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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CURSO DE MESTRADO – MINTER UNOCHAPECÓ


DIREITO E ECOLOGIA POLÍTICA
PROFESSOR ROGÉRIO PORTANOVA

EDUARDO SENS DOS SANTOS


19.7.2010

“A vida dilata-se constantemente na direção da novidade” (p. 31).

“[...] é fato bem conhecido que as pessoas inteligentes e atentas quase nunca executam ao
pé da letra as instruções que recebem” (p. 123).

FICHAMENTO DE LEITURA

CAPRA, Fritjof. As conexões ocultas. São Paulo : Cultrix, 2005, 296p.

Panorama Geral
O livro tenta aproximar o que chama de dimensões biológica, social e cognitiva da
vida. Para tanto, trabalha com profundidade cada uma dessas dimensões, quebrando mitos
e apresentando as mais recentes teorias e descobertas científicas em cada ramo.
Ao aproximar, cria o autor um entrelaçamento entre cada dimensão, numa rede de
conexões que não se separa e que vive constantemente junta. Para o autor, todos os
aspectos da vida estão interligados, não apenas o biológico, mas também o social e o
cognitivo. Todos agem e reagem juntos, de forma que só se pode compreender um,
compreendendo todos.
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Para tanto, serve-se de conceitos da matemática moderna, principalmente o da


dinâmica não-linear, ou da teoria da complexidade.
No último capítulo apresenta o autor as ideias mais inovadoras para o caminhar na
busca de uma ecologia da humanidade.

Prefácio
Depois de relatar brevemente as conquistas de suas obras anteriores, o autor se diz
ainda crente na escola filosófica da “ecologia profunda”, que “não separa os seres humanos
da natureza e reconhece o valor intrínseco de todos os seres vivos”.
Para o autor, “os princípios sobre os quais se erguerão as nossas futuras instituições
sociais terão de ser coerentes com os princípios de organização que a natureza fez evoluir
para sustentar a teia da vida. Para tnato, é essencial que se desenvolva uma estrutura
conceitual unificada para a compreensão das estruturas materiais e sociais” (p. 17).

Parte um – Vida, mente e sociedade


Capítulo um – A natureza da vida
Não há vida sem células. As células podem ser simples ou complexas, e a
simplicidade celular pode ser de dois tipos. A simplicidade interna está relacionada com a
bioquímica do ambiente interno do organismo. A simplicidade ecológica diz respeito ao
organismo em relação às exigências que faz ao ambiente externo (p. 22).
Esta noção de simplicidade ecológica é importante para que se defina com precisão
a teoria não-linear. Tudo depende de tudo, de modo que a especialização deve sempre ser
temperada com o relacionamento entre as disciplinas e campos de estudo.
Os organismos são sempre compreendidos em função da noção de teia alimentar, já
que os organismos são sempre redes de células, órgãos e sistemas orgânicos. A teoria dos
sistemas contribuiu neste ponto ao compreender que “o padrão em rede é comum a todas
as formas de vida. Onde quer que haja vida, há redes” (p. 27). A vida, portanto, tem de ser
compreendida como “toda a rede metabólica delimitada”.
Criticando o que chama de “determinismo genético”, o autor apresenta o que seria
“uma das principais intuições” da nova compreensão de vida: as funções biológicas não
são simplesmente determinadas por uma matriz genética, mas são propriedades que
nascem espontaneamente da rede epigenética inteira (p. 29).
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A nova célula, criada pela reprodução de outras células, nunca é produzida


exclusivamente pelo “DNA nu e cru”, mas é um prolongamento da rede autopoiética
inteira.
Isso porque os sistemas vivos não são sistemas fechados. São fechados apenas no
que diz respeito à organização interna. Mas são abertos do ponto de vista material e
energético e, portanto, como um carro que muda de rendimento de acordo com a boa ou
má gasolina, a célula e suas descendentes também sofrem variações de acordo com a
matéria e energia que recebem.
E, pela teoria das estruturas dissipativas, quando o fluxo de energia aumenta, o
sistema pode chegar a um ponto de instabilidade, chamado ponto de bifurcação, no qual
tem a possibilidade de derivar para um estado totalmente novo, em que podem surgir novas
estruturas e novas formas de ordem (p. 31).
Na atualidade, a ideia de “sopa química” para explicar o surgimento da vida vem
sendo aprimorada. A “nova doutrina” “parte da hipótese de que certas moléculas tenham
constituído membranas primitivas que espontaneamente dispuseram-se de maneira a
formar bolhas fechadas; e que a evolução da complexidade molecular ocorreu dentro
dessas bolhas, e não numa sopa química” (p. 37).
O desenvolvimento da vida decorreu de três grandes caminhos evolutivos. O
primeiro foi o das mutações genéticas aleatórias, elemento principal da teoria
neodarwiniana. O segundo foi o da recombinação de DNA, em que as bactérias trocam
livremente entre si suas características hereditárias, com um poder e uma velocidade
incríveis. Muitas bactérias chegam a trocar até 15% de todo o seu material genético todos
os dias. Por fim, a simbiogênese que, como teoria, parte da simbiose, que é a tendência de
associação de organismos diferentes, para sugerir que esta simbiose por longos períodos
pode formar novas formas de vida. Diversos seres vivos vegetais e animais contêm
exemplos que confirmam estes três caminhos evolutivos (p. 45-47).
* Não seria a globalização uma forma social de recombinação de DNA?
* A simbiogênese poderia ser concebida como algo análogo às relações
interpessoais, quando permitem maior criatividade e resultados do que a atuação isolada de
cada indivíduo?

Capítulo dois – Mente e consciência


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Na concepção sistêmica de vida, o passo decisivo foi abandonar a visão cartesiana


da mente como uma coisa, para perceber que a mente e a consciência são processos. Em
1960 surgiu, em decorrência disso, o termo “processo mental”.
Na teoria da cognição de Santiago, busca-se identificar a cognição, ou seja, o
processo de conhecimento, com a vida, com o processo de viver. Para seus maiores
representantes (Maturana e Varela), a cognição é que garante a autogeração e a
autoperpetuação das espécies vivas, mesmo que a cognição se dê apenas ao nível
microcelular e que o ser vivo não tenha cérebro ou sistema nervoso: as interações de um
organismo vivo com seu ambiente são interações cognitivas.
A teoria da cognição está ligada à autopoiese, ou seja, a autogeração das redes
vivas. O sistema vivo se liga estruturalmente ao seu ambiente, através de interações
recorrentes. Estas interações mudam a cada novo estímulo sensorial, que passa a depender
então dos organismos. O ambiente, portanto, só desencadeia as mudanças, mas não as
especifica nem as dirige (p. 51). A este fenômeno se dá o nome de “acoplagem estrutural”.
O comportamento do organismo, assim, é determinado pela estrutura do próprio
organismo, e não só ou prioritariamente, como se pensava, pelas estruturas exteriores. As
estruturas exteriores influenciam, sim, mas a estrutura do próprio organismo é que, pela
autopoiese, determina-se por si só.
A mente, na teoria de Santiago, não é uma coisa pensante, mas um processo de
cognição, identificado com o processo de viver (p. 53). O cérebro é apenas a principal
estrutura em que se dá este processo, sem nem ao menos ser a única estrutura, já que todo o
organismo participa do processo cognitivo.
Na opinião de Capra, “a teoria da cognição de Santiago é a primeir ateoria
científica a superar a cisão cartesiana entre mente e matéria, e por isso terá consequências
das mais momentosas” (p. 53).
A cognição é um fenômeno muito mais amplo que a consciência. A consciência
exige um grau mais elevado de complexidade, com cérebro e sistema nervoso superior.
A consciência tem dois graus: a consciência primária, que surge da experiência
básica da percepção, sensação e emoção; e a consciência reflexiva (ou superior), que exige
noção de si mesmo, ou seja, autoconsciência, e que só é experimentada por certos macacos
e pelo homem, já que exige um alto grau de abstração cognitiva (p. 55).
Para o autor, só se pode explicar a experiência consciente a partir da dinâmica não-
linear complexa das redes vivas, aliada à bioquímica e às leis da física.
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Dentre as correntes filosóficas que buscam explicar a consciência, destaca Capra a


neurofenomenologia, que tem por método o “exame disciplinado da experiência subjetiva”,
com a análise dos padrões e processos neurais correspondentes (p. 60).
Para a neurofenomenologia, a fisiologia do cérebro e a experiência consciente
devem ser tratados como dois domínios de pesquisa interdependentes e igualmente
importantes. Seria a “visão a partir do interior”. A fenomenologia (disciplina da filosofia)
tem por característica fundamental a redução fenomenológica, que reconduz as análises
para uma situação de “suspensão da formulação de juízos acerca do que está sendo
percebido” (p. 62).

Mas “a consciência humana não é só um fenômeno biológico, mas também um


fenômeno social”. A comunicação, por exemplo, “não é uma transmissão de informações,
mas antes uma coordenação de comportamentos entre organismos vivos através de uma
acoplagem estrutural mútua” (p. 67). O fenômeno da linguagem “não ocorre no cérebro,
mas num fluxo contínuo de coordenações de coordenações de comportamento”. “Numa
conversa entre dois seres humanos, nossos conceitos e ideias, nossas emoções e nossos
movimentos corporais tornam-se intimamente ligados numa complexa coreografia de
coordenação comportamental” (p. 68).

Passa também o autor a tratar do que chama de dimensão espiritual da consciência.


Afirma, sem explicar com detalhes, que “o espírito – o sopro da vida – é o que temos em
comum com todos os seres viventes. É o que nos alimenta e nos mantém vivos” (p. 81). A
afirmação, demasiado forte, não é justificada no item. Para Capra, “a noção de
espiritualidade é coerente com a noção de mente encarnada que está sendo desenvolvida
pela ciência da cognição. A experiência espiritual é uma experiência de que a mente e o
corpo estão vivos numa unidade” (p. 81).
Concluindo o capítulo, Capra afirma que “nós fazemos parte do universo,
pertencemos ao universo e nele estamos em casa; e a percepção desse pertencer, desse
fazer parte, pode dar um profundo sentido à nossa vida” (p. 82).

Capítulo três – A realidade social


Do ponto de vista da forma, os sistemas vivos são organizados em uma rede
autogeradora. Sob o ponto de vista da matéria, os seres vivos são uma estrutura dissipativa,
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ou seja, que se conserva distante do equilíbrio. E sob o ponto de vista do processo, os


sistemas vivos são cognitivos, no qual a cognição está intimamente ligada à autopoiese (p.
84).
A cultura é criada e sustentada por uma rede de comunicações na qual se gera o
significado. Este significado é resultado de uma interpretação e é ele mesmo interpretado,
numa “dupla hermenêutica” (p. 90).
Para Habermas, o sistema social está ligado ao modo pelo qual as estruturas sociais
constrangem as ações dos indivíduos; está ligado, portanto, às questões de poder e, em
específico, às relações de classe que envolvem produção. O mundo da vida, por outro lado,
está ligado ás questões de significado e comunicação.
“Os cientistas sociais devem avaliar criticamente as diversas tradições; devem
identificar as distorções ideológicas e descobrir de que maneira elas se ligam às relações de
poder. Emancipação acontece sempre que as pessoas são capazes de superar certas
restrições do passado, provocadas pelas distorções de comunicação” (p. 93).
Também a vida social deve ser compreendida pelos padrões de rede, já que a vida é
dotada de uma unidade fundamental, que garantiu a evolução durante bilhões de anos sem
deixar de utilizar os mesmos padrões. À medida que a vida evolui, estes padrões se tornam
cada vez mais elaborados, mas nem por isso deixam de ser variações sobre o mesmo tema.
Por isso conclui Capra que “a rede social é um padrão não-linear de organização,
de maneira que os conceitos desenvolvidos pela teoria da complexidade, com os de
realimentação ou surgimento espontâneo, provavelmente encontrarão também aí a sua
aplicação” (p. 93).
“[...] redes sociais são antes de mais nada redes de comunicação que envolvem a
linguagem simbólica, os limites culturais, as relações de poder e assim por diante” (p. 94).
Luhmann entende que os sistemas sociais utilizam a comunicação como o elemento
central das redes sociais. Os elementos dos sistemas sociais são as comunicações
produzidas e reproduzidas. As comunicações acabam criando um “sistema comum de
crenças, explicações e valores”, que é continuamente sustentado por novas comunicações.
A partir desses contextos e significados, cada indivíduo adquire sua própria identidade na
rede social, até que se crie um limite externo (tal qual a membrana celular), continuamente
conservado e renegociado pela rede de comunicações (p. 95). “Os limite sociais não são
necessariamente limites físicos, mas limites feitos de significados e exigências” (p. 99).
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* por isso a internet, ferramenta de comunicação por excelência, revoluciona os


sistemas sociais atuais: é uma fonte de produção e de reprodução de comunicação mais
veloz e mais intensa do que as vividas até agora. Cria-se, através dela, um sistema comum
de crenças, explicações e valores que acabam sendo adotados em rede social, ainda que
sem contato físico entre seus membros, uma rede que também tem seus limites externos
(os que não têm acesso à internet, os que têm acessos limitados, o que operam em
determinadas comunidades, etc).
Para Galbraith, há três espécies de poder, segundo os meios pelo qual o poder se
exerce: o poder coercivo ou coativo garante a submissão pela imposição de sanções
efetivas ou ameaçadas; o pode compensatório, pelo oferecimento de incentivos ou
recompensas; o poder condicionado, pela mudança de crenças mediante a persuasão ou a
educação. “A arte da política está em encontrar a medida certa de cada um desses três tipos
de poder em vista de resolver conflitos e promover o equilíbrio entre os interesses opostos”
(p. 100).
Para o mesmo autor, “os indivíduos e os grupos buscam o poder para defender os
próprios interesses e impor aos outros os seus próprios valores pessoais, religiosos ou
sociais”. Um segundo estágio de exploração é alcançado quando o poder é buscado
somente por ele mesmo. O poder então é uma fonte de grandes recompensas emocionais e
materiais, como os “aplausos de pé, fanfarras e honras militares, escritórios com banheiro,
limusines, jatinhos e desfiles de automóveis” (p. 101).

Parte dois – Os desafios do século XXI


Quatro – a vida e a liderança nas organizações humanas
Os executivos hoje sofrem de uma doença que exige deles cada vez mais trabalho e
dedicação. A causa desta doença “parece ser a enorme complexidade que se tornou uma
das características predominantes da sociedade industrial de hoje” (p. 110).
Os sistemas industriais complexos são a força principal de destruição do ambiente
planetário e, a longo prazo, a principal ameaça à sobrevivência da humanidade. * A
afirmação, no livro, não contém maiores explicações, nem contrasta o argumento com
outras teorias, como, por exemplo, a de que o aquecimento global decorre de causas
naturais.
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Para o autor, a concepção das organizações como sistemas vivos (redes não-
lineares complexas), pode dar novas ideias sobre a complexidade do ambiente empresarial
e ajudar a lidar com os problemas dela decorrentes.
Inicia então o autor o raciocínio partindo das clássicas metáforas sobre as
organizações (máquina, organismo, cérebro, sistema de governo, cultura). Chama a
atenção principalmente para a metáfora da organização como máquina e como ser vivo.
Capra cita Peter Senge, teórico da administração, para quem não é possível hoje deixar de
entender as organizações como seres vivos.
Para tanto, deve-se abandonar a ideia de que as empresas são criadas e possuídas
por pessoas que estão fora do sistema, o que é reflexo da visão mecanicista. Para ele,
quando se abandona esta ideia e se tenta compreender a organização como ser vivo, a
“questão da propriedade” se torna problemática, porque os empregados e mesmo os
proprietários da empresa não podem ser considerados “fora” da empresa, mas sim dentro
dela, dentro deste organismo.
A visão da empresa como ser vivo implica reconhecer que a empresa é capaz de
regenerar-se, de mudar, de evoluir naturalmente (p. 116). * seria capaz também de morrer?
Arie de Geus, ex-executivo da Shell, analisou 27 empresas longevas e identificou
que todas elas apresentavam características e comportamentos semelhantes aos de
entidades vivas. Em primeiro lugar, uma forte noção de comunidade e de identidade
coletiva, em que todos os membros sabem que serão amparados em seus esforços para
atingir os objetivo. Além disso, todas as empresas tinham uma abertura para o meio
externo, a tolerância a novas ideias e indivíduos e uma capacidade grande de aprender e de
se adaptar às novas circunstâncias (p. 117).
Deve-se mudar a prioridade, deixando de “administrar empresas para otimizar o
capital”, para “administrar empresas a fim de otimizar pessoas” (p. 117).
As empresas também devem ser compreendidas como redes sociais vivas e, em
consequência, devem-se entendê-las como redes autogeradoras de comunicações. “Uma
organização humana só será um sistema vivo se for organizada em rede ou contiver redes
menores dentro de seus limites”.
Essa necessidade das empresas está diretamente ligada à recente revolução da
informática, que deu origem a uma nova economia, toda estruturada em torno de fluxos de
informação, poder e riqueza nas redes financeiras internacionais. Para Manuel Castells, a
organização em redes tem se configurado como uma nova forma de organização da
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atividade humana; e cunhou o termo ‘sociedade em rede’ para designar e analisar esta nova
estrutura social”.
* É interessante pensar nesta “sociedade em rede” como uma evolução do lema
“liberdade, igualdade e fraternidade”, e compreender a “sociedade em rede” como a
“fraternidade” do lema francês. Claro que o alcance de cada objetivo do lema não é linear
nem mesmo realizável por completo. Mas até agora só se tem visto esforços para a
liberdade de empresas. A sugestão de Castells, de que a revolução da informática pode ter
criado a sociedade em rede, que não está limitada apenas às redes informáticas, mas às
redes sociais também, pode trazer uma espécie de “fraternidade” social, ou talvez um passo
a mais em seu rumo. Ou não?
Para Arie de Geus, a forte sensação entre os funcionários de uma empresa de que
pertencem à organização e identificam-se com as suas conquistas, ou seja, uma noção de
comunidade, é essencial para a sobrevivência das empresas no turbulento ambiente
econômico de hoje em dia (p. 120).
* Será o mesmo válido para culturas extremamente competitivas, em que muitas
vezes a sensação de “comunidade” não é tão grande assim?
Quanto mais os administradores conhecerem os processos das redes autogeradoras,
mais eficazes serão seus esforços nas comunidades organizacionais. Terão, para tanto, de
se acostumar a dar “impulsos significativos” ao invés de “instruções precisas”, já que “é
fato bem conhecido que as pessoas inteligentes e atentas quase nunca executam ao pé da
letra as instruções que recebem [...] as pessoas sempre respondem com novas versões das
instruções recebidas” (p. 123). “A obediência estrita só pode ser obtida à custa da
vitalidade das pessoas” (p. 124).
A tarefa do administrador, portanto, está em tornar o processo de mudança
significativo para as pessoas desde o início, assegurando a participação e proporcionando
um ambiente em que a criatividade possa florescer (p. 124).
Num lampejo de romantismo, Capra conclui que a mudança da “dominação para a
parceria” exige a mudança do poder coercivo (sancionatório) e do poder compensatório,
para o poder condicionado, que “através da persuasão e da educação, procura tornar
significativas as instruções dadas” (p. 125).
* Nem mesmo num mestrado em Direito isso é possível. Devem coexistir os
poderes coercivo, compensatório e condicionado. Sem a ameaça de reprovação, alguns
alunos não cumprem as tarefas. Sem a compensação pelas notas, outro tanto também não
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cumpre. Apenas uma parte (muito pequena) encontra-se persuadida, através da educação,
para realmente cumprir as tarefas a contento sem cobranças ou compensações. Imaginando
isso numa organização empresarial, em que a maior parte dos lucros é destinada a
investidores que não realizam a atividade fim, é difícil crer na mera persuasão dos
funcionários para trabalharem mais e melhor.
O conhecimento gerado nas organizações deve também ser compreendido na forma
de redes, de modo que se amplifique o conhecimento criado pelos indivíduos, tornando-o
parte da rede de conhecimentos da organização. “Embora a criação de conhecimento seja
um processo individual, a sua amplificação e expansão são processos sociais que
acontecem entre os indivíduos” (p. 126).
Assim, pode-se falar em aprendizado das organizações, um fenômeno social em
que o conhecimento tácito, que é baseado no conhecimento explícito (documentos,
linguagem), é gerado coletivamente.
Sobre o tema, escrevi em meu blog (http://doministeriopublico.blogspot.com) o
seguinte:

Os estudos mais modernos de teoria das organizações a que tive acesso me


fizeram pensar numa coisa. Será que o Ministério Público está se organizando
em forma de rede e aproveitando mesmo o conhecimento gerado por seus
membros?

Aos poucos eu diria que sim, mas ainda falta muito para chegarmos até lá.

Para alguns estudiosos da administração, existem duas formas de conhecimento


numa organização. O conhecimento explícito, que pode ser comunicado e
documentado através da linguagem. Pensem, por exemplo, nos pareceres em
consultas formuladas pelo promotores aos centros de apoio. Mas há também o
conhecimento tácito, que é adquirido pela experiência e nem sempre se
manifesta exteriormente. Imaginem aqui as inúmeras estratégias de atuação
funcional, como no júri, na condução de um inquérito civil público, na atuação
em audiências.

Hoje alguns Ministérios Públicos, e o de Santa Catarina é um bom exemplo,


mantêm em suas páginas na internet ou intranet sua base de dados, de pareceres,
estudos, peças, e inclusive estratégias de atuação. Em Santa Catarina temos na
intranet uma boa quantidade de documentos, mas ainda é mais fácil pedir por e-
mail ao centro de apoio o material disponível sobre determinado assunto. Está aí,
portanto, o conhecimento explícito.

Mas peca-se muito ainda no que diz respeito ao conhecimento implícito. Vi


poucas iniciativas, acho que só uma até agora, de aproveitar este conhecimento
nesta espécie de organização. Foi quando o centro de apoio da Infância e
Juventude criou a interessante seção “experiências de promotorias” na intranet.
Os membros que tivessem interesse poderiam descrever as estratégias que
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adotaram para resolver determinado problema com sucesso. Pena que poucos
encamparam a ideia e apresentaram suas ideias.

Isso foi ótimo, mas acho que é preciso mais, muito mais, considerando
principalmente a qualidade irrefutável do trabalho realizado pela maioria dos
membros. Penso inicialmente em cursos obrigatórios de reciclagem e atualização
em que os membros não apenas sejam submetidos às enfadonhas palestras, mas
que, depois das palestras, que deverão ser mais curtas, com o apoio de
monitores, sentem-se em mesas redondas, com poucos membros, mas num grupo
bem heterogêneo, discutindo problemas específicos levantados pelos monitores e
formas de solução. E isso nem precisaria ficar registrado. Seria realmente ainda o
conhecimento implícito, em que os próprios membros do grupo se encarregariam
de melhorar o que entendessem necessário e naturalmente repassariam adiante.

Se há uma causa para esse enclausuramento do conhecimento tácito nos


indivíduos, acredito que seja a natureza de relativo isolamento dos promotores.
Sim, porque apesar de conectados à sociedade, quer pelo júri, pelo atendimento
ao público, à imprensa, às partes, a maioria ainda trabalha isolado de seus
colegas, em comarcas de vara única nos primeiros (e talvez mais profícuos) anos
da carreira. Forja-se, aí, um ser isolado que pouco será provocado a trabalhar em
grupo e cuja larga experiência não será bem aproveitada.

Apaga-se a criatividade, o senso de comunidade com o Ministério Público, com


os fins da instituição, que, não fossem as qualidades de muitos dos seus
membros, nos levariam à falência. E aí estarão diversos outros órgãos ansiosos
para adotar nossas funções e serem Ministério Público.

Sobre a liderança nas organizações, Capra confronta o líder tradicional com o “líder
de redes” (Capra não usa nome algum para este segundo tipo). No primeiro caso, o líder é
apenas uma pessoa capaz de reter na mente a visão da empresa, e de formulá-la claramente
e de comunicá-la com paixão e carisma. As ações do líder também manifestam valores que
servem de padrão aos liderados.
O segundo tipo de líder facilita o surgimento da novidade, criando condições ao
invés de transmitir instruções. Usa de sua autoridade para capacitar, fortalecer e dar poder
aos outros.

Quatro – As redes do capitalismo global


A globalização é reconhecida como “um mundo moldado pelas novas tecnologias,
pelas novas estruturas sociais, por uma nova economia e uma nova cultura” (p. 141). Capra
cita Castells, que acredita que “a observação, a análise e a teorização são um dos meios de
que dispomos para construir um mundo diferente e melhor” (p. 142).
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Castells acredita na Revolução da Informática como uma nova forma de


organização da atividade humana nos negócios, na política, nos meios de comunicação e
nas organizações não-governamentais. Para ele, a crise que desencadeou a perestroika e
culminou com a dissolução da URSS foi a incapacidade do sistema político e econômico
soviético em empreender a transição para o paradigma informático que estava se
espalhando para o resto do mundo.
Para Capra, a ascensão da globalização se deu por meio de um processo
característico de todas as organizações humanas: o jogo de ações e reações entre as
estruturas projetadas e as estruturas emergentes (p. 144).
A ascensão exigiu, como um de seus elementos essenciais, as novas tecnologias de
informática e comunicação, com a transferência quase imediata de fundos entre vários
segmentos da economia e os países do globo, e permitiram a complexidade advinda da
desregulamentação e da nova engenhosidade financeira. Este novo capitalismo se
caracteriza então pelas atividades econômicas globais, pela produtividade através da
inovação, pela geração de conhecimento e processamento de informações e se estrutura
principalmente em torno de redes de fluxos financeiros (p. 148).
Os mercados emergentes têm grande potencial de crescimento econômico e por
isso se tornam alvos preferenciais dos jogadores do “cassino global”, que fazem
investimentos gigantescos nos mercados emergentes, mas se retiram com a mesma rapidez
e ao menor sinal de enfraquecimento da economia (p. 151). * Além disso, os governos não
têm força política ou econômica para coibir o fluxo acelerado de capitais, e acabam tendo
de suportar os problemas sociais decorrentes desse fluxo de capital.
“A nova economia consiste numa meta-rede global de interações tecnológicas e
humanas complexas, que envolve múltiplos anéis e elos de realimentação que operam
longe do equilíbrio e produzem uma variedade infinita de fenômenos emergentes. A
criatividade, adaptabilidade e a capacidade cognitiva dessa meta-rede lembram, sem
dúvida, as de uma rede viva, mas a meta-rede não manifesta a estabilidade, que é uma das
propriedades fundamentais da vida. Os circuitos de informação da economia global
funcionam numa tal rapidez e recorrem a uma tal multiplicidade de fontes que estão
constantemente a reagir a um dilúvio de informações; por isso, o sistema como um todo
acaba escapando ao nosso controle”.
* apenas uma crítica ao parágrafo: a tal “estabilidade” é relativa e depende, ao que
parece, do ponto de vista do observador. Num plano mais global, macro, há sim
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estabilidade na globalização, que vem atuando há pelo menos quarenta anos de forma mais
ou menos semelhante. Como uma célula, que aproveita energia e expele resíduos, o
sistema global também suga as energias dos países em desenvolvimento e deixa neles os
resíduos de sua atividade, de forma estável ao longo dos anos.
Capra insiste na tese, comparando a globalização aos organismos vivos
“continuamente instáveis” que, segundo ele, “desaparecem em virtude da seleção natural”
(p. 151).
O problema todo está na falta de regulação destes fluxos, que acabam sendo
espoliadores demais. “O que está em jogo é valioso demais para que o capital especulativo
e as flutuações da moeda possam determinar o destino da verdadeira economia” (Roberto
Kuttner, p. 152).

O mercado global é o verdadeiro autômato dos tempos modernos. Não são as


máquinas que substituíram as pessoas, mas sim o sistema eletrônico de transações
financeiras, que define onde, como e quando é melhor investir.
Assim, por exemplo, “a maioria das fusões empresariais não fazem aumentar a
eficiência nem os lucros das empresas, mas provocam mudanças estruturais rápidas e
dramáticas para as quais as pessoas encontram-se totalmente despreparadas” (p. 153).
O dinheiro, por sua vez, tornou-se quase totalmente independente da produção e
dos serviços e passou a existir sobretudo na realidade virtual das redes eletrônicas. “O
capital é global, ao passo que o trabalho, via de regra, é local”. Capital e trabalho, assim,
ocupam tempos e espaços cada vez mais diferentes. Aquele obedece às regras das
comunicações eletrônicas; o trabalho obedece ao tempo biológico do ser humano (p. 153).
Para Capra, na economia em que o processamento de informações, inovação e
criação de conhecimento são as principais fontes de produtividade, os “trabalhadores com
formação são muito valorizados”. Segundo ele, “as empresas preferem manter um
relacionamento prolongado e seguro com seus principais empregados, de modo a assegurar
a lealdade deles e garantir que o seu conhecimento tácito seja transmitido para a
organização” (p. 154).
* Essa noção não parece ser muito adequada à situação brasileira, em que as
empresas mantêm seus funcionários apenas até o momento em que dispõem de alto nível
de competitividade, para depois descartá-los e descartar todo o conhecimento adquirido. A
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“legislação trabalhista” é frequentemente culpada disso, sob a afirmação de que


funcionários muito antigos acabam sendo fardos muito pesados para as empresas.
Em decorrência daquele “valor” intrínseco do dinheiro, inicia-se uma forma mais
perversa ainda de exclusão social. “Bairros, regiões e até países inteiros se tornam
irrelevantes do ponto de vista econômico” (p. 155).

O poder e a política na globalização também estão mudando. O Estado nacional


não tem mais autoridade e legitimidade, porque o capital financeiro tem que circular
livremente entre os Estados. A autoridade política, segundo Castells, acaba se tornando
“mais importante nos níveis regional e local”. Para ele, uma nova descentralização do
poder ocorrerá, criando o “Estado em rede” (network state). No Estado em rede, todos os
membros são interdependentes. “Quando se tomam as decisões políticas, é preciso levar
em conta os efeitos delas sobre todos os membros do Estado, até mesmo os menores, pois
elas afetarão necessariamente a rede inteira” (p. 161).
* Novamente aqui parece um pouco utópica a ideia. Acreditar que as decisões
políticas, ainda que nos níveis locais ou regionais, levarão em conta os efeitos sobre os
menores (os mais pobres, por exemplo), é utópico porque as decisões são tomadas para
aumentar o poder dos que já detém alguma parcela de poder e não para melhorar a rede.
Aliás, parece que só se melhora a rede para ampliar o poder de quem já o detém.
Vereadores que se elegem com, por exemplo, o transporte gratuito que fazem de doentes
para outras cidades não se preocupam em criar linhas de ônibus, porque vão perder o poder
que ganham a cada quatro anos com este transporte “gratuito”.
Para Capra, “há uma diferença cruciel entre as redes ecológicas da naturza e as
redes empresariais da sociedade humana. Num ecossistema, nenhum ser é excluído da
rede. Todas as espécies, até mesmos as menores dentre as bactérias, contribuem para a
sustentabilidade do todo. Já no mundo humano da riqueza e do poder, grandes segmentos
da população são excluídos das redes globais e se tornam insignificantes do ponto de vista
econômico” (p. 163).
* Este último parágrafo de Capra merece uma correção: os segmentos da população
“excluídos das redes globais” não são “insignificantes do ponto de vista econômico”. São
altamente significantes para o capitalismo globalizado, porque nestes segmentos estão os
trabalhadores braçais e a mão de obra barata que faz circular de forma barata e rápida o
capital especulativo.
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A cultura também sofre intensa transformação na globalização. O meio, a forma,


tem mais valor que a própria mensagem. “Os políticos mais bem sucedidos já não são os
que têm as plataformas mais populares, mas sim os que ‘ficam bem’ na televisão e sabem
manipular os símbolos e códigos culturais” (p. 167).

Capítulo seis – A biotecnologia em seu ponto de mutação

O determinismo genético já não é mais plenamente aceito entre os biólogos. Não há


uma programação genética. Nem mesmo talvez o conceito atual de gene corresponda ao
atual desenvolvimento dos estudos nesta área. “A atual proliferação de sequências
genômicas completas... está forçando a pesquisa em biociências a tomar por tema a
integração e o comportamento sistêmico (dos elementos celulares)” (p. 174). Esta, segundo
Capra, é uma mudança “do pensamento reducionista para o pensamento sistêmico”.
“As novas descobertas da genética forçarão os biólogos a adotar uma concepção
radicalmente diferente: a de que as mutações são geradas e controladas ativamente pela
rede epigenética da célula e que a evolução é um elemento essencial da auto-organização
dos organismos vivos” (p. 177). Na verdade, segundo os estudiosos, a evolução e a
organização dependem das mutações, que não são sempre mero acaso. “As mutações
constituem apenas um dos três caminhos de mudança evolutiva, sendo os outros dois a
troca de genes entre bactérias e a simbiogênese – a criação de novas formas de vida através
da fusão de diversas espécies” (p. 178).
A evolução, em última análise, é um processo cognitivo, em que o organismo
“conhece” o meio e se adapta a ele de acordo com as necessidades que se apresentam.
Aquele dogma central da genética, do determinismo genético, também vem sendo
destruído na medida em que se percebe que o DNA é uma parte essencial da rede
epigenética, mas não é o único agente causal das formas e funções biológicas. Os
processos biológicos que envolvem os genes são todos regulados pela rede celular na qual
o genoma está inserido. “Essa rede é altamente não-linear e contém múltiplos anéis de
realimentação, de modo que os padrões de atividade genética mudam continuamente em
face das circunstâncias mutáveis” (p. 183).
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Por isso “a expressão genética depende do ambiente genético e celular (de toda a
rede epigenética) e pode mudar quando os genes são colocados num novo ambiente” (p.
188).
Estas constatações, todavia, não são divulgadas pelas empresas de genética. Do
ponto de vista econômico, é mais rentável divulgar que os genes são responsáveis
absolutos por doenças, inclusive psiquiátricas, do que aceitar a nova genética. Com a
perpetuação do dogma da genética se consegue vender medicamentos que “consertam” os
genes defeituosos, coisa que, diante das novas conquistas científicas da genética, é
contraditória (p. 190).

Os problemas éticos da biologia e da clonagem também estão desfocados. “Gêmeos


idênticos são muito mais semelhantes entre si, do ponto de vista genético, do que um
organismo clonado é semelhante ao doador de seus genes; e mesmo assim suas
personalidades e histórias de vida são, em geral, bastante diferente” (p. 191). Os animais
clonados têm apenas o núcleo do doador, mas todo o restante do material genético,
incluindo os genes que ficam fora do núcleo da célula enucleada (aquela da qual foi
retirado o núcleo original para implantar o núcleo do doador).

Capítulo Sete – Virando o jogo


Para Capra, “a forma atual de globalização econômica foi projetada
conscientemente e pode ser modificada” (p. 221).
Para Manuel Castells, as ONGs “são capazes de falar sobre assuntos
importantíssimos numa linguagem que faz sentido para as pessoas e atinge-as nas
emoções, tudo isso para promover ‘uma política mais centrada nas pessoas e processos
políticos mais democráticos e participativos’” (p. 230).

O Fórum Internacional sobre a Globalização publicou a síntese das alternativas à


globalização econômica: os governos devem deixar de servir às grandes empresas e devem
passar a servir às pessoas e às comunidades; devem-se criar regras e subsídios que
favoreçam as localidades e sigam o princípio da subsidiariedade (“Sempre que o poder
puder ter a sua sede no nível local, é aí que deve ter sua sede”); o respeito à diversidade e
integridade cultural; garantir a produção de alimentos de modo autossuficiente; respeito
aos direitos sociais, trabalhistas e humanos (p. 232).
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A definição de sustentabilidade exige a alfabetização ecológica, que é “a


compreensão dos princípios de organização, comuns a todos os sistemas vivos, que os
ecossistemas desenvolveram para sustentar a teia da vida. Eis os princípios da ecologia (p.
239):
Redes – todos os sistemas vivos comunicam-se e partilham recursos, em rede;
Ciclos – todos os organismos vivos consomem matéria e energia e produzem
resíduos, que devem servir de alimento para outras espécies;
Energia solar – a energia solar move todos os ciclos ecológicos;
Alianças – as trocas de energia e recursos são sempre cooperativas;
Diversidade – quanto maior a diversidade de um ecossistema, maior a sua
residências e capacidade de recuperação;
Equilíbrio dinâmico – os ecossistemas são redes flexíveis; as redes decorremdos
ciclos; todas as variáveis do sistema flutuam em torno de seu valor ótimo.

O princípio ecológico dos ciclos exigirá que todos os produtos e materiais


fabricados pela indústria, incluindo seus subprodutos, sejam em algum momento úteis para
“nutrir alguma outra coisa”. Para isso será necessário o agrupamento ecológico das
indústrias, em que umas poderão aproveitar os resíduos e subprodutos das outras para suas
próprias atividades industriais.

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