgate e, depois, o vasopressor do
estudo. Caso houvesse recaída, a droga do estudo era reiniciada primeiro. Se
o paciente tivesse qualquer novo choque no período de 28 dias, a droga para a
qual foi randomizado era reiniciada.

Resultados

Foram incluídos 1679 pacientes (858 no grupo dopamina e 861 no grupo


noradrenalina). O tipo de choque mais comum foi o séptico (62,2%), seguido
pelo cardiogênico (16,7%) e hipovolêmico (15,7%).

Mais pacientes no grupo dopamina precisaram de noradrenalina de


resgate (26 vs. 20%, p <0,001), mas as doses foram similares nos dois grupos.
O uso de dobutamina foi mais comum no grupo noradrenalina. O tempo para
se atingir a PAM de 65mmHg foi igual nos dois grupos (6,3±5,6 h vs. 6,0±4,9h,
p=0,35). Não houve diferença quanto à quantidade de fluido utilizado. A
mortalidade entre os dois grupos não foi diferente na UTI (50,2 vs. 45,9%,
p=0,07), no hospital (59,4 vs. 56,6%, p=0,24), em 28 dias (52,5 vs. 48,5%,
p=0,10), em 6 meses (63,8 vs. 62,9%, p=0,71) e em 12 meses (65,9 vs. 63,0%,
p=0,34).

Os pacientes que usaram noradrenalina tiveram mais dias livres sem


vasopressor, mas não houve diferenças quanto à necessidade de diálise ou
ventilação mecânica. O tempo de internação na UTI e no hospital também não
foram diferentes.

O grupo que usou dopamina apresentou uma maior incidência de


arritmias (24,1 vs. 12,4%, p<0,001), mas não houve diferenças quanto aos
outros efeitos adversos analisados.

Quando se fez a análise por tipo de choque, os pacientes com choque


cardiogênico que usaram dopamina apresentaram uma maior mortalidade em
28 dias (p=0,03).

Comentários

Este grande estudo traz uma grande contribuição para o tratamento do


choque e a medicina intensiva em geral. Por ser um estudo com critérios de
inclusão amplos e poucos critérios de exclusão tem uma boa validade externa.
Assim, pode-se afirmar que o uso de noradrenalina ou dopamina como
vasopressor inicial no choque é indiferente em termos de mortalidade.

No entanto, alguns pontos devem ser considerados. O protocolo do


estudo previa o início precoce de vasopressor após a expansão com apenas
1000ml de cristalóide ou 500ml de colóide. Pode-se argumentar que tal volume
é pequeno quando comparado a outros estudos de reanimação. Entretanto, a
estabilização da PA com vasopressor enquanto infunde-se volume é uma
prática corriqueira no dia-a-dia das UTIs. Além do mais, a reanimação deve ser
baseada em alvos hemodinâmicos ao invés de doses fixas de fluidos ou drogas
vasoativas.

Embora as duas drogas não tenham sido diferentes quanto ao desfecho


primário analisado, um aumento de arritmias com o uso de dopamina e a
menor necessidade de vasopressores com a noradrenalina são resultados que
devem ter um impacto positivo para nossos pacientes de UTI. Assim, favorece-
se o uso de noradrenalina, como é a prática de boa parte dos intensivistas.

A maior mortalidade com o uso de dopamina no choque cardiogênico é


preocupante, porque embora tenha um racional fisiopatológico (arritmias
comprometendo mais a função do coração doente), é a droga de escolha em
diretrizes internacionais de IAM (4)e ICC (5). De qualquer modo, até uma prova
em contrário, deve-se usar a noradrenalina como vasopressor neste tipo de
choque.

Referências

De Backer D, Biston P, Devriendt J, Madl C, Chochrad D, Aldecoa C,


Brasseur A, Defrance P, Gottignies P, Vincent JL; SOAP II
Investigators. Comparison of dopamine and norepinephrine in the
treatment of shock. N Engl J Med. 2010;362:779-89.
Dellinger RP, Levy MM, Carlet JM, et al. Surviving Sepsis Campaign:
international guidelines for management of severe sepsis and septic shock:
2008. Intensive Care Med. 2008;34: 17-60.
Sakr Y, Reinhart K, Vincent JL, Sprung CL, Moreno R, Ranieri VM, De
Backer D, Payen D. Does dopamine administration in shock influence
outcome? Results of the Sepsis Occurrence in Acutely Ill Patients (SOAP)
Study. Crit Care Med. 2006;34:589-97.
Antman EM, Anbe DT, Armstrong PW,et al. ACC/AHA guidelines for the
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Revise the 1999 Guidelines for the Management of Patients With Acute
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