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Eu não vou dizer que vocês, pais de filhos gays, não tenham razão para se
preocupar. Têm sim. Todos os pais têm. Preocupar-se é a mais natural das
características dos pais. Preocupam-se com a nossa alimentação, com os
nossos agasalhos, com nossos estudos e, sobretudo com a forma como as
pessoas que povoarão nosso caminho nos tratarão. E, sim, nesse ponto eu
entendo a preocupação dos pais de um filho gay. Porque tem muito imbecil
por aí. Mas o mais importante é que os primeiros imbecis desse caminho não
sejam os próprios pais dessa pessoa.
Não escrevo este texto para os pais que acham que ser gay é uma ofensa a
Deus, uma vergonha, uma aberração ou uma simples opção de um filho.
Neste nível de ignorância eu acredito que seja inútil tentar penetrar. Escrevo
esta carta, de coração, aos pais que não sabem bem como agir. Aos que
teoricamente aceitam-nos, ou pelo menos pensam aceitar. Escrevo também
aos pais que suspeitam ter um filho homossexual e não sabem por onde ir.
Escrevo aos bons pais, que se esforçam para apoiá-los e que estão dispostos
a fazer o melhor que podem.
O fato é que existem muitas léguas de distância entre o ato de aceitar e o ato
de acolher. Entre a mera tolerância e a necessária compreensão. Entre o mero
olhar sem censura e o tão esperado abraço que diz “eu te aceito, te acolho,
te amo e me orgulho de você, independentemente de qualquer coisa”. Aceitar
não é tudo. É só um primeiro passo.
Não tenha medo de perguntar quais são os lugares que ele frequenta. Nem
com quem ele vai, nem qual música toca. A vida de um gay não é mais nem
menos promíscua que a de um hétero. Não é a orientação sexual que
determina se a pessoa vai dormir com uma pessoa a vida inteira ou com 3 na
mesma semana. Isso não tem nada a ver com ser gay ou não. Tenho amigos
gays super caretas e amigas solteiras super liberais. Ninguém é melhor nem
pior por isso. Livrem-se destes dogmas.
Participe da vida do seu filho gay. Pergunte sobre seus sonhos. Se ele quer
casar, se vai querer festa, se vai querer um buquê, seja ele homem ou mulher.
Pergunte se ele sonha com filhos. Se vai querer adotar, se pensa em
inseminação ou numa barriga de aluguel. Pergunte se ele gosta daquelas
camisas brancas que você compra para ele ou se preferia que elas fossem
floridas. Pergunte à sua filha se ela se protege no sexo, ainda que saiba que o
tipo de relação que ela mantém não resulta em gravidez. Mostre que você se
importa e que o espaço de diálogo entre vocês pode ser cada vez maior.
Mostre ao seu filho que ele é muito mais importante do que seus amigos
conservadores. Mostre que você está disposto a abrir mão destes seus
“amigos” que ficam escandalizados com a homossexualidade, em respeito a
ele. Mostre que este tipo de gente não te interessa mais, porque quem julga
que seu filho não é bom o bastante por amar pessoas do mesmo sexo, merece
todo o seu desprezo.
Faça com que eles percebam que, por você, tudo bem se a Tia Loló ficar
chocada com o fato do sobrinho neto ser gay. Tia Loló deu sorte de estar
viva em 2016 e ela precisa conviver com isso. Mostre ao seu filho que você
não está mais preocupado em poupar a Tia Loló, o Tio Tonico, a prima
Rosângela e seus trigêmeos, do que em fazer com que ele se sinta bem e livre
na festa de família pela primeira vez. Quando a Tia Loló perguntar “como
vão as namoradinhas do Rafael?” responda tranquilamente “é namoradinho,
Tia Loló, ele se chama Mateus, é engenheiro, um rapaz ótimo.”. Se a Tia Loló
engasgar com o amendoim, bata nas costas dela. Mas não bata no ego do seu
filho, trancafiando-o num eterno armário de vidro.
Você nunca deixou seu filho chorar sozinho quando era criança. Você nunca
se envergonhou do nariz escorrendo, nem da roupa suja no fim do dia. Você
sempre se orgulhou daquela criança e dizia para quem quisesse ouvir “Sim!
É meu filho!”. Por que isso haveria de mudar agora? Quais os olhares que
passaram a ser mais importantes do que os olhares de amor dele para você e
de você para ele? A quem você confere a legitimidade de julgar o seu filho a
ponto de te tornar omisso na vida dele? A quem você se rende para não
abraçá-lo da forma mais sincera e entregue?
Já é hora, mãe. Já é hora, pai. Acolham seus filhos de forma integral antes
que seja tarde demais. Não compactuem com mais choro no banho, mais
segredos, mais mentiras. Não abram mão de ouvir histórias boas, histórias
alegres, histórias de amor. Nem abram mão da convivência com seus novos
genros e noras.
Fonte: http://emais.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/carta-aos-pais-de-
um-filho-gay/. Acesso em 27 Dez 2017.