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"Em meio às tremendas incertezas de nossos tempos, precisamos

encontrar uma forma de lidar com as dificuldades, crises e


problemas; entendê-los para transformá-los e superá-los com uma
profunda aceitação interna e compaixão. Desta forma,
encontraremos nossa paz e estabilidade interior tão necessárias para
enfrentar os desafios da vida. Nestes tempos turbulentos, seguir um
caminho espiritual nunca foi tão urgente. O fato de termos
ensinamentos de grandes tradições espirituais ainda disponíveis é
uma grande fonte de esperança para nós." - Sogyal Rinpoche.

MEDITAÇÃO TONGLEN
INTRODUÇÃO À MEDITAÇÃO
Uma visão da meditação budista através dos textos
Este é um trabalho de seleção e ordenação de textos
de vários autores e mestres budistas por
Karma Tenpa Darghye.

Pema Chödrön é uma monja buddhista norte-americana e uma das estudantes mais
brilhantes de Chögyam Trungpa Rinpoche, famoso mestre de meditação. Ela é
autora das obras The Wisdom of No Escape e Start Where You Are, e também
professora em Gambo Abbey (Nova Scotia, Canadá), o primeiro monastério tibetano
na América do Norte estabelecido para ocidentais.

Segundo Chödrön, a felicidade está ao nosso alcance, e no entanto tantas vezes a


perdemos de vista, ironicamente na tentativa de evitar dor e sofrimento. O texto
radical e compassivo de Pema Chödrön vem de encontro às nossas expectativas e
hábitos de conduta Quando Tudo Se Desfaz (Editora Gryphus), e nos confronta com
a sabedoria buddhista. Existe somente uma atitude em relação ao sofrimento,
ensina Chödrön, e essa atitude é a que caminha na direção das situações difíceis
com afabilidade e curiosidade, se deixando levar pela insegurança da situação. É
ali, no meio do caos, que descobrimos a verdade e o amor indestrutíveis.

Para sentir compaixão por outras pessoas, precisamos sentir compaixão por nós
mesmos. Precisamos nos preocupar, principalmente, com as pessoas que sentem
medo, raiva, inveja, que são dominadas por todo tipo de vício, que são arrogantes,
orgulhosas, mesquinhas, egoístas, más — você pode escolher. Ter compaixão e
carinho por elas significa não fugir da dor de encontrar essas características em si
mesmo. De fato, toda a nossa atitude diante da dor pode mudar. Em vez de
rechaçá-la e de nos escondermos dela, é possível abrir nosso coração e nos
permitirmos sentir essa dor, senti-la como algo que nos abranda, purifica e nos
torna muito mais amorosos e bondosos.

A prática de tonglen é um método para nos conectarmos com o sofrimento — nosso


próprio sofrimento e o que nos rodeia onde quer que possamos ir. É um método que
nos leva a superar nosso medo da dor e a dissolver a dureza de nosso coração.
Acima de tudo, faz despertar a compaixão que é inerente a todos nós, não importa
quanto possamos parecer cruéis ou frios.

Iniciamos essa prática recebendo em nós mesmos a dor de alguém que sabemos
estar em sofrimento e desejamos ajudar. Se soubermos que uma criança está
sofrendo, por exemplo, inspiramos essa dor, desejando que ela se liberte
totalmente do pesar e do medo. Quando expiramos, enviamos felicidade, alegria,
ou o que lhe traga alívio. Esta é a essência da prática: inspiramos a dor do outro,
para que ele possa sentir-se bem e ter mais espaço para relaxar e abrir, e

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expiramos, transmitindo relaxamento ou aquilo que sentimos que pode trazer alívio
e felicidade.

Freqüentemente, entretanto, não conseguimos realizar essa prática porque nos


vemos frente a frente com nosso próprio medo, nossa resistência, raiva ou qualquer
outro sofrimento pessoal que esteja presente.

Nesse momento, podemos mudar o foco e começar a praticar tonglen por aquilo
que estamos sentindo e por milhares de pessoas que, como nós, naquele exato
momento, sentem precisamente a mesma impotência e angústia. Talvez sejamos
capazes de dar um nome à nossa dor. Reconhecemos claramente o terror, repulsa,
raiva ou desejo e vingança. Então, inspiramos por aqueles que estão dominados
pelas mesmas emoções e irradiamos alívio ou qualquer outra sensação que
proporcione espaço para nós mesmos e para essas incontáveis pessoas. Às vezes,
não conseguimos dar um nome ao que estamos sentindo. Mesmo assim, podemos
perceber sua presença — um aperto no estômago, uma certa opressão ou o que
quer que seja. Simplesmente entramos em contato com o que estamos sentindo e
inspiramos, trazendo-o para dentro de nós e fazendo isso por todos. Então,
enviamos para fora alívio para todos.

Diz-se, freqüentemente, que essa prática contraria o padrão costumeiro que


usamos para não desmoronar. Na verdade, a prática de tonglen realmente se opõe
à nossa tendência habitual de querer tudo ao nosso próprio modo, de desejar que
tudo dê certo para nós, independente do que aconteça aos outros. Ela desfaz os
muros que construímos ao redor de nosso coração, as camadas de auto-proteção
que lutamos tanto para criar. Usando uma linguagem buddhista, podemos dizer que
dissolve a fixação e o apego do ego.

A prática de tonglen reverte a lógica habitual de evitar o sofrimento e buscar o


prazer. Nesse processo, nós nos libertamos de padrões muito antigos de egoísmo.
Começamos a sentir amor, tanto por nós mesmos quanto pelos demais; passamos a
cuidar de nós mesmos e dos outros. Tonglen desperta nossa compaixão e nos faz
conhecer uma visão muito mais ampla da realidade. Ele nos apresenta a amplidão
ilimitada de shunyata. Quando o praticamos, começamos a nos conectar com a
vasta dimensão de nosso ser. Inicialmente, deixamos de dar tanta importância a
tudo e nossa experiência passa a ser menos sólida do que parecia.

A prática de tonglen pode ser feita para os que estão doentes, para os que estão
morrendo ou já morreram, para todos aqueles que, de alguma forma, estão
sofrendo. Tonglen pode ser praticado para aqueles que, de alguma forma, estão
sofrendo. Tonglen pode ser praticado como uma meditação formal, ou em qualquer
lugar e a qualquer momento. Estamos passando e vemos alguém em sofrimento —
ali mesmo, começamos a inspirar essa dor e a exalar alívio. Ou então, ao ver
alguém sofrendo, podemos desviar o olhar. Esse sofrimento desperta nosso medo
ou raiva, nossa resistência e confusão. Portanto, naquele exato momento, podemos
praticar tonglen por todas as pessoas que, assim como nós, desejam ser corajosas,
mas são covardes. Em vez de nos punirmos, podermos usar nossos próprios
entraves como o primeiro degrau para compreender o que outras pessoas, no
mundo inteiro, estão enfrentando. Inspirar por todos nós e expirar por todos nós.
Usar o que parece veneno como remédio. Podemos usar nosso sofrimento pessoal
como um caminho em direção à compaixão por todos os seres.

Quando praticamos tonglen no momento em que nos deparamos com o sofrimento,


apenas inspiramos e expiramos — inspiramos a dor, exalamos a amplidão a alívio.

Quando praticamos tonglen como uma meditação formal, devemos seguir quatro
passos:

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1. Em primeiro lugar, descanse sua mente por alguns segundos em um estado de
abertura ou quietude. Esse estágio é tradicionalmente chamado de lampejo do
bodhichitta absoluto, ou de súbita abertura à amplidão e clareza fundamentais.

2. Em seguida, trabalhe com a textura. Inspire o calor, a escuridão e o peso — a


sensação de claustrofobia — e expire serenidade, claridade e leveza — a sensação
de frescor. Inspire profundamente, por todos os poros, e expire, irradie
completamente, usando todos os poros de seu corpo. Faça isso até que essas
sensações estejam sincronizadas com sua inspiração e expiração.

3. No passo seguinte, trabalhe uma situação pessoal — qualquer situação dolorosa


que seja real para você. Tradicionalmente, começa-se praticando tonglen por
alguém com quem nos preocupamos e que queremos ajudar. Entretanto, como já
mencionei, quando seus próprios problemas o impedem de prosseguir, você pode
realizar a prática pela dor que está sentindo e, simultaneamente, por todos aqueles
que, como você, passam pelo mesmo tipo de sofrimento. Por exemplo, se está se
sentindo incapaz, inspire essa sensação, por si mesmo e pelos outros que estão no
mesmo barco, e exale confiança, sentimento de ser capaz ou de alívio, da forma
que desejar.

4. Finalmente, torne esse processo mais abrangente. Se você está praticando


tonglen por alguém que ama, estenda a prática a todos aqueles por quem nutre o
mesmo sentimento. Se está praticando por alguém que viu na televisão ou na rua,
faça o mesmo por todos os que estão em situação semelhante. Não se limite a uma
única pessoa. Talvez já seja suficiente praticar por todos aqueles que, como você,
estão dominados pela raiva, medo, ou por qualquer outro sentimento que também
o aprisione. Entretanto, em todos esses casos, você pode ir além. Você pode
praticar tonglen por aqueles que considera inimigos — aqueles que o ferem ou
ferem alguém. Faça tonglen por eles, pense neles como dominados pela mesma
confusão e impotência que vê em si mesmo e naqueles que ama. Inspire a dor
deles, expire alívio.

A prática de tonglen pode ser infinitamente ampliada. À medida que pratica,


gradualmente e ao longo do tempo, verá que sua compaixão naturalmente se
expande e o mesmo acontece, com a percepção de que as coisas não são tão
sólidas quanto você pensava. À medida que pratica, gradualmente e em seu próprio
ritmo, ficará surpreso ao perceber-se cada vez mais capaz de ajudar os outros,
mesmo em situações que pareciam insolúveis.

Tashi Delek!

Como podemos praticar e crescer com a dificuldade, com as nossas


emoções aflitivas, com os imprevistos de um dia comum? Para
aqueles de nós que têm sede de conhecer a verdade, as emoções
dolorosas são como sinalizadores que
surgem para dizer onde você está trancado. Tais sentimentos
desconfortáveis são mensagens que nos dizem para parar e
investigar uma situação da qual normalmente fugiríamos(...) Não
conseguimos interromper nossos padrões. Com nossa prática, no
entanto, aprendemos a ficar com um
coração partido, com um medo sem nome, com o desejo de vingança.
Ao ficarmos com a incerteza aprendemos a relaxar no meio do caos,
aprendemos a ficar frios quando de repente ficamos sem chão.

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Podemos retornar ao caminho
espiritual infinitamente todos os dias simplesmente ao exercitar
nossa vontade de relaxar na incerteza do momento presente.

Pema Chodron

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