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A Poesia Anarquista Yara Aun Khoi Depto. de Hist6ria da FCS/PUC-SP Entre os muitos modos de se falar sobre a poesia anarquista, um deles € acompanhar o caminho trilhado por Edgard Leuenroth, velho mili:ante iil io paulista, na sua verdadeira “mania” de coletar € arquivar novos ¢ velhos papéis, registros da meméria dos grupos comprometidas com as lutas dos trabalhadores. Leuenroth, julgando o ato de coligir, preservar ¢ consultar esses documentos como um meio dos grupos se identificarem no embate das forgas sociais, como “uma necessidade coletiva daqueles que se dedicam ao estudo da questo social”, colecionou © organizou livros, periddicos, boletins, panfletos, fotos, folhetins, pecas teatrais, cronicas, poesias, contos, cang6es, hinos, produzidos ou utilizados pelos combatentes. Dedicou anos de sua vida a preparar a publicagio de “um documentério, o mais completo possivel, do desenrolar do movimento social brasileiro”, segundo suas préprias palavras, reunindo material cada vez mais dificil de ser encon' ¢ organizando-os em volumes, segundo sua natureza: artigos de: jomais sobre problemas ¢ reivindicagdes dos trabalhadores, sobre campanhas anticlericais, sobre 0 movimento anti-integralista; poemas ¢ cangdes de cunho libertério; dados coletados na imprensa sobre a organizaciio ¢ o movimento dos jomalistas brasileiros. Entretanto, nunca chegou a publica- los em vida. Consagrara um dos volumes & Roesia por interpretd-la como uma “das modalidades do movimento social”. va de uma frase que dizia: o pensar faz os homens humanos, a leitura os torna completos, a histéria os converte em s4bios ¢ prudentes, a poesia “espirituais”, sensfveis. A medida em que nos familiarizamos com a militancia anarquista nos damos conta do significado dessas palavras. A Anarquia, na perspectiva militante, € a doutrina que leva 4 verdadeira libertac4o, porque valoriza os individuos como “forcas conscientes” capazes de construir os caminhos libertérios por sua propria experiéncia ¢ vontade, No entender libertério, so muitos os caminhos para a felicidade suprema, que estd na liberdade completa, na perfeita harmonia com a natureza ¢ dos homens entre si, Esses sio construfdos no. dia-a-dia, com base na liberdade, na igualdade ¢ na solidariedade, segundo e como queiram os sujeitos em ago, na vida didria, na famflia, no trabalho ou no lazer. Livremente organizados, eles forjam a revolugdo, enfrentando a exploragdo ¢ a autoridade em todas as situagdes onde elas se manifestam, Mas, se deixados tinica ¢ exclusivamente a sua experiéncia, sem a luz esclarecedora da doutrina, sem as explicacSes da ciéncia sobre as leis sociais ¢ da natureza, os indfviduos poderio acomodar-se ‘ou enveredar por caminhos reformistas, uma vez que est4o profundamente envolvidos por formas burguesas ¢. catdlicas de pensar, habituados as explicagées metafisicas da vida e das sociedades ¢ as disciplinas imposias organizagdes sociais autoritérias. Pela militancia, os individuos se em ¢ ampliam a consciéncia de si mesmos, orientados pela doutrina e iadort cited Dentro dessa perspectiva, as Ieituras, os estudos, ¢ a reflex3o ocupam lugar de destaque na militincia anarquista. Seus protagonistas organizam jornais ¢ outras publicac6es, centros culturais, conferéncias ¢ festivais artisticos, criam escolas, por meio das quais procuram aprofundar e debater assuntos sociais, divulgar a doutrina libertéria ¢ 0 ensino racionalista que a acompanha. Nesse universo de vida e de luta, a arte ¢ a literatura sto também pensados como meios de realizacio do homem. Na diletancia ov no combate sdo expresses das potencialidades humanas, que todos podem e devem desenvolver, Uma frase de Octévio Brand4o, guardada por Leuenroth, oferece contornos do entendimento libertério sobre o valor da poesia: “... na verdadeira poesia existe a apoteose da vida ¢ da luta sociais, da natureza e do mundo espiritual Na poesia existe a fusiio harmoniosa da razio e da paixdo, do pensamento ¢ -sentimento, da convicgao ¢ emogao, do conhecimento e sensibilidade, da aco ¢ contemplaco (...). O verdadeiro poeta descobre a poesia na realidade. Descobre a poesia da realidade. Faz da poesia a musa da dor ¢ da revolta, da veeméncia ¢ indignagao, da luta ¢ i dos povos”!, fa construc didria da revolucto, seguindo tantos caminhos quantos forem os indicios da opressao ¢ da exploracdo e quantas forem as saidas encontradas, os militantes cruzam ¢ interseccionam suas agées com as de Outros sujeitos sociais comi os quais identificam propésitos comuns. Muitos deles permeiam a arte e a poesia e sAo expressos por elas. Com sua sensibili ‘© poeta apercebe-se' da dor humana ¢ a expressa em seus versos; celebra a natureza, as riquezas € as possibilidades da vida e dos homens, Comprometido ou nfo com as lutas sociais, ao exprimir a injustica, a tirania, a opressiio, os desejos e as ansiedades humanas, é considerado um combatente pelos libertérios, Segundo eles, muitas passagens da Histéria S40 expressdes da luta dos homens pela liberdade, ou em nome dela, e a poesia as canta. Em seus periddicos, os anarquistas oferecem fartamente exemplos desses versos; neles os revoluciondrios da tomada da Bastilha ou da Comuna de Paris, os “inconfidentes”, os. “abolicionistas“, homens de ciéncia, ' Trecho de antigo de Octévio Brando publicado ne revista “Brasitiense”; sem maiores referéncias, 216 sducadores ... formam:a pltiade dos lutadores; poesias de Castro Alves, de Dlavo Bilac, de Martins Fontes, cnire tantas outras, fazem parte das colunas libertArias, Edgard interessou-se por todas elas ¢ as fez parte de seu acervo. Observar a pocsia anarquista, ou considerada de combate pelos militantes 6 passear pelos meandros de uma vida de enfrentamento, onde os temas afloram como expressées da lula, de idéias ¢ de projetos, formulados, muitas vezcs, nas simples palavras de operarios. Em algumas, ho convite a9 engajamento dos préprios poctas: AOS POETAS - MISERIA? Artista! Se te oprime a esqualida miséria, Sc a grande falta de ouro amarra as tuas asas, Rojando-te no chio, na lama da matéria, Mesclando a fome vil ao sonho cm que te abrasas, Nao te importe o clamor dessas turbas to rasas, Nao te importe o pungir da came deletéria; Num solo de veludo ou num solo de brasas, Caminha, fito o olhar numa esperanga ctérea, Que te importa o banal? A propriedade? O mundo? Se te negam o pilo, usa a for¢a, expropria; Em vez de te humilhar, faze-te vagabundo! Vibra o pletro de luz por esse mundo fora, Mas Iega, quando morto, & multidao sombria, Um grito de revolta c uma estrofe sonora. Edgard Leuenroth, num trabalho metédico € minucioso, reuniu, sobretudo na imprensa operdria c livre-pensadora, pocsias de varias regides do pais publicadas ao longo dos anos 1900. Nelas ¢ por clas lamentam-se as condigdes de vida ¢ de uabalho do assalariado, as misérias dos vicios ¢ das guerras, as resignagdes ¢ as crendices religiosas, denunciam-se as tiranias & as injustigas das instituigées autoritirias, Em oposicao, s40 enaltecidos 0 uso da razo.¢ o livre-pensar ¢ o tabalhador € alentado para a luta, apesar dos sofrimentos ¢ das desilusées. Curiosamente, raramente as pocsias sc referem Bs formas de organizagio do movimento ou da sociedade fulura propostas pelos anarquistas; reportam-se mais ao valor da instrugio racionalista ¢ importincia do saber ¢ da cultura; exaltam o trabalho como elemento fundamental na edificacao da futura sociedade anarquica € 0 proprio lazer como meio de educagao ¢ de luta. Muitas das pocsias coletadas por Edgard sdo manuscritas, outras datilografadas, algumas impressas; umas s4o acompanhadas de cartas 2 Soneto impresso, sem nome do autor nem outras referencias. 217 explicativas; outras s4o dedicadas a algum militante ou enviadas para serem incorporadas ao documentario em elaboracdo pelo velho militante. A maior parte daquelas escritas por libertérios ndo prima por um vocabulario rica e sonora, nem pelo conhecimento ou respeito ri as normas dessa modalidade literdria; isto sobretudo quando trabalhadores dao. asas as suas inclinagdes poéticas ¢, envolvidos por um tema, sobre ele falam como sabem € como querem, Os amantes da poesia, habituados a obras requintadas, poderao, muitas vezes, se frustrar a0 lé-las. Sao, entretanto, um material rico para 0 pesquisador dedicado a recuperar as problematicas vividas pelos sujcitos sociais, suas formas de pensar, scus valores ¢ aspiragées. Para um observador atento, acompanhar os nomes dos autores, seus - dados biograficos, relaciond-los com informagécs que seguem as pocsias € com outros registros deste acervo ¢ obter subsidios para construir aspectos da militancia anarquista, numa multiplicidade de praticas ¢ de relagdes que os combatentes cstabelecem com outros sujcitos sociais. E agradavel deparar com poesias de libertarios famosos como Gigi Damiani, Neno Vasco, José Oiticica; € instigante descobrir pseudénimos, saber que Souza Passos é também Felipe Gil, escrevendo em “A Piebe”, que Afonso Schmidt assina Por vezez Cottin, no mesmo jornal; é desafiante perceber Adalberto Viana, Albino Bastos, Raymundo Reis, Andrade Cadcte exercendo atividades variadas ¢ se pronunciando sobre assuntos diversificados, como expresso de uma nica militancia; é surpreendente encontrar versos do advogado livre- pensador, Benjamin Mota, de 1° de Maio de 1898; co-proprietario de "A Lanterna”, com Edgard, seu primciro defensor junto ao Tribunal da Seguranca Nacional cm 1935, aventura-se pela poesia. E prazeiroso imaginar Pedro Catallo fazendo versos para serem musicados ¢ cantados nos encontros de debates, de lazer ou nos comicios. Esta é uma pequena amostra do acervo postico recolhido por Leucnroth, Muitas poesias foram exclufdas por serem longas ou por repetirem os temas apreseniados, Para leitor que se interessar haverd sempre um meio de conheeé-las melhor. LIBERDADE!... De tombo em tombo, a rastejar na lama, Manictada na idéia e de alma baga, A humanidade vive, geme c passa, Como se o mundo ardesse em rubra chamal... Clama a justia... ¢ a dor bem alto clama... Chora a miséria, nuaem plena praga. E ao fim, como Jesus, & negra taca Da amargura poe termo neste dramat... 218 Eo povo? Eo triste € humilimo Messias, Acorzentado a kei da iniqitidade, Sem revolta, nem queixa as judiarias! Como ele, aos ombros, com serenidade, Leva ao calvdrio a cruz, em nossos dias, Onde expira bradando: liberdade! Constantino Pacheco MISERIA Miséria! um dia tu bateste 4 minha porta E ela logo se abriu ante © teu vulto esguic! Vinha do pélo norte a tiritar de frio, De membros semi-nus, de fome quase morta! Apiedei-me de ti e dei-te o que conforta, Dei-te tudo quanto tinha: 0 pao, 0 vinho, 0 es! E tw sempre faminta, o ventre, o olhar vazio, © mesmo aspecto nu ¢ a mesma boca torta!... Depois ficamos s6s, em frente 4 mesa nua... Ea huta se travou encarnicada ¢ larga, Entre a minha existéncia e a destruigdo da tua! Ao peso, sucumbi, d'um golpe a toda a carga, E, quando dei por mim... vagava em plena rua, Envolto ¢ confundido em wa vida amargal.... Constantino Pacheco? EBRIO Caido jaz um ébrio na sarjeta! O corpo tem inchado-¢ mal vestido; Expia todo 0 mal de ter bebido, No catre desonroso da valeta, 3 Constantino Pacheco. é um tipégrafo nascido em Portugal, que viveu no Brasil mais de quarenia’ anos. Considerado “poets brilhante” pelo jomal “Brasil Operdrio” € pouco conhecido. Nunca publicou suas poesias marcadas por um trago de amargura. Em hore de desespero as destruiu tendo restado apenas algumas, das quais esse perisdico publicou esses dois exemplares em dezembro de 1903. 219 Cedera das bebidas & veneta E dela fort aval ree Agora, num trejeito divertido, As moscas que 0 farejam faz careta. ~Escravo da bebida! Alguém murmura! ~Como é possivel dar-se assim ao vicio! —E a0 desgracado cobre de censura... Por que, de pejo assim Ihe cobre o rosto? Se culpa tém, também, no maleficio Quem vende, quem fabrica ou cobra imposto? Almir A. da Fonseca* As criancinhas NAO GOSTO DA GUERRA, NAO! Gosto do sol ¢ das flores Do cantar dos passarinhos; Das fontes, dos scus rumores, Que escuto pelos caminhos. Gosto bem da vovozinha, Dos bringuedos, da canc4o, Do papai, da mamaezinha, Nao gosto da guerra, nao! Pedro CatalloS 4 Poesia ou cOpia manuscrita, sem referencias. S Recorte impresso, sem referéncias, Pedro Catallo foi um sapatciro libertério; escreven vériax pegas lestrais ¢ artigor na imprenta ansrquista, xobretudo a partir dx década de 1940. 220 PARA UM OPERARIO Trabalhaste dez lustros € segundo Mo disseram, morreste foi de fome. Como a sorte € varidvel neste mundo! Como a tua Iembranca me consome! Nao sei se tinhas prole, nem se 0:fundo Da sua alma cra bom, nem qual teu nome, Porém sei que arrastaste um mal profundo Para a cova onde a dor se some! Descansa, lutador, em paz! Descansa! Tu, que nunca o descanso usufruiste Sobre a terra onde luz tanta bonanga! Descansa, que 0 suor do teu trabalho ‘Ha de rolar no teu sepulcro triste Cristalizado em pérolas de orvalho! Leonel Fagundes® PROLETARIO Homem da gleba ¢ do wabalho: A vida Eo mundo te pertencem; ergue o porte Curvado ao peso da penosa lida, E venceris a luta enorme c forte!... Estuda aprende que verds vencida A presungio dos grandes, cuja sorte Nao € melhor que a tua, cnaliecida ‘Numa vit6ria cerla como a morte! Quom ¢ mais do que tw na sociedade?... Oluxo fatuo? ... mescla da vaidade, Da faniasia, orgulho ¢ ostentaao?!... © Publicado em “O Operéni Pelotas, 01/05/1933. Se Ihe faltasse o arduo contingente Do tou trabalho, que seria a gente, Que vive e gasta sempre na inanicfio? Francisca Marcant Goncalves! A MULHER OPERARIA Definhas, carne em dor, nessa estufa doentia ‘Onde impera o trabalho e reina a rama Onde a fome, roaz, brama de sol a sol. Brotaste na miséria e ests predestinada A sofrer, trabalhar ¢ morrer estiolada,, Sem que brilhe em teu seio a luz de um arrebol. Nesse inferno a que foste atirada - a Oficina - A burguesia vil, corrutora, assassina, Com s6lidos grithdes te enleou e te prendeu, E oinfando Capital o teu suor devora, Come a dguia da Legenda espedacava outrora A tija camnago do bravo Promeicu. Para o mundo atual, w és, unicamente, A fonte do dinheiro, a maquina inconsciente, O ventre fértil que produz, a preco vil, A.came do prazer para os grandes da terra, ‘A.came do canhiio para dar pasto & guerra E acame que 0 industrial devora em seu covil! 6 mother infeliz, luta, trabalha, morte! Mas o sangue, 0 suor da fronte te escorre Vai formando esse mar de fiiria e indignagao Que hd-de, enfim, subventer 0 negro Despotismo E de onde hd-de emergir, apds 0 cataclismo, Um mundo mais humano e sem falta do pao! Raimundo Reis® 7 Idem. % Esta poesia fora publicada na “Terra Livre", em abril de 1910. Em 19/04/33, para sva reedicio em “A Plebe", sofreu ligeiras modificacaes. Raymundo Reis chegou a fazer duas colecdes de pocsias, que desaparcceram misteriosamente apés sua morte. Uma fora dedicada a Edgard Devenroth. 222 EM PLENO SETENTRIAO BRASILEIRO Home pobe ndo péde junté dinheiro Nem pode sé verdadeiro Cum trabaio de alugado. Vai na segunda, vat na tera, vai na quanta Vai na quinta, vai na sexia, No sabo 14 infadado, -“Bom dia, cidadao, Eu quero picke contado.” O patrao entra pra dentro, Faz.a conta no sev livro — O amigo “deu-me um liso” $6 ganhou dois cruzados. Chega em casa, agarra a bolsa, Vai pra feira A muié qui fica im casa, Fica cum muito céidado, Ele chega la, topa 0 jogo do bozé, O buralo inda ¢ ... Acabou-se nfo waz nada. . Diz o menine: ~ “minha me, meu pai ja vem, Nao traz nem um vintém, Paroce que nfo traz nada”. Chega em casa, a muié forma uma cara feia. —“Eu te puxo nas orcia, Ca laa boca, condenado’ “* Ora, muié, quando eu casei contigo, Se uma cobra me tivesse murdido Eu estava mais consolado.” O menino que jd estd no chao caido, De fome t4 invadido, Coitadinho, 14 ingolado. — “Corre depressa, vai 4 casa de seu Zé Gome, Que hoje aqui ninguém ndo come, Compra bacalhau fiado.” Ruando é meio dia vai pesca ca muié, Cada qué cum um gereré 223 Eica no brejo atoludo. minha gente, estou canso de dizé, Todo 0 mundo péde cee, Rui este é o resuttado?. PEQUENO PROLETARIO Tenho pena de ti, pequeno proletrio, Que, de manha a noite, ai no opificio, Desperdicas, assim, por misero salario. Os anos infantis, em troca de um oficio. Tenho pena de ti, vitima do corsario Da sociedade vil, por cujo sacrificio Te arrebanhou, sem dé, a voz. do argentirio, Julgando ainda ser isso um grande beneficio. His de, amanha, bem sei, oh pequenino estéico, Rebelde inveterado, has de, por certo, ser, Contra essa malvadez, soldado bom e her6ico, Alguém, entio, zombando, esse teu proceder, Dird que nao és mais que um louco, um Paransiep, Clamando pela Luz do Rubro Amanhecer!.. Jodo Medeiros Coimbra!® 9 Psta embolada foi publicada em “A Plebe” de 31/7/1920, por Octiévio Brandao, quando ainda era anarquista. Considerado por ele “como um documentirio admirdvel da vida do proletariado noruista”, Ihe fora oferecida pelo autor, um teceldo de fibrica da Alagoss. O titulo 6 do comentario de OctSvio, ao apresentar 95 versos, © nao dx embolada Soneto. manuscrito, oferecido a Joao Bruno pelo autor. Este, trabalhador grafico, esereveu uma obra em prosa ¢ outras em verso: fundow virivs grémivs literarios © ues periddicos: “O Estio”, “O Orvalho” © “O Cruzeiro de Sul” 224 ATROZ REALIDADE Fui encontré-lo em desespero infindo.,. Asua casa onde imperava a fome Abrigo dava a um querubim tio lindo, Quase a finar-se n’um sofrer sem nome, Na enxerga, a um canto, a companheira, rindo, N’um riso louco 0 existir consome Sente que.a vida, se the vai fugindo ‘Sem forgas ter pra que essa fuga dome... HA dias j4 que essa familia exausta Que forga teve pra um labor atroz Respira a Morte por nao ter um pao, Enquanto & porta a humanidade fausta Passa, fingindo no Ihe ouvir a voz Que em breve cansa de clamarem vio. A. R. S. Forres!! OTRABALHADOR ‘Levanta de manha o bom trabalhador, ‘Sereno € contrafeito, ao peso da desgraca, Para a oficina vai o nobre lutador, Olhando com desdém pelo burgués que passa, Comega a trabalhar e no insano labor Gasta a forga viril herdada de sua raga, Enquanto o seu patrao, o infame explorador, No luxo e no prazer a vida inutil passa... EA tarde, quando volta a misera morada, E p6e-se a refletir na sorte desgracada, Solta gritos de dor como um ledo a rugir. Desejando fazer, com desejo profundo, Explodir este abjeto e miseravel mundo E sobre a ruinaria outro mundo construir! José Maxime!? 1) Poblicado em “Emancipagaio", revista quinzenal, Rio de Janeiro, em 93/05/1905. 12 Publicado em “O Escravo”, data ilegivel. 225 AFABRICA Paro em frente da fabrica maldita ‘Que se ergue, altiva, a meio d'uma rua E ao vé-la a alma queda-se contrita E o coragio, de dor, no peito estua, i ia ee +140 tumultua. ‘Um grande borborinho a rua agita. Eleva-se e no pr6prio ar flutua. ‘Oh! quanta dor a vida ndo traduz, ~ Penso entio - quanto esforgo nunca visto, Vivida assim nas fabricas sem luz! ‘Trabalhador escravo, em face disto, Eu julgo mais pesada a ua cruz, Do que a cruz em que foi pregado Cristo! Angelo Jorge!3 DESGARRAO ‘Q operério nfo tem onde morar Coitado! E faz de um quarto infeto, imundo, Aperitivo, nojento, nauseabundo, O seu divino e sacrossanto lar. E ali, uma hora a rir, outra a chorar Ele arrasta a existéncia, neste mundo, ‘Como um cachorro, initil vagabundo, A procura de um lixo pra fucar. ¥ a multidao, esse poder eterno, Besse alimento que o burgués consome Dando-Ihe, em paga, um torturante inferno. Sempre esta coisa c6mica € sem nome: O povo mata a fome ao governo E 0 governo reduz 0 povo a fome. Carlos Bacelar '4 13 Soneto impresso, sem referéncias, 14 Publicado em “A Plebe", Séo Paulo, 11/03/1933. 226 AOS RICOS Odinheiro que gastais constantemente, Fons mil coisas que nfo tém uulidade, dinheiro gasto inutilmente, Pois nao traz nenhum bem & humanidade. Esse dinheiro, gasto assim vilmente, Na luxtiria sem fim, gera a maldade, Que assassina fria e lentamente, A virtude que exerce a caridade. Percorrei os bairros pobres da cidade, E conduzinde a pobreza pela mo, Amparai as criangas na orfandade. Que sem pai, Sem mie, sem teto ¢ sem ter pao, Olhos fitos no céu, pedem piedade, Para a dor que constrange o coracdo. Avelino Perez Recon'5 ANTITESE A Estevam Estrella Donde vens, senhor, assim desfigurado? Trazes n’alma o amargor de um remorso rebel? Quem és tu? Donde vens, 6 jovem desgracado? — Eu sou milion4rio, e venho do bordel? Meu pai, rude burgués, juntou o capital, Regando os cafezais, com o sangue dos escravos; En, rico bacharel, em tagas de cristal, Bebo caro champanhe, entre vivas ¢ bravos! — Etuhomem de ferro, altivo, musculoso, Que alegria to s& tua fronte ilumina? Quem és tu? Donde vens, 6 homem vigoroso? = Eu sou operirio, e venho da oficina! Meu pai, de sol a sol, na forja se abrasava, Era forte e viril, forte como um ledo. 15 Publicado em “A Verdade”, Santos, 01/05/1927, 227 ‘Tinha um sorriso bom ¢ 0 ferro laminava. Quando a morte 0 feriu, no grande coragdo. Benjamin Mota’® RACIOCINANDO Tudo é mentira! ‘Dens, Moral ¢ Humanidade! Mentira o céu, mentira a fé, mentirao Amor! ‘S6 se vive do mal, da dor, da inigitidade, E todo este progresso € morte e despudor! HA sempre covardia, infimia, atrocidade, Canalhas no prazer, canalhas numa dor, Fingidos que a chorar imploram caridade, falsa protecdo que imita o benfeitor! E crime cobigar os frutos do trabalho, Pedir junto ao burgués aumento de ordenado, Alguém que esteja nu nao pega um agasalho... E pobre mortal que queira a Liberdade.... Pois néo se vai bolir no cancro alicergado Que se convencionou chamar de Propriedade! Adaiberto Vianna’? A chama canta, sala ¢ corre, velho burgo tomba enfim.., Oh! Quanto abutre cai e morre! Oh! Quanto abutre-em seu festim! pe tiremacio, que chants Seta O pirias nus, Vil dangar, Dangar em roda, correr, cantar, Que esta fogueira é vossa festa! Acchama a crepitas! Em cireulo formai! Jangail De archote aceso, o mundo iluminai! Neno Vasco!® 16 Poesia datilografada, scm referéncias; apenas datada: 1°, 5.1898. 17 Publicado em “A Plebe", Sic Paulo, 23/07/1927. 18 Recorte impresso, sem tftulo nem outras referéncias. 228 AOS CRENTES Moniais, crede com f6, com viso de verdade. Verdade de pureza herdica ¢ irrefutdvel, pis 8 terest ape Gane alk Kane uma crenga irmbecil corrupta e detestavel. Da solidao astral nos chega a luz vigente A luz que a nossa treva afugenta ¢ lumina, E assim o amotinas vereis incontinente Na crenga virtual a que julgais divina. Ao histrido ¢ ao pulha e mesmo ao que domine Simbolos dessa crenga infame, ¢ desse mal, Daremos por ligdes a ler Kropotkine E no devemos crer que nossa alma ¢ imortalt Gozemos com fervor o mundo, esse conjunto De crengas, de ilusdes, de prantos, de maldades; Exploremos sem pejo a flor do tal assunto ‘Ao forte despertar arcano das verdades. .. Funambulos, mastias, assim desta maneira Irdo provavelmente atrés sem freguesia: Acabam-se os missais, a grande pagodeira. E.0 baile religioso ecoando a vilania. Hipécritas de “deus”, palhagos infamantes, Impudentes cristaos ¢ falsos clericais, Nio mais conseguiraéo com capas de farsantes ‘Vestir a humanidade em almas imortais! Brademos com fervor, mas com fervor imenso, Fervor que ao deus — natura alegrard por certo: Como um sdbio qualquer a revirar com senso As folhas colossais de um grande livro aberto. Adalberto Vianna'? 190 bra impressa, sem referéncias. 229 A UM PULPITO QUEBRADO Estés iaqiegaiya. estfis vazio, ‘elho caixao malvado. Que wigs de Roma, consignado multiddes beatas, O preconceito esnipido e sombrio Eo dogma bestial, de quatro patas. Tu nunca foste compassivo e terno: Ao pobre quase nu, ‘Os terrores draméticos do inferno! Por todos os teus lados, Blasfemavas feroz contra o “Progresso”. Que foi 93? Foi um possesso, Crivado de A Liberdade, um Scns aeicioso; A Ciéncia, uma cfnica atrevida. S6 areligido € que éa vida, Ea reza, o largo porto bonangoso. Da Imprensa tu dissestes mais horrores Do que Mafoma disse do toucinho... E o pestifero ninho Dos abutres do mal ¢ da impiedade, Covil de (Que tém de arder por toda a eternidade. - Hoje, caida em ruinas a capela, Estas 4 chuva e ao vento e ao sol aberto.. Estés melhor, decerto. Hoje em lugar do cirio, yez a estrela. Do mae cheiro de incenso desinfeto, gora perfumiu-te A viva aragem fresca da campina; E tens por vasto, radioso tet, A cépula divina, A constelada al da noite. Em vez do érgao fanhoso, ouves agora Q c&ntico das aves, As miisicas da aurora. E sobre as tuas traves, ‘Donde escorria a onda das asneiras, Gemem de amor as pombas forasteiras. Novo padre Jacinto, sacudiste O teu jugo catélico romano, E em vez de velho piilpito tio triste, Es um digno caixéo, livre ¢ profano. E, pois te restituiste A grande comunhdo da natureza, Para aquecer de um pobre a noite fria. Lucio de Mendonca” DUVIDAS Quanta ilus4o!... o céu mostra-se esquivo E surdo ao brado do universo inteiro... De dhividas cruéis prisioneiro Tomba por terra o pensamento altivo. Dizem que Cristo, o filho de Deus vivo, A quem chamam também Deus verdadeiro, Veio ao mundo remit do Cativeiro, E vejo o mundo ainda tho cativo! Se os reis so sempre os reis, se © povo ignaro Nao deixou de provar o duro freio,, Da tirania, da miséria 0 travo. Se € sempre o'mesmo engodo ¢ falso enleio, Seo homem chora ¢ continua escravo, ‘De que foi que Jesus salvar-nos veio? Tobias Barreto” 20 Publicado em “A Lanterns”, Sdo Paulo 15/11/1913. 21 Exemplo de soneto de literato brasileiro publicado em periddico anarquista, “A Obra”, Slo Paulo, 14/07/1920. Este mesmo soncto «parece também dailografado no acervo de Leuenroth com o titulo “Ignorabimus”. 231 OBOM CURA ‘Um dia, o bom do reitor Foi jurar-Ihe o seu amor, E... cla creu, cheia de esperanga, Em tudo 0 que ele dizia Até que.., num belo dia O brindow c’uma crianga. Albino Bastos?> ARREPENDIDO O padre Jodo fazia anos, Conforme velhos costumes, convidava amigos seus bons catdlicos romanos. . Era um jantar... Em m queixumes, dizia ditos sandeus: “Qs tempos andam bicudos!.... Nao reparem os guisados- que, depois destes guisados, iremos saborear.” do delegado aos jutzes ea Joaninha do rail. Falavam em divindades, 22 Soneto impresso, sem referéncias. O emtor costumave assinar artigos © pocsias em “A Plebe”, 232 sobre ermidas ¢ matrizes ¢ vida paroquial. O cura pangudo e velho,. tem a batina ensebada, ventas sujas de rapé. Quando ele lé o Evangelho, sua casa, entio fechada, tresanda em forte chulé,, Para o jantar, com esforgos, ele maton um suino, de cuja came comeu. Mas, depois, teve remorsos do fraticidio ferino, e, cOnscio, se arrependen. Theodomiro Cruz*> A ESCOLA MODERNA A grande Instituigdo, que o velho professor Fundara, para dar 4 humanidade nova, A luz de outro saber, o sol de um outro amor, Nao tinha inda o batismo, a convincente prova Do seu real valor, da sua alta misao, Que aos crentes inspirasse a f¢ que se renova... Apéstolo tenaz, homem de convicgdo, Ferrer se devotara ao bem da humanidade, — Cayaleiro do Ideal e pioneiro da Ago! Instrufa; ¢ pregava a solidariedade Entre os homens, iguais no amor, visando um fim: - Criar um novo tipo a velha sociedade. E onovo ensino foi se difundindo assim, Qual luz feral que a treva afugenia ¢ combats, ‘On toque, a despertar, de estriduto clarim! 23 Poesia recortada de jomal operdric, sem referéncias. 233 Porém, a tao grandiosa e a to profundo embate, Contra as leis, contra o altar, contra a ordem.e a rotina, A reago se impou de igual fora e quilate! Ea espada unida a cruz, a sentenga assassina ‘Traco, na escuridao da “semana sangrenta”, De imolag2o a0 Justo, & alma sf que ilumina.... .,.Banhou com sangue 0 Ideal! E 0 sangue, tumuliuario, Germina ¢ faz-se luz e em fontes mil rebental... E, religiao do amor, o Ensino Humanitério Em batismo de luz as almas dissedenta! Marques Guimardes** A ORDEM O Suizes! Eu sou essa figura austera que todo o mundo adora e respeita e venera. Sem mim n4o poderia o orbe social gozar a paz serena ¢ ultra-celestial que atualmente usufrui. Eu sou seguramente © mais forte ¢ tenaz esteio do Existente Sem mim a Sociedade era como um abismo. Eu protejo na sombra a mo do-Despotismo ‘Quando ela avanga, oculta, e busca Srmngular ‘entre as garras de tigre, a alma popular. Cinerdp; comp um alic, dea rae real facejas, os paldcios reais, os bancos ¢ as igrejas, queo Capital, © Trono e a Reagdo. trangiiilamente a sua digestio. Em volta dos bordéis, tavolagens, mosteiros, asso a noite a rondar com o& meus quadrilheiros, pra que ninguém perturbe a alegria epiciirea de quem busca o prazer nos bragos da Luxiria. E quando algum Fabulas se algaprema a sacada onde 9 espera, febril, a doce namorada, sou eu quem the segura a escada resistente, — isto para evitar o escdndalo somente.. Campos Monteiro*> 24 Publicada na “Revista Liberal”, Porto Alegre, outubro de 1921 25 Impressa em periddico proletirio, sem referéncias. 234 ATIRANIA Ergue-se altiva, sobre um tronco d'ossos: Aure 0 cheiro de sangue com prazer; Alegra-lhe a alma crua, a morte ver: Com voliipia lacera os membros nossos. Nos albergues sem luz, nos fundos fossos, Onde os povos arrastam seu viver, Vé, sem prazer, 08 prantos, 0 sofrer, E, passa, rindo, sobre os seus destrogos, Escraviza, acorrenta a Humanidade, Forceia por matar a Liberdade, No sangue derramado dos seus crentes! ‘Susta, nas 6sseas mos, férreas cadeias, Sem dé algema os pulsos e as idéias... Té que acordem um dia os indiferentes.... AOS OPERARIOS E agora oh! Produtor, oh! Férvido Operério Que escravo, sonolento, exausto ¢ moribundo Num século de luz, sucumbes sem vestudrio, Faminto e obcecado, inerte e gemebundo: Nao esperes jamais que o Estado, teu coveiro, Te venha defender das garras da riqueza: O Estado € teu verdugo, o Estado € camiceiro, O Estado € a burguesia, o Estado ¢ a torpeza! Os maiores ladrdes ¢ os grandes criminosos Ali vao se acoitar buscando a impunidade! S6 eles sip os bens, nds somos “perigosos” Defendendo a Justic¢ae exigindo a Verdade! Os homens do poder impedem que se aspire A flor da liberdade, a estrela do Anarquismo! Porque ele vem trazer por certo quem conspire. Contra os crimes senis do falso socialismo! 26 Soncto datilografado de “A Obra”, So Paulo, 01/05/1920. Nio const o autor. 235 E por isso que € sonho 0 Povo unido, Soldado, . doutores e . € operérios mesma inspiragdo de um Ideal Partido Cera dors Ew quero ser humano a Justiga! E vé-la praticada em este universo. E desejo igualmente a extincao da cobica Pela unio geral desse povo disperso! A terra ndo tem dono! As terras se tranqueiam! E entretanto ainda existe a tal propriedade! Pra dividir 0 Mundo em patrias que guerreiam Combatendo o Direito, o Amor ¢ a Liberdade! Abaixo esta justica iniqua que se vende! Abaixo as ieis do pobre e no dos abastados! Que tal desigualdade o nosso brio ofende E nos faz com razdo etemos revoltados! Adalberto Vianna?? AJUSTICA Ouves! Retumba a torva tempestade Que pavorosa envolve a humanidade, No turbilhao, perene dessa vida, Que a casta ndo a ve jé dissolvida, Cultos, deuses, senhores poderosos, Erguem-se-insustantes, vis, jocosos, Defronte & torpe massa que desfila, ‘Sob uma carga enorme, que aniquila.... E que alguém erga a voz debilitada, Que diga que quer pao, que quer abrigo, Como na esquina o tropego mendigo! ‘Que invoque a lei sagrada, ov a justica, Que num leito de vil ouro Se esprepuiga: Caprichosa Cruel Ensanguentada' José de Barros’ 27 Poesia impressa, sem referéncias. 28 Publicado no Jomal “A Revolta”, Santos, 01/05/1914. 236 JUSTICA Progredir, melhorar. .. ag 26 8 Bi yutheta, palpita o regular crondmetro. O aeroplano ~abelha solta da colmeia do Planeta — sobrepaira a charrua, em terra, e 4 nau, no Oceano. Ea Civilizagdo, A fomula obsoleta cede aos novos ideais do Pensamento humano. Mas o Homem... inda arrasta a secular grilheta: ‘© mesmo réu, € 0 mesmo algoz.... Pobre tirano! Ha séculos, ardendo em sede de justiga, nem vé que essa justia é a velha farsa que arma a Audacia contra a Forga inconsciente e submissa! Eo Mundo ascende! Mas os dias se consomem ea Humanidade sofre! E ninguém dé oalarma, vendo o Homem ludibriado entre as mentiras do Homem! Hermes Fontes AMENTO DE FERRER! (INJUSTICA) Ferrer — 0 pensador fai fuzilado Por levantar escolas — 0 libertério Sua vida fuzila-se na Praca! O governo nao foi humanitério! Porque a monarquia jesuitica, (Duas coroas vis sem cora¢3o) Voltou aos tempos idos das fogueiras, Contra Deus ea civilizagao! Diz-se hipocritamente Crista, Mentira da infame Inquisigao, Que neste século tenta inda imperar, Embora a universal reprovacdo. Patria de Castelar, infeliz Patria Que fuzila seus filhos generosos, 2? Publicado na Revista “A Vida", Rio de Janeiro, 30/11/1914. 237 Filhos amantes, puros do progresso- Nos mostrando horizontes luminosos! Bessa patria ingrata tenebrosa ‘Nao quer a luz, mas sim a escuriddo, Pois bem 0 século XX do progresso Escreve-lhe na fonte maldigao!! Assim no Parand grande injustica Partida 1 do Excelso Tribunal!!! Onde a baixo subomoe a irreflexao Decidem sem critério afinal!! Ea Lei, o Direito Secular? Nada prova? Ah! S6 prova o improvavel! —O interesse baixo dos mandées Que defraudao de modo miserdvel! JA. de Barros Junior®® NO SILENCIO:DAS SELVAS.. DO EXILIO Sob a ame da morte ¢ vendo os companheiros sucumbir, Domingos Braz dé este exemplo de firmeza libertiria, que oferece- mos aos que recuaram por pusilanimidade ou malabarismos politicos. Na negra solidao deste degredo infindo, Neste recanto agreste onde a malaria impera Numa angustia ferina ¢ atroz que desespera, A vida a pouco e pouco se vai, além, sumindo. Em meio da mata brava a Razio prolifera, Medra se concretiza ¢, alegre, vai florindo. Q verge! do futuro, esperangoso ¢ lindo C’os frutos da Verdade acena a quem espera. Bondioso, ¢ revoltado, 0 coracaio ferido Prosseguirei na luta herdico é destemido Bradando altivamente: — Abaixo a tirania! 3° Poesia impressa e-datada: Coritiba, 14/01/1910; sem maiores referéncias. 238 Além ja a divisa o Sol da Redenc4o jue um passo marcar4 na humana Evolugao, sol da liberdade, a sublime Anarquia! Domingos Braz 34 AOS HEROIS DE CHICAGO Parsons, Fischer, Spies, Engel, Lingg, Fieldem, Schwab, Neeb. Para corporizar em versos cristalinos A suprema visdo dos oito semeadores Que sobraceiramente uniram seus destinos Em prol da redengao dos povos sofredores; Para se causticar a fronte dos tratantes Que fizeram tolher o passo aos bandeirantes Paladinos do-bem, dos mundos superiores, —E preciso verter as l4grimas do triste, Suporiar e reagir aos aguilhdes da fome; E preciso enfrentar a causa que persiste ‘Na missao de manter 0 mal que nos consome preciso pairar acima da opuléncia, Ter nobre sentimento e ser puro altruista, preciso sentir, amar, ter complacéncia, Pensar ¢ refletir, ser algo mais que artista; Definir e mostrar por atos de verdade Tado quanto elevar a causa da igualdade! Pelos tempos afora Desde 0 riso pagdo A loncura crist’, Existiu a pletora Das leis a constituir uma justiga va... Tal como antigamente o mesmo existe agora! Mas apesar das leis serem frutos da forca Existe uma outra lei que jamais hd quem torga —Ea lei da vontade O desejo aguilho que impele a humanidade! 31 Publicado no suplemento: semanal de “A Batalha”, Lisboa, sem data. Domingos Braz assina constantemente artigos em “A Plebe™. 239 Ousando conquistar nas de: Oita horas de labor em dos oprit N&o poderdo gozar do sonho 9 belo afago. Presos foram sofrer sem culpa, nas prisdes!... Embora quatro herdis tenham sido enforcados, Alguém fez prosseguir seus gestos e agdes Bima orbs esd ws neviloonsee Que desde 86 sto fatos confirmados! Cito horas de labor para cada operario, Valem por uma luz na treva dum calvario! Faz avancar um grau na estrada que conduz, ‘Ao édem da eqitidade 0 povo que produz.. Irm@os que me escutais: se em vossos coragdes Ardea chama do amor em novas:concepcdes, Deixai que se irradie esse calor fecundo Até se transformar em sol de novo mundo! Lirio Rezende*> 1° DE MAIO Meus irmaos proletirios, este dia Faz de susto tremer a burguesia De todo mundo, em toda.a vasta terra, Que num gesto de medo ¢ de pavor Vai pelo mundo semeando a dor, A miséria ¢ 0 crime, 0 luto ¢ a Guerra, De seus crimes horrendos, sanguindrios, Tem receio que nds, os proletdrios, ‘Lhe vamos pedir contas algum dia; Receia ver as turbas despertadas E ouvir o galopar das cavalgadas Do ideal, da liberdade, da Anarquia!. Embriagando as massas de prazer, A canalha dourada quer fazer Dum protesto um motive de alegria; E assim lavar as mos ensangiientadas 3 Publicado’ em “Renovagio", em novembro de 1921 240 Nas vidas ias, arrancadas Ao sol da liberdade e da anarquia! Procuram iludir, com vis enganos, Qs burgueses velhacos ¢ tiranos, A foice, ao camartelo, & enxada ¢ ao malho; Julgando ver no obreiro vil lacaio, Chamam ao dia 1" de Maio, De propésito, a Festa do Trabalho. Repudiai esse insulto, proletérios! Respondei aos tiranos salafririos Cruzando as vossos bragos neste dia. E nesse gesto de protesto forte, Conquistemos a vida dando a morte As colunas sociais da tirania! Cantando ao som da “Internacional”, Irmanados no abraco fraternal, Proclamemos a nossa redeng3o: Saudando 0 Sol de Maio que ha de vir, Marchemos & conquista do Porvir, Fazendo os funerais da escravidao. Souza Passos*3 PRIMEIRO DE MAIO Qual imenso vulcao em rubra efervescéncia, Sinto ter o meu peito em édio fremitoso, —Ora manifestado em viva incandescéncia, oraem fermentagées de lance vaporoso. E no peso brutal dessa rude existéncia, no continuo lutar da vida sem repouso, correm-me pelo sangue ind6mito € raivoso anseios de abrasar-me & luz da independéncia.... E como aquela pléiade e temerdria raga com rara impavidez clamara a tirania do burgo prepotente em tempos que la v4o, 33Recorte impresso, sem referencias. Souza Passos & colaborador de “A Plebe”, escrevendo as vezes sob 0 pseuddnimo de: Felipe Gil. 241 tu, 6 Maio de luz ¢ dor que agora passa, dé-me forgas também, para com ardentia, proclamar do Porvir 0 sol da Redengo. Pedro A, Mota ANOSSA FOGUEIRA Afim de festejar 0 nosso dia, Pois 0 dia dos miseros nao tarda, ‘Vamos fazer uma vermelha orgia Para que o mundo das mentiras arda. Fogo na lei parcial que nos mentia. E que se impunha a tiros de espingarda, Fogo nos santarrées de sacrisia, Fogo na toga, no burel, na farda! Fogo nos bairros proletdrios onde A vergonha dos miseros se esconde; Que o conforto pertence a quem trabalha, A nova méquina social, do povo, Precisa ser como um alfange novo Que sai do coragiio de uma fornalha. Couin?> O SOL DA NOVA IDEIA ‘As imagens dos celicos devassas Em negro pé desfcitas 0 ar semeiam: Levadas parao vento revolteiam As crengas divinas em estilhacos. ‘Qs deuses j4 morreram nos espagos Os altivos ¢ os templos bamboleiam; Qs tronos d’oura estalavam ou baqueiam ¢ fogem dos reis trémulos dos pagos. 34 Recone impresso, som referéncias. Pedro Mota assina artigos em “A Plebe”. 35 Recorte impresso, sem referéncias. Cottin € um pseudénimo de Afonso Schmidt, literato, simpatizante libertérie. “A Plebe” publica poesias e artigos seus. 22 Dos credos sem sentido as densas brumas Se dissolvem na noite, quais espumas ‘Na areia da praia que reluz! O mundo velho dorme em treva Entanto a0 vejo que se O Sol da nova idéia a branca luz! Teixeira Bastos*® LIBERTARIAMENTE ‘Umm dia essa Humanidade, De si mesma em pleno império, Sem mais 1 © sem mistério, tismo ¢ bem-Comum, ‘veras, justi¢a; Em o qual valor nenhum Goza 0 escravo da Preguica: ‘Uma FRATERNIZA( Que 0 BEM-MAXIMO resuma. ‘Ter-se a plena consciéncia Dor DEVER e do DIREITO... ‘© menor preconceito, TRABALHO E AMOR E CIENCIA. Seas el et Religifio. 5 B sempre a VERDADI UNIAO Ea mais fratema Entre toda a HUMANIDADE! 36 Publicado em “A Voz Operérin”, Campinas, 05/10/1919. 243 Nao mais brutal FORCA-ARMADA Sustentando 0 CA’ TRO... Mantido pelo DINHEIRO ‘Que tanto aflige ¢ degrada... Nada de PROPRIEDADE =Nem |, nem Estatistal TUDO A COLETIVIDADE! Sempre 0 BEM-COMUM a vista. JESUS foi contra a Fortuna... Contra as armas de ferir.... 7 Bezerra Da Cunha®? SER ANARQUISTA Ser anarquista ¢ ser fone, refletir a verdade; pensar na triste sorte Desta pobre humanidade! E ser contra 0 banditismo Que se vé por todo o mundo E querer o Comunismo Por ser humano e fecundo. Oanarquista ultrapujante Quando fala 4s multidées, Parece um astro gigante, ‘Da luz das constelag6es! Incita os povos escravos A Iutar contra os senhores Criando exércitos de bravos Combatentes, vingadores. Demonstra que a Humanidade Tem de gozar sobre a Terra ‘Da maior felicidade Que o raciocinio encerra! 37 Poesia datilografada, sem maiores referéncias. 24 Se o burgués — monstro odioso — Ocondena a guilhotina, Por seu sangue generoso Se propaga a s& doutrina. Ser anarquista, € ser grande P gues que nnguem mange querer que ninguém mi Pela forca ou por suplicio*®, MARSELHESA ANARQUISTA Eia, rebelde, para a rua, Formemos todos nds legiao! Nossa alma cheia d’édio estua, Ruge violenta como um ledo! Chega o momento da vinganga, Basta de fome:¢ de sofrer! Com a submissio nada se alcanga, Tudo se alcanga a combater! Chega o momento da vindicta, ‘Vem teu direito reclamar! Todo esse povo que se agita, Todo é de irmaos, vai batalhar! ‘Vamos! A luta que te invida Nao é de iguais, no, contra-iguais; ‘Nao é a luta fraticida, Que faz dos homens animais; Nao é a luta repelente Que entre si fazem as nacoes, Em beneficio unicamente Dos financeiros tubarSes. .. A nossa luta € sania e nobre, E to sagrada como 0 ideal, E 0 doloroso afa do pobre Contra a opressSo do Capital. 38 Poesia manuscrita, sem autor ou qualquer outra referéncia. 245 Todos seremos bons soldados, Sem generais a dirigir; ‘Todos seremos compensados, Quando a vitéria nos sorrir! N&o s&o riquezas que queremos, (Que 0 ouro € 0 veneno mais atroz; As honrarias desprezamos, ‘Que nao h4 deuses entre nés. A todos cabe igual direito, Somos irmaos de igual valor; Pois, a uma voz negamos preito Ao que tomar-se ostentador. ‘Vamos! A luta que fascina, Que para a rua nos atrai Nao é a vil guerra assassina Que a toda a parte Langa um ai! Escuta bem! Nao ouves perto, Do prelio, o estrepido viril? Nao vés que sopra do deserto ‘Um furacao torvo e febril? Pois ¢ coitada espécie humana Que ora desperta e, com altivez, Se empunha numa raiva insana, Contra o inimigo, o vil burgués; Pois € o simun da alta Justiga Que vem varrer o mundo, enfim, Das pervers6es e da injustiga Que o fazem tao cruel assim... Eia, rebelde, se tens fome, Se estés cansado a sofrer; Se a tirania te consome Asalegrias do viver, Ergue-te e vem, torna-te um bravo, Pelo idcal Iuta também, Enquanto fores um escravo, Somente és digno de desdém! Raymundo Reis3® 29 Publicado também com o titulo de A Canto dos Rebeldes; “O Trabalhador”, 246 AO OPERARIO Operirio ignorante ¢ maltrapiho, qe neste perdcs so brilho que neste: acoreo de olhar, fanando a flor da mocidade, que vés de fome definhar teu filho e de teu lar fugir a alact desperta finalmente ¢ segue 0 tritho da rebeldia ¢ da felicidade! Atenta na objeao em que caiste aardente yoz dos teus irmaos escuta, pensa na agrura de ten fado triste e, sem achares forgas que te domem, quebra os grilhdes, instrui-te ¢ altivo luta por seres lives ~ para seres “Homem"! Sylvio Figueiredo*® Por que estds assim triste? ae pugir-me O peito esse profundo Vamos! A fronte erguida! Passo firme! Nao vés o espago aberto ao teu olhar? Tens devassado todos os mistérios A forga do teu brago e pensamento, Poder sozinho derrubar i E tens medg de pér-te em movimento? Sacode os membros teus entorpecidos, Mostra aos que julgam ver-te moribundo. ‘Que és um Ieao de tétricos rugidos, ‘Que pode um dia avassalar 0 mundo!... Joaquim dos Anjos! $40 Paulo, 13/05/1933. 40 Publicado em “A Vox Operéria”, Campinas, 13/01/1920 4) dem. 247

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