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O ANO NOVO DE LONG-LONG

— Acorda, Long-Long, estamos quase a chegar!


Long-Long olhou de relance os cestos cheios de salada apetitosa que o avô transportava.
Era a primeira vez que ia à cidade.
Nunca vira tanta gente. Pessoas a falar, a andar, a deslocar-se em bicicleta, e a dançar as
suas músicas preferidas. Sentia-se que o Ano Novo está perto, e que toda a gente se preparava
para a festa. De repente, ouviu-se um grande estrondo.
— Aiah! — exclamou o avô, ao ver o pneu furado da carroça.
— Segura no guiador que eu vou lá atrás empurrar, avô! — ofereceu-se Long-Long.
O sol já ia alto e tinham de despachar-se para chegar ao mercado antes dos primeiros
clientes. O avô estava preocupado, porque, se não vendesse a salada, a família não teria dinheiro
para a festa do Ano Novo. Com a ajuda do neto, descarregou os cestos; em seguida, Long-Long foi
procurar alguém para reparar o pneu.
— Aiah! — gritou uma rapariga, aos ziguezagues com a bicicleta.
Ia em direcção a Long-Long, mas conseguiu travar mesmo a tempo. O peixe fresco que
comprara saltou do cesto e as laranjas espalham-se por todo o lado. Long-Long correu a apanhá-
las e voltou a pô-las no cesto. A rapariga sorriu abertamente e ofereceu-lhe uma laranja.
O rapaz reparou, então, que estava precisamente diante de uma oficina de bicicletas. O
mecânico pôs um remendo no pneu da carroça do avô, enquanto outras pessoas esperavam que
as suas bicicletas fossem reparadas.
— Precisa de uma ajudinha? — perguntou Long-Long.
— Boa ideia! — respondeu o mecânico. — És capaz de encher alguns pneus?
O rapaz levantava e baixava o êmbolo da bomba com toda a força, enquanto cada cliente ia
deixando três ou quatro mao numa pequena caixa de madeira. O mecânico agradeceu-lhe e
colocou um yuan de prata novinho na mão de Long-Long, que se apressou a ir ter com o avô.
— Já voltaste, Long-Long? — perguntou o velho, a sorrir.
Long-Long viu que os cestos continuavam cheios e
disse:
— Não te preocupes, avô. O pneu já está reparado e,
olha, tenho uma laranja e uma moeda!
O avô olhou para a moeda que brilhava na palma da
pequena mão do neto.
— Tu és um menino muito corajoso, Long-Long, mas
essa moeda não vai chegar para comprarmos tudo o que
precisamos para preparar a festa do Ano Novo.
O rosto de Long-Long entristeceu-se. Ele e o avô tinham
contado pacientemente os dias até a salada estar pronta para
ir para o mercado. Ma e a priminha Hong-Hong iam ficar
muito desiludidas se eles voltassem para casa com a salada já
murcha e de mãos vazias.
Mesmo ao lado deles, havia uma mulherzinha a vender salada também, só que não tão
bonita como a do avô. Quando ninguém estava a ver, a mulher regava-a com água para parecer
mais fresca. Depois chamava as pessoas, não deixando que se aproximassem dos cestos do velho.
Quase não deixava os clientes observar os molhos de salada, e pesava-os à pressa. As pessoas da
cidade eram facilmente enganadas, e não se apercebiam de que a salada dela estava cheia de
manchas escuras.

Long-Long deu uma volta pelo mercado, a ver o que poderia fazer para ajudar o avô.
Chegou perto de um restaurante ao ar livre. O cheirinho que provinha das panelas até fazia
crescer água na boca.
— Queres comer alguma coisa? — perguntou a cozinheira.
Long-Long olhou para a sua moeda e pensou no que poderia comprar com ela. Dois crepes
com sabor a porco e gengibre? Uma sopa de arroz com legumes marinados? Foi então que se
lembrou de Ma e da pequena Hong-Hong e decidiu guardar a moeda.
— É a primeira vez que te vejo por cá — disse a cozinheira.
— Vim vender salada com o meu avô — explicou Long-Long, com ar tímido.
— Podes vender-me salada fresca para eu fazer a sopa e os crepes! — exclamou ela.
Long-Long levou a cozinheira até junto do avô. Estava com receio de que ela preferisse a
salada da outra mulher. Contudo, ao ver a vendedora, a cozinheira ficou furiosa:
— Já te tinha dito para não pores mais os pés aqui! O que estás tu a vender desta vez?
Salada com manchas e com lagartas?
Atraídos pelos gritos, alguns curiosos começaram a juntar-se e, daí a nada, todos viraram
as costas à mulher e foram comprar a salada do avô. Este pesava-a cuidadosamente e, em
seguida, Long-Long atava os molhos como se fossem flores para entregar aos clientes. A
mulherzinha enfureceu-se. Procurou chamar a atenção gritando e batendo com o pé, mas nada
conseguiu. Não vendeu uma única salada.
— Long-Long, já vendemos tudo, até à última folha — alegrou-se o avô. — Já temos o
dinheiro necessário para a festa do Ano Novo!

Foram comprar especiarias, arroz, farinha, óleo, foguetes e folhas de papel vermelho com
votos de felicidade, tais como Fu, escritos. Foi tudo posto na carroça, menos um enorme peixe
salgado. Como não havia espaço para ele, o avô pendurou-o no guiador. De seguida, pararam
diante da Loja dos Cem Artigos. O avô deu dez yuan a Long-Long.
— Vai! — disse-lhe — e compra o que quiseres, enquanto eu arrumo os embrulhos para
irmos embora.

Na loja, estava uma mãe a comprar


elásticos para o cabelo da filha. Long-Long
pensou em Hong-Hong e comprou também
dois para ela, enfeitados com morangos. Iam
ficar bem nas suas tranças e fariam ressaltar
as lindas faces rosadas de Hong-Hong.
As mãos de Ma também ficavam
vermelhas com o frio. Long-Long decidiu
oferecer-lhe um creme, mas deu-se conta de
que só tinha os 10 yuan do avô. Se tivesse só
mais um…. Então, lembrou-se de que ainda
guardava, no fundo do bolso, a moeda que o homem das bicicletas lhe dera. Entregou-a com
orgulho à rapariga da caixa.
Num instante, o bater do gongo e o rufar dos tambores na rua elevaram-se nos ares. O
desfile do Ano Novo ia passar diante da loja! Long-Long correu para o ver. De volta à carroça,
Long-Long encontrou o avô à sua espera, com um pauzinho envolvido de frutos em caramelo.
— Comprei-te um tang-hu-lu — disse-lhe. — Vamos para casa, agora. Ma e Hong-Hong
devem estar a preparar o nosso Ano Novo.

No caminho de regresso, viram faixas de papel vermelho nas portas e janelas de todas as
casas.
“Schlac! Schlac! Schlac!” ouviram ao chegar a casa. Ma estava a cortar legumes para fazer
crepes nessa noite. Hong-Hong correu ao encontro deles.
— Já chegaram! Já chegaram! — gritou a plenos pulmões.
Ma veio à porta. Long-Long pegou no quadrado de papel vermelho em que estava escrito
Fu e pregou-o na parte de trás da porta. Ma e o avô sorriram e Hong-Hong aplaudiu. A felicidade
e a boa sorte chegaram mesmo a tempo do Ano Novo à casa de Long-Long!

◊◊◊◊◊

O primeiro Ano Novo

Há muito, muito tempo, existia uma aldeia igualzinha à de Long-Long, onde as pessoas
viviam cheias de medo. A cada doze meses, um monstro terrível chamado Nian saía da sua gruta,
situada no mais fundo do mar, e vinha atormentar os aldeões. Um dia em que estes tinham
fugido a refugiar-se nas montanhas, cruzaram-se com um mendigo que se dirigia para a aldeia,
mas ninguém o avisou. Na aldeia ficara apenas uma pessoa. Era uma velhinha viúva que estava
demasiado enfraquecida para poder acompanhar os outros. Acolheu o mendigo e falou-lhe do
monstro. O mendigo prometeu ajudá-la, mas pediu à velhinha que lhe fizesse primeiro uns
crepes, porque estava cheio de fome.
“Schlac! Schlac! Schlac!”, fazia a viúva ao cortar os legumes para os crepes. Entretanto, o
monstro Nian acordou do seu longo sono profundo e dirigiu-se para a aldeia. Estava ainda meio
adormecido e o barulho que a velhinha fazia irritava-o. Dirigiu-se para a casa, onde o mendigo o
esperava. O homem tinha pregado papel vermelho nas portas e janelas, e a cor viva ofuscou os
olhos sensíveis de Nian, como se os trespassasse com um milhar de alfinetes! O mendigo
também tinha acendido um pau mágico de bambu. O pau crepitava e assobiava, agredindo os
ouvidos delicados de Nian, que correu a refugiar-se bem lá no fundo do mar. Nesse momento, o
mendigo desapareceu também.
Quando os aldeões regressaram a suas casas, a viúva contou-lhes as proezas do mendigo.
Desde então, os Chineses seguem o exemplo deste mendigo em cada Ano Novo. No entanto, hoje
em dia, as pessoas não têm paus mágicos de bambu para meter medo a Nian. O que achas que
Long-Long e a família usavam em vez deles?

◊◊◊◊◊

Pequeno glossário

Long – É a palavra chinesa para “dragão”. Long-Long tem este nome por ter nascido no ano
chinês do dragão.
Aiya – Os Chineses gritam esta expressão quando estão surpreendidos ou chocados.
Mao – O mao é a moeda chinesa. Pode apresentar-se sob a forma de moedas ou notas. O
mao vale um pouco menos do que um cêntimo de euro.
Yuan – É também a moeda chinesa. Vale 10 mao. Existe igualmente em moedas e notas.
Um yuan vale um pouco menos do que 10 cêntimos do euro.
Ma – As crianças chinesas chamam Ma à mãe. É como o começo da palavra “Mamã”.
Hong – Significa “vermelho” em chinês. Hong-Hong tem este nome por causa das suas
faces rosadas.
Fu – Fu significa “Boa sorte”. É pintado quase sempre em papel vermelho. No Ano Novo, os
Chineses pregam este papel no interior da porta de entrada para terem sorte durante o ano todo.
Loja dos Cem Artigos – É uma loja tradicional que se encontra em muitas das cidades
chinesas, e onde se vende de tudo.
Tang-hu-lu – É uma espécie de bombom feito de frutas arredondadas, enfiadas num
pauzinho, e cobertas de caramelo derretido. Os frutos parecem-se com tomates. O tang-hu-lu é
uma guloseima muito apreciada pelas crianças.
Nian – Segundo a lenda chinesa, Nian é um monstro terrível. “Nian é também a palavra
chinesa para “ano”. Em cada Ano Novo, os Chineses livram-se do velho Nian para começar um
novo ano.

Catherine Gower
Long-Long’s New Year
London, Frances Lincoln, 2005
(Tradução e adaptação)

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