You are on page 1of 12
Das origens africanas de Almada Negrei- ros as fronteiras com o teatro de Oswald de Andrade Agnaldo Rodrigues Universidade do Estado de Mato Grosso Campus Universitério de Tangard da Serra Brasil I~ As origens africanas de Almada Negreiros Ant6nio Ambrésio (1979), no seu valioso es- tudo sobre as origens africanas de Almada Negrei- 10s, salienta que ele nasceu em So Tomé e Prin- cipe, na Roga da Saudade, freguesia de ‘Trindade, is tr€s horas da manhil de 7 de abril de 1893, Néio podemos deixar de fazer referéncia a um aspecto crucial gue se refere & negagio do bergo africano de Almada, pois na Fnciclopédia luso-brasileira encontramos a afirmagio de que ele tenha nascido em Lisboa, omitindo a sua real filiago, Parece no hayer divida quanto a0 nascimento, bem como das origens afticanas, j4 que no arquivo hist6rico de Sto Tomé hé documentos referentes a Almada Negreiros ¢ a toda a sua famflia, Foi, portanto, a 23 de abril de 1895, com 2 anos de idade. que Al- mada € levado para Lisboa, onde vive em Cascais, na companhia de seus avés ¢ tios maternos, da fa miflia Freire Sobral. Elvira Freire Sobral também € natural de Sio Tomé e Principe, nascida a 4 de setembro de 1873. Filha do comendador José Antnio Freire Sobral e de Leopoldina Amélia de Azevedo, El- vvira nfo teve uma presenca duradoura ao iado de Almada, mortendo em 29 de dezembro de 1896, ortanto, um ano ¢ meio depois que o filho esté a ‘morar em Portugal. O pai, Anténio Lobo de Alma: da Negreiros, funcionétio e escritor, dedicou-se & administragao Colonial, ocupando-se do Conee- Iho em S. Tomé até 22 de dezembro de 1899, data em que segue para Paris. Em 1810 Almada encon- tra-se com o pai em Paris. No entanto, a figura do pai teve influéncias positivas na sua formagio, ja que teve acesso as obras que o pai escrevia, prin- cipalmente a respeito dos costumes ¢ da cultura de Sio Tomé, além de outras produgdes de cunho literdrio, Em Nome de Guerra Almada faz a seguinte referencia: completamente impossvel concer inti- 1s uma drvore genealgica: © que pode 6 cada tn possutla tod no seu easter. érvore genealgica ‘Mo funciona como eignea, E memo o contniio de cignci: mistéio! Um minéio que se expen 95 om, cada un de n6s! Um vordadeiro mistéioiumano, 22 sogeu o2u12 ‘sonod cour Son6upos opjeube «que ultrapassa a sociedade e a cidncia, que respira apenas ar de Arte e de Religio!! Percebamos que este trecho encontrado em Nome de Guerra caractetiza, de certa maneira, um depoimento do autor e que também explica um dos maiores enigmas de sua vasta obra. Uma re- flexfio no quer calar: 0 fato de que Almada tenha dado importincia & érvore genealégica em varios momentos de seus escritos, além de saber de sua origem africana, nunca fez referéncia ou qualquer dedicatéria aos pais ou 2 ha de So Tomé, muito ‘menos a Africa e aos africanos, apesar de ter sido por muitas vezes chamado de Filho de S. Tomé e Neto de Angola. O sangue angolano de Almada tem ‘origem na avé materna, por isso a constatagiio de Ant6nio Ambrésio, referindo-se ao Dirio de No- ticias que em 1973 traz nas suas linhas: “Almada Negreiros, Africano: filho de 8. Tomé e neto de An- gola”, trazendo ao piiblico a origem euro-africana siio-tomense ¢ angolana do autor. IL- Oswald de Andrade: antropofagia e as in- fluéncias de Africa Oswald de Andrade nasceu a 11 de janeiro de 1890, em Sao Paulo, Suas atitudes, bem como 4 sua obra revela a clara transgressfo &s regras € as normas da literatura brasileira, tornando-o uma firme presenca nas polémicas que introduziram 0 Modemismo no pais. Schwartz (1980) indica a relagio antropo-f4- gica entre Oswald ¢ o mundo, onde tudo deveria ser Gevorado, para ser, em seguida, transformado em ‘material literério nacional, num proceso que mui- to bem denominou Oswald ao dizer: “Encaixo tudo, somo, ineorporo” (idem). Entra em questo, portan- to, a necessidae de consumir tudo aquilo que é es- ‘ranho as letras nacionais, digerir magicamente 0 que ‘vem de fora, para, enim, poder construir a condigao da arte € da literatura moderna, O “Manifesto antro- potaigico”, escrito em 1928, ¢ o sinal de avango para a nova produgo cultural, sem, entretanto, deixar de questioner 0s caminhos duvidosos do progresso so- E, pois, através “da vela pequeno-burguesa dos oratsrios e das escritas em casa” que o pafs con- segue manter-se vivo, gritando aos quatro eantos do ‘mundo que ainda sobrevive, “e com muita honra”,$ dentro do regime capitalista, jé que também “as em- presas eléricas fecharam com a crise”” e “ninguém mais pode pagar o prego da luz, num pais medieval Como 0 nosso, quem se atreve a passar os umbrais a etemidade sem uma vela na miio?”* © mesmo pode-se afirmar a respeito de De seja-se Mulher, no tocante ao rompimento com 0 passado, em que o autor abole estruturas consi- deradas cléssicas e adere a uma nova modalidade c@nica. Almada atribui & pega um tom levemente aristocrético (de critica sécio-existencial), encai- xando personagens cujas caracteristicas diverges- sem. Entram em conflito (na projegio do Fregués e ‘Vampa) valores que usurpam 0 conceito de felici- dade do homem, pois para ela dessa relagio poderia vira sublimagdo e para ele tudo niio passara de um Jogo, aspecto observavel quando deixa um pacote {de dinheiro no galho da arvore, A resisténcia que 0 Homem/Protagonista (Fregués) tem em relagdo a Fata (Vampa) possui uma explicagdo intimamente relacionada ao estig- ‘ma langado &s prostitutas, principalmente em fins do século XIX. Bem se sabe que o século XIX foi 6poca do triunfo burgués, perfodo no qual o papel da mulher era crucial para a familia burguesa; a fidelidade ao seu senhor e mestre garantia a suces- stio patriarcal da propriedade ¢ ao mesmo tempo era suposto unificar a familia, permitindo assim superar todas as tempestades do desenvolvimento econdmico, Para manter esta ordem, aliberdade da mulher ~ em particular a sua liberdade sexual —ti- ‘nha de ser limitada a todo o custo. Dentre diversas ‘anciras estudadas o tentadas tomou-se como ¢ixo @ construgao da mulher como madona, uma criatu- a pura, assexuada que existia somente na propria fantasia: a mulher tomou-se 0 anjo da guarda do Jar. Como poderia entéo o homem de classe média, ‘com seus esmagadores desejos carnais ameagar @ pureza de seus anjos da guarda, do sustentaculo da familia, Surge, portanto, «figura da prostituta, uma outra classe de mulheres que pudesse desviar da familia as necessidades sexuais dos homens: aqui a prostituta voltava a ter papel central, pois se tor- nava to inevitivel quanto aos esgotos, as fossas © 05 locais de despejo. Mais uma vez identificada ‘com tudo que é “sujidade” e “degradagio” - que é a propria imagem cristé da sexualidade - a prost tuta era vista como necesséria e repugnante; uma combinagio ambfgua de defensora da familia ¢ de fossa obscena, Nickie Roberts (1996) faz um inte- ressante estudo sobre as prostitutas e como a bur- guesia as via no decorrer de determinados perfodos hist6ricos. ‘Vampa é o simbolo perpétuo da degradagao ¢ do pecado do homem. E um tipo supremo de vi- cio que polui centenas de Lares, ao mesmo tempo, livrando-os da maldi¢o do instinto sexual mascu- lino, Representa a antitese dos valores burgueses, iade e 0 gosto que nutre pelo pra- zer opie-se a ética pelo trabalho, conforme defen- detia a ideologia sécio-religiosa da época. Mas, essa forma de ver a relago homem/mu- Iher, sob um ponto de vista burgués/religioso no passa de camuflagem de uma realidade reprimida. Ambos os sexos tendem a reprimir sua sexualida- de, sobrando-Ihes apenas as aparéneias como fuga dessa crise instalada na insustentavel busca do ser pela realizagao plena. 3.2- A Carnavalizacio De acordo com Bakhtin (1997), a vida car- navalesca € uma vida desviada de sua ordem habi- tual, em certo sentido uma “vida as avessas”, um. “mundo invertido”. Nesse caso, as leis, proibigdes, restrigtes, que determinam o sistema © a ordem da vida comum, isto é, extracarnavalesea, revogam-se durante 0 camaval: revoga-se antes de tudo o siste- ‘ma hierérquico ¢ todas as formas conexas de medo, reveréncia, devogao, etiqueta, ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social hierdrquica ¢ por qualquer outra espécie de desigualdade (inclu- sive a etéria ou sexual) entre os homens, no sentido de humanidade, Elimina-se toda distincia entre 08 homens e entra em vigor uma categoria camava- lesca especifica: o livre contato familiar entre os homens. A camavalizagao liberta as personagens de O Rei da Vela e Deseja-se Mulher do circulo do habi tual, devolvendo as pegas 0 espitito de fazer teatro dentro do proprio teatro, ou seja, oferecer aos per sonagens o livre acesso de transitar entre culturas, concepgdes, ideologias. Tomna-se possivel 0 lesbia- nismo de Heloisa (no comprovado, mas sugerido pelo sobrenome: Lesbos) e a homossexualidade de ‘Toté-Fruta-do-Conde numa sociedade preconcei- tuosa como a que faziam parte, quanto mais sendo membros de familia aristocrética; ha de convir que a familia do coronel Belarmino era conservadora, que dos quatro filhos, dois subentendem caracteris- ticas homossexuais, cingllenta por cento da familia, tum percentual demasiado para a época. A peea su- gere um estado tal de carnavalismo que as proprias fronteiras biol6gicas acabam-se por desmoronar, fem que homens assumem posigSes de mulheres, ‘mulheres que se comportam como homens, A aproximagao entre Helofsa e Vampa é con- creta ¢ visivel, Ambas as personagens tendem a adotar personalidades que as aproximam e a0 mes- ‘mo tempo as diferem no tempo e no espago que ‘ocupam. Enquanto Helofsa se mostra travestida de homem (no caso de Helosa o tinico vestigio de homossexualidade é 0 fato do sobrenome e vestit- -se de homem; nao hi ago que a condene) Vampa ‘mostra extrema feminilidade (prostituta ~fonte que desperta o desejo masculino) e luta para se reali- ar enquanto mulher (0 que 0 Homem-Protagonista ndo entende e a frustra); interessante notar essa ne- ccessidade de querer apresentar-se néo mais femini- namente (Helofsa), comportando-se como homem, ‘ou a busca desenfreada pelo sexo oposto (Vampa), £ justamente essa inversdo de valores que a cama- valizago, no sentido de Bakhtin, corrobora com a essencialidade do aspecto futurista dessas pegas de Almada e Oswald. ‘A confusdo dos sexos ndo € casual, nem tampouco 0 contlito existencial que se estabelece entre eles. "Estando em crise a economia burgue- sa” fazia-se necessirio colocar em yoga valores morais, tais como a familia, casamento, a vir~ gindade, a religido e 0 pudor; Helofsa precisava salvar a familia ¢ garantir 0 direito a propriedade, J Abelardo I constituir famiffia ¢ num ato de stibi- 10 € falso “socialismo” (criticado nos seus valores pelo ato de interesse préprio) ajudar a re-erguer uma familia de nobres, para se tornar um deles, é claro! Nestes extremos de complexa sexualidade criados pelas personagens de ambas as pegas, mutheres so postas num patamar de mero objeto. ‘Vampa numa boite de nuit, despertando desejos € as mais diversas ¢ insacidveis fantasias, Helofsa, 0 mistério feminino escondido por trés da catieatura agnaldo rodrigues ‘cinco povos, cinco nagées 27 hd san6upos opjeube s2Q5eu o2uI> ‘sonod odur masculina, atitude que vem a despertar curiosidade, como se ela fosse um fruto proibido, que existe, mas € complicado desfrutar No pensamento de Bakhtin é de coroago ¢ destronamento do rei que reside 0 nticleo da cosmo- visio camavalesca: enfatiza-se as transformagoes, ‘um percurso que abrange da morte & renovagio. camaval € festa que tudo destréi e tudo renova. Assim se pode expressar a idéia fundamental do camaval. Coroagtio e destronamento é um ritual ambi valente biunfvoco, que expressa a inevitabilidade ¢, simultaneamente, a criatividade da mudanga- renovagio, a alegre relatividade de qualquer regi: me ou ordem social, de qualquer poder e qualquer posigao hierarquica. Na coroacao jé esta contida a idéia do futuro destronamento; ela € ambivalente desde o comego. Coroa-se antfpoda do verdadei- 0 rei — 0 escravo ou 0 bobo, como que inaugu- rando-se ¢ consagrando-se 0 mundo carnavalesco as avessas. Na cetiménia de coroagiio, todos os momentos do préprio ritual, os simbolos do poder que se entregam ao coroado ea roupa que ele veste tomam-se ambivalentes, adquirem 0 matiz de uma alegre relatividade, tornam-se quase acessérios (mas acessérios simbolos reais do poder, ou seja, xno mundo extracamavalesco, eles so monoplana- res, absolutes, pesados e monoliticamente sérios). No ato de coroagao ja transparece desde 0 inicio 0 destronamento. E assim so todos os simbolos car- navalescos: estes sempre incorporam a perspectiva da negagio (morte) ou 0 contrério. O nascimento € prenhe de morte, a morte, de um novo nascimen- to. Em O Rei da Vela vetifica-se esse ato co-10- agdo/destronamento X morte/nascimento nos se- uintes fragmentos: ABELARDO I: Foi um suieidio auténtico, Abelardo matou Abelardo,(..) ABELARDO TE: Quer que eu chame um mé- ico? (..) ABELARDO I; Para que? Para constatar gue ea revivo em voce! E porianto Abelard rico nfo pagaré a conta de Abelardo suicida? (.) ABELARDO Il; Esté morrendo (Abelardo 1). A minha vida comega!!® Ora, se Abelardo I era o rei da vela, 0 segun- do seria © bobo, um escravo, que nesse mundo as avessas do carnaval é coroado com a mesma gléria do mundo extracamavalesco. Tem-se 0 mesmo ti- tual de entrega de poder, da riqueza, das vestes, de ideologia, num ato solene, cépia fiel dos grandes reis da Idade Média nos seus leitos de morte. “Para te deixar um veneno pelo menos misturado com Helojsa e 08 meus cheques”, diz. Abelardo I, “deixo yooés ao Americano... Bo Americano aos comunis- tas. Que tal o testamento?” O ritual de coroagdo/destronamento est pre- sente em Deseja-se Mulher, nfo na mesma pers- pectiva de O Rei da Vela, mas impregnado no ato de formagio e degradagdo da mulher, concentrado em Vampa. O primeiro aspecto que chama a aten- ‘fo em sua relago com 0 mundo camavalesco despojar-se do interdito sexual imposto pela rel ido, em que “tiraram-Ihe tudo, tudo”, “ficou va- Zia como uma casca d’ostra” e “tiraram-lhe todos 6 parafusos a mais”, além de ser uma prostituta Essa transformagao dé-ihe mais liberdade para entrar em atrito com o ja estabelecido, em que se destrona a antiga mulher (Vampa) para a coroa- do de outra (Fata). A propésito de Deseja-se Muther, torna-se nteressante frisar que © momento em que-€ colo- cada em cena a sereia, contracenando com o mari- nheiro, constitui um dos mais ricos no que tange a camavalizago em Almada. Todo censtio 6 organi zado de modo a transpor o usual, cujos personagens criam uma farsa de um mundo em ponta cabegas. ‘Um marinheiro que pesca uma sereia, a sereia que blasfema © marinheiro (num contexto de mulher submissa), o marinheiro que cai na rede da sereia, © embate entre ambos (confito existencial homem/ mulher), ¢ o nascimento de um fitho. O filho, sem perder 0 racioe{nio,é fruto de um homem com uma sercia (figura alegérica ~lenda — irreal), mas que é denominado pelo autor como “um serzinho huma- ‘no com caldas de peixe”."" E realmente um mundo, as avessas, contradit6rio por excelénci 3.2.1-O Fogo Outro aspecto profundamente ambivalente no carnaval é a imagem do fogo. Bakthin (1997, p. 26) diz que este fogo é o que destréi e renova simul- taneamente 0 mundo (propésito dos futuristas), fogo traz no seu significado a destruigao! morte e 20 mesmo tempo a renovago/vida, também. € ambivalente, A mesma vela que permite uma boa vida aos Abelardos ¢ a familia de Heloisa é a que abre 0 caminho dos mottos para o mundo extracor p6reo, & uma vela, cujas chamas representam 0 estar vivo de Abelardo I no mundo, permite a ele ocupar uma determinada posigdo na sociedade capitalis- (a, fazer valer seus anseios, realizar seus sonhos e pensar num futuro promissor; porém, €o titalo que ela confere a Abelardo I que move a agiio de traigio de Abelardo II, que nutrindo 0 desejo de suceder 0 mesire, roubalhe, destruindo as possibilidades de realizagéo intima, levando o primeiro ao suicidio. ABELARDO E:(..) Ascenda todas as velast [Beonomia em regressio. As grandes empresas es- #o voltando 8 tragdo animal! Estamos fcndo um pais modesto. De carroga ¢ veal... a revolugi. Fogo! Fagam fozo, ABELARDO Il: Esté morrendo, A minha Vide comega! ABELARDO I: A val. ABLEARDO Ti: compreendo, A. vala co- ‘mum... nfo ficou nada, Nem para enterro nem para ‘a sepultura. Acasa ia mal ha muito tempo. Coitado! Negscios com estrangeiros.. Ble que tinha manda- do farer aquele projeto de timulo fantasmagérico. (Com anjos nus de trés metro. ABELARDOE A val..a !(..) ABELARDO IE: A vela! (..) Ahn! Quer rorter de Vela na mio? O Rei da Vela. Tem taziot (Abre omostrudsio, Tira uma velinha de sebo, a me- nor de todas. Acende, Nao quer perder & aajestad. Vou pér naguele castigal de ouro!* Enfim, no ritual de destronamento e coro lo, a vela com suas chamas mais vivas do que nunca simboliza a queda definitiva de Abelardo T € a coroagio de Abelardo II, dentro dos mesmos moldes de “morte a ti!”, em que se apaga uma es- peranga para nascer outra, empurra-se para a vala © rei para que assum © novo rei da vela, © fogo em Deseja-ve Mulher também sugere idéia de morte/vida (destruigdo/renovagio) e esta ligada, substancialmente, ao interior das persona- gens, através da constante mudanga de postura de Vampa ¢ do Homem Protagonista, movido pelo conflito sécio-existencial que os assola, confun- dindo seus dlesejos e aspiragies. Ofogo, neste contexto, é 0 principal “sujeito” que move o desejo pela realizagio entre o homem agnaldo rodrigues N oO ‘cinco povos, cinco nagies seg5eu osu1> ‘sonod cours oO ‘son6upos opjeube € a mulher, fazendo jus ao que a soma 1+1=1 re- presenta na peca (a fSrmula da unidade), em outras palavras, o completar-se por meio da reciproca que deveria existir quando um homem ama uma mulher € vice-versa. Verifica-se a presenga desse fogo tra- duzido através das inquietagoes fntimas das perso- nagens, principalmente no quadro sétimo, quando metaforicamente o amor que existe entre Vampa e 0 ‘Homem Protagonista é colocatlo sob um plano ale- gético; 0 amor de ambos encontra-se adormecido (Como se estivesse morto, mas no esté, pronto a eclodir, assemelhando-se a brasas, que sopradas ten- dem a ascender (reviver, voltar a vida), dependendo de quem, como € a que proporedo isso € feito. 3.2.2- 0 Riso 0 iso camavalesco esté propriamente diri- gido contra o supremo, & idéia de poder inabaldvel; Para a mudanga dos poderes e verdades, para a mu- danga da ordem mundial. O riso abrange os dois polos da mudanga, pertence a0 processo propria- ‘mente dito de mudanga, 2 pr6pria crise, No ato de riso camavalesco combinam-se a morte ¢ o renasci- mento, a negacio (a ridicularizago) e a afirmagao (0 tiso de jabilo). E um riso profundamente univer- sal ¢ assentado numa concepeao do mundo. F essa ‘a especificidade do riso camavalesco ambivalente. Oriso em 0 Rei da Veta fica atribuido ao teor que a prépria pega adquire na critica que faz em re- lagao ao sistema vigente, entrando em choque con- ceitos religiosos, sociais, familiares politicos; ao dara Abelardo Io titulo de Rei da Vela o autor nega # possfvel evolugéo do pais em todos esses anos de independéneia (“Nao se esquega que estamos num pais semicolonial. Que depende do capital estran- geiro”), alids, a propria questio da independéncia passa a ser questionada a partir do momento que o Mr. Jones subordina a economia brasileira a0 capi- tal estrangeiro, (“Jd hipotecamos tudo ao estrangei- 0, até a paisagem”).!° Essa ridicularizaedo que € feita do Brasil, bem como de Abelardo T, que representa o capita lismo, € um artificio através do qual traz-se & tona © principio da afirmagZo, o riso do juibilo, um tan- to utdpico se analisado a queima roupa, mas quem sabe nio fosse esse 0 propdsito do autor? Lancar a possibilidade do nascimento de uma nova ideo- logia de vida sécio-politica ¢ econémica, cujo sis- tema permitisse a classe operiia o direito de voz (“Proletrios de todo 0 mundo, uni-vos! Aqui fala Moscow. Mos... Ah, Moscou irradia no coragao dos ‘oprimidos de toda a terra!”).”” De certo modo, 0 riso transferido para a Fesponsabilidade do espectador, jé que este se en- contra diante de uma tragicomédia que lhe permite entrar em contato de modo mais concreto com a realidade citcundante, por se tratar de teatro. Pelo iso, 0 espectador € levado ao paleo, a intrometer- se na pega, a purgar suas emogdes devido a catarse que The € imposta inevitavelmente, é a arte da mi meses que se faz vale. Pelo aspecto cémico Oswald coloca em cena Personagens da vida cotidiana, tendendo a repre- sentar os defeitos humanos, mais especificamente 8 do homem do século da modernidade. 0 tiso em Deseja-se Mulher € somente ob- servado no quadro TV, com a presenga de uma personagem denominada de personagem, que poe em ridieulo as férmulas de comportamento social ortuguesas, que visam apenas exterioridades, uma transformagdo que em nada colabora para o engtan- decimento moral ou ético do ser human. Notas: 1 Obras Completas, p. 262 2 Deseja-se mulher, p. 521 3 Orel da vela, p. 113, 4 Deseja-se mulher, pp. 51-8 5 Oreida vela, p.47 6 O rei da vela, p.47 7 Oreida vela, p.47 8 Orei da vela, pp. 47-8 9 O vei da vela,p.31 10 Orreida veta.p.117 11 Ovei da veta, p. 109 12 Deseja-se mulher, p. 497 13 Deseja-se muther, p. $21 14 Orei da vela, pp. 1178 15 Oreida vela, p. 107 16 O rei da vela, p. 106 17 Orel da vela, p. 132 agnaldo redrigues 31 cinco poves, cinco nagées i | | i N sen6upor opjeube Bibliografia AMBROSIA, Anténio. Almada Negreiros, Africano. Lisboa: Estatnpa, 1979, ANDRADE, Oswald de. O Rei da vela, So Paulo: Abril Cultural, 1976, 1° ed. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoievski. Trad. Paulo Bezerra, 2* ed. Rio de Janeiro: Forense Universitéria, 1997, p. 123. NEGREIROS, José de Almada. Obra Com- pleta ~ volume tinico (org. Alexei Bueno) — Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1997. ROBERTS, Nickie. A Prostinuigdo através dos Tempos na Sociedade Ocidental. Lisboa: Pre- senga, 1996. p. 16. SCHWARTZ, Jorge. Oswald de Andrade. (Lit. Comentada), Sao Paulo: Abril, 1980. TELES, Gilberto Mendonga. Vanguarda Eu- ropéia e Modernismo Brasileiro. 7 ed. Petr6pol Vozes, 1983.

You might also like