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Introdução
A adolescência nos coloca face a desafios constantes que
exigem disponibilidade e competências específicas. As ações
educativas e terapêuticas bem sucedidas no enfrentamento
destes desafios estarão garantindo o desenvolvimento dos
potenciais que esta fase da vida abriga. Por sua vez, a falta do
cuidado adequado com o adolescente pode representar não
apenas o desperdício deste potencial, mas sua exposição a
situações de risco ao seu desenvolvimento e, por vezes, riscos à
sua própria vida.
A construção identitária nesta fase transcende apenas a questão
das crises e rupturas, aparecendo também como um momento
de vulnerabilidade e fragilidade em relação ao social. Esse
quadro faz com que tenhamos que estar muito atentos aos
fatores de risco e proteção dos adolescentes em relação ao uso
indevido de drogas, não apenas na família, mas também no
interior da escola, a qual aparece com lugar de destaque
enquanto fator de formação e de socialização dos adolescentes.
Neste sentido, também os professores ocupam importante papel
dentro de uma visão sistêmica de desenvolvimento da
personalidade, pois estamos trabalhando com sistemas que
englobam não só o adolescente, sua família e amigos, mas
também outros grupos de inserção social, nos quais a escola e
os professores desempenham um importante papel. O ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente) exige um tratamento
diferenciado para as crianças e adolescentes que, enquanto
seres em formação, demandam cuidado e orientação.
Há inúmeros prismas através dos quais podemos lançar um
olhar sobre esta discussão. Os fenômenos sociais sempre têm
um significado específico de acordo com o contexto no qual
estão situados. Precisamos pensar, cada vez mais, qual o papel
e o lugar ocupados pela escola e pelos adolescentes como
atores e/ou vítimas desta saga e, de que forma podemos buscar
alternativas que venham permitir a ampliação da discussão
sobre este tema por si só tão multifacetado.
Neste sentido, algumas questões ficam no ar e precisam ser
problematizadas: Qual o papel da escola? Como aparece o papel
dos professores enquanto educadores? Como estes encaram o
tema da drogadição? De que forma a escola pode atuar como
contexto protetivo? Que fatores de risco levam o adolescente a
envolver-se com drogas? A escola consegue perceber seu papel
ativo na proteção dos alunos, ou apenas busca proteger-se
desta temática com a qual não se sente preparada para lidar?
O presente trabalho propõe-se a explorar um dos eixos de
intervenção do Projeto de Prevenção do Uso Indevido de Drogas
para Educadores de Escolas Públicas (promovido pelo MEC e
pela SENAD em parceria com a UnB), o qual refere à escola
como um contexto de promoção de saúde e proteção do
adolescente em situação de risco pelo envolvimento com
drogas.
É claro que dar conta destas articulações e deste tema seria
muita pretensão, mas as questões aqui refletidas são um
convite a que ampliemos nossa visão, pois precisamos olhar o
fenômeno do uso indevido de drogas como complexo e
multifacetado. Neste sentido, a escola aparece como cenário
cotidiano que reflete em seu interior essas questões sociais mais
abrangentes, sendo um contexto da mais ampla importância.
O Que é Adolescência?
Precisamos, inicialmente, traçar uma reflexão acerca do que
consiste, afinal, a fase da adolescência. Que visão é transmitida
sobre o adolescente em nosso momento histórico atual, e mais,
até que ponto podemos falar em uma adolescência de modo
universal, ou será que o mais correto seria falarmos em várias
formas de adolescer diferentes, de acordo com o contexto
social, econômico, cultural, etc.
Segundo Becker (1994), a etimologia da palavra adolescente
vem do latim ad, que significa para e olescere , que quer dizer
crescer; ou seja, "crescer para". Na verdade, inúmeras
palavras são associadas a este momento do ciclo vital da
família: crise, ruptura, crescimento, descobertas, oportunidades,
iniciação, incertezas, esperanças e formação da personalidade.
Falamos aqui em ciclo vital pois são mudanças que afetam, não
apenas ao adolescente, mas a todos que estão ao seu redor. Em
meio a essa crise de identidade, o jovem vai partir em busca de
novas identificações, novos padrões de comportamento, sempre
que possível bem diferentes daqueles que seus pais
representam. Há uma enorme necessidade de pertencer a um
grupo, fato que ajuda o indivíduo a encontrar a própria
identidade nos contextos sociais.
A adolescência inclui este momento de saída do mundo privado
para o mundo público de uma forma mais efetiva, mais
autônoma, em contato com um novo leque de possibilidades de
vir-a-ser. A incógnita que permanece é se todos passam por
esta fase de forma semelhante, ou se, ampliando a questão,
podemos pensar que alguns adolescentes parecem mais
identificados, propensos e sensíveis ao envolvimento com
situações de risco, como por exemplo, o envolvimento com
drogas.
A conceituação da adolescência é tema polêmico que se
insere na polêmica maior das teorias psicológicas sobre o
próprio desenvolvimento humano. Estas oscilam basicamente
entre duas grandes tendências: aquelas que consideram a
adolescência como um processo de natureza mais individual,
enfatizando os aspectos biológicos e psicológicos e aqueles que
defendem que a adolescência é um fenômeno criado e
sustentado culturalmente, enfatizando os aspectos sociológicos,
antropológicos e mesmo políticos e ideológicos.
Existem, porém, aspectos do desenvolvimento biológico que
perpassam as variações culturais e marcam mudanças
significativas relativas ao crescimento físico, em especial à
maturação sexual. Trata-se do fenômeno da puberdade, que
constitui a referência da entrada na adolescência.
Segundo Nunes de Souza (1997), a crise da adolescência é
sempre mencionada como um período difícil que "eles", os
adolescentes, atravessam. Mas não são apenas as
transformações físicas que geram dificuldades. Elas constituem
uma pequena parcela dos problemas a serem resolvidos pelo
adolescente e sua família. Na verdade, a adolescência é um
momento de crise para todos, pois as transformações pelas
quais passam o jovem, não são restritas a ele, ainda que
possam ser desencadeadas por uma crise individual.
Muitas vezes, o jovem tem necessidade de contestar os valores
estabelecidos pelo grupo familiar, procurando se afirmar na
qualidade de indivíduo com existência e características próprias.
Podemos perceber que, quanto mais os pais se mostram
exigentes na manutenção da sua ordem, tanto mais os
adolescentes podem ter necessidade de contradizê-la. A
contestação individual, dependendo da flexibilidade dos padrões
familiares, poderá ter repercussões em todo o grupo.
Nunes de Souza (1997), cita uma frase de Aberastury (s/d):
"Entrar no mundo dos adultos - desejado e temido - significa
para o adolescente a perda definitiva de sua condição de
criança. É um momento crucial na vida do homem e constitui a
etapa decisiva de um processo de desprendimento que começou
com o nascimento." (p.153)
Este é o momento em que a redistribuição do poder se coloca
muito intensamente. O poder decisório dos pais entra em
declínio. Como adultos não lhes cabe mais a última palavra. As
escolhas e decisões deverão ser negociadas.
Além de buscar a autonomia, o adolescente precisa certificar-se
de seu pertencimento, recuperar sua história, testar a solidez de
suas referências de autoridade, para então ampliá-las e conduzir
o seu processo de separação e individuação. Há um paradoxo
existencial de dependência versus autonomia. (Sudbrack,s/d).
Como nos fala Fishman (1996), crescer envolve separação e a
idéia é poder ajudar o adolescente à "caminhar para fora de
casa e não sair correndo".
Ahrens (1997), nos atenta para o fato que o processo da
adolescência dos jovens de classe média e de baixa renda se dá
de forma diferenciada. Muitas vezes, o adolescente de baixa
renda não tem tempo para "ser adolescente", porque logo
assume a responsabilidade do trabalho ou das tarefas
domésticas. Não dispõe de condições materiais para
experimentar a adolescência enquanto um período de
descomprometimento com o processo produtivo e de
preparação para a idade adulta.
Se, por um lado, encontramos no Brasil o fenômeno da
adolescência prolongada - atualmente muito debatido na
realidade européia, por exemplo - temos, igualmente, a
realidade de um significativo contingente populacional de
crianças que, pelas condições de pobreza de suas famílias fica
impedido de viver esta etapa do desenvolvimento, sendo
obrigados a uma inserção precoce no mercado de trabalho. A
adultização de meninos trabalhadores foi estudada em pesquisa,
defendida como tese de doutorado (Marques, 2000). Este
estudo revelou o prejuízo psicológico e social desta queima de
etapas do desenvolvimento, e as repercussões transgeracionais
do trabalho infantil na identidade familiar, ou seja, a
transmissão de padrões familiares em que a inversão de papéis
cristaliza um funcionamento familiar onde os filhos - adultizados
- sustentam os pais e estes - infantilizados - dependem dos
filhos.
Chamamos a atenção para estas tantas adolescências, vividas,
mal vividas ou mesmo impedidas, nos diferentes contextos
socioculturais da realidade brasileira que lançam desafios
múltiplos. Se, por um lado, nas classes média e alta a condição
adolescente tende a prolongar-se em função das expectativas
de uma formação profissional cada vez mais exigente e
especializada, nas classes pobres desde tenra idade as crianças
já assumem, literalmente, uma função de adultos na medida em
que não apenas se sustentam, mas, ainda sustentam a própria
família. Por este motivo, entendemos que devemos considerar
esta pluralidade na expressão do que nomearemos como as
adolescências brasileiras. Nem a escola consegue mais
cumprir o seu papel de amenizar as diferenças.
Outro ponto importante é que, o aparecimento das tribos
parece, muitas vezes, responder a todas as questões
existenciais do adolescente. De modo geral, podemos situar a
adolescência como uma fase na qual junto com a tentativa de
independência, há esta busca de pertencimento a um grupo ou
tribo, podendo muitas vezes passar pela experiência com o uso
de drogas. Esta é uma situação vivenciada por todos,
independentemente de classes sociais.
A construção de uma identidade sólida depende da imagem que
o sujeito introjeta de si mesmo, da imagem que os outros tem
dele e da imagem que ele pensa que os outros fazem dele. Por
isso, para sentir-se um cidadão, ou seja, para sentir-se sujeito
de direitos e se assumir enquanto sujeito de deveres é
fundamental o sentimento de pertencer a uma comunidade. É
no sentimento de pertença que se alicerça a autonomia. Como
nos ensina muito bem Edgar Morin (1996), a conquista da
autonomia é um processo complexo que, paradoxalmente,
implica em muitas dependências.
Na origem etimológica, do termo "autonomus" significa ser
capaz de dar as leis a si próprio. A psicanálise nos ensina que só
é possível a introjeção das normas a partir de uma relação
afetiva positiva com as figuras de autoridade, vividas desde a
tenra infância. Sabemos que, na adolescência, este processo
atinge o seu auge de efervescência no momento em que o
indivíduo precisa ampliar suas referências, projetando-se dos
valores da família aos valores da sociedade mais ampla para se
reconhecer inserido em uma cultura. O sucesso desta inserção
social no papel adulto e esta transmissão dos valores sociais e
culturais dependerá das bases construídas na infância que
possibilitarão a separação da família, tarefa crucial da fase
adolescente. Aqueles que não tiveram oportunidade de vivenciar
uma referência de autoridade positiva terão dificuldade em
introjetar as regras e as leis com conseqüentes problemas
respeitar os limites.
É imprescindível que pensemos nas diferenças, ao invés de
simplesmente utilizarmos conceitos universalizantes e
absolutizadores. A identidade também é uma construção
relacional e dinâmica. Todo sintoma deve ser entendido como
tendo um caráter relacional. Até mesmo o envolvimento com
drogas ou atos infracionais também devem ser vistos como
tentativas de buscar saídas para a crise identitária da
adolescência. O grupo de pares ocupa posição primordial, na
medida em que, o sentimento evocado de pertencimento a um
grupo detém importante papel.
Portanto, a adolescência envolve uma série de significados
paradoxais e controversos, mas, na medida em que consiga ser
olhada em sua complexidade, pode vir a tornar o entendimento
do adolescente mais enriquecedor. Parece-nos que olhar o
contexto seja uma forma de sair da visão limitada unicamente
ao indivíduo ampliando-a para os sistemas. Há também uma
função social da adolescência, traduzida na maneira peculiar do
adolescente olhar o mundo. Há um choque entre o velho e o
novo, entre as regras estabelecidas e a
possibilidade/necessidade de transgressão.
O desafio imposto é de dar conta da complexidade desta fase da
vida. Precisamos caminhar rumo a uma visão mais inteira, que
leve em conta os sistemas nos quais o adolescente está
inserido, as redes sociais que o cercam, fatores de risco e
proteção de acordo com o contexto de cada um deles.
Precisamos estar atentos às diferenças, saindo de um modelo
fragmentado tradicional para abarcar um modelo mais inclusivo,
mais honesto, explicitando que comprometimentos ideológicos
estão presentes em determinados comportamentos.
Desta concepção da adolescência enquanto fenômeno que
extrapola o indivíduo e se coloca enquanto processo relacional,
decorrem implicações fundamentais para as ações educativas
relativas a esta faixa etária. Os programas devem incluir não
apenas os adolescentes, mas também, os demais segmentos
envolvidos, destacando-se: a família, a escola, as instituições e
os grupos de pares.
Há um duplo jogo, entre a individualidade e a coletividade, pois,
como nos fala Morin (1991), sempre há um imprinting cultural
determinando nossas percepções de mundo. Há uma
possibilidade de autonomia relativa do indivíduo em relação à
cultura. Porém, este autor ressalta ainda que sempre existem as
"brechas", ou seja, as folgas e hiatos que dão a possibilidade de
surgimento do novo. Uma crise sempre provoca a busca por
novas soluções. Sendo assim, é apenas redirecionando nosso
olhar para novos horizontes que será possível desvendar todo o
potencial criativo que pode estar encoberto em processos de
envolvimento com drogas em nosso país.
O Adolescente na Escola
O ponto de partida para toda e qualquer ação educativa relativa
à população juvenil refere-se ao resgate do adolescente
enquanto sujeito transformador. Os jovens precisam encontrar
espaços de participação na família e na escola para assumirem o
protagonismo de sua história e de seu futuro na sociedade. Na
escola, o adolescente tem oportunidade de viver experiências
com novas figuras de autoridade, bem como com o grupo de
pares.
A educação do importante contingente populacional formado
pela juventude brasileira é, sem dúvida, o maior desafio que se
coloca para as políticas sociais neste início de milênio. Somente
um trabalho conjunto entre a escola, a família e demais
instituições responsáveis pela proteção à infância e adolescência
permitirá o pleno alcance desta meta que é prioritária no atual
cenário brasileiro. Os adolescentes deixarão de representar
apenas quantidade para se tornarem verdadeiros protagonistas
do desenvolvimento social somente se tiverem acesso à
educação que compreende tanto uma completa formação como
a plena escolarização.
Situamos a escola como a instituição de vanguarda neste
processo, uma vez que, juntamente com a família desempenha
papel decisivo no processo de formação destes adolescentes
enquanto sujeitos plenos, capazes de exercitar seus direitos e
corresponder com seus deveres na sociedade brasileira que os
integra como cidadãos.
A escola constitui referencial estruturante nesta fase importante
da formação da personalidade que é a adolescência e, por este
motivo, deve contemplar em seu projeto pedagógico atividades
que promovam o amadurecimento do jovem. Cabe, pois, à
escola, além das ações específicas da escolarização, assumir seu
papel de instância formadora e de preciosa influência sobre a
pessoa do adolescente em desenvolvimento.
Domínio escolar
A escola é o ambiente em que boa parte os fatores de risco e de
proteção podem ser percebidos:
Em suma, os maiores fatores de risco apresentados no domínio
escolar são a falta de habilidade de convivência com grupos e a
disponibilidade de álcool na escola e nas redondezas. Além
disso, uma escola que apresente regras e papéis inconsistentes
ou ambíguos com relação ao uso de drogas ou à conduta dos
estudantes também constitui importante fator de risco relativo
ao uso de álcool. Apresenta fatores de proteção a escola que
evidencia regras de padrões comportamentais claros e
consistentes, com exemplificação dos adultos. Da mesma forma,
é importante a participação dos estudantes em decisões de
questões escolares, com a inerente aquisição de
responsabilidades (Macedo, 2004).
Qualquer sociedade deve assumir o compromisso ético de cuidar
de suas crianças e adolescentes (Saggese, 2000) e, portanto,
deve empenhar-se em diminuir a probabilidade do jovem
envolver-se com o uso de drogas. Para isso, devem enfatizar a
redução dos fatores de risco e ampliar os fatores de proteção.
Nem toda pessoa que experimenta ou usa uma droga se tornará
um dependente químico. Por outro lado, todo dependente
invariavelmente um dia experimentou uma droga. O grande
problema é que não dá para saber com antecedência, entre as
pessoas que começam a usar drogas, quais serão usuárias
ocasionais e quais se tornarão dependentes.
Para Concluir
Acreditamos, por fim, que a criação do ECA veio a auxiliar na
mudança das visões absolutistas da adolescência, ao introduzir
dimensões pluralistas e de caráter mais socialmente
comprometido sobre esta fase da vida. O ECA exige um
tratamento diferenciado para as crianças e adolescentes que,
afinal, de "marginais" e "desviantes" passaram a ser vistos
como seres em formação, em desenvolvimento e que também
demandam cuidado. Portanto, ao invés de serem retaliados,
excluídos pela sociedade de forma a determinar que seus
destinos já estejam selados, o ECA introduz uma mudança de
perspectiva: esses adolescentes precisam ser protegidos. Ficam
assim, preservados os seus direitos e garantias fundamentais. A
família enquanto o primeiro socializador, também tem de
oferecer um ambiente sadio e ético, promovendo a construção
da cidadania. Não cabe aqui analisar em que medida está sendo
possível atingir esses objetivos, pela própria ineficácia na
implantação de políticas públicas que integrem, por exemplo, a
família à escola, mas é preciso ressaltar o quão significativa é
esta mudança de perspectiva.
O uso indevido de drogas passa também a ser portador de um
sentido e de uma função, tanto pessoal como social. A obrigação
de seus grupos de inserção (família, escola, etc) é a de procurar
proteger estes adolescentes dos riscos que correm. Numa visão
mais aberta e despida de preconceitos, é possível também
pensar que estes adolescentes estão sinalizando algo, pedindo
uma continência e um olhar.
A constituição do sujeito é um processo complexo, dialético e
permanente, que se dá através das relações com o outro. Neste
sentido, o homem, simultaneamente, produz a cultura e é
produzido por ela. (Siqueira, 1999). Precisamos pensar em
novos modos de romper com estes ciclos, para que possamos
construir mecanismos mais eficazes que protejam este
segmento da sociedade, ao mesmo tempo em que lhes
possibilite encontrar novas formas de relação. Precisamos
valorizar seu desenvolvimento enquanto seres singulares que
possam vir a exercer sua cidadania dentro de uma visão ética
de mundo. Aqui entra o papel fundamental da escola.
Há ainda um último ponto que gostaríamos de destacar. A
vulnerabilidade social nos mostra que devemos estar atentos
aos múltiplos planos e estruturas sociais que a condicionam. É
importante levar em conta os mecanismos que podem ser
mobilizados no nível das famílias e/ou dos indivíduos,
juntamente com os fatores educacionais, sem circunscrever tais
recursos a uma perspectiva apenas econômica. É preciso
acionar os atores para resistirem e enfrentarem situações
socialmente negativas. Aprender, através do vivido, a tecer
formas de resistências, formas de lidar com riscos e obstáculos
de uma maneira criativa. (Abramovay, 2002)
Esperamos que todo o quadro que foi acima exposto possa nos
servir de alerta, ajudando nas elaborações sobre a adolescência
atual de uma forma mais inclusiva, mas que, ao mesmo tempo,
nos ajude a pensar as diferenças. Neste sentido, capacitar os
professores para atuarem enquanto promotores da saúde, e
pensar na escola enquanto contexto de proteção é de
importância primordial a fim de que se rompa este ciclo: uso de
drogas - exclusão - violência. Olhar esta equação de forma
linear não funciona mais.
Para finalizar, resgatamos a visão de Alberti (2004) que nos
alerta ainda para a importância que a juventude têm na
promoção de mudanças culturais, pois nada muda se a
juventude for sacrificada. O fato de ter que brigar para fazer
valer as suas contribuições à cultura, não é o problema da
adolescência, mas sim, a sua função na cultura. A identificação
com o grupo de pares é fundamental, e se faz presente desde a
moda, até as disputas grupais. Mas para que o adolescente
possa exercer de forma plena o seu papel, precisa, no mínimo,
que suas condições de vida permitam o acesso à educação e à
cultura, para que todos possam correr atrás de seus sonhos a
fim de construir pontes entre os abismos existentes. A escola
precisa estar aberta para essas mudanças. Construir
alternativas de ajuda contando com recursos próprios de cada
comunidade.
Precisamos, atualmente, rever muitos de nossos padrões sociais
que continuam a andar de mãos dadas com o desrespeito aos
outros seres humanos. Parece que neste cenário de desordem e
desigualdade, fica difícil resgatarmos padrões éticos, morais e
vermos também uma atitude positiva. Mas temos agora a
clareza de pensar que uma aparente regressão pode, de fato,
ser um novo começo. A mudança faz parte do próprio processo
de nosso mundo. Vivemos, com certeza, um tempo de
mudanças e revisões em todas as áreas do conhecimento, e,
conseqüentemente, isso vem a exercer uma influência em nossa
atitude enquanto cidadãos e profissionais que trabalham com o
fator humano. Neste contexto, os professores precisam também
encontrar novas formas de abordar velhos problemas, como se
configura a relação dos adolescentes com as drogas e sua
existência marginal.
O mais importante parece ser que possamos nos despir dos
preconceitos. A partir deste trabalho, percebemos que as
fronteiras entre o bem e o mal são extremamente tênues. Se
olharmos, por exemplo, um adolescente usuário de drogas como
portador do "mal", estaremos negando todo o contexto em que
determinadas relações foram geradas. Precisamos de olhares
focais, pois é no pequeno, no singular que as novas atitudes vão
tomando forma. Todo o movimento de abordagem à questão
das drogas, deve ser compreendido em sua ambigüidade.
Para encerrar, acreditamos que seja importante compartilhar da
visão de Prata (2002), que nos alerta para o fato de que a
desordem pode produzir novas formas. No caos pode-se
produzir ordem, e desorganização nem sempre é sinônimo de
desperdício de energia: a ordem e a desordem são
indissociáveis. Nesse contexto, a grandeza do grau de
desorganização da energia de um sistema nem sempre precisa
ser relacionada à degradação e ao desperdício, pode ser fonte
do novo. Há que se manter vivo ao menos um pouco de
otimismo em relação à raça humana.
Podemos dizer que se a violência e a destruição se fazem
presentes de forma tão assustadora, se o uso indevido de
drogas (principalmente as lícitas) beira à epidemia, temos de
lembrar que os laços sociais nos mantêm vivos e menos
solitários e que devemos insistir em recriá-los, mesmo quando
somos alimentados continuamente pela violência de nossa
atualidade. A escola ainda ocupa importante papel de
socialização. Não apenas reproduz padrões, mas pode tornar-se
semente de mudanças a partir de si mesma. Como nos diz Prata
(2002), a vida é um exercício constante de reconstrução. A
transitoriedade do belo não implica a perda de seu valor, e é
justamente dessa fragilidade que podemos extrair a
preciosidade da vida.
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