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NOVO MUNDO, VELHAS FILOSOFIAS* Gongalo Armijos Paldcios” Resumo Neste artigo discuto a questo das condicdes de existéncia de uma filosofia latino- wmericana e rejeito a falsa oposigdo entre filosofia latino-americana e filosofia européia. [Um esclarecimento necessdrio: 0 problema a ser tratado nao é 0 aprendizado da filosofia. Aprendemos'filosofia como aprendemos ciéncia, da |tradigfio. E nossa tradigao € européia. A filosofia européia é portanto uma condigao ineliminavel para aprendermos filosofia, oO ) problema hoje € como continuar a filosofia. B aqui que, eu manienho, deve haver uma rupiura com A tradigao, seja européia ou nao. Tudo o que vou falar nao deve ser entendido como uma rejeicao da Europa, mas das atitudes europeizantes (ou, melhor ainda, tradicionalistas) no nosso continente € nos nossos préprios paises. Nao tenho nada contra a Europa nem contra os filésofos europeus e sim contra 0 complexo de inferioridade das elites e dos intelectuais latino-americanos a respeito dos filésofos europeus e dos intelectuais em geral respeito da tradigdo.] * Uma primeira versio deste trabalho foi apresentada no evento "América, 500 Anos Depois", ‘om outubro de 1992, em Goinia. Esta versio, modificada, foi lida no XI Encontro Nacional de Estudantes de Filosofia, em julho de 1994, em Goifinia. ** Professor Titular do Dept.” de Filosofia da UFG. . A Pseudotematica da "Esséneia" Latino-americana Para pocermos nos entender, & necessiro dizer, desde o inicio, qual € a motivagdo deste trabalho, Este trabalho foi escrito para ser lido numa semana sobre 0s 500 anos da deseoberta da América. Nessa ocasito me pediram que falasse sobre filosofia latino-americana em particular. O trabalho ‘que apresento hoje sofreu importantes modificagdes, fruto da minha evolugto filosofica nests dois anos. A alteragio mais significativa se relaciona com @ propria concepeto de filosofia. Relacionada a resposta a essa questo esti a que € 0 tema deste dia: hi filosofia latino-americana? Aqueles, portanto, que asistem a esta conferéncia devem saber que a pergunta é uma pergunta especifca e se direciona a uma érea muito conereta do pensamento ltino-amerieano~ area da chamada Filosofia Latino-americana. Os que se auto-ntitulam "filsofos latino-americanos" entendem por Filosofia Latino-americana, no a filosofia {feita na América Latina, mas afilosofia que eles paticularmente faze, HG mais de dez anos trabalhei por um curt perfodo de tempo nesta ‘rea de eujaimportania,alés, nunca me convenci~ e rapidamente esquei. Uma das razbes dessa ilusdo foi_a falta de uma problemética filos6fica com a qual a chamada flsofi a pulesse conibuir 4 discussto filos6fica. Havia, sim, intermindveis discussbes sabre © que proprio, 0 que € impréprio, © que somos nés, como latino-americanos, & diferenga do que slo "eles", 0s ete, (Nests discusses jd se partia da existncia de wma Fealidade e de um homer latno-tmericanos... Se partia, Poi, do pressuposto metafisico de que existe uma esséncia latino-americana, negando-se com isso todas as diferengas sociais,raias,culturas, econtmicas, etc., que América Latina representa, Numa palavr, se partia de uma unidade «que na realdade todos sabemos que 180 existe.) ‘Nessa temtica ~ que considero uma pseudotemitica - eu nfo vou entrar. Bu vou propor uma outradiscussfo cuja mera enunciag2o jf demonstra ‘uma atitude diferente e aponta para um problema real: faz:se-filosofia-tia AaméricacLatina? Como ¢ por que se faz filosofi Para responder essa pergunta devo responder uma pergunta prévia: como e por que se faz flosofia em geral? Se olharmos a historia da filosofia pereeberemos que s6 existe filosofia houve_problemasa serem Tevlvie scons Rlowolade PoRua 6G Ed i Ur epnir EES a“ (léncias Humanas em Revista, 4(1/21:33-50 fan (der. 1999 yelho e o novo ~ a necessria descontnuidade de rudo 0 que é histérico ou Fai E fiitil, obviamente, negar a tradi¢3o por nega-la. Nas varias vezes em que ew li meus trabalhos aqui em Goidnia ft interpretado como propondo um esquecimento da tradiga0 filos6fica. Repito, ¢ file tolo fazé-lo. Ela permite A filosofia continuar jé que € um de seus pontos de referéncia origindrios, um dos seus apoios; ela € sempre solo fértil para novas reflexdes e pesquisas Observeros desde o inicio que se existe uma tradisdo na filosofia, radigfo. A hisiria da filosofia 6 a histria da superagao ou esquecimento ds grandes sistemas filobtios. Esses smas tém, pois, uma coisa em comum: a critica dospassado filosofico, Isto parece mostrar que, E parece também que isto tem que ser assim, pelo menos ‘para possiblitar o proprio avango da flosofia. Por que, entfo, se nega a tradigéo ¢ em que sentido eu afirmo que se deve negé-la? Nega-se a tradicao| hnassos problemas, ou porque nds temos novos problemas que ela no} 04 porue Temios sol iferentes, 0b, ¢ isio € crucial, porquel que a filosofia encontrou s6 conseguiram ser solu ‘eincias que foram “Uma das razes pelas quais @ chamada filosofia latino-americana rio se consolidou filosoficamente é porque ela ndo tem conseguido constituir um problema propé-lo a discussdo filoséfica no Ocidente. Ela nfo tem ‘um [arador: como poso afirmar qe a lsofa latino americana ndo consegia cconstitur um problema propriamentefilos6fico e a seguir sustentar que no ha problemas “essencialmente" filos6ficos? Para sair desta difculdade devo cexplicar 0 que faz que um problema possa ser considerado filaséfico. A resposta € mais simples do que poderiamos esperar. ‘Se olharmos na histéria da filosofia veremos que certos problemas se repetem com maior insiténcia do que outros. Isto poder ser um eritrio para solucionarmos o problema: € filos6fico aquele problema que foi ou tem sempre discutido pelos filésofos. fos, Todavia tte REO TAO Hs TEE UT “Tonge pois aio hi questo que tetba sido tratada por todos os filisofos sem ARMIIOS PALACIOS, Goncalo. Novo mundo, velhas flsofas 3 excecto! ‘Tudo 0 ue & tpco da Filosofia Moderna, por exemplo, noo foi nem na Filosofia Medieval, nem na Filosofia Antica Para sir desta deus devemos diereciar temas e problemas. HH temas qve podem se considerados constants no pensamento floss Gata ue O UATE, Gal EH Origen es Coo, hua conpos 0) €0antopoldpico (que & 0 bomem, sua origem, se papel, sua natureza) E destes temas surgem ceriaséreas em que se dscutem problemas. Sio as ‘reas da ica, da Esttica, da Pltca, Ontloga, Epistemologi, etc. Com isso, vejam bem, nao mencionamos problemas concretos net formas especificas de se trata os problemas em tas reas. Podernos dizer, de igual manera, que @ medicina, desde sempre, tatouo problema da sade, Iss, porém, nfo significa que os problemas eas maneirs de se encarar e resolver ‘nis problemas tenham sido as mesmas. Os problemas e as maneira de se encarar tas problems na medina forem muidando de €poca para época, de regio para regio. Nao hi, eno, problemas eremos nem formas exclutivas de se encarar os problemas da meticina. Por analoia, conseqientemente, odemos dizer que assim como em cada época o que se considera como ‘rocedimento propriamente médico varia, 0 qve & problema propriamente ‘oso varia de époea para époes. Nto pois, em essénca, un problema propriamenteflosfic, um problema qUe 5 sea competénia da filosofa, “Alga poderia pensar na metfisicae dizer: o problema da esséncia do ser 6 tpica¢ excusivamente filoséfico. Masse isto for assim entio Kant, que rejita a metafisca dogméticaelstica, nfo seria filsofo on ni teria feito filosofia. (Aids, o problema do ser € consierado um pssudoprotiema por varias vertets filosics.) Pois bem... nem com relagdo a pretensa Aiscptina fos6tea por exclénca héacordo! Ese fala esse acorda-com relago A metaisica, também no hi consensorespelo do que sja ou deva sot esiencialment filossico E denro de cada época que um problema s ora flo6fen no Do mesmo modo como o professor Alberto Cupani' afirma que é cientifico 0 aque cada period histrco considera que &, eu afrma que 0 vrios os fares, 9s problemas, interesses sas Epocas. Ora, nio hi nada que determine ca deve ou nfo considerarfilosdfico. A proble- mitica filos6fica nfo esté predeterminada no passado. Isto, tanto na histéria da flosofia como na histGria da ciéncia, € mostrado pela insurgéncia do novo, ‘© novo, no entanto, nlo esti necessariamente contido no velho. A histéria da "aconliade eCiénci’,confertnia profs no XI efi 3 Chencias arama em Revista, 4172):33-50, lan de, 1988 flosofia, sem deixar nenhuma margem a dividas, mostra que hd inovaguo e originalidade filos6ficas. E isto, por sua vez, obedece A concorréncia de circunstincias, no fundo, aleatorias que propiciam 9 aparecimento de um. problema filos6tico novo. ‘A estagnagiio na filosofia CChegamos ao problema da estagnagdo na filosofia © suas causas, Efetivamente, afilosofia néo avanca se ndo surge alguma diserepincia com a ttradigao ou aparece algum problema novo. i (© que fazer, entdo, se nfo se consegue constituir um problema {iloséfico novo? O que usualmente ocorre ¢ esconder-se atris de disputas meramente terminol6gicas, atrés de discursos o diffceis de entender que ninguém se dé o trabalho de escifr-T0s) E sto o que geralmente tem acontecido na ilosofia:jaqueles que ‘ica que expanta 0 grande public © a€ pessoas pe pacignciasufciente para alurar 0 que verdadeiramente ocula a dia fumagar I ‘erudito € aquele que descobre fatos conhecidos, o sAbio é aquele que inventa| Sua ~~ Despejam-se sobre o aluno, 0 auditério, o leitor discursos velhos, gastos, vazios. Com isso mio se consegue articular nem o contexto que ‘motivou o problema nem a argumentago que indique uma possvel solugio para o problema, CO eruditisma}é um dos grandes e graves problemas da filosofia. No ‘entan, ese no € um problema da América Latina somente, mas do mundo inteiro. Aqui, € claro, 0 problema € mais grave, porque além de nio dizer nada, o ‘erudite o faz muma outra lingual T com tudo isto esquecese © grande exemplo de simplicidade que ts legaram os pregos. Els nfo precsaram invent as nots de rodapé, nem as citagdes em outras Iinguas, pior ainda as citagdes em linguas mortas. Eles falavam na propria lingua, isto é, na lingua materna, ¢ iam diretamente a0 assunt: argumeatavam. Hoje, ¢ claro, a flosoia evolu, faze flosofia em véras linguas 6 mais do-que nesescarioconhecerouras Unguas para estar & par Oo que acontece no mundo = para néo-mencionar. aprendizado da filosfia, sobre 0 (ue, insisto,ndo esto tratando aq. Lamentavelmente, confunde-sé 0 melo com o fim, e mullas vezes eriase a impressfo de que a fllosofia nfo se ARMIIOS PALACIOS. Gonco, Nove mando, ves Howtos 7 ‘compe de problemas e arguments sobre eses problemas, mas de nota de rodape e ciagdes qu, quanto mais numerosas, melhor. E ali que se frusira a eringofilosstes. Fica no ara iia de que. ‘lo $e € fldsof se no se menciona um bando de fl6sofos consaprades ne se ita em outras Knguas, Repto, quanto maior 0 nmero de nota de rodapé ‘¢ maior o niimero de estrangeirismos, melhor. Liferar-se deste preconcetoseré um sna de que se abandona a pose para entrar a tabalhar ilosoficamente Esa libertagio, uriosamente,aconteceu na propria Europa, onde «0 fldsof0se eientstas mataram defntivamente o latim para eserever tas linguas nacionais, como o fez Galileu com o italiano e Descartes com 0 francs, ‘Vemos, portato, que nem a efudiglo & condigao nevesséta para filosofar nem a abscuridade € uma indicario de que algo de filoséfico deve estar por tris do discurso inintligive. i nas pessoas 0 preconceito de que existem certos problemas que sto tipcae essencialmemtflosicos, ¢ com os quas os grandes flsofos se defrortaram. Isto leva 8 ida de que, no fundo, na falando da mesma coisa, de qv o objeto ou objets i Se sfo os mesmos, entio todos as fldsofos vivem e véem o mesmo mundo, Mas isto nfo € assim: uns fildsofos vivem e pereebem um mundo de essncias « substincias, outros vivem mum mundo de fenémencs em que as substincas no podem ser conhecidas, outros num mundo de fendmends em que n20 hi substineias, etc. Portanto, certs filésofos vivem mum mundo em que a retaisica faz seatido e€ a cincia por exceléncia, outros em que a metafisica no faz sentido nenhum e deve ser rejitada como pseud-saber, tf falso| conseqlentemente, pensar qu todos 0s fl6soos esti falando sobre 6m assunto € todo mundo entends e acs 0 que o auto diz. falso que a filosofia continue de filésofo para filésofo. Ora, no momento em que nds concebemos a filosofia como wma unidade, como uma linguagem unitéria, nos afasiamos da possiilidade de entendé-la. A dificuldade de entender flosofia nfo esti na sublimidade e astrago dos seus problemas e sim na dversidade de linguagens, de enfoques, de perspectivas, ¢ na teimosia de divulgadores med mediocres em querer tra ‘co isso numa tnica linguagem, como se a diversidadetemica, problemi ‘ca € terminolégica o permitissem! Mas uma répida olhada na filosofia nos ‘mostra uns negando os outos, opondo-se 20s ouzos, critcando 0s outros, ‘gnorando os outros, minimizando © até ridicularizando 08 outros... A filosofia no € um espetculo em que a mesma pecaesejasendo encenada para ‘odo mundo. Cada espectador ¢ jé um espeticulo a parte, ele participa da pega (itis Hamanas em Revi, (2:38.50, jane, 1993 ea vive e recria de manet Pet ia problemas ‘ie devam ser considerados propriamentefilos6ficos. Em primeiro lugar pelo ue j4 disse: porque nem sequer 0s filésofos estio de acordo acerca do que seja essencialmente flos6fica. Em segundo Ingar, porque os problemas filos6ficos nfo so exclusivamente flloséficos. Esta dhima afirmardo é s6 sparentemente contradiéria, Efetivamente, se os problemas filosficos fossem ‘exclusivament filos6ficos nfo teriam dado lugar ds cigncias que os resolveram. (astronomia, fisica, quimica, antropologia, sociologia). Ora, no momento em que tais problemas foram objeto de preocupacio de outras freas do saber, deixaram de ser propriedade exclusiva da filosofia! HS, por outro lado, temsticas que tm sido consideradasfilos6ficas €, no entanto, a hist6ria da filosofia nos mostra que o que numa época foi ‘considerado urn grave problema filos6fico, a época Seguinte 0 acusa de ser um. ‘pseudoproblema, E isto nfo s6 em relacio a problemas mas em relacdo a temas, ¢ inclusive a éreas inteiras da filosofia, como tem acontecido com a metafisica. Descartes, por exemplo, mudou o rumo da filosofia quando, jgnorando totalmente 0 que 2 filosofiatinha feito no passado, quis comesar, partindo do zero, a filosofar sobre novas bases, novos fundamentos, diferentes os da trait. © que faz, endo, de um te tema flosdfico? O que sempre fez: 'a) a acetaglo social, as convengdes, a pritica nos ciculos de profissionais: Numa palavra,o interesse que um grupo de pessoas (ém pot CTscutir tal tema como problema filos6tico ¢o costume de fazélo, O que faz de um problema qualquer um problema filoséfico é 0 que faz. de um ato um ato Justo: uma. deviso técta ou explicita de consderé-o justo. E 0 que fiz do justo, justo, edo bom, bom, faz do filos6fco, filos6fico: a vontade constante de ua comunidade de considerar um alo juso, um homem bom € um problema filos6fico. E, de mancira semelhane, o que determina que ito ou aquilo seja considerado nfo-flos6fico é a vontade de outros de no mais ‘considera isto ou aquilo como filosstico. (4 nao é mais “filos6fico” - ¢ suponto que nem tolGgico~ dscutir 0 exo dos anos!) um assunto ou problema torna-se flos6tico quando existe a imposstbihiae de resolver tl poblema em cusses das reas conhecidas do pensamento humano..., 0 saber-se perdido, “Gectenade ec exces Me es erat et Zios conhecidos. Isto coloea-nos eo ipso, e imediatamente, no plano TTGRETGO™== Pete, ais, que possamos falar de osofa das cisncls, © Aiscutir losoficamente se hi uma realidade referida pelo discurso quantico, ARMIUOS PALACIOS, Gonyalo. Novo mundo, vthas fleas » Podemos, sit, descrever 0 plano filos6fico como o terreno dos bandeirantes, dos desbravadores. E isto que faz a filosofia excitante, viva, ao contrario do trabalho filol6gico, historico, paleontol6gico que a maioria das pessoas aca que € € que estagna a filosofia AS teorias filos6ficas so 0 alimento conceitual de uma época, [Existem divers0s prafos (eitos para momentos diferentes da reteigh cig social, Eo clima social que _motiva ou inibe a sede de beber tal o qual elixit \flosstice ___Ora, assim como os alimentos, as teoras estragam-se, apodrecem, «© nfo mais provocam entre os comensais 0 desejo de degusti-los. O que estraga as teorias? O mesmo que faz que os alimentos se esiraguem: as ‘ariagfes de temperatura que estimulam os germes a corroerem tas alimentos De maneira parecida, novas condicdes aparecem ¢ fazem germinar novas idéias. Taisidéias carcomem as velhas e podem destru-las, embora também possam melhord-as, como acontecé com 0s vinhos'e exitos queijos, que quanto mais velhos, melhores. Qutrasidéias simplesmente afundamSe-no ‘eaquecimento-e-desaparecem, Por que isto acontece? Porque tas ids nto representam problema para ningyéal > Para degustarmos um alimento ¢ preciso que estejamos dispostos a fané-lo, Isto sé acontece se tivermos inteesse em fazé-o, 0 que, por sua Ver, 6 ocorre se hower necessidade. Ora, s6 podemos querer consumir uma tor filosofica se ha essa confluéncia de fatores”Inlernos € exiemos! sentir necessidade de pensar Flosficamen ede resolver problemas filosoicamenie- “Fxisiem nt América Latina condigdes externas que favoregam essa necessidade de producto e de consumo de idias fllossficas? __J Ei paises que tém atravessado grande parte da sua histdria sob] | remies autortéros, esta necessidade nem sempre foi estimulada ou satistit, | Mas o pouco estimulo a producto flosfica nfo tem x6 uma explicagto | politica. Hé razdes ideoldgicas - que nada tém a ver com os aparelhos| | repressivos do Estado - que desempentaram e desempenham até hoje um papel decisivo: € 0 academicismo europeizante que prevalece nos cftculos intelee tuais. (Sobre isto falaremos mais adiante.)[ > el atkwensepore 2 Arte, fllosofia e academicisme 200014 Para entender melhor a situaedo da filosofia feita na América Latina, vejamos a situacdo das outras expresses cultu por latino- americanos Na literatura latino-americana, por exemplo, nfo ha o desejo de seguir padroes literdrios e estéticos europeus ou norte-americanos. A. 0 (Gléncas Fumanas om Revista, 4/2):33S0, jan ee, 1993 ‘motivagio no é imitativa, & eriativa. O pocta, o escritor, partem de uma, autovaloragao técita. A realidade que rodeia 0 artista é poética, é digna de explorasio artistica, musical, literéria. E, 0 que € muito importante, ele ccaminha pelas ruas, pelas pragas, bares, prostibulos, perambula tanto pelo sub- ‘mundo quanto pelas alta esferas sociais, ele no tem a exigéncia de, para usar ‘uma expresso popular, ‘fazer bonito’. Nao se vé como parte. do. mundo académico, nfo € obrigado a repetir 0 passado. Mas, atengio, os grandes ‘seritores, misicos e poctas latino-americanos superaram a tradigao européia ‘porque a conkeciam bem, embora nfo se sintissem obrigados a reproduai-la nem a humilhar-se diante dela. HA arte e hé ciéncia sobre a miséria social, humana. Nada resta & filosofia neste campo. Nao ha flosfia da miséria. A tendéncia académica ¢ filosofar sobre o Justo em si, 0 Belo em si, o Bom ‘sto €, sobre nezitos e realidades considerados sublimes. A miséria social da América [Latina no faz parte do sublime, Além disso, a tendéncia da filosofia iadicional tem sido a de unversalizar; nesse sentido, ela compartitha com a clncia uma velha ambiggo, E fil ver nos projets flos6ficos europeus @ tendéncia a ess to alimejada universalidade e cienificidade como no Circulo de Viena, na Escola de Oxford, na Escola de Frankfurt ~ que se centram em projetos nacionais ¢ continents, como a flosofia analitica, 0 empirismo inglés, o marxismo europeu, e falam em nome da Filosofia, da Cinca, do Proletatiado, etc "AS tendéocias fllosSficas européias procuraram estrturar suas teories tendo em vista um homem universal, um saber universal, ou a negagdo esse projeto universalist, racionalsta (Nietsche, Heidegger). © antdiscurs0 4o discurso filosfico tradicional é foi feito ¢ & feito na propria Europa, O {intelectual latino-americano 36 entra neste projeto a posteriori. Parece que sempre est atrasado ¢ ndo tem nada de novo a dizer. Ao escritor ao poeta latin-americanos, pelo contri éreconhecido 0 direito sua pecularidade, 2 sua particularidade, as suas novidades. © europeu que deseia ler boa Literatura nio sente eserépilos em ler Vargas Llosa. Porém, Ié curopeus se ‘quiser ler filosofia. Pois quer ver 0 trafamento filésofico europeu aos problemas europeus. Certamente nfo vai ler um latino-americano falando Sobre Hegel, pois este pretende, no méximo, fazer uma interpretacdo de Moto nic ab wm iro pra ze 0 debater fugBes do autor aos problemas tratados. Se quer ler Hegel, le Hegel. Um alemdo nfo vai aprender espanhol ou portugués para repensar a problenitica heideggerians. A flosofia aino-americam is 6 a flosti {eita na. América Latina s6 poderd impor-se, impor sua personalidade, assim ‘como o fez a literatura, a misia, a pintura, quando situag6es especificas| ARMIIOS PALACIOS, Goncalo. Nove mundo, vlha losefias a motivarem sua criaglo sua reflexHo ~ efor importante ou interessante para ‘os outros ouvir suas idéias, ou quando seus representantes tiverem a coragern fe criaividade suficientes para inventar uma disusséo na qual os outros queiram tomar pare, Nio hi um projto ltino-americano que tenha tido acolhida filosstica, Existeo proeto da chamada flosofalatino-americana, sim, mas € um projto que nfo tem despertadointeressealgum. Isto no significa que no se fa flosofia na América Latina, Sigifica que nio hi ma proposta specifica e original. or enquanto, Por que ito? Uma razdo € propos ogo mais. Uma outra 6 que, talvez, a fala desse proto seja culpa do préprio filGsof0 latino-americano. De fio, 0 escrito latno-americano escreve para seu povo, para os que fala sua lingua e conhecem seus costumes, Qual € a tendéncia do fldsofo laino-americano? Fazer 0 que aprendeu do europe, escrever para o Homem Universal ~Ieia-se "para o homem europeu". Quando |o filésofo latino-americano escreve para aquele Homem Universal = isto &, |para europeus — jé esté comecando mal E por isso que, como fil6sofo, o fil6sofo latino-americano deve continuar a tradicdo Flosfia: deve basear-se nea para refit, Rejetéla desde sua prpri stuseoe tendo em mente seus proprios projetes e particu. laridades. No pode ter medo das suas esquisitces. © grave problema das nnovas geraedes de candidatos.a filésofos € que estio expostos a uma “foto Tiloscfica, Pois a flosofia feia na América Latina tem este "pequeno’ inconvenient, as vezes, nem chega a ser uma fofoca de uma conversa feita alhures. Para deixar de se fofoea de conversas alias, ela deve estrtura st proprio didlogo. E s6 ha didlogo quando alguém esti disposto a dialogar ¢ hé algo sobre a qe dalogar, um problema, Or, o problema na casa dos primos, por mais grave que ete sei €d05 pris. De qualquer manera, para jsamos de interocutores é 'S6 dialoga quem tem algo prdprio a dizer, algo novo, quando se deseobre um novo problema ou uma nova solugio ou interpretaga0 de um problema veiho. Hi, porém, desestimulos materias. Sem litores nto hi interesse das editoras em publicar o que o filésofo, aqui na América Latina, tenha a dizer. Ora, o filésofolatino-americano tem publicado. Por que nfo & ldo? Porque nio ha pblic para aflosofalatino-americana? Por que i piblico ara. a are, para a poesia, para a literatura? Porque ndo hi pblieo para ideias chochas, gastas...eomo tem acoatecido, por exemplo, com a literatura ‘marxista latino-americana). O leitor reconhece tanto a falta de imaginagio quanto as atitudes apologéticas, os lugares-comuns. A moda impie 0 que o clitor que publica. Eo leitor laino-americano tm stud uma infindavel 2 é cadeia de Introdugdes & Dialética, Tratados de Ideologia, Materialismo No entanto, isto tem acontecido tanto na Europa como na América Latina, Na Europa também hé péssima filosofia. Em toda parte ha um filosofar ruim e um filosofar bom, como ha misica ruim e misica bos, O ruim do Siosofr conse em volar. pra. velo Tid séculos sem a menor intengdo de sair deles. A fils ce ‘Tguém tem a necessidade e a coragem de abrir novos rumos, de pensar por “conta Isso nunca foi ffeil, porque pressupée Tutar contra 0 tradiciona- Tisto imperants, contra a mesmice da maioria, conira preconceitos enraizados “no ineonsciense das pess a as apenas a estimulos externos? O problema da eee ee ee meee mais chatas, pela simples razio de que se costuma ensind-la fora de todo contexto, como um receitudrio de princfpios a serem seguidos. Fé usual que se organize a matéria da mesma forma tradicional, chata, dividindo-a em épocas, em tendéncias, no que falou Sécrates, Platéo, Aristétles,et., etc, tc, Desafortunadamente, nio se discutem problemas ticos auais, de interesse para vos, Eimeesamte ie i exso mo anes ca cr 8 pales rida pelo meu colega José Heck que afirmou, es oo oon Coa, Ele di a sn mda ha tradicdo que nos permita resolver problemas_éticos. Nisto.— prosseguiui = estamos 6s, Eu diria, nisto e em muitas outras Areas. ~~" que aconteceu no pais nos iltimos anos nos permite ver que ~ independentemente do que professores opacos ensinam a estudantes aborreci- dos ~ 0 pais organiza sua economia e sua politica segundo certas normas a serem seguidas ¢ 0s individuos agem conforme outras normas e eritérios: as ‘que ditam seus préprios interesses. aeumine vir Leane Concein Nnin mand velit flsafas #8 Qual € o diatogo ético que o pats ouviu? Nenhum! No Congresso 36 se discutiam normas de procedimento que deixavam intacto 0 problema de fundo, a saber: o problema de se 0 governante esté ou ndo para usufruir do =r ¢ beneficiar um cfrculo de oportunistas. Que fez com que o processo de. limpedimento contra um presidente eleito progredisse? A pressao de um setor |G populacio. O fato de muitos Brasileiros senticem vergonka e-a possibilidade {de ourosTantosusufruirem de tal crise, Mas oTatordecisivo Tota Tevolta de lum povo, dentro da_qual sobressaiu a reagio de camadas da populacta |consideradas politicarnente apdticas, como os adolescenes e jovens. Nao foram jem 0 Proletaiado, nem & ldéia de Justga: Toram_ ‘adolescentes ¢ jovens que nem possuem uma categoria sociolégica prép |sléo da denominagdo de “caras-piniadas™ “pie boucas palavras, a ica nio se impBe de fora, de cima para balxo, Bla nasce, como qualquer outra reaggo humana, “mum cont favordvel. E uma das expressbes Jo que 0 cidadio quer ou no quet. pre ou nao. Isto nos pode levar a perguntar: aqui no Brasil, o que 6 que 0 povo «quer, € com que é que a Etica ou a Filosofia Politica poderiam contribuir nesta bbusea? A partir daqui podemos entrar numa pesquisa sobre formas de governo altemativas, nio consideradas ou mesmo desconsideradas, ignoradas ou negadas pela filosofia européia, tanto no pensamento marxista quanto no Pensamento liberal e neoliberal. Esta 6 a oportunidade que o fil6sofo na América Latina, aqui no Brasil, tem para repensar o problema da Etica e criar a partir dele. Ora, que atitude € a que o fil6sofo, aqui no Brasil, tomard? Ea partir da atitude ante estas perguntas que, como fil6sofos, ou nos detemos na ‘mesmice € no passado, ou continuamos no enriquecimento da filosofia, Que quer dizer isto? Se achamos que devemos falar do Povo, do Proletariado, do Trabalhador ~ com a licenga dos marxistas -, j4 comegamos mal, Estamos fadados a ficar parados, Cometemos pelo menos dois eros: 1, Pressupomos a existéncia de uma enteléquia a ser encontrada: 0 Povo. Ora, que povo? O povo em si? O povo-pova? O povo das Democracias? Que democracias? E que faremos para entender o significado de ‘povo"? Leremos Marx, Hegel, Locke, Hobbes, Maquiavel? Talvez devamos desenterrar 0 que significa ‘populus’ © devamos entrar no pensamento medieval. Deveremos ‘aprender alemio, inglés, latim, no processo? [sto nos levard aonde? $6 pode levar-nos a uma pesquisa eruita, de fildlogos, No entanto, nesse processo ja se perdeu a visio do problema. O “ problema filoséfico virou fumaca, virou palavreado confuso, discussdo ‘terminol6gica. Algo parecido com: ol render esta questao devemos ver o significado de dialética pkgs dehepipaat ei gern oo eee are eee ee a ae eres eee ere et eee eget aaa ee ee particular como o faz, vamos, pois, ler Kant! Este processo, como jé devem estar imaginando, s6 termine nos ‘gregos. E quando retornarmos dos gregos - se relornarmos - teremos carregado nossa linguagem de helenismos, latnismos, galicismos, germanis- ‘mos, anglicismos, que s6 conseguirao obnubilar - se no afogar definitiva- ‘mente - nosso interesse e preocupagées originais: o problema ético no Brasil. [Nessa excursio pelo passado, no entanto, algo de errado aconteceu. lugar a filosofia fugiue o filologismo entrou fn HS mane spo ps tota ota vgn no psf ia ot ead a estabelecer o que os gregos entenderam por demas e 0s latinos por populus ‘nos aproximou isto da solugéo do nosso problema? Nao necessariamente. Talvez até tenha nos afastado da possiblidade de obtermos alguma solucZo, pois 0 que fizemos foi, no melhor dos casos, entender certos conceitos nseridos em situagdes histricas diferentes. $6” chegamos a entender ui jstema conceitual adequado a um projeto social, nacional, hist6rico, rin anos sopor, sind, qo cheguemos& Spoca contemporinea. O que sucederé € que veremas o ‘poyo" através dos olhos europeus, pensaremos & realidede Iatno-americana a pati de categoriaseuropéias,‘aburguesaremos ‘oempresirio brasileiro, 'proletarizaremos'o trabalhador brasileiro, ‘contradi- torializaremos' os conflitos sociais, numa palavra, terminaremos mascarando ‘uma realidade especificamente su-americana com conceitos europeus.. Isto aconteceu, entre ouras razSes, porque assumimos como nosso ‘© projeto europeu, porque miramos nossa imagem em pinturas e real imporiados da Europa, 5 eo ee ere personalidade prépria porque, em primeiro lugar, nunca deixou de ser um ‘mero projeto, Mas a produséo filosfica feita em América Latina nem por isso ARMIIOS PALACIOS, Goncalo. Novo mundo, velhas flosofias “6 & menos filoséfica. $6 que até hoje tivemos, como nossos, os projtos curopeus. Isso nfo nos faz mens fiésofos, asim como a casa que const6i 0 pedreiro nao € menos casa pelo fato de nto ser aeasa dele © problema, vejam, se redu a isto: qual € 0 nosso projto? A ‘esposia a esta pergunia depende da resposta a uma outra: como queremos tossa casa? Haverd varios projetos. Serd que deveremos importa projetos ropeus_para-nossa_prépria_casa? Esla casa-brasleira-ndo-s6 esd mal cntruids-como-anal-assombrada. O que eu vejo que vai acontecer € facilmente previsvel:iremos em procura de exorcistas curopeus. Iremos ver © que € que a teora politica européia tem guazdado para os casos de asombr #0. O que € pir, vamos ouvir que nossas assombracdesjéestavam prevists 10 manual europeu de asombragbes poltcas. Fé prtindo dal que ‘compreen detemos' onde erramos, por que erramos, e como poderiamos fazer para ait desta simagdo e evitar novas. Importamos reeeitudrios como importamos ‘mostruitios de produtos estrangeires. (Se voc! esava desatentoentio no vi que falar da ‘casa brasileira 5 pressupde um conceto tpicamente ocidental. O projet ocidental é sempre ‘itdrio, se fala do homem, do sistema, do projto, ec, assim como eu fale da casa, Mas ndo podemos falar da casa brasileira, porque entéo pensaremos aque & e deve ser uma, Ora, qual? A. do branco, do negro, do descendente de Iimigrante japonés, alemao, 2 do nordestino? Devemos falar do bairro brasileiro, ou, melhor, das baitos, e reconhecer odieito que cada comunida. de ¢ cada brasileiro que € diferente dos outros tfm de consruir seu baitzo como quiserem, O Brasil nao é uma casa, € um conjunto de bairros que ttm 0 direito ao seu proprio projeio cultural, nico, ¢ é a partir do reconhecinvemo dessa diferenga_que podemos mostrar & histria que sabemos como ni iugoslavizar’ nossa propri-histGri.)———— R (© que explica tal dependéncia teérica do curopeu? Podemos facilmente responder esta pergunta apontando wma id que caracteriza nossa atitude em relago a temas sociais ¢ politicas. E a idéia de evolugao, importada © assimilada da cultaraeuroptia, que nos convence de que nds devemos queret ser superiores a nés mesmos, De que devemos superar-nos - e superacio equivate a evoluedo, passar do inferior para 0 superior, do tercero mundo para. o primeiro. Numa palara: ser como a Europa, Nao podemos desar de querer ser superiores, melhores. E melhorar € europeizar. Melhorar é industrializar, © lomem superior tem poder porque tem tkne Queremos imitar uma forma de vida, Ora, € fécil reconhecer ‘mitages e imitadores. E, por sermos imitadores, nos olhamos através das gl6rias proprias 0 homem europeu, nfo através de seus horrores. Estes, convenientementc, “ (hci Humanas em Revita, 41/2):3-30, Jan ee, 1982 cesquecemos. Os horrores, aids, que fzeram de paises como Estados Unidos, Brasil e Argentina paises de imigrantes. Mesmao-assim,-nds.6-que-somos, ‘Brbaros’ Porém, somos tanto menos bicbaros quanto mais imitamos os projetos europeus. E por isso que valorizamos Sto Paulo, E por isso iminusmos o sertio, 0 cerrado, e preferimos a neobarbérie paulistana a0 abandono e solidéo do interior do Brasil. Porque solidio nto € progress. "Temos vergonka de propor um projeto que nfo seja como o patlisano, que ‘lo sja industrial, que nfo seja como o europe. Incomods-nes, por exempo, io termos um departamento de filosofia como o da USP, isio é, um ‘depariamento francés em ultramar. NE qe some Un HOOF. Nés mesmos negamos a possibilidade de uma razio alternativa, de uma razdo no européia que, mesmo assim, afirme seu direito&racionaldade, a ser razSo, embora diferente Deve parar de fazer filosofia para europeu ler. Mas no porque cxuropeu ni 1é flésofo Iatino-amerieano, Temos varias manciras de fazer ‘losofa nossa ~ se for realmente um problema wermos que fazer filosofia nossa (o problema de fundo aparece quando mudamos o lugar do pronome ¢

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