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A Poesia Modernista Brasileira – 2ª fase

No Pão de Açúcar
de cada dia
dai-nos Senhor
a poesia
de cada dia

(Oswald de Andrade)

Momento histórico

O período que vai de 1930 a 1945 talvez tenha testemunhado as maiores transformações ocorridas neste
século. A década de 1930 começa sob o forte impacto da crise iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de
Nova Iorque, seguida pelo colapso do sistema financeiro internacional: é a Grande Depressão, caracterizada por
paralisações de fábricas, rupturas nas relações comerciais, falências bancárias, altíssimo índice de desemprego,
fome e miséria generalizadas. Assim, cada país procura solucionar internamente a crise, mediante a intervenção
do Estado na organização econômica. Ao mesmo tempo, a depressão leva ao agravamento das questões sociais
e ao avanço dos partidos socialistas e comunistas, provocando choques ideológicos, principalmente com as
burguesias nacionais, que passam a defender um Estado autoritário, pautado por um nacionalismo conservador,
por um militarismo crescente c por uma postura anticomunista e antiparlamentar - ou seja, um Estado fascista. É
o que ocorre na Itália de Mussolini, na Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar.

Características

A poesia da segunda fase do Modernismo representa um amadurecimento e um aprofundamento das conquistas


da geração de 1922. Formalmente, os novos poetas continuam a pesquisa estética iniciada na década anterior,
cultivando o verso livre e a poesia sintética.

Entretanto, é na temática que se percebe uma nova postura artística: passa-se a questionar a realidade com mais
vigor e, fato extremamente importante, o artista passa a se questionar como indivíduo e como artista em sua
"tentativa de explorar e de interpretar o estar no mundo". O resultado é uma literatura mais construtiva e mais
politizada, que não quer e não pode se afastar das profundas transformações ocorridas nesse período; daí
também o surgimento de uma corrente mais voltada para o espiritualismo e o intimismo, caso de Cecília
Meireles, de Jorge de Lima, de Vinícius de Moraes e de Murilo Mendes em determinada fase.

É um tempo de definições, de compromissos, do aprofundamento das relações entre o "eu" e o mundo, mesmo
com a consciência da fragilidade do "eu".

Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade e Vinícius de Moraes


MOTIVO
Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe Se desmorono ou edifico,


e a minha vida está completa se permaneço ou me desfaço,
Não sou alegre nem sou triste: - não sei, não sei. Não sei se fico
sou poeta ou se passo

Irmão das coisas fugidias; Sei que canto. E a canção é tudo.


não sinto gozo nem tormento. Tem sangue eterno a asa ritmada
Atravesso noites e dias E um dia sei que estarei mudo:
no vento. - Mais nada

JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta,
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teologia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

SONETO DE
FIDELIDADE Eu possa me dizer do amor (que
Vinicius de Moraes tive):
Que não seja imortal, posto que é
De tudo, ao meu amor serei chama
atento Mas que seja infinito enquanto dure
Antes, e com tal zelo, e
sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior
encanto A ROSA DE HIROXIMA
Dele se encante mais meu pensamento Vinicius de Moraes

Quero vivê-lo em cada vão momento Pensem nas crianças


E em seu louvor hei de espalhar meu canto Mudas telepáticas
E rir meu riso e derramar meu pranto Pensem nas meninas
Ao seu pesar ou seu contentamento Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
E assim quando mais tarde me procure Rotas alteradas
Quem sabe a morte, angústia de quem vive Pensem nas feridas
Quem sabe a solidão, fim de quem ama Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam A rosa com cirrose
Da rosa da rosa A anti-rosa atômica
Da rosa de Hiroxima Sem cor sem perfume
A rosa hereditária Sem rosa sem nada.
A rosa radioativa
Estúpida e inválida

Bibliografia:

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1994.

CHAVES, Flávio Loureiro. História e Literatura. 3. ed. amp. Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, 1999.

MORICONI, Ítalo. Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

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