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A Alegria na Tristeza

O ttulo desse texto na verdade no meu, e sim de um poema do uruguaio Mario


Benedetti. No original, chama-se "Alegra de la tristeza" e est no livro "La vida ese
parntesis" que, at onde sei, permanece indito no Brasil.

O poema diz que a gente pode entristecer-se por vrios motivos ou por nenhum motivo
aparente, a tristeza pode ser por ns mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma
palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para
receb-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda
conseguirmos senti-la.

Pode parecer confuso mas um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em
que pessoas matam em briga de trnsito, matam por um bon, matam para se divertir. Alm
disso, as pessoas esto sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem no tem,
procura. Os que possuem um amor desconfiam at da prpria sombra, j que h muita
oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, escravo do relgio, no
consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo msica. H tanta coisa pra
fazer que resta pouco tempo pra sentir.

Por isso, qualquer sentimento bem-vindo, mesmo que no seja uma euforia, um gozo, um
entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir um verbo que se conjuga para
dentro, ao contrrio do fazer, que conjugado pra fora.

Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer muito barulhento.

Sentir um retiro, fazer uma festa. O sentir no pode ser escutado, apenas auscultado.
Sentir e fazer, ambos so necessrios, mas s o fazer rende grana, contatos, diplomas,
convites, aquisies. At parece que sentir no serve para subir na vida.

Uma pessoa triste evitada. No cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos
pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doena contagiosa, um
estacionamento proibido. Ok, tristeza no faz realmente bem pra sade, mas a introspeco
um recuo providencial, pois quando silenciamos que melhor conversamos com nossos
botes. E dessa conversa sai luz, lies, sinais, e a tristeza acaba saindo tambm, dando
espao para uma alegria nova e revitalizada. Triste no sentir nada.
Martha Medeiros

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