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DISCURSOS
POL1TICO-MORAES,
COMPROVADOS COM VASTA ERUDIÇÃO
d» Divin». e humanas Letras, a fim dc deflerrar
do mundo os vicios mais inveterados, intto-
duiidos, e diffimulados,

PRIMEIRO TOMO
DEDICADO
Diretor e redator: MUCIO LEÃO. AO ILL."10 E EXC.™ SENHOR
Ano X Gerente: LEONARDO MARQUES. Volume XI
Agosto de 1050
Secretário: SÉRGIO R. VELLOZO.
PREÇO: — Cr$ 3,00
N.» 8
SEBASTIÃOJOSE'
DE CARVALHO E MELLO,
Mitia sobre Joapim de Sousa Im O» Ctnfelne Je S. MogtjlaJe, e Secretario Je EJltuh
ioi negociai Je Reino, tjre. vc. Ve.

Nasceu no Rio de Janeiro,


"entre drade. A idéia foi avante; e
assim se Quando temos notícia da indignação POR SEU AUTHOR
o mimeiro e o segundo quartel do criou aquela incomparavel fábrica de de Pombal diante dos Diieursos, e da
«,-úlo XVIII". diz Blake. Foi almo- tédios, que se chamou Academia dos
varife das armazéns de sua cidade na- Selectos, Mas, por outro lado,, a idéia
teal cor escolha de Gomes Freire Foi de teve um fruto excelente: deu lugar
acusação por ele feita a Feliciano
Nunes de ter posto em seu livro dou-
trinas anárquicas, ficamos inteira-
FELICIANO JOAQUIM
a que se estabelecesse na cidade a
auidrade, seu amigo e protetor.
imi cios fundadores da Academia ão> primeira tipografia que aqui existiu —
mente assombrados. Deve de haver aí.
por certo, algum mistério da seman- DE SOUSA NUNES,
.So/íTícs. Faleceu no Bio de Janeiro, a de Antônio Isidoro da Fonseca. Co- tica.
em 1809 ou 1819. meçando a existir em 1752. a Academia Porfque é difícil imaginar homem natural ie Cidade io Rio Je Janeiro.
Escreveu: dos Selectos publicara, em 1754, os seus mais respeitador das coisas estabeleci-
com- Júbilos da América, a mais descom- das, mais austero em suas doutrina-
Discursos políticos-morais,
das Di- passada poliantéia de louvores que ções morais e espirituais do que esse
provados cam vasta eruáição um governador já teve a matracar-lhe Ele exalta a modéstia na posse da for-
ninas c humanas Letras, a fim de des- os ouvidos, tuna, mostrando, num aforisma que
ão mundo os vicios mais in-
terrar Feliciano contava, a esse tempo, anuncia Maricá, que "a riqueza ex-
veteraáos introduzidos e dissimulado* co .mais de vinte anos, e jã era o pou-
Primeiro tomo. dedicado ao limo. e acabado modelo da literatura pala-
Exmo, Sr Sebastião José de Carvalho ciana e louvaminhtira.
e Melo, dò Conselho de Sua Majestade. Parece que já era outor de outras
mais cessiva é pobreza conservada": prega
o desprezo pelos bens materiais, afir-
mando que só as grandes ações criam
LISBOA,
os grandes homens; apregoa as su-
e Secretário de estado dos negócios do obras Inclusive uma Relação blimes excelências do estado .conjugai, Ns Oficina de MIGUEL MANESCAL DA COSTA
reino, etc. por seu autor Feliciano Joa- rica, que fóra dedicada a uomes panegi- Freire, procurando ensinar aos homens o se-
f/lifm de Souza Nunes, natural da CU A boa acolhida que o demarcadov gredo de encontrar boas esposas:
Impteffor do Santo Officio. Anno 17 $í.
dade tio Rio de Janeiro. Lisboa, na ot. dos nossos limites do sul orienta os país na questão da eduoi-
rie Miguel Menescal da Costa, 11758 grcssainentos de FelicianodavaNunes aos en-
foi ção dos filhos; aconselha que se dè Com at licentti ncctferiai.
LXII-269 págs. instrução e saber às mulheres, pois
2." edição — com prefácio de o Deu-se que veiu a perder o rapaz.
da Silva Maia — Rio, o caso que ele escreveu lar- elas "não são defeituosas na çrgani-
Emílio Joaquim gamento cs seus Discursos, em vários zação do cérebro, como entendem ai-
1851.
DISCURSOS POLÍTICOS-MO- volumes, Quando se julgou com o ma-
terial em ordem conveniente, partiu
guns"; sustenta a tese de qu? numa
RAIS — Feliciano Joaquim ãe Sonz~ para Lisboa. Ali, na Oficina de Miguel familia o melhor irmão não é o mais Fac-simüe do frontespicio da edição princeps.
Nunes -- Segundo o texto da l.a edi- velho, porém sim o que fôr mais capaz,
cão supressa por urdem do Marquês dt; Menescal da Costa, impressor do San-
to Ofício, deu, no ano de 1758, o pri-
e, enfim, estuda a amizade, fazendo
Pombal em 1758 ... 1931, Oficina In- meiro piedosa exaltação desse sentimento
dustrial Gráfica, Rua da Misericórdia. tomo da obra. Na sua primeira Tudo isso — está visto — entremeiade
74. Rio de Janeiro, in-8.u, 143 x 8H d>; página se lia, de acordo com o gosto de belas e sólidas citações clássicas,
247 págs. Contém: "O autor do livro", de tempo: — uDiscursos políticos e mo- onde vemos, a todos os momentos, os
rais", comprovados com vasta erudi-
por Alberto cie Oliveira; frontispicío ção das Divinas. e humanas letra,*-,
fac-simüe da l.n edição (L758> (1758) a fim de desterrar do mundo oh vi-
nomes dos Santos e os dos Profetas,
o de Aristóteles e o de Platão, o ds
SUMÁRIO
e a reprodução da obra dividida em cias mais inveterados, introduzidos c Sócrates e o de Cícero, o de Licurgo e
dedicai., carta.-, epigramas e romance, dissimulados. — Primeiro tomo, dedi- o de Virgílio, sem contar a boa prata Página 81: Página 87:
e VII Discursos. de: casa — os Camões, os Vieiras, -?s Noticia .obre Feliciano Joaquim V^nus! Divina Venus! — Um
A história desse livro, tal como a cado ao limo. e Exmo. Sr. Sebastião Rodrigues Lobos, etc. de Sousa Nunes. conto desconhecido de Machado de
referem Inocênclo e Blake, é a José de Carvalho e- Melo. do Conselho E' difícil, dificílimo, encontrar, íissse Assis.
escritor, lendo-o hoje, qualquer idéia Canção áos soldados (Goethe-
t-eiíiiinte: Feliciano Nun.es levara a sua de sua Majestade e Secretário de Es- Fanst, V ato). Tradução de Onestaldo
obra tio Brasil para Lisboa já redigida, tado dos Negócios do Reino, etc, etc, que possa parecer anárquica. Leiam- Página 88:
e devendo abranger vários volumes. etc, Por seu autor Feliciano Joaquim lhe este pequeno trecho, que lht- dá a de Pennafort. Poema, de Sérgio Velozo
Dedicou o primeiro desses volumes ao de Souza Nunes, natural da cidade do medida das suas conservadoras idéias:
futuro Marquês de Pombal, sem prévia Rio de Janeiro". Segue-se o lugar e — "Haja embora quem se agrade de ver Páginas 82 e 83: Página 89 e 90:
aquiescência do poderoso ministro a data. uma senhora toda frança, como di- Algumas páginas ãe Feliciano Poesias de Augusto Frederico Colin:
Este se considerou ofendido, repreen- nãoA primeiradeixar página do livro era. como asm alguns a qual trajando sem mo- Joaquim de Souza Nunes: Elo.
deu severamente o escritor, acusando-r podia de ser. a dedicatória destia faz garbo de botar não só as Dedicatória a Pombal. A v.rgem que Cu amo.
cie pregar doutrinas anárquicas, e or- ade Pombal. E que dedicatória, c.paz mãos, mas até os pés de fóra. para Um riso.
Ao leitor. A Amizüde.
denou-lhe que regressasse ao Brasil. loso satisfazer ao potentado mais gu- que se veja que se sabe trajar à fran- Triste do vote!
não sem antes queimar os exempla- de adjetivos! cesa em Portugal. Mas não há de ser Discurso 111 (dos Discursos Po-
res de sua obra. Isto foi feito. Salva- Nessa apologia, declara Feliciano Isso o de que se agrade o homem dis- lít,co-morais). Os Túmulos.
ram-sc porém, da edição, três exem- que Pombal é o pai ãa Pátria e o pro- cursivo na mulher, que pretende por Os Discurso* político-morais, de A Saudade
esposa; porque advertido, de que bas- A Melancolia.
plares, que antes da sentença de Pom- tetor "Só vigiiantissimo ãa Lusa Monar- João Ribeiro. A Mulher.
bal já tinham sido enviados para o quia. com lun Mecenas tão Ilus- tou o calçado de Judith, para roubar
Rio de Janeiro. De um desses exem- tre e Sábio, como Prudente e Benigno" as atenções de Holofernes, mais se Página 84: Diogo Grasson Tinoco.
*'apa- deve agradar de uma, que tenha por
plares s Revista Bras.leira e a Mi- (declara) podem cs seus escritos FeJiciano Nunes, de Alberto de Página 91:
nerva Brasiliense publicaram extratos. recer em uma Corte, que venera o orbe exemplar à nossa Infanta Dona San-
cha, que por não violar os timbres da Oliveira. Sonetos ãe última hora, de Cas-
Venturosas anúncios da chegada literário pc-r sagrado Templo de Mi- siano Ricardo:
do limo, e Exmo. Sr. Marques ão La- nerva". Logo depois volta a pedir para modéstia, jamais permitiu que suas O Amor descoberto (Canção gre-
i-riidh à Cidade áo Rio de Janeiro po? a sua humildade o sublime Patrocínio damas lhe vissem a ponta do pé des- ga) — Duas traduções de Martins Desejo.
nec-rci c cavitão aeneral ão Estado de sua excelência. Compara Pombal coberto: ou a uma Dona Isabel, mu- Júnior. Incógnita.
Ho Brasil — Lisboa — 1771. ao Mar, que recebe o tributo das fon- lher do rei Dom Fernando de Castela, Merimée, de Múcio Leão Chuva.
tes humildes, e ao Sol. que não se a qual nem para que a ungissem per- Geografia do sono.
E' etn verso em prosa. ofenãe dos vapores ãa terra. E entre mitia que lhe descobrissem os pés; O galo das cinco horas.
honra qu? Páginas 35 e 86: A desenterrada.
Demonstração ão maior júbilo mil outras suspiros de chaleirismo sem porque é tão melindrosa a até
»u jausto dia 12 ãe Marco ãe 17*69 em medida, tem esta tirada: "Com estes até dos olhos se ofende, com a Frei Manuel de Santa Maria Ha- O acontecimento sorri.
<tur se celebram os anos do Umo. e fundamentos julgo ser mui natural vista periga". parica. Os lirios.
Ermo. Sr. Ccnáe ãe Asambuja — Lis- que alcance eu para esta Obra o fa- Eis oi um acabado modelo das pobres Poesias de Frei Manuel de Santa O soneto das três dores.
to 1771. vor e proteção, que pretendo ds-di- idéies desse moralista. Póde-se lá ima ¦ Maria Itaparica: Cristal.
Relação Panegirica. ... cando-à a um Herói, que tem por Ar- ginar coisa mais inocente, menos peri- Moãerna Lua.
Discrição da ilha de Itaparica. Pisico-autógrafo.
Di-curso político e histórico con- mas as luzes de multiplicados Plane- gosa para a segurança pública? Iara, a mulher veráe.
'r« í; loquac.idade vaidosa a favor áo tas. e por timbre Águias tão esclítre- Antes de encenar este artigo, quere- Descrição do Inferno.
siknrio profundo. cidas. que se1 adornam de Estrelas. mos chamar a atenção do leitor para Destruição ãe Jerusale?n. O falecimento do Dr. Pires do Rio
Política brasileira. simbólica e elegante expressão da sua a expressão toda franca, que ocorre A morte de D. João V (Can-
no trecho citado de Feliciano Nunes. Página 92:
As notícias sobre esses três últimos Ilustre Prosapia." (As maisculas são Partceu-nos um modismo do mais sub- ção fúnebre). A mesquinhez de um critico.
trabalhos são vagas e incertas. de Feliciano Nunes). Sonetos pela morte de D. João
Essa dedicatória não satisfez a Pom- til e malicioso sabor. Hoje, que a in Autores e Livros homenageia Goethe,
fluência francesa é cada vez maior V. I —os sinos e Salvavs. II — de Ernesto F.eder.
bal, acaso, porque ainda era modesta no Brasil, achamos que devemos res- A morte. III — O mausoléu. ..— janelas, poema de Olímpio Mo-
para as ambiçõis de tão alto ministro suscitar, trazendo-a ao uso corrente, Sonho. nat da Fonseca.
. feliciano Joaquim de Souza Nunes Recebeu ele muito mal ao pobre es- essa bela maneira de falar.
e um caso bem singular de falta de critor e moralista, repreendendo-o
™*te aia literatura. Somos iodos frança, e isso, que ir-
¦Pela natural tendência a venerar os que por lhe haver oferecido um livro tm rita os puristas, é uma prova incon-
p1"'
traduzir
havia doutrinas anárquicas. Orde-
i .sos e pela abundante arte di nou que ele voltasse imediatamente
em eloqüentes palavras esa para o Brasil, determinando um auto
testável de que nos vamos pouco a
pouco civilizando... CANÇÃO DOS SOLDADOS
veneração, ninguém parecia Fontes sobre Feliciano Joaquim de
tücado do que ele para ir longe. Ein- de
mais in- fé com os exemplares dos Discursos Souza Nunes: (Goethe — Feust, v.° afo).
e morais. O desventurado es-
tretanto, talvez pelo próprio exoesro políticos critor viu. assim destruído e sem gló- Artur Mota — História do Life-
A voz de comando!
üo gênio bajulatório, ratura Brasileira — Época da Trans Cidades cercadas
o nosso pobre ria. o cançado fruto de tantos anos
P-iricio se viu duramente castigado de improbo trabalhe. formação — p. 187. De torres e praças! Os bravos pelejam
Alberto de Oliveira, prefaciou a Do auto de fé, porém, escaparam Alberto de Oliveira — Estudo em Meninas armadas Ou bailam cantando!
«lição acadêmica dos que poli- três volumes, dois dos quais vieram « Discursos Político-morais (.edição da
"ms e morais, dá-nos Discursos conta do tem- pertencer à Biblioteca Nacional do Rio Academia Brasileira, 1931).
De encantos e graças!
Como as cidadelas,
peramento cortesanesco e também das de Janeiro, indo o terceiro parar nas Tomemos de assalto
inlaalacaaiades Inocêncio da Silva — D/cíon4rio Resistem as belas...
de Alberto de Oliveira, depois de O campo inimigo!
Sousa Nunes.tle Feliciano Joaquim de mãos ter pertencido a Inocêncio da Silva e
Bibliográfico Português, Vols. 2 e 9. E* tentar o assalto!
Segundo o João Ribeiro — Discursos poli- Se é grande o perigo. Se é forte o inimigo,
nano Nunes biografo, coube a Felt- a Aníbal Fernandes Tomaz. Posterior- tico-morais — Jornal do Brasil.
a nunca assás louvada mente, foram publicados, na Minerva O prêmio é mais alto! Se é grande o perigo,
macaatava de se associarem os ho- Brasiliense, na Revista Brasileira, de Mucio Leão — Feliciano Nunes
">ens eruditos e o Marques ãe Pombal — Jornal do As trompas trovejam, O prêmio é mais alto!
do Bio de Janeiro Paula Menezes, excertos da obra. Em
para manifestarem em versos e pro- 1851, segundo Sacramento Blake, hou- Brasil, 29 de abril de C03».
»s, o amor e o respeito Sacramento Blake — Dicionário ira-awiiacaio ie Onestaldo de Pennatort — 1930).
Mio governador Gomes Freire que sentiam ve nova edição da obra, sendo, pois, a BlWogrificO, vol. n, pág. 321.
de An- da Academia, a terceira edição.
Página 82 AUTORES E LIVRO Agôito de 1950 — Vol. XI, n.° 8

Algumas páginas de Feliciano Joaquim de Sousa Nunes


DEDICATÓRIA A POMBAL da esposa redundam em descrédito feminino aquela ação Inimitável da tão extremosas e solícitas as nossas Prisco, que mandar logo a Macer,,,,,,
limo. e Exmo. senhor: do estado. O seu maior e melhor amantissima esposa do Rei Henrique Porque só por não as arriscarem, se Embaixadores, que pedissem a ÃSS
dote é a honestidade. de Inglaterra, quando desatando a enterrassem vivas, como aquela sem- nao só lhe rendesse tributos, mas h.
Atraído das sonoras vozes, que impulsos do mais singular afeto a ve- pre memorável, que nas prias africanas bem que o reconhecesse
a fama proclama a V. Execelência Negócios grandes, grandes conse-
lhos requerem U); e como seja um
nemosa chaga, que a este Monarca a si própria deu a mais lastimosa e versai Monarca. Partem por seu ,™
os delegS
Pai da Pátria, e Protetor vigilantfs- estava por instantes dissipando a vida, honrada sepultura, que viram as ida- daquele Príncipe, e na presença
simo da Lusa Monarquia, determinei dos maiores para a vida temporal dos lhe aplica a sua própria boca, para des, para que não houvessem olhos, a expõem a sua embaixada. Ouve-?,? àZl
pôr na presença de V. Excelência homens as circunstancias, de que se de- lhe extrair o veneno, com o qual ela. quem aparecesse desonesta (28). velho Rei Amitas, e seu filho AiexL
estas incultas produções do meu dis- ve exonerar a mulher, que se procura por salvar a seu caro esposo, fica Entre o mais dilatado progresso das dre; e não só ambos os atendem
curso; porque só com um Mecenas para esposa, não seja o gosto, seja sim despojo da morte <;i6). Mas como se Romanas armas, e a memorável des- como também os honram, convida-i*?'
tão Ilustre e Sábio, «orno Prudente o discurso quem nos aconselha nesta não hão de ver tantas proezas, e tan- truição da famosa Cidade ae Teuas, os para um explendido banquete »«
e Benigno, podem os meus escritos matéria: não seja o amor, seja antes a tos, e tão extraordinários excessos dc valendo-se da militar liberdade um
aparecer em uma Corte, que venera razão quem nos dirija neste negócio: amor nas que são esposas, quando va- Capitão de cavalos Oíis tropas de Tra- qual fazem também conduzir as dam.,
não ouçamos ainsaciável ambição, con- do seu Paço, para saborearem o des. '.*.,.
o Orbe literário por sagrado Templo lem a seus consortes, se são inúmera- cia, unidas ao exército de Alexan- gosto, que sentiram nos Persas
de Minerva. sultemos antes a conveniência pru- veis as ocasiões, ein que só instigadas dre, acometeu e com efeito violou a
dencial, que talvez fará esta desper- da razão de próximo tem obrado ma- não verem ncle mulheres, como pn
Igualmente, Senhor, vejo que bus- honestidade de Timoclea, escolhendo sua pátria era costume.
cam o Oceano profundo o rio altivo dícios, e destimação do que aquela só ravilhas a favor dos homens; já se- a sua depravada cubiça não menos
considera digno de estimação e apreço: Chegam porém elas, e ao meslto
e o regato humilde, e que ambos re- guindo a Zenóbia tão destemida e va- despojo do que a honra. Quasi sem tempo principiam os Embaixadores
chamemos a conselho as três poten-
cebe Netuno em cristalinos palácios. cias mais nobres; porém primeiro que
lorosa. que acompanhada de Zabá vida se achava esta varonil matrona, tratalas com tais desenvoltura.», auea
Pondero, Senhor, que para todos nasce pudera o seu esforço segurar decanta- vendo-se despojada de prenda tão es- não bastaram os delicados véus ria
benigno o Planeta máximo; a memória e a vontade discorra o en- das vitórias contra o famoso Aurelía- timãvel, quando a vil cubiça daquele
tendimento; e começando a mostrar modéstia a impedir os ultra <es tt
coroando com as suas luzes csporqueele- qual seja o estado conjugai, veremos
no, se não a desamparasse a fortuna, tirano lhe sugeriu os mais briosos alen- honestidade.
vados montes, também com elas co- que todavia não lhe pode obscurecer tos na esperança de vingar tão irre- Sabe-o Alexandre, e achando-s,. »tí
bre e matiza os abatidos vales. E qual deve ser a esposa, para que com a fama (17). Já em Cartago umas ani- parável dano; porque passando de aqui resignado totalmente na
estas instruções possam achar con-
discorrendo que o mar e o Sol sim- sortes os que procuram esposas.
mando os homens, e administrando-
lhes cordas fabricadas de seus cabe-
cruel e ingrato,, pretendeu também diência de seu pai de tal sorteobe»
bolizam os Sábios e os Ilustres, con- despojala das mais riquesas, que pos- acelera, tanto se infurece, que esauí!
cluo que estes a todos devem utilizar E' a mulher (diz o Eclesiástico) a los, para que dos arcos não deixassem suia; porém a valerosa Timoclea fa- cldo daquele heróico sofrimento a»
e a ninguém podem desfavorecer; por- melhor companheira do homem, e de sair contra seus inimigos as setps bricando delas o mais seguro instru- ate ali exercitara, procura a Amitas
que, sendo proveitosos aos Príncipes, neste mundo a sua bem-aventurança <18). Já outra, qual o grande David, mento paia satisfação do seu agravo, relata-lhe o sucedido, e pede-lhe li
são utilissimos aos súditos. (2). Por isso enchendo Deus ao pri- fazendo exalar a vida com uma pe- mostrando-lhe um poço, lhe disst-, cença para pugnar pela honra, e para
Estas ponderações venceram total- meiro homem de tantas delicias, que drada ao soberbo Abimelec, cruelis- que ali havia escondido o melhor do defender a honestidade daquelas on.
mente a frouxidão e tibieza, que por diz David pouco menos que Anjo es- simo tirano de Efrá (19). Já uma ao seu tesouro; e chegando-se o Tra- mas indecorosamente ofendidas pou-
algum tempo o respeito me teve irre- tivera Adão coroado de honra e glória mesmo David livrando dos furores de ciano a registrá-lo, lançando mão dele dera aquele Monarca o agravo, e con-
soluto a buscar o sublime Patrocínio (3), advertiu que não era bem que Saul (20), qual a memorável Infanta a varonil senhora, na sua profundi- cede logo a Alexandre o que lhe pede1
de V. Excelência. Porém agora, Se- vivesse só (4) aquele ( com quem se Dona Sancha, que á custa da própria dade o fez ir tragar a morte, da qual e no mesmo ponto faz este exalar as
nhor, igualmente me animam a pro- liberalizava tanto o seu amor; e for- vida soube livrar a de seu marido tendo notícia os seus vitoriosos solda- vidas aqueles, a quem pouco ante»
curá-lo com a mais reverente atenção mando para sua companheira a Eva Fernando Gonçalves. Já outras, quan- dos, foi logo por eles presa aquela havia sofrido o maior ultraje (33)
e confiança; pois advirto que o mar, (5), como complemento das delicias, do prisioneiras, passando de vencidas heroina, e levada ao grande Alexan- Como quem advertia, que ainda quan-'
ainda que profundo, não despreza o com que o havia enriquecido, tanto a vencedoras, e fazendo em uma noite dre, para que nela fizesse executar do se empenhava em dissimular ds
tributo das fontes, e que o sol não se a estimou o mesmo Adão, que assim desertar desbaratado ao Romano exér- o mais exemplar castigo, que enten- vilipendios da Majestade, a que se
ofende dos vapores da terra, antes que a viu, para significar o apreço, cito. que as havia aprisionado (21). diam merecer o seu delito. Apre- dirigia aquela soberba e petulante
ilustra os humildes átomos, que se lhe que dela fazia, rompeu entre admira- E já finalmente as da Cidade de Vins- sentada porém ao Magnânimo Impe- embaixada, não devia deixar sem
avizinham. Ções e júbilos naquelas palavras: Esta berg livrando a seus ombros da es- rador, e sendo por ele perguntada, castigo as ofensas da honestidade
Ecom estes fundamentos julgo ser é a carne âe minha carne: esta e ¦ cravidão a seus maridos (22). quem era, e o que fizera, intrépida porque para tanto agravo deviam sei'
mui natural que alcance eu criatura à minha conversação propor- Porém se tudo isto, e multo mais lhe respondeu: Sou irmã daquele Ge- os Príncipes mais severos, ou nào po-
esta Obra o favor e proteção, que para cionada (6). Por esta causa lhe cha- conhece o entendimento a favor do neral Tebano chamado Teagenes, que diam ser benignos; pois sendo timbre
tendo, dedicando-a a um Herói, pre- que ma o Eclesiástico Dádiva só de Deus estado conjugai, por esta mesma causa morreu e?n oposicrio das tuas armas, da Majestade perdoar delitos, era obri-
tem por Armas as luzes de multipli- (7); e em outro lugar Socorro da fa- adverte, que deve o homem, que o por defender a liberdade de Grécia: gação dos Monarcas nào deixar este
cados Planetas, e por Timbre Águias mília, coluna da casa, e descanço do pretender, ponderar e examinar com tenho morto a um tirano usurpador sem castigo.
tão esclarecidas, que se adornam de marido (8). o maior cuidado e exação, se na esposa da minha honra; e se pretendes que Mas que muito respeitem os Heróis
Estrelas, simbólica e elegante expres- E quem não dirá o mesmo, vendo-as se acha aquele inestimável dote das satisfaça com meu castigo esta deco- por especial timbre da sua grandeza
são da sua Ilustre Prosapia. pela indissolúvel união do matrimô- quatro preciosíssimas jóias da virtude, rosa ação apressa, não dilates a sen- o mesmo, que os eleva à maior sobera-
A V. Excelência reconhecem todos nio como ajudando, amparando, ou honestidade, honra e discrição, porque tença ?nais cruel, que quem faz apreço nia; pois mais que uma coroa de ouro
Benigno e Discreto. Urbano e Pru- socorrendo a débil natureza do ho- sem ele será casado; porém nâo con- da honestidade, só sente não multipli- faz Augusto aos Imperadores e Prin-
dente, Afável e Sábio, sem que o ser mem? Assim parece o quiz dizer o sorte: sofrerá o pesadissimo jugo do car triunfes ao crédito: tira-me est-1 cipes o diadema da honestidade! (34)
V. Excelência Nobilíssimo produto mesmo Adão, quando disse, que Eva matrimônio; porém não logrará as vida, (prosseguia), que jã agora "u Já o grande Justiniano o conhecei.:
daquela egrégia árvore, que tem feru- era um osso dos seus ossos (9); e suavidades do estado conjugai: terá mesmo a desestimo: dá-me essa morte assim, quando nas leis que estabele-
lizado a Lusa Monarquia com os Va- assim também parece o confirma o obrigações quasi imensas a que acudir; em obséquio âa minha honra, para qae ceo para a nobreza, disse que a hones-
rões mais famigerados, que no Tem- mesmo Deus, quando diz, que pela porém não achará socorro, nem bon- fique imortal na fama (29). tidade bem guardada era unia das
pio da Memória gravaram nos már- união conjugai serão o marido e a dade alguma na esposa, que tiver. Ouvindo Alexandre; e trocando o
Sem este dote toda a mulher é pobre, castigo, que se esperava, em mercês e principais obrigações do sangue ilus-
mores da posteridade o sublime do mulher uma só carne (10>. Do que tre (35); e diz Seneca, que a fôrma
Heroísmo; nem o Alto Magistério de veio a dizer o famoso D. Francisco de miserável e em fim incapaz de ser obséquios da honestíssima prisioneira. da honestidade é a imagem da honra
Secretário de Estado do Maior Mo- la Torre com o subtil João de Wen eleita para uma sociedade tão dila- a exeptuou logo da escravidão, a que (3(i).
narca da Europa lhe altere a docilí- (11): tada e de tantas conseqüências, que estavam sujeitos todos os Tebanos, e Estas prendas, pois. devem ser os
dade do gênio, com que atende a to- No teneis ambos sola uma alma. y veo, por ela adquire ou perde o marido nán ordenou que com ela ficassem livres os dotes, com que se hão de procurar
dos, e a natural clemência, com que Que un coracon teneis, de amor trojeo; menos do que õ honra, a fama, e tal- seus parentes, em memória da sua as esposas: estas devem ser as rique-
nâo descontenta a alguém. E quando No sois un cuerpo, y en vida copia. vez à vida e a salvação. honestidade, da sua honra e da sua zas, sem as quais não deve o homem
não tivera V. Excelência mais do que Os miro à entrambos una carne própria, Mas, se pelo contrário é uirfiíoso, discrição. prudente sujeitar-se ao estado con-
estas grandes prerrogativas, basta- Sois, y à mujer, y esposo, cada uno honesta, honrada e discreta, todos os Estes foram os dotes, que chegaram jugal.
vam elas, para que conseguisse eu a Vario en ei nombre, pero en ei ser uno; bens conserva, todas as riquezas pos- a respeitar tantos Heróis, e a vencer a Seja rica, seja nobre, sejít formosa
ventura de ter em V. Excelência o Diversos sexos sois, y sois un hombre. sue, toda a nobre goza. todas as feli- tantos Príncipes famosos, que pare- muito embora a mulher, que não fal-
maior Mecenas. Y porque mas assombre, cidades consigo traz. Diga-o Assuro, ciam invencíveis pelas armas, e in- tara para que, e para quem sirva;
Digne-se pois V. Excelência de re- Em todos os tempos, em todas as quando sendo-lhe apresentada a for- contrastáveis a outro algum poder. porém para esposa de um homem, que
ceber debaixo da sua grande Prote- idades têm visto os homens, tem ad- mosa Ester para sua esposa, sem tra- Diga-o àquele susto de Cipíão, aquele consulta ao entendimento, não serve.
ção este sacrifício, ainda que pe- mirado o mundo o quanto têm sido tar de indagar a sua prosapia, nem de segundo Viriato, aquele terror de Es- nem deve servir senão a que fòr mais
queno pelo humilde da matéria, per- e são as mulheres proveitosas e úteis inquirir quais fossem os seus haveres panha, aquele pasmo do mundo e cré- virtuosa, mais honesta, mais honradi
feito e puro pelo sincero afeto, que o a seus maridos. Ainda a fama brada, atraido e namorado só da sua vir- dito de Portugal, perdurável sobre tô- e mais discreta.
consagra, para que me anime a sair ainda por todas as cem bocas celebra tude, entendeu que não necessitava das as idades, o sempre grande, in- Será a que não tem mais que a sua
ã luz com os Discursos, que ainda a Laudamia, mulher de Ifido; a An- de mais avultado dote, nem de solar signe e memorável D. Nuno Alvares formosura melhor para ver-se, e ai-
hão de dar corpo a sete volumes, que tonia, mulher de Germânico; a Pau- mais esclarecido que daquele com que Pereira, cujo valeroso espírito des- guns dirão que para amar-se: será a
a este seguem, e destinou a fortuna lina. mulher de Seneca; a Artemisa, havia dotado o supremo Autor da na- presava os maiores progressos de Mai-- que não tem mais que a sua nobreza
para a felicidade presente. mulher de Mouseolo; a Julia, espõ- tureza (23). te, quando à vista de seus poucos sol- melhor para respeitar-se. e não faltara
Não ignora V. Excelência a acei- sa de Pompeo; a Isicratea, esposa de E com razão, porque sem estas pren- dados se apresentavam formidáveis quem diga que para temer-se: será
tação que fêz Xerxes de uma pouca Mithridates; a Tiaria de Lúcio, a So- das sempre será pobre ainda a que exércitos. a que não tem mais que as suas rique-
de água, que nas próprias mãos lhe fia de Varro, a Pamisa de Tito, a se preza de mais rica; sempre será Mas que há de dizer um espirito tão zas melhor para herdar-se; mas quem
ofereceu um rústico afetuoso; e isto Emília de Africano, a Quilonia de humilde ainda a que se presume de nobre, que ainda quando entrando não sabe que é a pior para sofrer-se?
basta, para que aceite, e proteja és- Cleombroto. a Livia d*» Tibério, a mais nobre; com elas porém será mais por Castela, sujeitando aldêas, ven- Não sejam, pois, estas as que esco-
tes Discursos um Herói, que tanto Ária de Cicina Peto, a Eponina de poderosa, mais bem dotada e mais cendo praças e destruindo exércitos, lham os homens, que desejam acer-
sabe regular as suas ações pelas dos Júlio Sabino, a Branca de Batista ilustre, ainda a que fôr julgada por sobre todo o excesso soube sentir que tar em uma eleição tão arriscada, por-
maiores Sábios dso passados séculos. Porta (12), e finalmente outras mui- Por isso justissimamente destas seus soldados prisionassem uma ho- que não são estas as que expõe o en-
Deus guarde a Pessoa de V. Exce- tas,, que nas delícias da paz, nos peri- mais humilde. nesta donzela, que estava para des- tendimento por melhores. As coisas.
lência por largos anos, para crédito gos da guerra, nas misérias do des- prendas se prezou tanto aquela dis- posar-se; da qual porém informado diz ele, mais preciosos, são as que mais
de Portugal, aumento de suas Con- terra, nas fadigas do cativeiro, nas creta donzela, que sendo pelos Lhce- com toda a exação, que em coisa ai- se ocultam; doutrina, que até a mes-
quistas, e bem universal da Lusa Mo- calamidades da pobreza, e nos últimos demônios perguntada, que dote tinha guma se haviam valido os que a tra- ma natureza nos ensino: seja pois a
narquia. estragos da vida provaram com extra- para casar-se, respondeu, que o sua ziam dos excessos de vencedores, fi- mulher, que se procurar para esposa,
ordinários sucessos e espantosas proe- lionestiâaâe. ceu tão satisfeito aquele incomparável formosa ou feia, nobre ou mecânica,
limo. e Exmo. Senhor zas o quanto vale uma verdadeira Estas foram as riquezas, estes os do- guerreiro, que depois de premiar aas rica ou pobre; porém nâo deixe de sei
De V. Excelência esposa a seu consorte em todos os es- tes e os preclaros nascimentos que soldados, que a prisionaram. a virtuosa, honesta, honrada e discreta.
tados, ou o consideremos elevado ao procuraram Metedrates, e o Imperador honrar com a sua companhia atéquizà porque sem estas quatro jóias não
O mais reverente, e inútil criado maior auge da ventura, ou precipitado Teodosio, que tivessem suas esposas aldêa do seu domicílio, onde fez ceie- será rica, nobre, nem formosa, pois
Feuciano Joaquim de Souza Nunes no mais profundo abismo da desgraça. (24). Desta sorte as escolheram outres brar cem grandes plausibilidades o só naquele grande dote é que con-
Digam as histórias o que só por uma muitos da sua jerarquia, e assim as seu desposório, retirando-se depois siste a mais admirável formosura, fl
AO LEITOR vez obraram aquelas heroinas que por elegeram os homens mais sábios do mais satisfeito com esta ação generosa mais ilustre nobreza e a riqueza mais
vingarem as vidas de seus maridos for- mundo. Mas que muito, se por ígjo e honradíssima, do que com os lauros considerável, porque esta, e só esta,
Costumam quase todos os que ex- de seus multiplicados triunfos (30).
põem ao público as suas Obras con- maram exércitos, deram batalhas, mesmo tinham razão de saber que é é aquela, de que fala o Eclesiástico,
venceram e destruíram aos guerreiros mais ilustre e estimável a boa faina Semelhante ao grande Cipiáo, quando quando assemelha ao que casa com
ciliarem em dilatados Prólogos a prisionando em Cartagena a uma for-
atenção, agrado e favor dos Leitores Capadócios, e na Ásia triunfaram de do que todas as riquezas (25), como uma mulher pobre e virtuosa ao que
tantas Províncias e Cidades (13). Nar- diz o Espírito Santo, e que a vitória mosa donzela que se achava despo- planta uma herdade, a qual ainda que
pios e benévolos; porém, eu deixaria da castiãade está em vencer o apetite sada com aquele mesmo Capitão, a ao principio lhe motive gastos, depois
sem violência âe seguir este método, rem as histórias as heróicidades de
se me não receasse dos malévolos e Beatriz de Palácios, de Joana Mar- das riquesus, como diz Santo Ambrosio quem ele conquistava e pretendia ven- lhos remunera com proveito.
tins. de Isabel Rodrigues, e da insigne falando com o Imperador Valentiniano! cer, não só a fez logo pôr em liber- Muito vale a honra, ainda quando
ímpios; porque só para estes, e não dade. mas também conduzir com fa-
para aqueles é necessário prevenir o Maria de Estrada, quando no Reino Para conservarem intactas estas mosa pompa, e distintas honras a seu falta a vida e a fazenda; porém de
escudo, com. que se haja de rebater de México, procurando a morte, onde prendas, não duvidaram as antigas nada vale a fasenda e a vida, sc lhe
seus maridos arriscavam as vidas, não esposo: ação. que antes da vitória falta a honra, diz c doutíssimo Guc-
os golpes: o que suposto, se és amigo, matronas lançar mão de barras de lhe multiplicou os triunfos (31)
ou sábio, nada tenho que pedir-te. só acreditaram os extremos de seus ferro incendidas (26), quais outras vara (37); e per isso pergunta o mes-
corações amantes, mas também os Teresas. ou Lucindas, ilustres senho- Pelo comum assento de todos os Es- mo exímio Prelado: Que falta (to que
porque tu mesmo tens obrigação de critores a maior proeza, que obrou
defender-me e desculpar-m; porém excessos de seus valorosos braços, lan- ras de Coimbra. Para as defenderem, aquele, para quem foi o mundo todo falta a honra? Que tem aquele, a
se és inimigo, ou néscio, adverte, que çando mão das armas, com que gra- não faltaram em tempo algunm he- curto teatro de suas façanhas, é que, quem a honra falta?
antes âe censurar-me deves saber que varam no templo da memória as ms- roínas, que seguissem os passos àquela Por esta mesma causa deve o lio-
crições mais decorosas aos seus es- depois de vencer a Dario, conservan- mem prudente encomendar o informe
não és cavas de repreender-me. famosa Bracarense, que depois de ter do em seu poder a esposa, e filha
Isto é quanto me pareceu preciso tados e ao seu valor (14). obrado varonis proezas em sua defensa. deste, não obrasse ação alguma contra da que deseja para esposa mais íh|S
dizer-te, e o que julgo sobejo par ¦ Publiquem os anais quem livrou a sendo prisioneira, e levada por um ouvidos que aos olhos, não para vir
Balduino II, Imperador do Oriente, elas. que manchasse o seu decoro e aconhecer se é a mais aplaudida, se
cumprir com o costume de não dei- soldado a Marco Agrlpa, receando honestidade (32).
xar-te sem Prólogo. da miserável escravidão, em que o teve fosse ultrajado o seu decoro, .soube não se é a menos conhecida: ventura,
o Soldão do Egito, senão a Impera- Mas como não há de ser assim se de que tanto se podia jatar o nosso
Vale. com as mesmas armas do que a con- a honestidade é prenda tão soberana,
triz Marta, sua esposa, que, sem te- dúzia presa disputar-lhe a liberdade, Portugal, que entrando o Excelentis-
discurso III mer os grandes incômodos de tão que ainda quando os maiores mo- simo D. Antônio de Gouvéa. Bispo de
QUe em fim veio a conseguir à custa narcas nâo pugnam pelo decoro da Sirene, a descrever a portentosa vida
dilatada e arriscada jornada, lhe foi da própria vida, para que a sua honra soberania, ou dissimulam
Sumário: — E' o estado conjugai o solicitar o resgate do Magnânimo não chegasse a ser manchada, è ofen- os agravos
da Majestade, não perdoam aos ul- do admirável Português S. João clc
mais útil, e póde ser o mais da- Afonso X de Castela (16). dida a sua honestidade (27). Deus. não podendo descubrir o nonie
noso. As qualidades da esposa o Contem as Crônicas para admira- trajes da honestidade alheia. Veja- da mãi deste prodigioso -Santo. a&
Na guarda destas jóias foram sempre mo-jo provado.
fazem ser bom, ou máu. Sem lio- ção dos séculos, escrevam os Historia- extremosas e solícitas as nossas Por- assim: Su padre se llamò Andres
nesüdade todas as mais prendas dores para crédito imortal do sexo Como a soberba cresce com o poder, Ciudad, de su madre nigun testigo df.ro
tuguesas, que nunca faltaram multas foi o mesmo ver-se poderoso Assuero ei nombre; porque la honestidad âe
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Agosto de 1950 — Vol. XI, n.° 8 AUTORES B LIVROS Página 83

Algumas páginas de Feliciano Joaquim de Sousa Nunes


„,,. mijercs de aquella Uerra liaze Que importa que seja da beleza dos olhos de David, nfio come- infames sequazes, deixam de errar, virtudes dos maridos. E como deixará
,,. aquna sea conociáa, sino por
,''ria meda dar de mão ao recato,prática
e, contra teria adultério contra seu marido e de se condenarem todos os que os de lograr os maiores luzimentos a que
dc sa marido (38). Oh ditoso as leis da modéstia, botar com liber- Urlas, um dos mais esforçados Oapl- seguem. além destes dotes tiver os da virtude
Enrnol Oh feliz Nação, em que só dade abominável a cabeça, as mãos tães do exército de Israel, nem seria Os homens assim como vêem, assim e discrição?
™.;oa nomes dos maridos se conheciam e os pês de fora, se como Católicos instrumento, para que pecasse o maior julgam. E qual será aquele, que sendo Este é finalmente o dote, que ao
as mulheres! nos não devemos esquecer de que Rei, que admirou o mundo (53). prudente, se capacite que se presu- homem pôde de tal sorte enriquecer,
Assim é que estas devem ser conhe- nos recomenda S. Paulo não apareçam Bem sei que a esta doutrina se opõe mira que é honesta e discreta uma que o chegue a imortalizar na lem-
fidas A sua melhor nome, fama, é não ter as mulheres nas Igrejas, sem que le- não menos que o comum sentir mulher, que se opõe às leis da hones- branca das gentes, fazendo digna dc
fama' o seu melhor razão mais é não ter vem as cabeças eubertas com um véu? dos políticos modernos, que talvés por tidnde e aos ditames da razão? ser ptrdurável a sua memória a toda
.'mm Por isso com se es- E se tanto mais que a cabaça nos afetarem erudição, ou por mostrarem Se pelo movimento dos olhos e ãa a posteridade, pois uma só parte dele
tjiiv-víiin em Roma as belezas, a quem ensina o natural pudor a cubrir os que têm visto Nações diversas, nada pestanas, que a natureza ensina a bastou para alcançar o que ainda nem
.', modéstia escondia debaixo de um pés, quem não dirá, que é viciosa e pe- lhes parece melhor, nem mais con- abrir e põe ã vista de todos, se conhe- a arte, nem a natureza pode conse-
vin do oue as formosuras, aadmira- quem caminosa liberdade a que se opõe e forme à razão, qu& o trato e traje ce a honestidade áa mulher, como diz guir.
iiclè a vaidade patentèa para encontra ao mandado de um Apóstolo, das senhores estrangeiras. o Espirito Santo (56), como não desa- Feridas de um arrebatado e fu-
U.ü dos olhos; e por isso mais venera- que pelas suas celestiais doutrinas Porém como isto seja sem outros fun creditará a honestidade tanto botar rioso contágio de tal sorte guerrea-
rtas foram as mulheres, quando até mereceu o título de Doutor das damentos mais sólidos do que aqueles de fora os pés, os quais o natural pu- vam as donzelas Milanezas, que com
nos .'¦eus desposorios dodavam hoje. as mãos
em
Gentes? que se fundam nas superfícies razões dor ensina e inclina a esconder, a horror nunca visto não queriam mais
eubertas ao esposo, que cobrir e a resguardar? E se a opinião, vitórias do que o despojo das próprísç
aue não só tanto botam as e mãos os pés
de como disse um douto, não conhece as vidas, que deixavam umas nas máos
fora como nem a cabeça Feliciano Joaquim de Souza Nunes causas pelo corpo do crime, mas sim de outras, sem que alguma diligência
nr cntoin ter cubatos. Não posso ne- pela libre ão indicio (57), quem de tão bastasse a reprimir-lhes os acelerados
„al que sejam estas mais agradáveis maus indícios pode esperar boa opt- passos, com que caminhavam para os
a vista; porém não são essas as qu? nião? Da que e virgem, diz S. Basílio pricipícios, ou arrebatar-lhes a louca
eleve eleger o entendimento para es- que também hão de ser virgens seus resolução, com que cruéis homicidas
PÃo ouvidos, seus olhos, sua boca, mãos e de si próprias causavam o mais hor-
manto da mulher chamou Ter- movimentos (58). Logo, da que fôr roroso e deplorável espetáculo, cujo
tuliano; Velado ãa sua honra, arma
defensiva da sua honestidade, e muro
que tf defende dos perigosaquela
w ru-to'; porém sendo
de ver e de
inven-
DISCURSOS honesta não hão de ser as suas ações
desonestas.
E' mui dedicada a fama. Um dizem
a destroi; um parece a deslustra; um
estrago sem remédio chamavam os
tais e sem alívio lamentavam todos,
pois viam exauridos os diques da me-
dicina, e executados os maiores rigo-
ncO oela- honestidade de outros tem- riso, ainda quando a aplaude, a infa- res do castigo, sem que este com o
i>!)-; não são estes cs de que fazem ma; uma voz finalmente mal arti- temor remediasse tão tirano frenezi,
ífalà as bizarrlas das que se jactam
POLITICO-MORAES nem aquela com os mais eficazes an-
culada quando a louva, a aniquila. Fa-
mais senhoras; porque os que agora tal fragilidade! tidotos curasse tão lamentáveis queixa.
«c usam. não conservam de muro mais Com um sopro se fôrma o vidro Mas lembrado o prudente Governa-
aue as ruínas, pois a cada movimento mais delicado; porém nem este limi- dor daquele País dos grandes poderes
os vemos caídos (39). Sim sáo armas. tado impulso sofre a fama. porque da honestidade, ordenou que as don-
mas firmas como as dos rendidos, que para a destruir basta o hálito, que zelas que assim morressem, fossem
•o deixam cair sobre os ombros, e por articula uma voz (59). logo despojadas de seus vestidos, e
isso nãc- servem de defensa; arma5. E se o EcZesiásfico nos manda, que enterradas nuas à vista de todo o povo.
que a cada passo se largam das mãos, tenhamos cuidado ão bom nome (60), Maravilhoso caso! Põe-se esta or-
por cuja causa sempre são ofensivas.
Segundo o texto da Ia edição devemos advertir que a honestidade é dem em efeito, dá-se à execução este
De vaiado náo têm mais que os ves- - supressa o artífice da opinião, mandato, e de tal sorte se horrorizam
tigios, porque neles se não podem es- por ordem do opinião, e por isso é necessário que a
esposa não só seja honesta, senão que
aquelas mulheres faltas de entendi-
mento e de discurso, que o que não
conder ainda as mulheres mais deli-
cadas. Marquez de Pombal em 1758. a sua honestidade seja notória; de
sorte que, sendo melhor para esposa a
pôde nelas vencer a arte com os re-
médios ásperos e benignos, nem .•
E que há de ser de1 um homem, que
encontrar oom uma esposa tão desti- mulher, que fôr menos conhecida pelo natureza com a caridade e amor da
inicia dos reparos da honestidade? nome e pelos faustos, será ótima aque- própria vida, sujeitou, venceu e re-
Praga desprevenida, facilmente pode Ia, de quem fôr a honestidade e a mo- mediou a honestidade, curando com a
ser tomada; e quando o não seja, sem- destia mais notória, porque estas vir- maior eficácia uma queixa tão ex-
ore está em grande risco. tudes não podem estar ocultas, e de- trordinària, e uma tão consumada
Fujam pois, fujam os homens pru- vem ser manifestas (61). e lamentável loucura (62).
cientes da-s ruínas, que lhes vaticinam Não duvido que ainda uma donzela E se tanto pode a castidade, se
aqueles descuidos; porque não sei se assim dotada, e deste modo escolhida, tanto merece, se tanto vale, de que
está longe ao menos de parecer des- se não livra de ser acometida e acusa- valor não será o dote de uma mulher
honesta a mulher, que despreza as da, porque nem a bondade e inocência honesta, virtuosa, honrada e discreta?
armas da honestidade; e não podem de um Deus inculpável escapou à Nem todo o ouro, quanto produz e tem
duvidar de que S. Paulo tem por tor- JJTaioSI malícia, à maldade e ã obstinação dos produzido a terra, nem quantas pe-
peza, que a mulher descubra a cabeça
no Templo (40).
WMMuR-tgl homens; porém quem não diria, vendo
a casta Suzana acometida e acusada
rolas cria o tem criado o mar, nem
quantos diamantes geram e tem ge-
Sei eu que bastou para Calo Sul- «TALITî por dois respeitosos Juizes, a quem o rado os rios podem em riqueza compe-
picio enjeitar a sua esposa o encon-
trá-la na rua. uma só vez sem o véu,
SáTEMjK crédito de ancião e magitério de
Senadores constituía inimigos inven-
tir com o valor e riqueza daquele dote.
Pois este é, este, e não outro, o que
com que costumava cobrir o rosto (41). cíveis, que ficaria despojo da tira- deve procurar o homem prudente, que
Seja pois bastante causa para o ho- nia, a que era modelo da honestidade? tenha em todo. ou ao menos em parte,
mem prudente não aceitar por es- Mas quem não sabe que com o pequeno a mulher, que pretende para esposa
posa a muilier, a quem vir nas Igreja.» auxílio das vozes de um menino triun- Este é o que não só deve aceitar, senão
sem o manto na cabeça, fou ela daqueles, que Babilônia temia se necessário fôr, deve procurar á
Muito se arriscam as mulheres em gigantes pela autoridade, e respeitava custa de todo o dsspendio de sua pró-
ver muito; porém mais perigam em oráculos na jurisprudência? pria fazenda, porque multo mais que
serem muito vistas, ou em se darem Pouco importa ao Sol que a Lua se a fazenda vale & liberdade, e com tudo
muito a ver. Diga-o a formosa Rebeca, nossos olhos que aquele perde o es- isso não deixou um Jacob de a sujei-
que até ao santo Patriarca Isaae, an- lhe oponha: fará esta parecer aos tar por quatorze anos, para merecer
tes dt .ser seu esposo, negava a beleza 19 31 plendor; porém na realidade lhe nãu a Raquel: nem Deus deixa de retribuir
cio seu rostro, cobrindo-o com um véu. tira os luzimentos: sim ficaremos em o que se oferece por fim tão justo e
trevas porém ele náo participa das santo, como o experimentou o mesmo
paia que se não viessem nela ultra-
jades os melindres da honestidade OFFICINA INDUSTRIAL GRAPHICA sombras, nem diminui as luzes. Jacob, pois só em sete anos lucrou
1421. Assim luzirã a esposa, sendo virtu- mais por esta causa, do que Labao
Honesta e recatada foi sempre a RUA DA MISEBICOBDIA, 74 osa, honesta, honrada e discreta. Já seu sogro possuía. E por todos estes
censtante Suzana; mas ainda assim BIO PE J A N EIBO disse o nosso douto Guerreiro, que fundamentos não só casará rico o que
bastou ser vista em o jardim de seu será justo sofrer a que fôr honesta achar esposa tão bem dotada, mas
esposo, para ser oprimida dos mais e casta, ainda que tenha todos os mais virá praticamente a conhecer, que só
emas aleivosas (43); e também foi Frontespício dos "Discursos político morais'" (edição da Academia, 1931). vícios porque jamais os vicios das que com este dote se pôde lograr uma rica
o mesmo deixar-se ver a infeliz Cava são honradas foram impedimentos às
com o peito descoberto, que perder-se. Lastima é na verdade digna de ser de assim se usar em França, assim *er
porque viu a Rodrigo; perder-se Ro- chorada, que conservando todas as Na- costume em Itália, assim se praticar
drig'o, perque a viu; e perder-se Es-
pai.ha, porque os viu
Por isso em Veneza eramperdidos
(44*.
tão recolhi-
ções seus trajes particulares e pró-
prios, e logrando o nosso Portugal a
em Londres, assim o aprovarem os ho-
mens sábios e cultos2 etc. e outras se- Os discursos Polítieo-Morais
ventura de possuir os mais conformes inelhantes razões, nao deve1 o homem
cias as donzelas, que até aos mesmos á modéstia e proporcionados ã hones- sério, prudente, refletido e discreto JOÃO RIBEIRO
cora quem haviam de casar, não per- tídade das mulheres, tanto os despre- fazer caso de tal oposição, porque es-
niitiam que as vissem, senão no ato zem. tanto se lhe oponham os políticos, ta se desvenece tão facilmente, como Feliciano José de Souza Nunes — Discursos politico-morais — Rio
do ;i sreceberem por esposas. se pnde mostrar e provar com as auto- — Edição da Academia Brasileira de Letras — Oficina Industrial
Haja embora quem se agrade de ver que parece se ofendem de que as nos-
sas Portuguesas ao menos nos trajes dades mais sólidas, e ainda dos melho- Gráfica — 1931.
u:iiu senhora toda franca, como dizem res políticos e sábios do nosso século
a-Suns, a qual trajando sem modes- deixem de parecer estrangeiras, ain- Quem é Feliciano José de Sousa Nunes?
Ua, faz garbo de botar nãc- só as mãos. da que para isso cortem pela modéstia sem que seja necessário procurar me-
ou pela honestidade. Extravagante márias do tempo de Justiniano. Tibé- Ninguém o sabe hoje. Foi um filósifo fluminense ou carioca, do século
'"as até os pés de fãra, para que se XVIII; escreveu esse tratado em Lisboa em 1758.
idéia! Célebre política! E mais cé- rio. Augusto e Marco Aurélio; pois
Om que se sabe- tratar à francez?.
em Portugal. Mas não há de ser isto lebre e extravagante, porque toda -=e sem nos lembrarmos do que sentiram O tratado devia ter muitos volumes; mas só saiu a lume este, que era o
o ae que se agrade o homem discursivo dirige a deslustre da Nação. inumeráveis sábios desses e outros sé- primeiro, e ainda assim foi mandado suprimir, ou destruir pelo Marques de
ii-i mulher, que pretende para esposa; Algum dia sei eu que teceu o Dou- culos da antigüidade, bastará que se Pombal, havendo escapado a essa destruição apenas três exemplares.
O;iiuo acivirtido de qua bastou o cal- tissimo Bluteau às nossas Portuguè- lhes de por resposta, que assim como E' o nosso poeta Alberto de Oliveira que nos conta o que foi possível
sas os mais honoríficos encomios. sendo a chuva proveitosa e necessá-
O-.o de Judite. para roubar as aten- ria para os que vivem em o nosso con- saber a respeito do livro e do autor, e1 nada sabemos ajuntar ao que ele tão
Ws de Holofernes (45), mais se deve quando disse, que por todo o ouro ão tinente. é pestifera e causa conta- elegantemente escreveu, prefaciando esta edição da Academia.
asmdar de uma. que tenha pi>r exem- Peru nüo permitiria alguma delas, gue Segundo o grande poeta, que é também um insígne bibliógrafo, Feliciano
piar a nossa Infante Dona Sancha. lhe vissem c, extremidade do calçado gios irremediáveis aos que habitam
!\'-'<- por não violai* os timbres da mo- (45), e ciue era tal o seu recolhimento em outros, onde só logram melhor sau- Joaquim de Souza Nunes nasceu no Rio de Janeiro em 1734, e faleceu em
cotia, já mais permitiu que suas da- e sentimento pela falta de seus ma- de os seus habitantes, quando por um 1808. São datas incertas, mas muito aproximativas. Homem de saber e de
mas ihe vissem a ponta do pó desço- ridos, qne pareciam as viúvas tumba ano, e mais tempo, lhes não .chove, da virtudes, grangeou a amizade e estima de Gomes Freire de Andrade, o gover-
DOo (45); ou a uma Dona Isabel. animada, túmulo vivente, e triste de- mesma sorte se não segue, nem se deve uador do Brasil e demarcador das nossas fronteiras no sul do país.
pósito ãe fúnebres lembranças 150). inferir, que em Portugal há de ser.
mulher do Rei D. Fernando de Castela,
bom e útil o traje e trato, que em Aqui nasceu a Academia dos .Seletos — por iniciativa desse núcleo de
"encerra
a qual nem para que a ungissem per- Pois se um hemem tão douto, tão outros Reinos não é máu. ou se avalia literatos é que se publicou em 1754, o livro dos Júbilos áa América, que
que "ie descobrissem os pés culto e tão político entendeu que isto em suas páginas o coro de aplausos ou preito rendidos por essa ocasião a
7d7
"O; porque é tão melindrosa a hon- era matéria para se lhe tributarem elo pelo melhor; porque a mesma natu-
o que até dos olhos se ofende, até gios. quem não entederá que pretende reza nos ensina que o que é útil e pro- Gomes Freire".
com a vista periga. deslustres da Nação, quem se não veitoso em uns países, é pernicioso e Parece que Feliciano de Souza Nunes foi autor de outras obras menores,
viu o Imperador Bassiano agrada do que ihe serve de louvor e prejudicial em outros. hoje totalmente ignoradas.
«rto parte de um peito de suadesço- pro- de glória? Além do que, se o Espírito Santo nos Escreveu esses Discursos pol"tico-mOrais, que sofreram imerecido destino,
Pna mãi, e bastou isto para a preten- E finalmente nesta parte a todo o ensina, que são infinitos os néscios condenados, como foram, a desaparecer da circulação.
der atrevido, e para a gozar incestuosa. uiaq jaoaiBd aAap os o^uapu-id uiautoq (54), e é inegável que nos manda Deus 'Esta obra (diz ainda Alberto de Oliveira, que seguiram nesta notícia)
Ja disse- um discreto, que pouco se- não sigamos os muitos para obrarmos
aura estaria a honra, se os pensa- para esposa a mulher, que não for mal (55). que fundamento é o estilo a conselho de amigos e admiradores, fez com que seu autor empreendesse
mentos consentidos não fossem cul- desalinhada no vestir, nem demazia- viagem a Lisboa, a fim de a mandar imprimir, distribuída por vários volumes
da nos adornos, como diz Aristóteles; de França, o uso de Itália e a prá-
Pas mortais para o decoro (48). E porque se fõr espetáculo admirável pa- tica de outras Províncias e Reinos, Concluído o tomo I dedicado a Sebastião José de Carvalho e Melo, deu-se
parece ra os mais. poderá ser que seja para para assentarmos etn que é o melhor, pressa o nosso patrício em apresentar-se ao grande ministro de D. José I,
mantes que pouco se livra de seme-
delitos quem, opondo-se às o marido miserável (51); e mais se pois o seguem tantos? Sei eu que nin- levando-lhe um dos exemplares impressos. Foi mal recebido. O ministro car-
ieis da honestidade, é causa de que advertir com o nosso D. Francisco de guém se pôde eximir da culpa, em que regou o sobrolho e repreendeu-o por lhe haver dedicado o trabalho sem
sem temeridade se suponham Portugal, que a ftonra não é de bronze. cai, com o pretesto de ter cometido
n» honra, em que os não há; defeitos estas com o exemplo de outras muitas. prévia licença, e por conter o livro ãoutrinas anárquicas. E ali mesmo lhe or-
porque como supõe a liberdade do nosso sé- denou a imediata volta para o Brasil, declarando-lhe que seriam para logo
SJ***0 «"e sempre pela modéstia ou culo, senão ãe vidro, como a consiãe- Inumeráveis são os que seguem as er- "Discursos".
¦modéstia ""os trajes ou se regulam as tou sempre a cautela ãos tempos an- radíssimas leis do perverso Mafoma, queimados todos os exemplares dos
avoes, ou as inclinações se avaliam. ttgos (52) Se Bersabé recatasse a sua mas nem por serem muitos os seus (Conclui na pág. 91).
%»P'X™™-:i'.r-*y T-^^y^yir^y"'™ ¦.,ÍI7rr^ç«p.WIT.7TJ\fTV"'

Página 84 AUTORES E LIVRO Agosto de 19S0 — Vol. XI, n.° 8

M E O AMOR DESCOBERTO
Mucio Leão Primeiro tradução

Lembra-te de desconfiar,,. é a di- Quando enlaçamo-nos um ao outro


dado alguns passos na outra peça. nas que êle veio mais tarde a adotar Fazia noite
visa de Prosper Merimée. quando percebeu que riam de seus para sua divisa aquele preceít» grego
sofrimentos. — Lembra-te de dttviãar. Quem a dizer que viu-nos presos
J«ftmais, parece, terá havido um ho- Há que se afoite?
mem tão atormentado pela necessi- — Pobre menino! Acreditou mesmo Que se me perdoe uma pequena e (Canção grega)
dade de não crer, quanto aquele, Era que estamos multo zangados com ele! insignificante erudição, a de lhes di- Mas é que á noite, que vè no escuro
bem criança, quando, um dia. fêz uma Foi uma decepção cruel e trágica zer que «sssa frase foi ttimada a Epi- Duas traduções de Nossa alma nua
travessura qualquer. Ralharam com para aquela pobre almazinha infantil, carmo, o mais antigo dos poetas cô- Juntou-se a aurora mais a retina
éle thavia de ser sua mãe), ameaça- E Merimée jurou, detsde aquele mo- micos. Segundo Polibio, de resto, a Martins Júnior
ram-no de castigos e de pancadas. A mento, não acreditar mais em nada. frase náo é exatamente como a co- Branca da lua
piou e adotou Marimée; assim'
pobre criança saiu, em lágrimas, da
sala em que fôra repreendida. Teria
Terá cumprido o dificílimo jura- "Sè sóbrio e recorda-te deporém
desconfiar" E certa estrela que amava o oceano
mento? Como sabê-lo? Sabemos ape- Viu-nos também.
são as articulações do bom-senso"
Se Merimée desconfiou sempre, eu Ora uma amante não faz mistérios

FELICIANO NUNES nâo sei, Sei que êle aprendeu a iludir


magistralmente os outros, e que con-
fundiu e atrapalhou meio mundo. E'
difícil, com efeito, encontrar um es-
critor que se tenha deliciado tanto
Para o seu bem.
Baixando ao mar narrou-lhe todo
Nosso segredo
E o mar ao choque de um duro remo,
Alberto de Oliveira
quanto êle em mistíficar os outros, Falou, por medo.
Feliciano Joaquim de Souza Nunes era filho desta capital, onde, com raro Mistificação é grande parte do que êle
nos legou; é em prmeiro lugar suct O remo então cotnou a história
aêlo, serviu o cargo de almoxarife dos armazéns da cidade. Dâo-no como deliciosa coleção de poesias ilíricas, A um navegante
naecido em 1734, e falecido talvez em 1803. Reconhecido que era a Gomes Freire La Guzla. Mistificação também certa Qifê pô-la em versos e foi canta-la
de Andrada. o qual o tinha na melhor conta por seu saber e virtudes, coube-lhe atitude grave e circunspecta que assu- P'ra sua amante.
a iniciativa da idéa então no Rio de Janeiro, e manifestaram em prosa e vento mia na vida diante de coisas em que
o júbilo s;eral àquele governador, por ocasião de ser este promovido ao posto de de forma nenhuma cria, de coisas que Segunda tradução
mesti-e dt campo general e a primeiro comissário da medição e demarcação dos no fundo mereceriam seu desdém e
limites meridionais do Brasil, até seu ódio. Quando, «lança, nós nes abraçamos
Foi. por exemplo, um acadêmico Era de noitei... Quem nos pôde ver?
Nasceu daí a "Academia dos Seletos" cujo fim único era essa homenagem. perfeito — e tudo indica que nunca
Também daí se originou a idéia de estabelecer-se na cidade uma tipografia, e acreditou na Academia, Fêz a sua Viu-nos contudo a noite que buscamos
essa íoí a primeira que aqui existiu, de propriedade de Antônio Isidoro di campanha eleitoral como o mais dis- A aurora, a lua e a estrela rosicler
Fonseca. A Academia reuniu-se em 1752. O livro "Júbilos da América", publi- ciplinado, o mais discreto dos candi- Baixando ao mar disse-lhe a estrela tudo
cado dois anos depois, encerra em suas páginas o coro de aplausos ou preito datos, e todas os eleitores ficavam O mar contou a um remo, este a um romeiro
encantados com a sua linha impecá-
rendido por essa ocasião a Gomes Freire. E' uma poliantéa descompassada e vel. No fundo estava infinitamente Nossa ventura... E eis que o remeiro rude
insulsa. sem quasi nada digno de nota senão o louvor exagerado. No prólogo, o divertido com aquela via sacra de ; Da noiva à porta entoou-a prasenteiro.
.secretário Sequeira de Sá exalta o nome de Feliciano Nunes, o qual. lê-se ai, candidato, E eis como a ela se refere:
• já havia feito pública e notória a sua bòa capacidade, conciliando as atenções "Vistes acaso os cães. quando en- <A propósito dessa canção grega, veja a tradução de Alberto Faria. Aer
dos eruditos de bom gosto e captado a benevolência de sua excelência (o go- tram no terreno de um texugo? Se ides, pág. l29\Aütores e Livros, vol. 7.°, pág. 26).
vemador) com a "Relação panegirica" que discretamente compôs. e acertada- têm alguma experiência, assumem.
mente dedicou a sua excelência". Alude também ao "Discurso crítico, político e quando ali entram, um ar terrível, e
muitas vezes saem mais depressa do mas, bebendo a sua inspiração nos de um pedido que no momento éle
histórico" do mesmo Feliciano. escrito "em forma e frase digna de Cedro". que entraram, porque o texugo é um modelos antigos; o mesmo recato de
Pouco mais de vinte anes tinha o escritor fluminense, e sóbre ser autor das parecera nem sequer ter ouvido. .
animal bem incômodo de se visitar. vida; o mesmo pudor, a mesma ele- De Machado de Assis, podemos referir
obras mencionadas, já o era também de uma de mais fôlego, os "Discurses Eu penso sempre no texugo, quando gància ... um traço semelhante: aquele carinho
político--morais, comprovados com vasta erudição das divinas e humanas le- teco o cordão da casa de um aca- Taine via em Merimée um ser du- com que éle acompanhava e protegia
trás..." Esta obra, a conselho de amigos e admiradores de seu talento e saber, dêmico e me vejo, in the minei's eye, pio: aquele que vivia em contato eom cs amigos, o carinho com que féz ele-
fez com que seu autor empreendesse viajem a Lisboa, a fim de a mandar inteiramente semelhante ao cão de outros homens, o ser social e correto, ger Mário de Alencar para a Aca-
imprimir, distribuída por vários volumes. Concluido o tomo 1°, dedicado a Se- que vos falava há pouco. Nunca fui e acaso até afetuoso; e o que ficava demia...
mordido; mas tenho tido cada encon- permanentemente fiscalizando os atos Essencialmente contraditório. Mori-
bastião José de Carvalho e Melo (Lisboa, na Oficina de Miguel Manescal da tro!" e os gestos daquele outro... Não po- mée tinha aspectos íntimos quc se
Costa, impressOr do Santo Oficio, Ano 1758). deu-se pressa o nosso patrício em Foi com essa mesma seriedade — deriamos encontrar igual duplicidade chocavam singularmente com as suas
apresentar-se ao grande ministro de D. José I, levando-lhe um dos exemplares no fundo desdenhosa. mas tão no em Machado de Assis? aparências de frieza e de indiferença,
impressos. Foi mal recebido. O ministro carregou-lhe o sobrolho e repreendeu-o fundo que nem mesmo o mais sutil Ainda um traço comum entre o Sabe-se que durante longos anos man-
por lhe haver dedicado o trabalho sem prévia licença, e por contar o livro "dou- analista seria capaz de perceber esse escritor francês e o brasileiro, se qui- teve correspondência com uma des-
trinas anárquicas". E ali mesmo lhe ordenou a imediata volta para o Brasil, desdém — que êle viveu o sonho séssemos prolongar essa comparação. conhecida. E sabe-se também qu-
amargo de sua vida. seria a capacidade de saírem de si nessa, corespondência êle tinha nân
declarando-lhe que seriam para logo queimados todos os exemplares dos "Dis- Nesse traço, como em muitos ou- mesmos, de, parecendo frios e indife- raro a emoção e a ternura de um
curses". Desses exemplares, ao que consta, salvaram-se três, cs quais fado tros. se aproxima do nosso Machado rentes, viverem para os outros, vive- poeta apaixonado. Tudo lhe serve
patriótico quis viessem parar na cidade-berço de seu autor, achando-se dois de Assis, de quem parece ter sido rem pelos outros. De Merimée muita de pretexto para algumas linhas sua-
na Biblioteca Nacional, e um em meu poder. Num daqueles pertencentes ã irmão. Em ambos, com efeito, encon- gente se despediu triste e desiludida ves e amorosas dirigidas á querid.i
Biblioteca e que faz parte da Coleção D. Tereza Cristina Maria, lê-se na fõlhti tramos os mesmos traços essenciais: porque lhe foi fazer algum pedido e correspondente. Sonha? Vê em sen
de guarda: almas infinitamente elevadas e no- sentiu a frieza da resposta... Sema- sonho um pássaro branco e formoso?
"O Dr. Emílio Joaquim da Silva Maia bres. perdidas num mar rie timidez, e nas depois, entretanto, às vezes mesmo Logo medita que bem pode ser a mu-
que refugiando-se na ironia; o mesmo meses depois, recebiam a visita do es- lher adorada que morreu, e que agora
obteve em 1845 esta raríssima obra (Discursos amer de uma arte de linhas puríssi- critor que ia comunicar a satisfação (Conclui na pág. 90i
políticos-morais) por dádiva de Francisco das
Chagas Ribeiro, e que a considera de extra- - *
ordinário valor, não lhe constando a existên-
cia de nenhum outro exemplar, r
A oferece hoje
com todo o respeito e acatamento
Ao Muito Alto
Poderoso Senhor AÇÚCAR DIAMANTE
D. PEDRO 2.°
Por fortuna da Nação e- glória da pátria
O Brasileiro de mais profundo saber.
18 junho 1857"
O exemplar que possuo, pertenceu ao grande bibliográfo português Ino-
O MAIS PURO
cêncio da Silva, e era ultimamente de Anibal Fernandes Tomás, também por-
tugués e bibliógrafo. Certo, desapareceram no auto de fé os demais manus-
critos da obra. E assim veio a ficar truncado trabalho de tantos anos de
O MAIS ALVO
estudo e de que talvez se pudessem ufanar nessas letras.
Excertos dos "Discursos" publicados pela "Minerva Brasileira" e "Revista O MAIS SECO
Brasileira" de Paula Menezes e bem assim a nova edição deles, dada. segundo
S. Blake, em 1851, e inteiramente esgotada, depõem em favor da obra.
A memória de Feliciano Nunes emerje da sombra secular a que fôra
lançada e vem até aí. Depois, e até nossos dias, vai revertendo à mesma
inglória escuresa. Haverá nisso ingratidão para cem o valor literário do DISTRIBUIDORES EM TODO O BRASIL:
honrado almoxarife amigo de Gomes Freire?
Poucos serão os escritores injustamente esquecidos. O merecimento, onde
o haja, raramente deixará de impór-se a triunfar. Livros que se lêem e se
esquecem, em regra ou são maus ou resvalam a medíocres, e deslembrá-los
ê .como (ítspicarmos-nos do tempo e paciência consumidos em sua leitura,
De nada valem reclamos, apoteoses, edições novas, que são como novos féreírcs
desses defuntos. Não há "surge et ambula" com fôrça bastante a calar nos
ouvidos de tais Lázaros. Cairam, porque não podiam manter-se de pé. Ss cs
Companhia Geral «de Melhoramentos
levantarem, a ressurreição será momentânea: tornarão a cair. Entre as figu-
ras do -Cancioneiro alegre" vem incluso um poeta da Pesqueira. Carvalho Sa-
vedra ou Donas Boto. Haviam-no esquecido, apesar de autor de um "Poema
Socialista", de mais de 400 paginas e de uma "Lira do Douro" de mais de 500
em Pernambuco
Camilo empreendeu revocá-lo à vida, em algumas laudas de travo e ironia.
¦Faz mister, diz ele, arrancá-lo a forceps das entranhas do esquecimento".
Melhor 'serviço fizera ao poeta morto, deixá-lo em paz naquelas entranhas.
Os versos, que lhe transcreve, justificam o olvido em que o deixaram. Os
Ratos de inquisição" de Serrão de Castro e as "Poesias e prosas" de Soroplta
são dois livrinhos preciosos, não pelo que encerram dos autores, mas pelos ESCRITÓRIO: RUA DQ BRUM, 85 — CAIXA POSTAL 257
juízos críticos e anotações do mesmo Camilo. Nessas páginas, quem vive é o
grande romancista, e não os dois poetas por ele exumados. RECIFE
A simpatia com que lemos alguns livros, nasce, às vezes, não só ç
propriamente do assunto que versam, e como o versam, mas também dos lancei:
da vida de quem os «escreve. Entre esses lances, os do infortúnio são dos
que mais a inspiram. Talvez por isso o livro de Feliciano me interessou desde
logo e tornou maior o prazer de sua leitura. Não cabe examinar aqui «ser INSCRIÇÃO N.° 64 — RIO FORMOSO
justo o esquecimento do nome de seu autor; parece, porém, que o fluminense
"Discursos", bem como seu contemporâneo
que escreveu os Matias Aires, têm
ambos direito de figurar na história de nossa literatura, não em simples PERNAMBUCO
referência, mas em capitulo que lhe falta, sobre moralistas e filósofos da
primeira metade do século desoito.
(Prólogo & «edição' dos Discursos politico-morais. edição da Academia
Biasilelra de Letras, 193». Heeoseeoeeoeoc
f^UfjU^WI^^i^^/í iimiMflHM™ '^^•^'JfíWWKipiflttHJíiíín
;—*-*-.-<—-"1—«"r;-. r=-r:

Agosto de 1950 — Vol, XI, n,° 8

I
AUTORES E LIVROS Página 85

«re/ Manoel de Santa Maria Itaparica .íi ' .


ALGUMAS FONTES SOBRE Inocincio da Silva — Dicionário,
v ncia sobre Frei Manuel de Santa tes Plácido, e de suo mulher e filhos, 8.°. Foi editor o Cel. Inicio Acioli de
Maria Itaparica por um anônimo, natural de Itaparica, Cerqueira e Silva. FREI ITAPARICA VOl 6.°.
termo da cidade da Bahia; dado à luz Consta do "Flortlégío", vol 1 p&gs. José Veríssimo — História da Lite-
de Santa Maria Itaparica Alfredo Gomes — Hist. LitOTáría — ratura Brasileira, 104.
'eu
[¦muel por um devoto de mesmo santo < sem 157 a 173 e do "Parnaso Brasileiro", Introd. Dise. Hist, vol. 1_°, püg. 1.320. Júlio Barbuda — Literatura Brasi-
n,. em Itaparica, Bahia, em 1704. lugar e ano de publicação) -— Lisboa, vol. 1, pág. 85 (incompleto).
¦.'¦ lesnou com 16 anos no convento de 1769 — 132 pág. in. 4.°. Foi atribuído Epigrama latino à morte de D. Artur Mota — História da Literatura letra, 211.
'. ¦ uassú da Ordem Seráfica de São a Francisco de Souza, pelo Vde. do Joio V. Acha-se na "Relação pane- Brasileira, vol. 2, pág. 145. Pedro Calmon — História da Lite-
i uicisco. diz Blake. Artur Mota diz Baltasar da Silva Lisboa — Aponta- ratura Bahiana.
Porto Seguro e J. M. da Costa e Silva. girica das exéquias, etc". Ronald de Carvalha — Pequena His-
,,, vento de Paraguasni, por evidente Mas, com a publicação do "Novo orbe Canção fúnebre à morte de D mentos biográficos de vários poetas tória da Literatura Brasileira, 137.
,... o de cópia da informaçío de Blakf. serâlico" «.= parte) ficou esclarecida João V. Idem e no "Mosaico poético" ilustres. Sacramento Blake — Dicionário, vo-
',-¦¦ & todos cs seus estudos nessa or- sua autoria. Consta de 6 cantos cm de Emilio Adet. e J. Norberto, pig. 2<j. Bento Murila — Antologia Bahiana, iume VI.
citava rima. Alguns trechos foram re- Sobre as vaze* tristes do$ sinos, A Renascença, 21-2-1895. Silvio Romero — História da Lite-
d, ii tornando-se um notável predica- Chichorro da Gama — Miniaturas ratura Brasileira, t. 1,° 192.
i)„r da palavra evangélica. Ncticias sobre Frei Manuel de Santa Ao fúnebre estrondo da artilharia. A
produzidos no "Flortlégio da poesi" sentida morte de D. JoSo V. Idem, três Biográficas, pág. 41. — Breve dise. Sílvio Romero —¦ Livro do Cents-
,.leceu _ calcula Blake — depoi-í brasileira", tomo 1.°. Melo Moraes Fi- sonetos. de autores clássicos, pág. 47, e Rev. nário, 19.
,i 1868. lho, no 'Parnaso Brasileiro", dá - Manifesto das grandes festas que da língua Portugueza, n.° 14-77, Sílvio Romero e João Ribeiro — Ma-
Escreveu:
"Discrição do inferno". se fizeram na capital da Paraíba, aos F. Noü — Literature Bresiltene, 25. nual de História da Literatura Bra-
casamentos dos príncipes de Portugal Haroldo Paranhos — História do sileira, p. 45.
Eiistaauidos — poema trágico- ~ Discrição da ilha ds Itaparica: e de Castela — canto heróico e pa- Romantismo no Brasil, 1." vol. Vernhagen — Florilegio. 1." vol.
,., ico. em que se contem a vida ds canto heróico, extraído do poema sa- negiiico em oitavas. Achava-se pron- Henrique Perdigão — Dicionário Vernhagen ~- Revista do Instituto
¦<.">->o Eustaquio, mártir, chamado an- cio "Eustaquidcs" — Bahia, l&il In to a entrar no prelo em IH768. Universal da Literatura, 162. Histórico, t. XI.

Poesias de Frei Manoel de Santa Maria Itaparica


(Trecho do poema Eustáqulãos) E assim com esta manhã industriosa 22. Como não temes ser despedaçado Uma e outra, se parte emparelhada.
Descrição da ilha ãe Itaparica pa mísera vem ter o senhorio, De um animal tão feio e tão imundo? Indo à vela, ou c'os remos furiosos,
Tais sao com esta rede os pescadores Porque queres ir ser precipitado E pelo mar serenas navegando
j cantar procuro, descrever intento Para terra se vão endireitando.
Em um heróico verso e sonoroso Para prender cs mudos nadadores. Nas intimas entranhas do profundo?
Aquela, que me deu o nascimento, Não temes, se é que vives em pecado, 33. Cada um se mostra no remar constante,
12. Outros também por modo diferente, Que o Criador do céu e deste mundo, Se lhe não tem o Zefiro assoprado,
Pátria feliz que tive por ditoso. Tendo as redes lançadas em um seio.
Ao menos com este humilde rendimento Que tem dos mares todo o governo, E com fadigas e suor bastante
Nas coroas estão postos firmemente, Desse lago te mande ao lago Averno?
Quero mostrar-lhe sou afetuoso. Setn que tenham do pélago receio:
Vem a tomar o porto desejado,
porque é de ânimo vil e fementido Cada qual puxa as cordas diligente, 23. Lá intentaram fortes os Gigantes Deste em espaço não muito distante,
O ciue à Pátria náo é agradecido. Subir soberbos ao Olimpo puro, Em o terreno mais acomodado
E os peixes vão fugindo para o meio, Uma trufatil máquina está posta
Se nasceste no Ponto ou Libia ardente. Té qug aos impulsos do robusto braço, Acometeram outros de ignorantes
O reino de Plutâo horrendo e escuro; Só para esta função aqui deposta.
Se no Pindaro viste a aura primeira, Vem a colher os míseros no laço.
Sc nos Alpes ou Etna comburente E se estes atrevidos e arrogantes 34. O pé surge da terra para fora
13. Nos baixos do mar outros tarrafando, O castigo não tiveram grave e duro, Um versátil roda sustentando.
Principio houveste na vital carreira. Alerta a vista, e os passos vagarosos,
Nunca queiras, leitor, ser deliquente. Como não temes tu ser castigado Em cujo âmbito logo se encoscora
Vão uns pequenos peixes apanhando, Pelos monstros também do mar salgado? Uma amarra, que a vai arrodeando:
Quo a^sim mostra herriaste venturoso Que para o gosto são deliciosos:
Animo heróico, peito generoso. 24. Mas em quanto com isto me detenho, A esta mesma roda cá de fora
Em canoas também de quando em quando Homens dez vêzees cinco estão virando,
;.. Musa, que no florido de meus anos Fisgam no anzol alguns, que por gulosos O temerário risco admoestando,
Éíes de cima do ligeiro lenho E quanto mais a corda sé repucha,
Teu furor tantas vezes me inspiraste, Ficam perdendo aciui as próprias vidas, Tanto mais para a terra o peixe puxa.
E nu idade, em que vem os desenganos, Sem o exemplo quererem ter de Midas. Vão a balêa horrível avistando:
Também sempre fiel me acompanhante! Pegam nos remos com forçoso empenho, 35. Assim como esta indústria vão fazendo,
Tu, que influxos repartes soberanos 14. Aqui ee acha o marisco saboroso, E todos juntos com furor remando Que se segue ao lugar determinado,
Dé«-j monte Heticon. que já pisaste, Em grande cópia, e de casta vária, A seguem por detrás oom tal cautela E as enchentes Netuno recolhendo.
A;'o:a me concede o que te peço, Que para .saciar ao apetitoso, Que imperceptíveis chegam junto dela. Vão subindo por um e outro lado:
Para scguii .seguro o que começo. Não se duvida é coisa necessária: Outros em borbotão já vem trazendo
Também se cria o lagostin gostoso, 25. O arpão farpado tem nas mãos suspenso Facas luzidas e o braçal machado,
4;. lim o Brasil, provincia desejada Junto c'a ostra, que por ordinária Um, que na proa o vai arremeçando, E cada qual ligeiro se emparelha
Pelo metal reluzente, que me si cria, Não é muito estimada, porém antes Todos os mais deixando o remo extenso Para o que seu ofício lhe aconselha,
Que antigamente descoberta e achada Em tudo cede aos polvos radiantes. Se vão na lancha súbito deitando:
Poi de Cabral, que os mares descorria, t E depois que ferido o peixe imenso 36. Assim dispostos mis, que África cria,
Porto donde está hoje situada 15) Os camarões não fiquem esquecidos, O veloz curso vai continuando. Dos membros nus, o couro denegrido.
A opulenta e Ilustrada Bahia, Que tendo crus a côr pouco vistosa, Surge cada um com fúria e força tanta, Os quais queimou Faeton, quando descia
A tf mu I no nome tem também ser rica. Logo vestem, depois que são cosidos, Que como um Anteo forte se levanta. Do terrifíco raio submergido.
Jaz a ilha chamada Itaparica, A cqr do nácar, ou da tiria rosa: Com algazarra muita e gritaria,
Os c'ranguejos nos mangues escondidos 26. Corre o monstro com tal ferocidade Fazendo os instrumentos grão ruido.
5. E.tá-posta bem defronte da cidade; Se mariscam sem arte industriosa, Que vai partindo o úmido elemento, Uns aos outros em ordem vão seguindo.
So ;i'ès léguas defronte.e os moradores Búsios também se vêm de musgo sujos E lá do pego na concavidade E os adiposos lombos divindo,
Daquela a esta vem com brevidade, Sernambis, mexilhões e caramujos, Parece mostra Tetis sentimento:
Se não faftam do Zefiro os favores; Leva a lancha com tal velocidade, 37. O povo, que se a junta é infinito,
E ainda quando com ferocidade 16. Também pertence aqui dizer ousado E com tão apressado movimento. E ali tem muitos sua dignidade,
Rolo está mostrando os seus rigorfes; Daquele peixe, que entre a ffiuce escura Que cá de longe apenas aparece, Os outros vem do comarção distrito.
Para a corte navegam, em que cessem! O Profeta tragou Jonas sagrado, Sem que em alguma parte se escondesse E despovoam parte da cidade:
E parece, que os ventos lhe obedecem. Fazendo-lhe no ventre a sepultura; ¦ Retumba o ar com o continuo grito.
Porém sendo do Altíssimo mandado, 27. Qual o ligeiro pássaro amarrado Sóa das penhas a concavidade,
C. Por uma 0 outra parte rodeada O tornou a lançar são sem lesura Com um fio sutil, em cuja ponta E entre êles todos tal furor se acende,
De Neptuno se vê tão arrogante, (Conforme nos afirma a antigüidade) Vai um papel pequeno pendurado, Que às vezes um ao outro não se entende.
Que' algumas vezes com procela irada Em as praias de Ninive cidade Võa veloz sentindo aquela afronta,
Infia o melancólico semblante; E apenas o papel, que vai atado 38. Qual em Babel o povo, que atrevido
E como a tem por sua, e tão amada, 17. Monstro do mar, gigante do profundo, Se vê pela presteza, com qu& monta, Tentou subir ao Olimpo transparente,
Por lhe pagar fiel foros de amante, Uma torre nas ondas soçobrada, Tal o peixe afrontado vai correndo Cujo idioma próprio pervertido
Muitas vezes também serenamente Que parece em todo o âmbito rotundo: Em seus membros atada a lancha tendo. Foi n'uma confusão balbuciente;
Tem encostado nela o seu tridente. Jamais besta tão grande foi creada: Tal nesto torre, ou monstro desmedido,
"i Os mares despedaça furibundo 28. Depois que com o curso dilatado Levanta as vozes a confusa gente,
Se a deusa Citerea conhecera Co' a barbatana às vezes levantada; Algum tanto já vai desfalecendo, Que seguindo cada uin diverso dogma
Desta ilha celebrada a formosura, Cujos membros teterrimos e broncos Êles então com força e com cuidado Falar parece então n'outro idioma.
Eu íico, que a Netuno prometera Fazem a Tetis dar gemidos roncos. A corda pouco a pouco vão colhendo;
O que a outros negou cruel e dura: E tanto que se sente mais chegado 39. Desta maneira o peixe se reparte
Então de boamante lhe oferecera 18. Balêa vulgarmente lhe chamamos, Ainda com fúria os mares combatendo, Por toda aquela cobiçosa gente.
Entre incêndios de fogo a neve pura, Que como só a esta ilha se sujeita, Nos membros moles lhe abre uma retura Cabendo a cada qual aquela parte,
E ,se de alguma sorte a ancançara Por isso de direito a não deixamos. Um novo Aquiles c'uma lança dura. Que lhe foi consignada no regente:
Por esta a sua Chipre desprezara. Por ser em tudo a descrição perfeita; As banhas todas se depõem à parte.
E para que bem claro percebamos 29. Do golpe sai de sangue uma espadana, Que juntas formam um acervo ingente,
ü. Pela costa do mar a branca aréa O como a pescaria dela é feita, Que vai tingindo o Oceano ambiente, Das quais se faz azeite em grande cópia,
E' para a vista objeto delicioso, Quero dar com estudo não ocioso Com o qual se quebranta a fúria insana Do que esta terra padece inópía.
Onde passeia a ninfa Galatéa Esta breve notícia ao curioso. Daquele horrível peixe ou besta ingente;
Com acompanhamento numeroso; E sem que pela plaga Americana 40. Em vasos de metal largos e fundos
E quando mais galante se recrea 19. Tanto que chega o tempo decretado, Passado tenha de Israel a gente, O estão com fortes chamas derretendo
Com aspeto gentil, donaire airoso, Que este peixe do vento Austro é movido A experiência e vista certifica, De uns pedaços, pequenos e fecundes,
Começa a semear das roupas belas Estando à vista de terra Já chegado, Que é o Mar Vermelho o mar de Itaparica. Que o fluido licor vão escorrendo:
Conchinhas brancas, ruivas e amarelas, Cujos sinais Netuno dá ferido, São uns feios etiopes e imundos,
Em um porto desta ilha assinalado, 30. Acs repetidos rasgos desta lança. Os que estão este oficio vil fazendo,
-¦ Aqui se cria o peixe copioso, E de todo o precioso prevenido, A vital aura vai desamparando; Cujos membros de azeite andam untados,
E os vastos pescadores em saveiros Estão umas lanchas leves e veleiras, Té que fenece o monstro sem tardança, Daquelas cirandagens salpicados.
Não
"Neste receando o elemento undoso, Que antes andava os mares aceutando:
Que se fazem c'os remos mais ligeiras. 41. Este peixe, este montsro agigantado.
exercício estão dias inteiros; Êles puxando a corda com pujança
E «.liando Aquilo e Bóreas proceloso 20. Os Nautas são etiopes robustos, O vão da lancha mais perto arrastando, Por ser tão grande tem valia tanta,
Com fúria os acomete, êles ligeiros E outros mais do sangue misturado, Que se lhe fiou Cloto o longo fíó, Que o valor, a que chega costumado
Colhendo as velas brancas ou vermelhas Alguns mestiços em a côr adustos, Agora o colhe Láchesis com brio. Até quási mil áureos se levanta.
Se acomodam c'os remos em parelhas, Cada qual pelo esforço assinalado: Quem de ouvir tanto não sai admirado?
Outro ali vai também, que sem ter sustos 31. Eis agora também no mar saltando Quem de um peixe tão grande não se es-
JO. Neste porém marítimo regalo O que de Glauco tem a habilidade, [panta?
Uns as redes estendem diligentes, Leva o arpão da corda pendurado, Mas em quanto o leitor fica pasmando,
Também, um, que no ofício a Glauco ofusca, Com um agudo ferro vai furando
Outros com força, indústria e intervalo Dos queixos a voraz monstruosidade: Eu vou diversas coisas relatando.
Estão batendo as ondas transparentes: E para isto Brasilo se busca.
Outras n'outro baxel sem muito abalo Com um cordel depois grosso e nio brando 42. Em um extremo desta mesma terra
Levantam cobiçosos e contentes 21. Assim partem intrépidos sulcando Da boca cerra-lhe a concavidade, Está um forte soberbo, fabricado,
Uma rede, que chamam zangarêa Os Palácios da linda Panopêa, Que se o mar sorve no gasnate fundo Cuja bombarda ou máquina de guerra
Com cuidado solícito vigiando Busca logo as entranhas do profundo.
Para os saltantes peixes forte têa.
Onde ressurge a sólida balêa. Abala a' ilha de um e outro lado:
32. Tanto que a presa tem bem subjugada Tão grande fortaleza em si encerra
U. Qual a aranha sagaz e cautelosa Oh gente, que furor tão execrando De artilheria e esforço tão sobrado,
Nas ares forma com sutil fio A um perigo tal te sentencêa? Um sinal branco lançam vitoriosos,
Um labirinto tal, que a cautelosa Como pequeno bicho és atrevido E outra lancha para isso decretada Que retumbando o bronze furibundo
Mosca nele ficou sem alvedrio, Contra o monstro do mar mais desmedido?! Vem socorrer com cabos mais forçosos: Faz ameaça & terra, ao mar, ao muntfo.

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Página 86 AUTORES E LIVRO Agosto de 1950 — Vol. XI, n.0 8

Poesias de Frei Manoel de Santa Maria Itaparica


*3. Não há nesta Ilha engenho fabricado 57. Os araçás diversos e silvestres, Fantasmas tristes, que tu Herebo assombras.
Dos que o açúcar fazem saboroso, Das romanas trombetas cs clamores
Uns são pequenos, outros são maiores; Terrores causam onde mais avulta Pelo contorno grande retumbavam,
Porque um, que ainda estava levantado Oitis, cajás, pitangas por agrestes O rouco som de aulidos estridentes,
Fêz nele o seu ofício o tempo iroso: E com o horrível som rijos clamores
Estimadas não são dos moradores; O triste estrondo do ranger dos dentes. Os mesmos rios de vapor paravam:
Outros houve também, que o duro fado Aos maracujás chamar quero celestes,
Por terra pas cruel e rigoroso, Angústia, dores, pena e sentimento, Os pequenos meninos com temores
Parque contém no gosto tais primores, Nos regaços das m&ls se desmaiavam,
E ainda hoje um. que foi mais soberano Que se os antigos na Ásia os encontraram. Suspiros, áncias e penalidades,
Pendura as cinzas por painel troiano. Gemidos tristes e cruel tormento. E ouvindo o éco irado e som terrível
Que era o nectar de Jove Imaginaram. Temblava o sexo fraco ei mais sensível.
44. Claras as águas sao e transparentes, Furores, raivas, iras e crueldades,
58. Outras frutas dissera, mas agora Em um continuado movimento. Da inerte alguns fugindo, feia e crua
Que de si manam copiosas fontes, Tem lugar os legumes saborosos, Por todo o tempo e todas as idades
Umas regam os vales adjacentes, Aos lugares mais fortes se acolhiam,
Porém por não fazer nisto demora Tanto a matéria, que criam, destroçam, E outros passados com a espada nua
Outras descendo vem dos altos montes; Deixo esta explicação aos curiosos;
E quando com seus ralos refulgentes Quanto a matéria. qu& destroem, remoçam. No sangue a morte calida bebiam:
Mas cem tudo dizer quero por ora, Muitos nas torres, casas, praça e rua
As doura Febo abrindo os horizontes. Qu& produz esta terra copiosos, Revolcando-se em chamas crepitantes
Tão cristalionas são, que aqui difusa Ali está Judas n'uma cama ardente. Morrendo com valor se defendiam,
Mandioca, inhames, favas e carás, E até dos que nas covas se esconderam
Parece nasce a fonte de Aretusa. Batatas, molho, arroz e mangarás. No coração tem víboras flamantes.
Na língua um aspide feio e pestilente.* Alguns perpetuamente adormeceram.
45. Pela relva do campo mais viçoso 59. O arvoredo desta ilha rica e bela
O gado junto e pingue, anda pastando, Geme e suspira todos os intantes, Quaes as ovelhas lassas e espargidas
Em circuito toda a vai ornando. Blasfema irado, ruge impaciente, No prado anuno. ao pé da clara fonte
O roubador de Europa furioso, De tal maneira que só basta vê-la
E o que deu o véo de ouro cm outro bando. Tendo a seu lado Herodes e PJlatos, Se acontece que são acometidas
¦O bruto de Netuno generoso Quando já esta alegrias convidando: Anás, Caifás e outros ment-ecaptos. Dos lobos, que aparecem lá defronte,
Os passarinhos, que se criam nela Umas mortas ficam e outras mal ferida
Vai as arêas soltas levantando, De raminho em rarninho andam cantando. Jaz em um lago gravfolento e imundo
E nos bosques as feras Acteonêas O arquisetário arabigo e agareno, Algumas fogem para a brenha e o mont.
E nos bosques e brenhas não se engana Tais es judaicas gentes pereciam
A republica trilham das Napèas. Quem exercita o oficio de Diana. Que perdição quiz ser de quase um mundo,
Patrocinando o vício vil terreno: Entre os Romanos, que se enfureciam.
46. Aqui o campo florido se seméa 60. Tem duas freguezias multas extensas
De brancas assucenas e boninas, De uma parte submerso no profundo. Muitos ao cativeiro se entregando,
Das quais numa matriz mais soberana De si mesmo furor, peste e veneno, Compaixão e piedade nes pediam,
Ali no prado a rosa mais franquêa Se dedica ao Redentor, que a expensas
Olorisando as horas matutinas: Está Calvino, e de outra agonizando, E a vida humildemente suplicando
Do seu sangue remiu a prole humana;' Lutero em fogo e água ardendo e gelando Com prontidão as armas ofereciam;
E quando Cloris mais se galantéa, E ainda que do tempo sinta ofensas
Dando da face exalações divinas, Preso n*um calabouço tenebroso Mas outros fortemente pelejando
A devoção com ela. não se engana, Nos fortins mais seguros resistiam,
Dos ramos no regaço vai colhendo Porque tem uma imagem milagrosa Está Alexandre em um nevado rio,
O clavel e o Jasmim. que stá pendendo. Que ainda agora por muito cubiçoso Onde fizeram danos dolorosos
Da Santa Vera Cruz para ditosa, Os aproches, e aríetes forçosos.
47. As frutas se produzem copiosas. Temem queira do inferno o ssnhorio:
De várias castas e de várias cores, 61. A Santo Amaro a outra se dedica. Em um vulcão de chamas horrososo As mais os filhos ternos carregando
Umas se estimam muito por cheirosas, A quem venerações o povo rende, Estão Belo, Xerxes. Cévola e Dario. E cutres trazendo pela mâo fugiam,
Outras levam vantagens nos sabores: Sendo tão grande a ilha Itaparica, Aurélio. César e Domiciano, E os dourados cabelos .desgrenhando
São tão belas, tão lindas e formosas, Que a uma só paróquia não se extende: Augusto. Nero. Tito e Juliano. Chorosas as donzelas as seguiam:
Mas com estas igrejas só não fica Os velhos já não como gateando
Que estão causando à vista mil amores. Porque capelas muitas compreende, Em fim ali de todas as idades,
E se nos prados Flora mais blazona, De todas as nações em desatinos Do perigo livrar-se pretendiam.
São os pomares glória de Pomona. E nisto mostra seus habitadores E àqueles, que escapavam com a vida
Como dos santos são veneradores. Se vêem penas à força de crueldades
Homens, mulheres, velhos e meninos: Lhes dava o temor azas na fugida.
48. Entre elas todas tem lugar subido
As uvas doces, que esta terra cria. 62. Dedica-se a primeira àquele santo Uns entre as neves e as voracidades Náo assim tanto os que junto das comutei
De tal sorte, que em número crescido Mártir, que em vivas chamas foi aflito. Do fogo ardente, e alguns entre os malignos Do Nilo egípcio fazem as moradas.
Participa de muitas a Bahia: E ao tirano causou terror e espanto. Aspides, butres, víboras, serpentes, Quando sentem crescerem as enchentes,
Este fruto se gera apetecido Quando por Cristo foi assado e frito. Que os tragam e consomem com seus dentes Que os inundam com grandes enxorradas
Duas vezes no ano sem po-rfia, Também não fique fora de meu canto Correm ligeiros, fogem diligentes
Uma, que se consagra a João Bemdito. Mas quanto pôde a humana fantasia Para as ribeiras inda não banhadas
E por isso é do povo celebrado, Cuidar desta masmorra hoirenda e escura.
E em toda a parte sempre nomeado. E outra (correndo a costa para- baixo» como este povo se afastava enxangue
Que à Senhora se dá do Bom Despacho. E quanto pôde a livre Poesia Da grande enchente e dos caudaes de sangue.
49. Os coqueiros compridos e vistosos Fingir em vã e apócrifa pintura.
Estão per reta série ali plantados, 63. Outra a Antônio Santo e glorioso E' uma boa e própria alegoria, Aqui caia o levantado tronco
Criam cocos galhardos e formosos, Tem per seu padroeiro e advogado, Com unia metafórica escultura, Com som tristonho e lúgubre rugido;
E por maiores são mais estimados; Está fundada num sítio delicioso, Que o inferno só consiste e o vil-gozano Ali estalava o duro muro e bronco
Produzem-se nas praias copioso Que por esta capela é mais amado. Na pena dos sentidos e do dano. Do furioso aríete impelido:
E por isso os daqui mais procurados. Em um terrena, alegre e gracioso Por outra parte com estralo ronco
Cedem na vastião à bananeira. Outra se fabricou de muito agrado,' Em o mais alto deste sólio infando. Se ouvia dos penedos o ruído;
A qual cresce, e produz desta maneira. Das Mercês a Senhora verdadeira Em um trono de chamas sempre ardentes,
Jaz Lucifer. a quem estão tragando E eva cada ruma e cada moto
E' desta capelinha a padroeira. Monte caído, horrendo terremoto.
50. De uma lança ao tamanho se levanta Aspides negros, serpes pestilentes;
Estupeo e rollço o tronco tendo. 64. Também outra se vè que é dedicada
A Senhora da Penha milagrosa,
Ele cem ira e com furor bvamando Qual o vento boreal tempestuoso.
As lizas folhas tem grandeza tanta. Se despedaça com agudos dentes. Quando as ondas marítimas provoca,
Que até mais de onze palmos vão crescendo- Aqui airosamente situada Sendo para seu dano e eterno fado E com um chuveiro negro e proceloso
Da raiz se lhe erige nova planta, Está numa planice especiosa. De si próprio fiscal e algoz irado As esferas penetra, os ares choca.
Que está o parto futuro prometendo. Uma também de S. José chamada Ergue a terra em um globo envoltuoso,
E assim ciue o fruto lhe sazona Há nesta ilha por certo gloriosa, Víboras por cabelos cento a cento. Os troncos quebra, despedaça a roca,
Como das plantas víbora" fenece. e cresce, Junta com outra de João. que sendo Por olhos tem dois Etnas denegridos.
Por boca um crocodilo truculento, Taes dos soldados eram os furores.
Duas. se vai de todo engrandecendo. Destruindo o que achavam com rigores.
51. Os limões doces muito apetecidos Por mãos dois baziliscos retorcidos'
Então vlrginaes tetas imitando, 65. Até aqui Musa: não me é permitido Em arroios de púrpura banhados
Por.cérebro a soberba e o tormento
Equando se vêm crespos e crescidos. Que passe mais avante a Veloz pena. Por coração, por membros os latidos, Os disformes Cadáveres caiam
Vão as mãos curiosas incitando: A minha pátria tenho definido E alguns supinos e outros debruçados '
Com está descrição breve e pequena: Por pernas duas cobras sibilantes,
Em árvores copadas, que estendidos Por pés dois Mongibelos tem flamantes. O mesmo sangue calido bebiam:
Os galhos tem, e as ramas arrastando E se o te-la tão pouco engrandecido. Muitos em postas feitos e truncados
se produzem as cidras amarelas, Não me louva, mas antes me condena. Aquilo mesmo crê de que duvida. Trêmulos pelo chio saltar se viam.
Sendo tão presumidas como belas. Não usei termos de poeta experto. Tem fastlo do mesmo, que apetece. Tendo nestes de horror triste transmito»
Fui historiador em tudo certo. O que não quer para isso se convida. A pena objetos e a magoa assuntos.
52. As laranjeira tem no fruto loiro E afeta aquilo tudo que aborrece:
A imitação dos pomos de Atalanta, Quando quer repousar então mais lida, A ira e o valor coadunados
E pela côr. que em si conserva de oiro, Descrição do inferno Quatido abrandar-se muito se enfurece, Aos que resistem punem de tal sorte.
Por isso estimação merece tanta: Ancias são gostos, penas d:safogo. Que no ardor de vencer precipitados
Abre a romã da casca o seu tesoiro Jaz no centro da terra uma caverna Por fogo a neve tem, por neve o fogo. Achava, procurando a vida. a morte.
Que do rubi a cõr flamante espanta. De áspero, tosco e lúgubre edifício, Com tal crueldade foram destroçados.
E quanto mais os bagos vai tendendo, Onde nunca do sol entrou lucerna. Com tal furor e cólera tão forte.
Tanta vai mais formosa parecendo. Nem de pequena luz se viu indício. ' Destruição de Jerusalém Que a veemência do eco destes males
53. Or, melões excelentes e olorosos Ali o horror e a sombra é sempiterna, Se ouviu nos montes, se sentiu nos vales.
Fazem dos próprios ramos galeria: Por um pungente e fúnebre artificio, A remana trómbeta deu o primeiro
Sinal, e respondeu a gente hebrea; As vozes, os temores, os tormentos.
Também estende os seus muito viçosos Cujas fenestras. qus tu monstro inflamas, Dos soldados, dos presos e Utidos,
A pevidosa e doce melancia: Respiradouros são de negras chamas. Ouviu-se o som no Olivete outeiro,
E por toda a montanha de Judéa: Das virgens, dos menines. os lamentos.
Os figos de còr roxa graciosos Rcdeam este alcançar desditoso Os gemidos, os prantos e alaridos,
Poucos se legram salvo se ã porfia Um povo por triunfante e por guerreiro.
Lagos imundos de palustres águas. E o outro pelo dano, que recèa. Pela terra, pelo ar e pelos ventos'
Ss defendem de que com cs biquinhos " Onde um tremor e horror calíginoso Puxam pelas espadas reluzentes, Foram vagos, dispersos e espargidos.
Os vão picando os leves passarinhos. Penas descobre, desentranha mágoas: E o sol claro, o ar sereno e o céu enxuto
Que no ferir são raios sempre ardentes.
54. No ananaz se vê como formada. Fontes geladas, fumo tenebroso, Vestiu sombras, fez trevas, trajou luto.
Uma coroa de espinhos graciosa. Congelam ondas e maquinam frágoas, Dos cavalos o estrepido furioso
Fundia a terra, as pedras se arrancavam, Coléricos com ira e ardor tramavam
A superfície tendo matisada Mesclando em um confuso de crueldades Os capitães romanos vitoriosos,
E os inimigos com tremor medroso
Da côr. que Cíterea deu à rosa; Chamas a neve. o fogo friedades. E quanto resistia rechaçavam, '
E sustentando a coroa levantada Pulverulenta fuga maquinavam: Tirânicos, cruéis e furiosos:
Ardente serpe de sulfureas chamas Uns investiam com valor brioso.
Junto c'a vestidura decorosa. Os centros gira deste alvergue humbroso. Já de uma vez os vivos se entregavam
Está mostrando tanta gravidade, E outros batendo as crinas respiravam Nas mãos dos vencedores gloriosos.
São as faíscas horridas escamas, Pelos narizes viracão ardente.
Que vindo lá de partes estrangeiras E o fumo negro dente venenoso: Mastigavam na boca a espuma quente. Que por força há de ser executado
As lavaredas das volantes flamas O que do céu está determinado.
55. Também entre as mais frutas as jaqueiras Já as amêas e torres se assaltavam.
Dão pelo tronco a jaca adocicada. Azas compõem ao monstro tenebroso; Onze vezes cem mil neste conflito
Que quanto queimam, despedaça e come. Com fúria grande e impeto tremendo, Do consocio dos vivos se apartaram.
Que vindo lá de partes estrangeiras As bandeiras abertas tremulavam.
Nesta província é fruta desejada: Isso mesmo alimenta, que consome. Noventa c sete mil ao grande Tito
Soava do tambor o estrondo horrendo: Por cativos humildes se entregaram.
Não fiquem esquecidas as mangueírinhas, Um negro arroio em pálida corrente As trincheiras e fossos se escalavam.
Que dão a manga muito celebrada, Irado ali se torce tão furioso, Assim s*£ destruiu do antigo rito
Os contrários fugindo, outros morrendo. A Cidade .Princesa e só ficaram
Pomo não só ao gosto delicioso. Que é no que morde horrífica serpente. Era no horror, assombro e crueldade
Mas para o cheiro almiscar oloroso. E no que inficiona aspíde horroroso: As pedras, onde teve a sepultura
O valor raio, a ira tempestade. O filho de Maria Virgem pura,
56. Inumeráveis são os cajus belos, Fétido vapor, negro e pestilente
Exala de seu seio tão raivoso, •De densas setas o ar se condensava
Que estão dando prazer por rubicundos. Das meias luas férreas sacodidas: Aquele templo, que exaltou a fama.
Na côr também há muitos amarelos. Que lá no centro sempre agonizado Casa de Deus primeira ntste mundo.
De peste e sombra mostra ser formado. E de miúdas pedras se obumbrava Maravilha maior quo hoje se aclama
E uns e outros ao gosto jucundos, Pela circular mão círcumduzidas,
E só bastava para apetecê-los As densas nevoas. as opacas sombras A aréa dentre os pés se levantava, Houve por todo o circulo rotundo.
Serem além de doces tão fecundos, Tanto encapotam a aspereza inculta. Destruído com ferro e pela chama,
Vagando iam as lanças impelidas. Abrasado ficou, desfeito e imundo,
Que em si tem a brasílica castanha Que em negra tumba, fúnebres alfombras E num confuso eclipse e tenebroso.
Mais soborosa quç» a que cria Espanha. Parece a mesma noite se sepulta: Punham à mesma luz manto horroroso. Exemplo dando aos homens desta sorte.
Qu=_ os mármores também padecem morte.
Agosto de 1950 — Vol. XI, n.° 8 AUTORES E LIVROS Página 87

Poesias de Frei Manoel de Santa Maria Itaparica


A morte do rei dom João V Correndo pelo bosque o tigre horrendo, Um rei tão singular entre os humanos, E guando a vista estava apascentando
Dá morte ao javali, que vai fugindo; Se acabara da parca ao duro corte, Destas coisas na alegre formosura,
Canção fúnebre A voraz onça com furor bramindo Fôra tfio grande o sentimento e forte Um velho vi, que andava passeando
Ao servo segue que já está tremendo: Que causara no mundo imensos danos. De desmarcada a incógnita estatura;
0,\ tu grande cidade e populosa. Mas todos estes animais ferozes Com sobressalto cs olhos fui firmando
Mas como a fenix já desfaleclda
Que és do Brasil metrópole florente. Desde modo acrescenta a sua idade, Naquela sempre móvel criatura,
Ornem tão festival e tao contente, Muito velozes E pareceu-me, se bem reparava,
Hc ie porém tão triste e tão saudosa; Tão matadores Não se sente essa morte, é aplaudida:
Que vários rostos sempre me mostrava.
jí sei que te moveu, a este pranto, E tragadores, Oh mitigue-se a nossa, saudade,
Que causa espanto, Tinha os cabelos brancos como a neve
E luto tanto, Que deu o nosso rei, ptrdendo a vida Pela velhice muito carcomidos,
As saborosES presas deixariam, Táo cedo, mais aumento à eternidade.
A nova triste E só com penas se trajava ao leve,
Que bem «ouviste, E para us suas covas fugiriam, Porque lhe eram pesados mais vestidos;
Ilido sem ordem e confuso assiste; in
(Oh cruel sorte!) Andava sempre mas com passo breve,
Da feliz morte Pálido sol com nuvens se escurece; O Mau.Otéo Posto que os pés trazia «envelhecidos,
E no ocaso também não aparece Um baculo em as mãos acomodava,
A alampada que alegra a noite triste; Urna pequena, americano povo,
D,: leu grande monarca, que reinando Só se ouvem os gemidos lastimosos E' para o rei dos homens a presente,
Do qual para o passeio se ajudava.
Tt foi com novas glórias exaltando!... Fiquei desta visão maravilhado,
tua continua primavera, Porque é só mausoléo conveniente
E- E dolorosos O mundo todo, o velho, e mais o novo. Como quem de tais monstros não sabia,
p- - ilégio do clima em que nasceste, Que o sentimento E logo perguntei sobrcsaltado
Ben te posso dizer que hoje a perdeste; Incita ao intento; A coberta que tem também reprovo, Quem era, que buscava, e que queria?
náo é agora já o que antes era: E todo o dia, Pois limitada a julgo e indecente, Ele virando o rosto remendado
pcuro importam as árvores frondosas E noite fria, E só o céu azul e transparente Da côr da escura noite e claro dia,
Por digna campa lhe consigo e aprovo. Quem eu era, respondeu, quem procurava,
E bem vistosas Soam as vozes do metal fundido, E que Postero, disse se chamava.
Com muitas flores Essas tochas, que luzem cento a cento,
Retumba o bronze a espaços repetido!. Poucas e escuras são, e só serviam
De várias cores, Está que vês (continuou dizendo)
E as campinas As estrelas, que vês no flrmamento. Terra aos teus escondida e ocultada,
Com mil bonlnas, - SONETOS Águas, que de tristeza os olhos criam, Quando eu velho for mais envelhecendo
Pequenas gotas são, que em tal tormento De um rei grande há de ser avassalada:
Se íóda esta frescura e esta beleza Peia morte ãe D. João V Ser lágrimas dilúvio só podiam. Nfio te posso dizer o como: e sendo
Se confunde com pena e com tristeza. Esta noticia a cutros reservada,
Cruzando vão os paramos do vento i Basta saberes que sem romper muros
Sem festejar o sol com melodia. Aos sinos e salvas
Sonho Será, passados séculos futuros.
Os seus habitadores que algum dia
Em um vasto me achei e novo mundo Porém isso não foi o que a buscar-te
.Faziam coro e. musico instrumento. Esses estrondos. que da noite e dia Me) moveu, e a falar-te desta moda,
Algum tempo se ouvira a voz canora. De nós desconhecido e ignorado,
Fazem estremecer a esfera ambiente. Em cujas praias bate um mar profundo, Mas de outra coisa venho a iníormar-te,
Porém agora São da morte sinal claro e evidente Nunca até agora de algum lenho arado: Que muito mais do que isto te acomoda:
Os passarinhos Do Salomão da lusa monarquia. O clima alegre, fértil e jocundo, Bem podes começar dela a gozar-te,
Nos seus raminhos Não só a Lusitânia, que regia. E o chão de árvores muitas povoado: Que para isso vou andando em roda,
Não dão recreios E no verdor das folhas julguei que era E para que nfio estejas cuidadoso,
E o seu povo o chorou amargamente;
Com seus gorgeios; Mas também lamentá-lo eternamente Ali sempre continua a primavera. Quero dar-te a noticia presagioso.
Ásia, África e Europa bem devia. Delas estavam pomos pendurados. Naquela (e me mostrou uma grande ilha.
E só no alto silencio gemem graves Diversos na fragrância e na pintura, Formosa, fresca, fértil e aprastvel,
Com 'voaes tristes as noturnas aves. De Alemães. Espanhóis. Belgas, Franceses
Nem dos homens carecem ser plantados, A quem Netuno o seu tridente humilha,
Esses que de cristal com prisões frias, Compoz discórdias, com saber profundo «Quando o rigor do Austro é mais sensível)
Tão magnificamente; e tantas vezes Mas agrestes se dão e sem cultura;
Ou de .iquicia prata com correntes. E entre os troncos muitos levantados, Há de vestir a pueril mantilha,
Prendem de abril delicias florescentes, Que bem posso dizer (nisto me fundo) Depois de nela ter a aura visível,
Sol iam ãe Flora verdes alegrias, Que ainda a fantasia me figura
Que não faltou o rei dos Portugueses, Havia um pau de tinta mui fecundo, Um, que para que a ti versos ordene.
Toü, u; i;n no mar de que nasceram, Mas que morreu o Imperador do mundo. Transparente na côr, e rubicunda. Há de beber da fonte de Hipocrene.
Mai o poderam n Pássaros muitos de diversas cores Este pois lá num século futuro,
Recolher a água, Se viam várias ondas transformando, Posto que dela ausente e apartado,
Que a triste magoa A morte E dos troncos suavíssimos licores Porque com os filhos sempre foi perjuro
Deste d<asg«ôsto Em cópia grande estavam dimanando: O pátrio chão, e os trata sem agrado,
Te traz ao rosto. Morreu em fim o rei dos Lusitanos, Peixes vi na grandeza superiores, Por devoção intrinsica e amor puro,
Mas como homem não sentiu a morte, E animais quadrúpedes saltando, Talvez do Deus, que adoras, inspirado.
Grande parte da terra inundariam. Como fenix morreu, que desta sorte A terra tem do metal loiro as vêas, De ti e desse dois dessa pousada
Porque grossas enchentes tomariam. Acrescentou morrendo os próprios anos. Que de alguns rios se acha nas arêas. Há de cantar em lira temperada.

VENUS! DIVINA VENUS!


(Un. conto desconhecido de Machado de Assis)
• Venus! Venus! divina Venus! por sacar «dali dois substitutivos, mas não pode tomar estado. Ela é filha de gunta a tal respeito, e como as res- Ao que Marcela respondeu, sem
E deapegando os olhos da parede inutilmente. Afinal, tanto repetiu os doutor, não hade querer lavar nem postas eram todas afirmativas, fingia sem grande hesitação:
ende estava uma cópia pequenina di dois versos condenados, que acabou engomar. não entendê-las e continuava o in- Um belo noivo".
Venus de Milc, Ricardo arremeteu por achar a quadra excelente e con- Ricardo teve moralmente náuseas. terregatório. Ricardo respondeu pron-
contra o papel e arrancou de si dois finou a poesia. Saiu a segunda es- Aquela idéia reles de lavar e engo- to e entusiasmado; tanto bastou pa- Ricardo empalideceu. Nác tòmente
versos para completar uma quadra trofe. depois a terceira, a quarta e a mar era própria de uma alma baixa, ra continuarem umá variação infi- viu a significação da resposta, mas
L>!i".«víuia às sete horas da manhã. quinta. A última dizia que o Deus ainda que excelente. Venceu o asco, nita sobre o mesmo tema. Entretanto, ainda assistiu ao dialogo, que con-
Eir.m sete e1 meia; a chicara de café. verdadeiro, querendo provar que os e olhou para a mãe com um gesto não havia nenhuma palavra de beca, tinuou com vivacidade, abundância e
<í«t a mãi lhe trouxera antes de sair falsos não eram tão poderosos como igualmente amigo e superior. No ai-' trocada entre* eles, cousa que se pare- expressão. Donde vinha esse pelintra?
para a missa, estave intacta e fria supunha, inventara, contra a bela Ve- meço disse-lhe que Marcela era a mais cesse cem declaração. Os próprios ae- Era um joven médico, chegado dias
some a mesa; a cama, ainda desfeita. nus. a formosa Marcela. Gostou desta formosa moça do bairro. dos de Ricardo eram frouxos, quando antes da Bahia, recomendado ao pai
umi! pequena cama de ferro, a mesa idéia; era uma chave de ouro. Er- Mamai acredita que os anjos ve- recebiam os dela. que eram frouxissl- de Marcela; jantara ali, a reunião era
em que escrevia era de pinho; a um gueu-se e passem: pelo quarto, reci- nham à terra? MarcEla é um anjo. mos. em honra dele. Médico distinto, bela
camo um par de sapatos, o chapéu tando os versos; em seguida parou Acredito, meu filho, mas os an- Hoje dou o golpe, ia ele pensando. vez de tenor... Taes foram as infor-
de um diante da Venus de Milo, encantado jos comem, quando estão neste mundo Havia gente em casa do Dr. Viam. mações que deram ao pobre diabo. Du-
Desarranjo e
iflltH dc irifeio-. o prego.
jvidente
poeta, com os pés da comparação. Chegou a dizer-lhe e se casam... Ricardo, se você ainda pai da moça. Tocava-se piano. Mar- rante o resto da noite, apenas pode
miúdos em chinelas em voz alta; com tanta vontade de casar, porque cela perguntou-lhe logo com os olhos colher um ou dois olhares rápidos
velhas, com a Resolveu sair mais cedo para mostrar
cabeça apoiada na mão esquerda, ia Os braços que te faltam são os não aceita Felismina, sua prima, que do costume;
escrevendo a poesia. Tinha acabado braços dela! gosta tanto de você? Que tal me acha? que estava ferido.
a s udra e releu-a; Também gostou desta idéia, e ten- Ora, mamãe! Felismina! Linda, angélica, respondeu Ri- Não foi lego para casa; vagou uma
tou converte-la em uma estrofe, mais Não é rica, é pobre.,, cardo pelo mesmo idioma. hera ou mais, entre o desânimo e o
Mimosa flor que dominas a veia esgotara-se. Copiou a poesia, — Quem lhe fala em dinheiro? Apalpou a algibeira do fraque; !i furor, falando alto. Jurando esque-
Todas as flores do prado. primeiramente, cm um caderno de ou- Mas, Felismina! Basta-lhe o nome; é estava a poesia metida em sobrecarta ce-la, despreza-la. No dia seguinte,
Tu tens as fôrmas divinas tra; depois, em uma folha de papel difícil achar outro tão ridículo. Fe- côr de rosa. com uma pombinha cor almoçou mal, trabalhou mal, jantou
13e Venus, modelo amado. bordado. Acabava a cópia quando a lismina! de ouro, em um dos cantes. mal, e trancou-se no quarto à noite.
mãi voltava da missa. Mal teve tempo Não foi ela que escolheu o nome, Hoje temos solo, disse-lhe o filho A consolação única eram os versos,
Os dois últimos do Dr. Viana. Aqui está este senhor, que achava lindos. Releu-os com amor.
'«•¦ram tão bons verses não lhe pa-
como os dois pri-
de guardar tudo na gaveta. A mai foi o pai. quando ela se batisou.
Pois sim, mas não se segue que que é excelente parceiro. E a musa deu-lhe a fôrça d'alma que
™"°s. nem lhe saíram viu que ele não bebeia o café, feito
Ricardo quiz recusar; não pôde, não a aventura de domingo lhe tirara
-ie Ricardo deu uma tio fluente-
pancadinha
por ela. e posto ali com a recomen- seja bonito. E depois, eu não gosto
podia. E lá foi jogar o solo, a ten- Passados três dias, Ricardo não pôde
;"' na borda
¦'¦'" daçâo de que o não deixasse esfriar. dela, é prosaica, tem o nariz comnri- mais consigo, e foi à casa do Dr. Via-
° 'iusto. Concertou da mesa. e endireitou Hão de ser os malditos versos! psn- do e os hombros estreitos, sem graça; tes, em um gabinete, ao pé da sala de
os bigodes, fitou .sou ela consigo. os olhes parecem mortos, olhos de visitas. Cerca de hora e mela não ar- na; achou-o de chapéu na cabeça. e«-
1 iraente a
'«'» " copia emVenus de Mllo. — um? Sim. mamai, foram os malditos peixg podre, e fala arrastado. Parece redou pé; afinal, confessou que esta- perando que- as senhoras acabassem de
— e tratou de va cançado, precisava andar um pou- vestir-se; iam ao teatro. Marcela des-
i se os versos gesso, lhe saiam melhores.
versos! disse ele. da roça.
co. voltaria depois. ceu dai a pouco, radiante, e pergun-
'¦<m vinte Maria dos Anjos, espantada: Também eu sou da roça, meu fi-
anes. olhos claros e min- Você adivinhou o que eu pensei' lho. replicou a mãi com brandura. Correu à sala. Marcela tocava pia- tou-lhe ocularmente:
™- cara Sem expressão., nem bonita Ricardo podia responder que já lhe Ricardo almoçou, passou o dia agi- no, um moço de bigodes comprido", Que tal me acha com este vestido?
V1"1 «cia. banal. Cabelo reluzente de ouvira muitas vEzes aquelas palavras, tado, felismente lmdo versos, que ao pé dela ia cantar não sei que Linda, respondeu ele.
™ ' que ele põe todos os dias. acompanhadas de certo gesto carac- fora o seu calmante. Tinha um volu- ária de opera italiana. Era tenor, con- Depois, animando-se um pouco, per-
iidos com esmero. As dentes
mãos são terístico: mas preferiu mentir. me de Casemiro de Abreu, outro de teu. romperam grandes palmas. Ricar- gunteu Ricardo à moça, sempre com
-aciinhas, cemo os tem as O poeta adivinha. A inspiração Soares dj Passos, um de Lamartinc, do. ao canto de uma janela, fez-lhe o os clhos. se queria que também ele
^«% pés. e
C0mP,'lda«' « encurvadas. Em- não serve só para compor versos, mas não contando os seus próprios manus- favor de umas palminhas, e esperou fosse ao teatro. Marcela não lhe res-
iDrrlôn nado em um também para ler na alma dos outros. cs olhos da pianista. Os dele medita-
m a mai (já nãodostemarsenaes.e viv» Então, você leu também que eu
critos. De noite1, foi à casa de Marcela.
Ia resoluto. Não eram os primeiros vam já esta frase; "Sois o mais belo,
pendeu; dirigiu-se para a janela, a ver
o carro que chegara. Ele não sabia
a.e Part<> «SI» comida. pai), pagi
m„. A outra rezei. hoje na missa por você? verses que escrevia à moça, mas não o mais ouro. o mais adorável dos ar- (como sabe-lo?) que o jovem médico
Li. sim, senhora, lhe entregara nenhum. — por acanha-
li,.",„.£' msa pela mâi. 1"e- apezar
l''"b"lha E que pedi a Nossa Senhora mi-
canjos, ó soberana do meu coração c baiano, o tenor. o diabo. Maciel, em
b»ir¦no dos í' Cajueiros.muito. Moram no mento. De fato, esse namoro que da minha vida". Marcela, entretanto, suma, combinara com a família ir ao
O ano em que nha madrinha, que acabe com essa Maria dos Anjos receiava acabasse foi sentar-se entre duas amigas, e de teatro, e já~ lá os estava esperando.
Di?-i£ a era ° de "* E' domingo. paixão, por aquela moça... Como se em casamento, não passava ainda de lá perguntou-lhe: No dia seguinte, com o pretexto de
ií!, T° q"e aacrescentar
mi foi 4 mls^ Itml chama mesmo? alguns olhares e durava já umas Pareço-lhe bonita? saber que tal andara o espetáculo
¦im .
"''ado vestido com
que um Ricardo, depois de alguns instantes seis semanas. Foi o irmão de Marcela Ele. pela mesma língua, respondeu correu à casa de Marcela. Achou-a
preto, respondeu: que apresentou ali o nosso poeta, com que sim. mas com tal clareza e autori- em conversação com o tenor. ao lado
Ricardo prosseguia. Ó amor às unha.- Marcela. um do outro, confiança qu« nunca ihe
quem se encontrava, às tardes, em um dade, comu se fôra o próprio invei-
¦i',i,, que nao as 'an. quando S5 Marcela, é verdade. Não disse armarinho do bairro. Disse que era tor dc idioma. E não esperou nova dera. Quinze dias depois faJou-.se da
S™ em ""«cidades métricas. Em
compensação, o nome. mas Nossa Senhora sabe. Eu um moço de muita habilidade. Mar- pergunta; não se restringiu à resposta; possibilidade de uma aliança: quatro
"'¦ com o pontaafaga a ponta do na-
dos dedos. Esforça-se
nâo dige que vocês não se mereranr cela que era bonita, não deixava pas- disse-lhe com energia:
E eu, que lhe pareço?
meses depois estavam casados.
não a conheço. Mas. Ricardo, você sar olhos sem fazer-lhes alguma per- (Conclui na página seguinte).
Página 88 AUTORES E LIVROS Agosto de 1950 — Vol. XI, n. 8

VENUS! DIVINA VENUS! POEMA


Quizera contar aqui as lágrimas oe do nâo se deixou ficar atado. Não lhe tou à mil esta resolução, sem entrar Veja a minha boca.
Ricardo, mas nilo as houve. Impre- fez declarações francos e em prosa, da- em pormenores, e a mâe o aprovou de Cheia de terra
cações, sim, protestos, juramentos, va-lhe versos às escondidas. Ela guar- todo. De fato, meteu-se em casa. as
ameaças, vindo tudo a acabar om dava-os "para os ler depois" e no tardes e as noites, deu de mão aos Cheia de sal.
uma potsia com o titulo Perfura, Pu- dia seguinte agradecia-os. passeias e aos namoros. Náo com- E que está ensangüentada
blicou esses versos, e, para lhe dar Muito mimosos, dizia sempre. poz mais versos, esteve a ponto de Como dois olhos chorando.
toda a significação, poz-lhe a data Eu fui apenas secretário da musa, quebrar a Venus de Milo. Um dia
do casamento. Marcela; porém estava respondeu ele uma vez; os versos fo- soube que Pelismina, a prima, ia ca- Veja estes meus braços
na lua de mel, não lia outros jornais ram ditados por ela. Conhece a musa? sar. Marta dos Anjos pediu-lhe uns Estes meus pobres braços.
além dos olhos do marido. Não, cinco ou dez mil rés para um presen- Quebrados.
Amor cura amor. Não faltavam mu- Veja no espelho. Unho; ele deu-lhe dez mil rés, logo Pendidos e inertes
lheres que tomassem a si essa obra Virgínia entendeu e corou. Já os de- que recebeu o ordenado. Como dois pêndulos parados.
de misericórdia, Urna Fausta, uniu dos de ambos começavam a dizer ai- ~ Com quem casa? perguntou.
Dorotéa, uma Roscina, ainda outras, guma coisa. O pai ia muitas vezes com —¦ Com um moço da Estrada de Mas não veia meus olhos.
vieram sucessivamente ade.iar as azas eles ao Passeio Público, entreiendo-os Perro.
Ricardo consentiu, em ir com a mãi.
Não erga o seu olhar para os meus olhos.
nos sonhos do poeta. Todas tiveram a com fábulas. Ricardo estava certo de Agora, em seu lugar
mesma madrinha: dominar a mocinha e esperava que ela à noite, visitar a prima. Lá achou o
fizesse os deaesete anos para pedir-lhe noivo, ao pé dela. no canapé, con- Só encontrará
Venus! Venus! divina Venus! versando baixinho. Depois das apre- Duas orbitas
Choviam versos- as rimas buscavam a mão a ela e ao pai. Um d:a, porém
(quatro meses depois de conhecê-la) sentações. Ricardo encostou-se .ao can- Vazias.
rimas, cançadas de serem as mesmas: Virgínia adoeceu de moléstia grave, to de uma janela, e o noivo foi ter Sérgio Veiío-o
a poesia fortalecia o coração do moço, com ele, passados alguns minutos,
Nem todas as mulheres tiveram no- que a poz entre a vida e a morte. Ri-
tteia do amor do poeta; mas bastava cardo padeceu deveras. Não se lem- para dizer-lhe que estimava muito
brou de compor versos, nem tinha ins- conhece-lo, tinha uma casa às suas
que assistissem, que fossem belas, ou piraçáo para eles; mas a leitura casual ordens e um criado para o servir. Já fizesse. A princípio resolveu nâo apa- escreveu dizendo que precisava ficar
quasi, para faciná-lo e inspira-lo. Uma daquela elegia de Lamartine, em que o tratava por primo. recer-lhe; mas aparecia-lhe. e ouvia ainda na Barra umas duas ou tres
dessas tinha apenas dezesseis anos, há estas palavras: Elle avait seize ans: Sei que o meu primo é poeta. tudo o que ele contava com os olhos semanas. Os dois, que Iam dando
chama-se Virgínia e «ra filha de um c'est bien tót pour mourir!, deu-lhe Ricardo, com fastio, deu de hombros. nos dele. A mãi dela tinha a vista pressa a tudo, trataram da conclusa
tabelião, com quem Ricardo se fez idéia de escrever alguma coisa em que Ouvi dizer que é um grande poeta. cinta. Na véspera da volta do noivo, Qftando Maria dos Anjos ouviu ac fi-
encontradiço para mais facilmente pe- aquilo entrasse por epígrafe. E tra- —'Quem lhe disse isso? Ricardo apertou-lhe a mão, cem força, lho que ia desposar a prima, ficou es-
netrar-lhe em casa. Foi-lhe apresenta- balhava, à noite, de manhã, na rua, Pessoas que sabem. Sua prima com violência, c disse-lhe adeus "até pantada e pediu que se explkas.se.
do como poeta. tudo por eousa, da epígrafe. nunca mais". Felismina não ousou Isto não se explica, mamãe..,
Sim? Eu sempre gostei de verses, também me disse que fazia bonitos E o outro?
disse o tabelião; se não fosse o meu Ele avait seize ans; c'est bien tôt versos. pedir-lhs que viesse; mas passou a Está na Barra. Ela já lhe escre-
pour mourir! Repetia ele andando. Ricardo, após alguns segundos: noite mal. O noivo regressou por dois
cargo, escreveria alguns sonetlnhos, Fiz versos, provavelmente não os diaa. veu pedindo desculpa e contando a
No meu tempo compuz fábulas. O se- Felizmente, a moça arribou, ao fim
de quinze, dias. e, logo que pode foi farei mais. Dois dias? perguntou-lhe Ricardo verdade.
nhor gosta de fábulas? na rua onde ele lhe.deu a notícia. Maria dos Anjos abanou a cabeça
Como não? redarguiu Ricardo. A convalecer na Tijuca, em casa da ma- Daí a pouco estavam os noivos ou-
drinha. Não foi sem levar um soneto tra vez juntos, falando baixinho. Ri- Sim, primo, tenho muito que fa- com ar de reprovação.
poesia lírica é melhor, mas a fábula .. zer. explicou o outro. Não é bonito. Ricardo...
Melhor? Não compreendo. A fa- de Ricardo, com a famosa epígrafe, o cardo teve-lhe inveja. Eram felizes, Mas se nós gostamos um tio outro'
qual principiava por estes dois versos; uma vez que gostavam um do outro. Partiu, as visitas continuaram; 03
bula tem conceito, além da s:aça de olhos falavam, os braços, as mãos, um Felismina confessou que ia casar com
fazer falar os animais... Agora, que a mimosa flor caída Pareceu-lhe até que ela gostava ainda
Justamente! mais. porque sorria sempre; E daí tal- dialogo perpetuo, não espiritual, não ele. à toa. sem vontade; que sempre
Ao terrífico vento da procela.. filosófico, um dialogo fisiológico e fa- gostara de mim; casava por nfio ter
Então, como é que disse que a vez fosse para mostrar os lindos deu- com quem.
Virgínia convalecai depressa; mas tes que Deus lhe dera. O andar da millar. Uma noite, Ricardo sonhou que
poesia lírica era melhor? não voltou logo, ficou lá um mês. dois moça também era mais gracioso. O pegava da prima e subia com ela ao Sim. mas palavra dada...
Num sentido. meses, e, como» eles não se correspon- alto de um penedo, no meio do oceano. Que palavra, mamãe? Mas se eu
Que sentido? amor transforma as mulheres pensa-
diam, Ricardo vivia naturalmente an- va ele; a prima está melhor do que Via-a sem braços. Acordando de ma- a adoro; digo-lhe que a adoro. Queria
Quero dizer, cada fôrma tem a cioso. O tabelião dizia-lhe que os ares nhã, olhou para a Venus de Milo. que eu ficasse a olhar ao sinal, e ela
sua beleza; assim, por exemplo... era. O noivo é que lhe pareceu um
eram bons, que a filha andava fraca, tanto impertinente, só a tratá-lo por Venus! Venus! divina Venus! também, só porque houve um equl-
Exemplos não faltam. A questão e não desceria sem estar inteiramente Atirou-se à imsa. ao papel, meteu voco. uma palavra dada sem refle-
é que o senhor acha a poesia lírica me- primo... Disse isto à mãi, na volta xão? Felismina è um anjo, Não foi à
restabelecida. Um dia leu-lhe uma fá- para casa. mãos à obra. para compor alguma
lhor que a tabula. Só se não acha? bula, composta na véspera, e dedicada Mas que tem isso? coisa, um soneto, um soneto que fosse toa que lhe deram um nome. que é a
Realmente, -parece que não é ao bacharel Vieira, sobrinho da co- E olhava para a Venus. — a image da rima de divina. Um anjo, mamas!
melhor, confessou Ricardo. Sonhou nessa noite que assistia ao Oxalá sejam felizes.
Diga logo inferior. Luar, nevoas,
madre.
Compreendeu o sentido, não? per- casamento de Pelismina. muitos cai1- prima, — e escrevia, riscava, torna- Com certeza; mamãe vera.
ros, muitas flores, eia toda de branco, va a escrever c a riscar, e novamente
virgens, lago, estrelas, olhos de anjo, guntou-Ihe no fim. escrevia até que lhe saíram*os dois Casaram-se. Ricardo era todo para
São palavras vaus, boas para poetas Sim, senhor, entendi que o sol, o noivo de gravata branca-e casaca
preta, ceia lauta, blindes, recitando primeiros versos do soneto. Os outros a realidade do amer. Conservou a Ve-
apatetados. Eu, tirando-me a fábula disposto a restitüir a vida à lua,.. vieram vindo, cai aqui, cae acolá. nus de Milo. a divina Venus, posta na
e a sátira, não sei para que serve a E não atina? ele Ricardo uns versos...
Se outro não recitar, se não eu... Pelismina! eselamava ele O nome parede, apesar dos protestos do mo-
poesia. Para encher a cabeça de cara- A moralidade é clara. disse ele de manha, ao sair da cama. dela há de ser a chave de ouro. Rima destia da mulher. Convém saber que o
minholas, e o papel de tolices... A ocasião? com divina e cristalina. E concluía noivo casou mais tarde na Barra.
A ocasião é o casamento de mi- E a figura de Filismina entrou a per-
Ricardo aturou toda essa rabugies segui-lo. Dias depois, indo à casa dela, assim o soneto. Marcela e Virgínia estavam casadas.
do notario, para o fim de ser admitido nha pecurrucha com o bacharel Vieira, viu-a conversar com o noivo, e teve E tu, criança amada, tão divina As outras moças, que Ricardo amou e
em casa dele — eousa fácil, porque <i que chegou de S. Paulo; gostaram-se; um pequeno desejo de atirá-lo a rua. Não és cópia da Venus celebrada. cantou, tinha já marido. O poeta
pai de Virgínia tinha algumas iabulíío foi pedida ante-hontem.., Soube que- ele ia "a manhã seguinte Ès antes seu modelo. Felismina deixou de poetar, com grande mágoa
antigas e outras inéditas e poucos ou- Esta nova desilusão atordoou com- para a Barra do Piraí. a serviço. Deu-lho nessa ncite. Ela chorou dos seus admiradores. Um deles per-
vintes do ofício ou verdadeiramente pletamente o rapaz. Desenganado, ju- Demora-se muito? depois que os leu. Tinha de pertencer guntou-lhe um dia, ancioso:
nenhum. Virgínia acolheu o moço com rou acabar com mulheres e musas. Que Oito dias. a outro homem. Ricardo ouviu essa Então você não faz mais versos?
boa vontade. Desta vez o nosso Ricar- eram musas senão mulheres? Con- Ricardo visitou a prima todas essas palavra e disse-lhe no ouvido: Não se pôde fazer tudo. respon*
noites. Ela. aterrada com o sentimento Nunca! deu Ricardo, acariciando os seus cinco
qne via nascer uo primo, não sabia qur; Indo a acabar os quinze dias. o nonv filhos.

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Agosto de 1950 — Vol. XI, n.° 8 AUTORES E LIVROS Página 89

Poesias de Augusto Frederico Colin


AUGUSTO FREDERICO COUN Sussurra a fresca aragem benfazeja, Das mais sublimes virtudes
Ao declinar do Sol, em dia estivo. Para a terra abrilhantar.
Nasceu em S. Luís (Maranhão), em 1822. Era um anjo dos céus baixado ã terra,
Duma alma que se levanta
na Província ns-
Estudou em vários colégios superiores, Contemplando saudoso a pátria estância! Nas asas da inspiração
ta] freqüentou faculdades fez o
De trancelim finíssimo pendia Té a Deus, a quem consagra
curso de humanidades. Náo era doutor. Contudo Ao colo úe alabastro transparente A mais divina oblaç&o.
sabia (falava e escrevia) várias línguas, nota-
Áurea cruz delicada; arfava o seio,
aanwnte francês, grego e latim. E a branda ondulação brilhar fazia
O teu nome tm doces versos,
velo para o Rio de Janeiro ainda jovem Por sua lira cantado,
Das luzes ao reflexo a cruz sagrada
obtendo colocação no Ministério da Fazendo, A espaços sobre o peito, denotando
Transpondo futuros evos,
onde foi subindo sempre de .pasto, promovido Como um santo farol, refúgio sacro.
Ficará eternisado.
sempre por merecimento; chegou a ser Oficial Mansão bendita de christans virtudes. E mui gratos os vindouros
M;.ior da Secretaria de Estado da Fazenda Te darão louvores mil
Aqü se casou com D. Maria Francísca dos San- Co'a delicada máo traçou devota Por teres feito as delicias
lan Colin, O -sinal dos cristãos da fronte ao seio,
Da Poetisa do Brasil.
Sm 1839 obteve o primeiro emprego, nn. E cessou de rezar, e ergueu-se airosa,
Agosto 1851.
Provincia do Maranhão: o de amanuense d-x Olhando ainda uma vez a Virgem santa.
Secretaria da Assembléia Legislativa. E um riso d'inocência e de candura.
Poi Secretário do Governo da Província do Nos lábios assomou, de doce enlevo...
Ah! não era mulher ente tão belo. TRISTE DO VATE!
Paraná, nomeado em 27 de setembro de 1852. Era um anjo dos céus baixado à terra
Deixando o cargo no Paraná, voltou ao Mi Triste o condâo do Vate! Solitário
nistério da Fazenda. Contemplando saudoso a pátria estância! Quasi sempre vagueia sobre a terra,
Eleito deputado em 1864-65 e 1870-71. re- Sem jamais encontrar quem o .compr'enda!
nic-cntou a sua Província na Câmara Federal. Outubro 1846 Alma voltada à dôr geme sosinha.
Poi Cavaleiro, Oficial e Comendador d?. Após da infância os risos prazenteiros,
Ordem Imperial da Rosa. Em maio de 1889, A VIRGEM QUE EU AMO Os sonhos da ventura, e o meigo e alegre
S. Majestade D. Pedro II agraciou-o com o Encarar de um futuro lisongeiro,
titulo do Conselho. Eu mo uma virgem de gesto engraçado, O frio desengano vem murchar-lhe
Ocupou o lugar de chefe de gabinete de A cada passo, a cada instante, e sempre
Figura gentil;
vários Ministérios do Império, inclusive o Con- tem belos olhos de um negro bem lindo, A flor d'esperança que lhe ornava a fronte!
selheiTo Ferraz, depois Barão de Uruguaiana, Que
Visconde de Itaboraí. Conselheiro Sales Torres Que brilham qual astro de Venus — sorrindo Uma por uma as odorosas pétalas
Em campo d'anil. Cruel decepção vem arrancar-lhe!
Homem. Antônio Ferreira Viana e Visconde
tii' Ouro Preto. A virgem que eu amo. tem lábios de rosa; Acaso no caminho da existência
Quando foi proclamada a República em 15 Tem colo de neve; Meiga jovem topou; sorriu-lhe néalma
cie novembro de 1889, o primeiro ato de Augusto Tem hombros de jEspe mui bem torneados; Augusto Frederico Colin A já murchada flor; o estro ardeo-lhe
Frederico Colin foi pedir aposentadoria, pois Tem negras madeixas de seda formadas; Nas chamas da poesia; olhou a virgem,
não desejava servir ao regime que derrubara o Cintura mui breve. E a virgem lhe sorriu... Oh! era engano!
trono. Não teve defenmennto imediato o pe- Mas ah! de que serve tam belo composto Esbelto talhe, Requebro d'olhar, estudadas frases,
dido. O próprio Rui Barbosa Ministro da- Fa- Garbo gentil, Concertado meneío — tudo — tudo...
zenda, interveio, no sentido de persuadi-lo a De formas, de graças, Era a falsa ilusão, que se encarnava
De extrema lindeza, Belos cabelos,
continuar; nem ele, Rui. foi atendido. A apo- Lindo perfil. Em forma de mulher para trai-lo!
sentadoria foi concedida afinal, em 21 rie Se o peito tem falso, se é falso seu rosto,
Se tênue parcela não tem de firmeza? Nada há que possa E' puto o amer do vate; como os raios
maio de 1890, e com todos os vencimentos. Do sói da primavera não se espalha
Subtil beija-flor Ser comparável
Rui Barbosa escreveu-lhe então a segulntt; A criatura Em claro impuro de lodosas águas;
caria, datada de 21 de maio de 1890: Nos ares librando Seus reflexos de opala só se miram
Tam bela e amável!
"Exmo. Sr. Conselheiro Colin. Volúvel, inquieto, travesso adejando Em límpidos cristais de linfa clara.
De flor sobre flor Tem alma branda, Não é no peito da mulher fingida,
Considerando cs seus longos e excelentes E' menos volúvel do que é seu amor. Gênio celeste1; Que pretende reinar; altivo orgulho
ser.iços durante quarenta anos nos cargos que A flor que varia de côr todo instante. Ninguém a crera O coração lhe eleva, e pronto o salva.
tem ocupado, resolvi dar-lhe. por decreto de Ente terrestre!
hoie, a aposentadoria com todos os vencimentos. Que nívea desponta d'aurora ao fulgor, E procura na terra alma de virgem,
Qual rosa se torna depois radiante Anjo dos anjos, Cheia de casto amor, qual em seus sonhas
Espero que verá neste ato um expressivo De rosa se- muda, Tens-me enlevado;
testemunho do meu apreço pela sua pessoa e Pensou, quando de noite olhava os astros!
Do sói ao pendor. Meu coração E a não pôde encontrar: é vácuo o mundo
pela beneme rencia de sua vida oficial. Em côr purpurina, Tens cativado. Para o peito do vate: õ seu afeto
Com especial estima E' menos mudável do que é seu amor. Dá-me outro riso, Imenso — como Deus ¦— não pode o peito
de V. Excia. Prateo é seu rosto, de graças ornado. Virgem formosa; Entrar de uma mulher estreito e fraco.
Mto. Atto e alfso. De risos faceiros. Mas já me foges E chorou na amargura de sua alma;
E gestos loureiros, Tem pressurosa?!... E conheceu por fim que era baldado
at Ruy Barbosa"
Que tal dissimula, com tanto primor, Como do beijo Na terra procurar a alta ventura.
Faleceu com 75 anos. no Rio de Janeiro. Que ilude, faceira, ao ardente amador, Casto rubor Que s6 em sonhos pode haver um Vatef
a 21 de agosto de 1897, na casa de sua pro- Que louco a seus pés se arroja exclamando; Te cora as faces
priedade, em Botafogo, à Rua da Matriz, então Oh! tu, que és meu lume, tem dó deste amor: De rubra côr! Março 1851
11." 21.
E a pérfida ri-se, fingindo pudor. És qual pudica
Deixou dois filhos: Eduardo Augusto Colin Os olhos baixando com meiga isenção;
funcionário da Alfândega, e Jostfina Augusta Herva mimosa. OS TÜMULOS
O mísero humano um anjo do céu
Colin que, em 1900. casou-se com Adolfo Ale- Julgando que à terra ignoto desceo, Que ao tato as folhas
Xiimire de Queiroz Ferreira. Outros filhos: — Cerra medrosa. Minha fiel companheira,
Adora a donzela
Carlos Augusto Colin e Rodrigo Augusto Colin — Tam santa quam bela — Os céus permitam Amiga melancolia,
morreram ainda infantes. QUe eu possa um dia Agora que no ocinente
Com grande fervor, Sumiu-sç o astro do dia.
Escreveu "Manual de Fazenda", obra que Fanática, ardente, fogosa paixão. Gozar contigo
teve várias edições. Terna alegria. Vamos às campas doa mortos
Tal é a donzela que eu amo na terra,
Redigiu, em IJ845. com Luiz Antônio Vieira Formosa, gentil. Como brilhara. Procurar meditações,
di Silva, Antônio Henriques Leal, Pedro Gui- O' virgem bela. Que inspirar soem tais sítios
nrães e Reis Riol, o Jornal de Instrução e Re- Que tem belos olhos de um negro bem lindo. A magoados corações.
creio (Maranhão! Que brilham qual astro de Venus — sorrindo D'amor nos céus
Em campos d'anil! A nossa estrela! Aqui jaz uma donzela,
O.í poemas d eAugusto Frederico Colin. que Fresca, risonha, e formosa.
' i" nossas páginas Junho 1849.
publicamos hoje, são rigo- Que ceifou a morte lera
«'si1 mente inéditos. Na bela quadra mimosa.
— No álbum da Illma. e Exma. O solo que lhe resguarda
UM RISO O tenro corpo gelado,
ELA Sra. D. Angelina Amalia Mo- De bonlnas e de goJvus-
Laisse-moi peasemer de roses reira de Macedo. Anda se vê juncado.
II est beau d'ouir Ia prière fer- La tendre mousse ou tu s'assi-
vente Aux levres d'une vierge, eds... Quanto é doce sobre a terra Pelo amante inconsolávei
ange pur, fleur vivente. LAMARTINE Um coração possuir Aí foram colocados.
Que entenda nossos afetos, Cujos sinais des joelhos
TURQUETY Longe pesaies, Inda no chão estão gravados.
Que sinta nosso sentir!
Oh! minha lira;
Eu i era um anjo; a Deus orava. Tempera as cordas. Que sobre as chagas profundas Ali o mármore esconde
Pl*sirada aos pés do altar — como era bela! Do nosso cruel penar Um velho pai venerando;
Volvidos para a Virgem tinha os olhos Que amor me inspira.
Derrame nectar suave, Lá um filho respeitoso
K;|i extasis de fé. d'amor ardente, Hoje risonha Para as dores mitigar; Se encontra às vezes orando.
Pu entre preces cândida subia Alta ventura
Como remonta aos céus cheiroso incenso Veio banir-me Que como a estrela benquista Um máu filho de outra pane
Ao Eterno sua alma meiga e Negra tristura. Do nauta no alto mar, Sobre o terreno passeia,
Di> thuribulo sacro, ao som de1pura,
cantos! A minha bela
Que o conduz seguro e firme Que as cinzas cobre paternas,
Abre as ondas a bramar. E nem remorso o anceia.
Eva um anjo dos céus baixado à terra. N'um doce riso
Mostrou-me as graças Seja o norte, seja a esperança, E nenhuma só lembrança
Contemplando saudoso a pátria estância; Seja da vida o farol, O coração lhe comove,
Flor de inocência, quadro de beleza, Do paraíso.
Que a existência ilumine Parece que aòs passos seus
de criação, obra de esmero Embevecido Como a luz clara do sol. A fria terra se move.
^po
uas mãos do grão-Artifice Supremo De tal magia,
Animada por sopro milagroso. Senti que o peito Tu, que de Adelia a amizade Lá d'uma campa um suspiro
d'amor ardia. Possues, mimosa Angelina, Se exalou mui prolongado,
Brisa macia lhe brincava em torno, És feliz mais do que os anjos. Que saia dos despojou
«amorando-lhe a coma espessa e negra. Quanto mais olho Que habitam a mansão divina. D'um mancebo infortunado.
Que as pudibundas faces lhe cercava, O seu semelhante
» a transparente cassa Mais preso sinto Mui feliz; porque esse afeto A própria morte não pode
que seus membros
Mimosos, torneados, encobria. Meu peito amante Procede de uma alma pura, Os pezares mitigar
Leve murmurejar seus rubros lábios Fresca, risonha,
Donde ressumbram enlevos Que lhe punge no imo peito
docemente agitava — De serafica doçura. D'uma ingrata o atraiçoai,
murmúrio Meiga, formosa,
°e fonte que entre qual se resvala. Olhos celestes. D'uma alma que a divindade As penas sobre o sepulcro
pedras
°u qual em bosque tremulo de ridos a tez mimosa Esmerou-se de adornar A jovem fronte inclinou,
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Página 90 AUTORES LIVROS Agosto de 1950 — Vol. XI, n.° 8

Poesias de Augusto Frederico Colin


A Infida amante por outro Surge o sol a fulgurar; Tudo dorme... só minha alma Adeus Alzira; já sinto
Jurada fé quebrantou, Ledos sonhos lisongeiros Vigilante, atribulada, Minha voz enrouqueeer,
Vem ligeiros Sente d'auséncia o martírio, E o pato já de cançado
Nem no remanso do túmulo Estar-me triste a gemer.
Acha abrigo o desgraçado Nossos desgostos -calmar; Oh! minha Alzira adorada!
Lá mesmo o persegue lroso Tal a vida: — o Onipotente Arder sinto, devorar-me Possa um dia o céu benigno
Um cruel adversa fado. Providente. O intenso fogo ct'amor, Nossos destinos mudar...
Junto à noite pôz o dia; Que os tristes dias consome Doce amor. grata ventura
Por debaixo desta campa — Ao sol a sombra; e ao calor Do teu sincero amador. - Nos teus braços desfrutar.
Eu sinto os casos ranger
D'um malvado, que parece O frescor Junho 184G
Co'a mais sublime harmonia. Entretanto tu a esta hora
Querer o mármore esquer. Talvez, ao sono cedendo.
As maldições que lhe pesam Como um astro radiante, Em teu leito de inocência, A MELANCOLIA
Dos crimes que cometeu, Coruscante, IMtim pensas que estou gemendo!*
Té no sepulcro o perseguem. Do mais límpido fulgor; Peles céus não diviso uma estrela.
Na terra alçou magestosa, Sob as asas protetoras
Onde o Eterno o escondeu Do teu Anjo adormeceste, Que à minha alma dé vida e calor;
Portentosa. Sobre, a terra nâo vejo donzela,
Ali dorme o sono eterno A mulher — anjo d'amor. Mimosa virgem celeste, A quem diga — és meu bem, meu amor!
Socegado em seu jazigo, E o teu amante esqueceste!...
Um que crimes na existência De seus lábios nacarados. E sosinho, e tristonho vagueio
Jamais abrigou consigo. Perfumados, Os anjos dormem tranqüilos; Do Universo na vasta amplidão.
Dimana a consolação, E' tranqüilo o teu dormir; Sem ter onde minha alma se asile
Em sua alma benfazeja Meigo sorrir delicado, Os anjos riem sonhando; Da tristeza fugindo ao bulcão.
Jamais remorso ariejou, Doce agrado Sonhando estás a sorrir.
Por isso a vida que teve, Brada paz ao coração. Sem amoi esta vida mesquinha
Toda o céu abençoou. Eu te vejo. ó bela virgem. E' deserto d'areia e calor,
E' su'alma um templo imenso, Por entre o vèu da saudade, Onde o ser definhando presente
E jaz hoje repoisando Onde o incenso Atravez mesmo do espaço O perdido, infeliz viajar.
Na mansão celestial. Vive sempre a fumegar, Atravez da Eternidade...
Despida do frágil barro. Como um hino que da terra Como é triste no meio das ondas
Em figura angelical. Se descerra Mas quem sabe se a saudade Grito agudo de homem que expira;
Inocentinha menina, Para a Deus louvores dar. No teu peito penetrando Como é triste o carpido da nenia
Um sonho p'ra mim ditoso Do poeta que n^ausência suspira;
Qual bonina aqui desceu. Oh! virgem, — tal é teu fado Te vai lenta despertando.
Mal a vida começava Consagrado Como triste a saudade da esposa
No sepulcro se .escondeu. Nos decretos do Senhor; Co'a ponta d'asa roçando Ansiosa o consorte esperando;
Mas quem sabe se a bondade Teu ser a terra abrilhanta Um meigo sonho d'amor Como triste o chorar d'uma virgem
De Deus aprouve roubá-la Como encanta Te fala do amante ausente Sobre corpo d'um pai venerando;
A desastres e infortúnios, No prado cheirosa flor. Te fala da minha dor.
Como é triste em um cerro escabroso
Que deveram de criá-la. Sè pois florinha singela, Uma lágrima te corre Tenra flor a sorrir-se à procela;
Igualmente a pó se tornam Pura e bela, Pelo rosto angelical, Como é triste o mar torvo, agitado,
Aqui todos os viventes, Neste mundo a recender Resaltando, desce, orvalha Sem do céu refletir uma estrela;
Negros vermes do sepulcro Áureos perfumes na vida O teu seio virginal... Como é triste o gemido saudoso
Consome todos os entes. Que ferida Soltaste tênue suspiro, D'alcyon pelas águas voando;
E' da dôr até morrer. E ã custo os olhos abrindo, Como é triste o silêncio das campas
Nunca um negro pensamento A imagem dos teus sonhos Pela noite, bem negra, reinando...
Um momento Rápida vés ir fugindo. Tal é triste o viver solitário
A MULHER Te faça o peito agitar; Ccmo a aurora entre as trevas Do universo na imensa extensão,
Nem do rosto as frescas rosas Surge bela e radiante Sem achar quem sua alma compreenda,
(No álbum da Exma. Sra. D, li. Melindrosas Tal do sonho tu surgiste Quem domine no seu coração.
Alvares de Azevedo). Venha a tristura murchar. Com casto riso ao semblante. Tenho visto semblantes formosos
Entre espinhos nasce a rosa, 3 de fevereiro 1851 Os teus sonhos pela mente A sorrir-me com meiga expressão,
Primorosa, Inda confusos voando, Tenho ouvido palavras sonoras,
Exalando auncs olores; O teu amante extremoso Que produzem suave afeição.
D'entre as azas da procela A SAUDADE 'Inda te estão recordando...
Brilha a estrela Mas meu peito é gelado, e não sente
Dissipando vãos temores; La voix de ma douleur . Mas, ó louco, onde te arrastas, Do sorriso genial doce efeito.
dans Ia noit. Quem te enleva a fantasia? Nem das mágicas frases o arcano,
De sobre a serra escarpada E' da saudade o tormente, Que paixões insinua no peito.
Debruçada MILLEVOYE E' da saudade a agonia... Sou qual homem que expira nas ondas;
Corre a linfa transparente:
Viceja casis mimoso Em paz os entes repoisam, Eis que a facha matutina Qual poeta n'ausência cantando;
Precioso, A natura jaz tranqüila; Os horizontes clareia; Qual esposa aguardando o consorte;
Em prainos dé arèa ardente . Da noite o manto estrelado Os passarinhos alegres Qual a filha seu pai deplorando;
Por sobre a terra cintila. Saltitantes já gorgeiam. Sou qual flor solitária num cerro,
Entre as borrascas da vida. Qual sem luz o oceano agitado;
Somente a brisa se escuta A natureza desperta
Oprimida, Suspirando levemente, Qual nas águas alcyon gemendo;
Raia sempre uma bonança; Do seu sono volutuoso;
E as salsas ondas nas praias, Como é linda a natureza Qual das campas silêncio pausado.
Do coração magoado,
Torturado, Que se quebram docemente No surgir do seu repoiso! Pelos céus não diviso uma estrela,
Entre as dores nasce a esprança. Eternos hinos murmuram Já descantes pelos montes Que ã minha alma dê vida e calor;
Ao eterno Ser. que as criou Oiço alegres dos pastores, Sobre a terra não vejo donzela,
Após as trevas noturnas, Que aos homens, brutos. e plantas Os prados vejo esmaltados A quem diga — és meu bem — meu amor!
Taciturnas, Coração, vida, outorgou. De frescas fontes e flores. Abril 1843

DIOGO GRASSOIST TI1STOOO M E R * m i Conclusão da pág. 8A)


Diogo Grasso Tinoso ("Grassou", "Garçon" ou "Garção", como tam- ESTÂNCIA XXXV: volteja. transformada a sua alma
bém !he têm escrito o nome) é o mais antigo poeta épico do Brasil. Esse numa ave.,.
posto foi confiado, durante longos anos, o Bento Teixeira, o árido autor da Parte enfim para os serros pretendidos Merimée, o descrente de tudo. é
"Prosopopéia". Mas já agora, depois das incansáveis Deixando a pátria transformada em fontes, sentimental, muitas vezes, como uma
pesquisas de Rodoli'o Por termos nunca usados, nem sabidos, mocinha. Já velho acolhe para viver
Garcia, sabemos que Bento Teixeira, é português de nascimento. E o ilnvejável em sua companhia duas damas ingle-
lugar passou a caber a Diogo Grasson Tinoco. Isto poi- enquanto: per que <* Cortando matos, e arrasando montes. sas. Um dia um amigo o meu .uni
bem provável que daqui a pouco surja algum erudito munido de nevos ele- Os rios vadeando mais temidos tiisti,-*simo, tão emocionado que c-stá
mentos ãe estudo, que venha provar-nos que igualmente Diogo Grasson Tinoco Em jangadas, canoas, balsas, pontes. quase em pranto. Indaga da razão
era português.., O velho Blake está plenamente seguro de si, nesse perigoso Sofrendo calmas, pa cedendo frios. cíaquola tristeza. Vem a <.-:*¦.hc." i!"'ie
terreno. No segundo volume de seu ''Dicionário", tratando do poeta, ele diz: Por montes, campos, serras, vales. rios. uma das damas inglesas se acha en-
"Não sei em que lugar do Brasil nasceu. Sei que é brasileiro..." E toda a f erma.
ESTÂNCIA IV: Êísse coração assim sensível erres-
base que invoca para a afirmativa é o fato de haver sido Tinoco incluindo no ponde a um dos espíritos mais oiiva-
' Florilégio" cie Varnhagen. Convenhamos que é uma razão muito insuficiente,.. Isto suposto, já para a jornada dos dc seu tempo. £]c dispôs dc eo-
Sabe-se da existência de Diogo Grasson Tinoco pela noticia que dele nos Manda à Pátria buscar quanto a seu cargo nhecimentos infinitos: a história, i
dá Cláudio Manuel da Costa no "Fundamento Histórico" de seu poema "ViU Incumbe, pois que a fabrica guiada arqiuolcgia, a .critica literária; pos-
Rica". Destruída se vê do tempo largo; ¦sum. com as respectivas litc::*:^'^-
Conta Cláudio que o poeta escrevera no ano de 1689 um poema sobre o Determina á fiel .consorte amada o italiano, o grego, o latim, o espanhol
descobrimento das esmeraldas — poema que êle, Cláudio, lera em manuscritos. e o russo: Calava o calo. a linliu «o<i
, Que a nada do que pedo ponha embargo, boêmios da Espanha, de maneira a
Relatavam-se ali os feitos de Fernão Dias Pais, desde a carta que recebera Inda que sejam por tal fim vesdidas assombrar os donos clèsse idioma; co-
de D. Afonso VI, na qual lhe era recomendado desse a Agostinho Barbalho Das filhinhas as jóias mais queridas. nhecia os diaaletos da Espanha ¦ ¦ ¦ Díl
todo o socorro para o descobrimento das esmeraldas. Estende-se o poema até Espanha, de resto, seria lícita dizer
a morte de Fernão Dias, acorrida à margem do Guaicuí, sete anos depois. E\ ESTÂNCIA sua
que éle a trouxe incorporada à -.-.-va-
como se \ê. o mesmo assunto do "Caçador de Esmeraldas", de Olavo Bilac. Em o Silvestre moço valoroso.
alma. Leia-se Carmem, o mais
Em seu "Fundamento Histórico", Cláudio Manuel da Costa apresenta nhol dos romances do século passado.
Sobre nervudo, de perfídia alheio, Não é um prodígio essa arte em cue
quatro estâncias de Diogo Grasson Tinoco — estâncias que são as únicas qut O gesto respirava um ar brioso. as mais finas minúcias psicológicas
do poeta se conhecem ainda hoje. São as de números XXVII, XXXV, IV e LXI, estão traçadas, e como que banhada--
e aqui vão reproduzidas, na ordem em que as cita o poema de Cláudio: Que nunca conhecera o vão receio. do clarão do grande sol ibérico?
Pintado de urucú vinha pomposo, De Victor Hugo já houve quem dis-
ESTÂNCIA XXVII: E o lábio baixo roto pelo meio, sesse que era o maior poeta espanhol
Com três penas de arara laudeado, da língua francesa. Quanto a Meri-
Lendo-a Fernando, achou que El-Rei mandava De flechas, de arco e de garrote armado. mée. se êle se nos apresenta como um
Dar-lhe ajuda e favor para esta empresa grande novelista espanhol em Ca'-
E em-a juntar mantimentos se empenhava Para os historiadores da literatura brasileira Diogo Grasson Tinoco con- mem, apresenta-se-nos também, c"1
Com zelo liberal, rara grandeza; tinua a ser um mitério complicadíssimo. Sílvio lhe conhece o nome, que outras de suas obras, como um auteii-
Mas por que exausta a terra então se achava Veríssimo e Bonald ignoram. Artur Mota nada adianta, além do que dele tico italiano, e um autêntico grego.
E convinha o socorro ir com presteza, sabe Cláudio Manuel da Costa. Afrãnio Peixoto, que sobre êle escreveu um e um autêntico ilírio... Tudo isso ele
foi. por aauèle maravilhoso dom oe
Mandou-lhe dar cem negros carregados pequeno ensaio nas "Novidades Literárias" (transcrito depois na "Revista da universalidade, que os destinos ama-
A* custa, de seus bens e seus cuidados. (Conclui na pág. 92) veis concederam ao seu gênio.
1 ¦ ""™ ¦ ' ¦
¦ ¦<¦*

Agosto de 1950 — Vol, XI, n,° 8 AUTORES E LIVROS Página 91

SONETOS DE ULTIMA HORA Cassiano Ricardo


DESEJO GEOGRAFIA DO SONO O meu próximo é áspero; é áspero e massiânico Só xne resta um lugar, onde o meu signo
Bom tempo aquele, quando as criaturas
Sonha um mundo futuro e o seu número de permanece, ou ninféia, sobrenada.
Tenho dó das estrelas luzindo [ordem Porta de encontro entre a manhã e o nada.
mudavam de alma e ser a qualquer hora. está longe ainda, muito longe ainda,
há tanto tempo. Agora, nestas horas tão obscuras, E' este ângulo profundo, mas inglório.
no rio dos rostos que só se aproximam ein série. E' este cristal, irmão obrigatório,
Fernando Pessoa. onde a centelha dessa antiga aurora?
Picou-nos, desse tempo, posto fora,
Surpreendidas por haver, ainda, amanhã, que me oferece, a mim, meu próprio rosto.
conseguem morrer que pensavam não mais existisse, não mais,
'_is coisas que nãochamadas eternas. em paga destas, de hoje, desventuras, as rosas nascem, rosas sem primavera.
,M. isso são um só bem, o do sono, em que ainda mora MODERNA LUA
As ost relas, dolorosas lanternas o sonho que é o licor das vãs procuras. Cintila uma baioneta. O acontecimento sorri.
o que é deixar de ser. Mas esta muito longe, ainda muito longe,
,„c não sabem Por ser eterno é que só Deus não ousa o mundo, o ser irmão que o meu próximo espera.
Embarcarei num pássaro de ferro,
governas deixar de ser quem é, ser outra coisa. e irei descer, de frente ou de perfil,
o- força incosnoscivel que não-querer. Porém, bem haja a borboleta e o eclipse. no rosto cheio ou na meia fama,
„ meu querer, como o meu luzernas OS LÍRIOS que serás tú, ó lua, alva gentil.
Quisera estar entre as simples Bem haja a criatura que, tristonha,
entardecer. Deixarei de ser poeta, o que hoje moro,
Que morrem no primeiro sem poder ser o anjo do Apocalipse, Não te deixo os meus olhos, pobre cego, na terra, para ser osso e barro vil,
passa a ser quem nâo é, se dorme ou sonha. porque eles não te tornarão feliz.
Ser -íeus — e não as coisas maisas ditosas
rosas — Toda a desesperança que carrego
e, em ti, ser homem prático ou —• se queres •
como são
quanto mais breves, vem das coisas que vi, não do que fiz.
um caçador sem flauta ou arrabil
é não sonhar, é nada mais obter. O GALO DAS CINCO HORAS Tuas mulheres nunca são diurnas?
Além disso, estes lírios — não o nego —
C alegria dourada de o não ser já que o mundo cruel vê-los não quiz,
Serás, Selene, algo além do que vi?
E' um galo nítido, autossuficiente,
entre as coisas que são, e as nebulosas, com uma clareza de clarim noturno. só eu os vejo e com o meu suor os rego; sob árvores brancamente noturnas?
nem morrer.
que não conseguem dormir Que deve ter a plumagem vermelha, são, em segredo, a minha flor de liz. Mas me basta a certeza de que, aí,
e cuja crista é a própria estrela dalva. Só eu os vejo, em secretos delírios. não existe a saudade, a flor lunática,
INCÓGNITA Só eu os sei colher, à noite, aos molhos, que felizmente só existiu aqui.
Cantou muito esta noite, cantou multo
qual se tivesse, como de costume, brancos de qualquer mal; mas — isto é
Escrevi o teu nome na pedra uma coisa secreta pra dizer-nos [humano - PISICO-ATJTÓGRAFO
mas não sei quem lhe escondeu o sentido mais surpreendente do que a madrugada. apenas pelo amor de ver os lírios
com a mão de ferrugem e dè murgo tu não hás de querer meus verdes olhos Eu sou eu mesmo, o que nunca foi outro.
com que, muita vez, inventa o olvido. Há quanto séculos este galo canta?
onde, só por chorar, mora um oceano. Eu mesmo — o eternamente condenado
Mas amanhece e a manhã é, apenas, a obedecer à física do estômago,
Escrevi o teu nome na areia a face côr de rosa de um abismo não obstante ao pão preferir a rosa.
mas não sei quem apagou o teu nome (seguinte) uma manhã que nunca chega, O SONETO DAS TRÊS DORES A exibir meu sinal, qual fez Ulisses,
com a esponja verde-fisica da vaga e que promete, sempre, a mesma coisa, ao retornar, aos seus, e já ignorado.
e tc levou para o esconderijo eterno. por só existir na garganta dos gaios.
Três dores, cada uma com o seu rosto.
A ter, na vida, um número de porta,
A primeira quer ser contada aos outros.
Escrevi o teu nome num livro Porque, contada, tem a sua cura. por onde entrou, e ha-de sair meu corpo.
mas náo sei quem emprestou ao teu nome A confissão lhe atenua a amargura. Eu sou eu mesmo, e p'ra sempre forçado
com a sua baba, um significado terrível. A DESENTERRADA
A segunda é indizível, monossílabo a seguir para a frente de batalha,
Por entrenoites cúbicas e dados e voltar caminhando, em carne e osso,
Pronunciei o teu nome, em silêncio, que não consegues arrancar do peito.
mas ouviu-o o secreto inimigo brancos cujo sexta face ninguém vê, Gritas, e ela não escuta o teu grito; sobre minhas feridas. E' — já morto, —
meu pensamento entra no mistério
que taquiíiaga as palavras que eu digo. em que caminhas brandamente, deitada.
vais ao espelho e nào lhe vês a imagem. a provar, quanto mais desfigurado,
A terceira, ígnea e imateiial ferida, que nunca fui tão eu, tão nenhum outro.
Rodeado por muitas luas e impelido só encontra remédio em teu silêncio
CHUVA pela minha saudade física, procuro porque dói mais exposta do que oculta. IARA A MULHER VERDE
no chão, o luar eterno do teu carpo,
Com que graça menina, Ó i no gesto de levar-te três magnólias. Nunca a suportarias núa e crua.
o teu pequeno sol girar soubeste Seria como se estivesses vendo Neste pais de coisas em excesso
desde a primeira viagem para oeste: Mas só encontro de eterno na matéria o teu corpo arrastado pela rua. o sol me agride, o azul passa da conta.
és a flor bíblica que acompanha o sol. que foi tua, em teu corpo hoje noturno, No entanto, os poucos beijos que te peço
o cabelo — cabelo sempre-vivo. o teu amor futuro me desconta.
Chove, Uma cinza fria as casas veste. CRISTAL De tanto céu tenho a cabeça tonta.
Lá fora, zune o vento em si bemol. Que arranco ao solo e que me fica, ruivo,
nas mãos frias brilhando longamente, No pó fiquei disperso, nestes poemas O meu jornal é todo em verde impresso.
E como lias de cumprir, sem arrebol, Só tu, a quem já um pássaro amedronta.
a tua estranha obrigação celeste? qual ramo de árvore entre pirilampos! pulverizei meu ser, com o uso, em átomos
líricos, pólen — dispersei-me em flores. te fechas no mais íntimo recesso...
Nunca o horizonte me chegou tão perto, Piores que já não sei se existem, e onde. No pais do excessivo, és muito pouca.
tomo hoje, sob o guarda-chuva aberto. O ACONTECIMENTO SORRI Vê a borboleta jovem, como esvoaça.
Soluça em mim uin longe "music-hal" Não mais me encontro, em ponto algum da
Vou por uma rua, vou (quasi sem destino) [terra. Vê com nos convida a manhã louca!
Chove e eu penso: haverá coisa mais viuva por uma rua da cidade grís, volto por outra Confundindo com coisas e ais secretos, Pôr que seres assim, se tudo é assombro,
que a saudade possuir olhos de chuva Dou com o rosto no rosto do meu próximo só me resta um retàngulo de prata, se a própria nuvem branca - e com que graça
e eu ter o coração de girassol? como nem espelho: o espelho único. sob o pó que ficou dos meus sapatos. só falta vir pousar em nosso ombro?

OS 3DISC-0-RSOS POLITICO-MORAIS
FALECIMENTO DE PIRES DO RIO Cojic/tisão da pág. 83).
Bastava esse destino para excitar o interesse e curiosidade do livro, que
Em Nova Delhi, índia, faleceu no dia ra São Paulo, foi um dos seus auxi- Transportou-se para o Rio, e veio a Academia agora faz imprimir na sua edição dos clássicos brasileiros.
23 fie julho o Dr. José Pires do Rio, Mares mais eficazes. a ser um dos diretores da Companhia Sem embargo da resolução de Pombal, salvaram-se três exemplares, perten-
ex-Ministro da Viação e da Fazenda, Depois da revolução de 1930, afastou- Comércio e Navegação e do "Jornal centes dois deles à Biblioteca Nacional c o terceiro a Alberto de Oliveira, que
e diretor tesoureiro do Jornal do Bra- se da vida pública e dedicou-se a in- do Brasil", Sua administração desta- o obteve em Portugal. Esse exemplar fora o mesmo de Inocêncio da Silva e
sil. tensos estudos de história e de cién- cou-se por audaciosos atos benéficos
Era nm dos grandes valores do país, cias práticas. Ao seu retiro, porém, para a vida daquela empresa e daquele posteriormente de Aníbal Fernandes Tomas.
wmnheiro eminente, financista de Da obra de Feliciano apareceram apenas alguns excertos na Minerva
foram buscá-lo os que sabiam que não jornal. Lembraremos, por exemplo a Brasileira e na Revista Brasileira.
entérir, inteligente e realístico, espi- pediam prescindir de suas luzes. Pize- rescisão por ele operada dos contra-
nto sempre influenciado por um ar- tos onerosos que o Jornal do Brasil" Só agora temos os Discursos Politico-morais. em que é difícil lobrigar as
tleiii.- amor à Pátria. mantinha com a Prefeitura. doutrinas anárquicas a que se refere Pomba!, alias no seu tempo de livre pen-
O Dr. José Pires do Rio nasceu em Em 1.945, na presidência do Dr. José sador e homem de idéias adiantadas.
Uiüinitins-uctá. São Paulo a 26 de no- Linhares, voltou ele ao Ministério — Alberto de Oliveira, fazendo a crítica dos Discursos, fez notar a correção
vembro de 1889. e era filho do Coro- desta vez dirigindo a pasta da Fazenda.
"ei Rodrigo Pires do Rio e D. Ana de linguagem e a elevação da doutrina, que naturalmente coloca o autor ao lado
Escreveu: de Matias Aires, e dos moralistas e filósofos do século XVIII.
Rangei de Barros Pires do Rio, O Combustível na Economia Na-
Cnança, foi aluno dos Salesianos de Prestou assim a Academia notável serviço à nossa história literária, reim-
Iiw-Mé. Findo o curso secundário, cional — 1946.
O combustível na Economia Vni- primindo esse livro rarissimo e digno de sorte melhor, que a que lhe deu o seu
transi ^riu-se para Minas, e se diplo- versai. O combustível e a Civilização. século. Boa e excelente inspiração foi a de comprometer o prefácio elucidativo
mon cm Engenharia sa Escola de Mi 2,a edição — 395 págs. — Livraria José a uni escritor do alto mérito de Alberto de Oliveira, grande conhecedor dos
"as de Ouro Preto. Foi o alu- Olimpio — Rio s. a. (1942).
110 c:p sua turma, e é o primeiro
terceiro
nossos livros.
aiur-r tm toda a vida da Escola. d-s O
Teve 3.a edição.
Realidades econômicas âo Brasil
Um pequeno erro escapou à reimpressão, dando na folha de rosto o nome ae
primeiro foi Calogeras e o segundo Feliciano José em vez de Feliciano Joaquim, como está no original da primeira
-vlnno Rache. O brilho com que con- — 395 págs. — Livraria José Olímpio edição.
Editora — Rio — 1945.
j y*':^xw ¦
cliuu o curso deu-lhe como prêmio Cumpre, ainda uma vez, assmalar a importância da coleção da Biblioteca
unia viagem ã Europa. COMO SE DEU O ÓBITO de Clássicos Brasileiros, que já nos tem dado valiosos volumes da nossa
o<- regresso, obteve o seu literatura antiga ou esquecida. Essa obra grandiosa foi de iniciativa de Afranio
emprego no Brasil, que foi no primeírn Nova Delhi. 25 (A.P.P.) — O fale-
rorto. .sob a direção do saudosoCais do
cimento, nesta Capital, domingo úl-
Peixoto, a quem devemos os frutos desse empreendimento que é, ao lado do
clsco Bicalho. Trabalhou depois Fran- como timo, do velho estadista, engenheiro Dicionário a obra mais vultoso e útil da Academia Brasileira.
eti'.-- cheiro da Inspetoria de Estradas e jornalista brasileiro, José Pires do O Dicionário è lento e obscuro no seu longo trabalho, mais a Biblioteca dos
e aa Inspetoria de Obras contra as Sé- Rio, foi em conseqüência de uma crise Autores Brasileiros é mais brilhante e mais visível e, ao que nos parece, vai
C[ih. Ali foi buscá-lo Epitácio Pessoa cardíaca. O dr. Pires do Rio, ex-mi- ter maior latitude no seu programa. Ainda há pouco apareceram os Diálogos
«o nncio do seu quatriênio e lhe con- nistro da Viação e Obras Públicas de dc Grandeza do Brasil, e prometidos vamos ter o Peregrino âa America e aa
"°« a pasta da Viação. seu País e. desde algum tempo, um dos Curtes avulsas dos jesuítas e ainda outros primores da literatura nacional.
Ao deixar esse diretores do Jornal âo Brasil, impor-
«° na chapa paraMinistério, foi inclui-
deputado pelo seu tante órgão da imprensa do Rio de Ja- (Jornal do Brasil)
asado. Carlos de Campos, assumindo neiro, chegara a esta Capital quinta-
o de São Paulo, nomeou-o pre- feira, procedente de Calcutá depois posta lhe vindo, resolveu o diplomata O Sr. Pires do Rio viajava, última-
iwtoigoverno
jjo
üa capital do grande Estado. JU-
Prestes, recebendo o governo de ." y • / i de ter passado um mês em Darjeeling
e de ter, antes, visitado vários países
ir pessoalmente buscar o convidado.
A' sur chegada ao hotel, teve, porém
mente, muitas e muitas horas em
avião,, através do mundo, o que, por
vários de Campos, conservou-o europeus, no decurso de longa viagem
'¦io alto posto. • em que forçar a porta do apartamento do certo, nâo lhe fizera bem ao organismo.
Entre as obras ram-no presidente da comissão técnica para estudos das condições do mundo, eminente homem público brasileiro, E pretendia ainda visitar vários pai-
instalada no Rio, para orientação da O falecimento do Sr. Pires do Rio se pois ninguém respondia. E, encontrou ses do Oriente Médio. O corpo do Sr
«-se a retificaçãoque doali Tietê.
iniciou, con-
Devem bancada paulista. Logo depois o Clube deu no hotel em que estava hospe- o Sr. Pires do Rio morto sobre o leito. Pires do Rio foi imediatamente em-
rnwe tez ,™lbr«<!°s. também, os esforços de Engenharia de São Paulo o ele- dado. Havia sido convidado a almo- Um médico oficial foi chamado e ates- balsamado, devendo ser transportado,
"™s urgentes para a solução dos problemas geu seu presidente, passando a ter um çar na residência do embaixador de tou a morte, depois de detalhado exa- amanhã ( quarta-feira, para Calcutá
mente urbanístico de higiene e embeleza- período de real florescimento, no qual seu Pais, domingo; como não chegasse me cadavérico, na presença de um alto aos cuidados da Embaixada do Brasi).
de São Paulo, como se destacaram iniciativas excelentes à embaixada, o 1.° secretário, sr. V. funcionário do Ministério das Rela- De Calcutá o corpo do venerando po-
S-!° ".x<>. o do calçamento da cidade,
saturnino como a sua revista, a criação do seu de Carvalho, estranhou o fato, tele- ções Exteriores e do "crise
chefe de Policia. lítico brasileiro seguirá, por via marí-
de Brito, que ele levou pa- primeiro laboratório de ensaios, etc. fonou para o hotel. Nenhuma res*- Fôra causa mortis: cardíaca". tima, para o Rio de Janeiro.
¦

Página 92 AUTORES LIVROS Agosto de 1950 — Vol. XI, ri.0 8

AUTORES E LIVROS
Homenageia Goethe
A revista ''Autores e Livros" que
sob a direção de Mucio Leão Já
ofereceu, aos seus leitores, de?, vo-
Ernesto Feder

sos que, em si lindíssimos, não per-


tencem a essa canção, mas constituem
um pcemeto independente que. no
inneLQS
lumes, repletos do valiosas contribui- "Dívã Ocldental-Oriental" sc segue ao
eões para n literatura nacional e uni- "Anelo".
versai, dedicou o último número a Uma fina surpresa dispensam ao lei-
Johann Wolfgang Goethe como qne tor três graciosos "Estudos sobre Goe-
resumindo as comemorações do hi- the", de João Ribeiro, publicados em
centenário do tino passado. 1932, pur ocasião do centenário di
O que dá a essa publicação, entre morte do pceta. O primeiro desses pe-
tantas outras homenagens prestadas quenos trabalhos :Goethe "JORNAL
e o Ro-
ao poeta de VVeimar, um valor par- mance Cientifico" Saiu no
ticular, c o seu caráter documentário. DO BRASIL" há exatamente 19 anos.
Assim, o célebre encontro de Goctlie sem ter nada perdido no decorrer des-
eom Napoleão em ErfurL é evocado sas duas dácadas, do seu "charme"
pelo próprio relatório cio poeta, As e da sua delicadeza.
suas rdlacnes cem Schiller. essa ami- No centro do interessante foihetj
zade extraordinária entre os dois maio- Mucio Leão está evocando, cm 14 en-
res vultos cio classicismos alemão, sur- cantadoras miniaturas. "As Musas rie
gem diante de nós, narradas pelos Goethe" a üla daquelas mulheres que
testemunhos de contemporâneos, a lhe inspiraram as poesias imortais;
partir do primeiro encontro tão desa- a começar com Margarida com que o
gradãvel qu,; Schiller teve a impres- rapaz rie 15 anos namorou até Urii")
são de que nunca chegariam a cami- von Levetzow. a inoçoila de 17 anos
nhar juntos, até a morte do autor de
Wallenstein" que tanto abalou o amigo pela qual u septuagenário se apaixo-
nau.
que cobriu os olhos, murmurando;
-Morto! Schiller morreu"! Aumentam o valor dessa homenagem
E mais 20 ilustrações que reproduzem o prr-
tarde: -Não! A destruição",
prio poeta, o jovem e o velho, os seus
Ao mesmo tempo, esse fascículo dt. pais, os seus amigos e algumas das
"Autores e Livros'" constitui uma ver-
mulheres que tinha amado.
dfldeira antologia de Goethe. Mucio Vale a pena chamar a atenção pa-
Leão não só dá-nos na rubrica "Goe- ra a "Notícia sobre Goethe" em que
the no Brasil" uma interessantíssima a redação conseguiu condensar, em 2M
bibliografia de numerosas traduções Unhas, os fatos essenciais da vida e d",
de poesias goetheanas para o verná- obra do poeta-na tura lista. Não se es -
culo, tanto brasileiras quanto portu- queceu nesse breve esboço, mencionar
guesas, mas também reúne um certe o paradoxo que Goethe, poeta dileto
número das melhores dessas versões, cm tedos os países e "adorado por to-
entro elas a célebre cena rio quinto ato dos os povos como símbolo da Alemã-
do Segundo Fausto em que aparecem nha criadora, da Alemanha enquanto
ao centenário os "Quatro sombrios
pátria da ciência, da filosofia e (ia
vultos dc mulheres", traduzida peia poesia" se viu em nossos tempos, -des-
primeira vez em versos por Jenny Kla- denhado em seu próprio pais durante
bin Segall: a conhecida "Violeta", a longa noite nazista".
imortalizada pela composição de Mo-
zart. na versão' de Mucio Leão; e Esperemos com o diretor de "Au-
aquela difícil e misteriosa poesia "Se- tores e Livros", que, curada a Alemã-
ügc Selmsuclu", magistralmente tra- nha da peste parda. Goethe volva a
"merecer dos seus conterrâneos o mes-
duzida sob o titulo "Anelo", por Ma-
nuel Bandeira, mas infeslizmente de- mo devotado culto de outrora".
formada pelo acréscimo de quatro ver- Uornal âo Brasil. 28-2-950!.

A mesquinhez de um grande crítico


Num artigo sobre Alíred de Vigny, neira e do tom desse poeta o que
André Mauroi.1- chama a atenção para Reynolds escrevia sobre certo pin-
este fato. que- todos os leitores de tor..." E lá vem a citação de Rev-
Sainte-Beuve conhecem: a extrema nolcls, que termina por estas pala-
má vontade que o crítico dos Landis vras: "São miniaturas feitas por um
tem para o grande poeta. grande pintor, e que, entretanto, mm-
Esta má vovntade é constante. ca Iara nada senão miniaturas, Por
Sainte-Beuve vê em Vigny, antes que isso?
do grande poeta, o imenso vaidoso. Como tudo o que nele é tenpestade,
Vé em tudo e. unicamente, o vaidoso. espetáculo grandioso, se vai assim
São numerosas as ocasiões em que ele adoçando. atenuando, empalideccndo.
diz que Vigny se imagina um arcanjo. até chegar ao exterior? Por que 0 pró-
c. mais do que isso, o próprio Deus, prio relâmpago há de ter nele o seu
Ao escrever sobre a sessão da posse vernis?"
do grande poeta, deixa-o em situa- Pois bem: no seu exemplar dos
ção ridícula, detestado pelos que o ou- Pcriruit* CoiUi'!iiiior(iirts, onde se en-
viam. vencido naquele torneio de elo- centra este trecho, Sainte-Beuve es-
quência, por um acadêmico medíocre creveu com a sua letrínha: "Esta pre-
e sem nenhuma eloqüência... tendida citação rie Reynolds era ape-
nas a maneira que eu tinha de insi-
Que dizer?... No excesso de sua nuar as minhas críticas.
má vontade. Saint-Beuve faz coisas Eis ai processes mesquinhos, que não
qu? não estão dentro cia superioridade recomendam diante dos leitores a su-
de Um grande espírito como era o seu.
Esta. por exemplo: perioridade moral daquele que é hoje
considerado o mestre, o modelo, o ideal
Em um des seus estudos sobre Vigny, doscriticos. não somente na França,
ele escrevia: "Pode-se dizer da ma- mas no mundo todo. (Olympio Monnat da Fonseca)

Diogo Grasson Tinoco


iCo?iclusão da pág. 9?, Enquadras o silêncio da tarde
Academia"' e João Ribeiro, que o estudou em umas páginas rie "Colméia" Onde os olhos mergulham
nada acrescentam ei:, maior valor para a reconstituição dessa interessante através do espaço
figura ac poeta
Parece certo que o meio mais apropriado para as pesquisas sobre Tinoo Em busca das aves do vento
não será o Rio de Janeiro. Cláudio Manuel da Costa, no "Fundamento Histó- que passam loucas para a noite.
rico" alude a duas fontes principais qu- teve cm mãos para cs estudos nece:-
sários ii composição dn scu "Vila Rica"; eram os papéis de Pedro Taques rie
Almeida Pais Leme " os do coronel Bento Fernandes Furtado. Foi, decerto, Tu, que sempre jazes oculta.
em nn: üfses acervos que èic encontrou o poema de Diogo Grasson Tinoco:
-D?, i autor uma idéia dsse descobrimento conforme o o.ue leu em um Contemplo a chuva
poema manuscrito de Dicgo Grasson Tinoco feito no ano de 1369..." E' de a correr na tua vidraça
imaginar que esses acervas ainda se conservem em alguma biblioteca de Minas
ou dc Silo Paulo. Quem sabe se uma pesquisa .sabiamente orientaria, feita Sempre cega.
por algum erudito teimoso, não acabaria por traser à luz, de forma definitiva. Onde teus olhos se perdem
esse misterioso poeta tão desconhecido de tedes nós, esse pceta que teve i
honra cie ser cc:m dois séculos de antecedência, o precurssor rie Olavo Bilac? nas lages da rua.
BIBLIOGRAFIA REFERENTE A DIOOO GRASSON TINOCO
¦ Afonso dt' Taur.ay -¦ "Biografia rie Fernão Dias Paes Leme" ("Rev.
Nac. de São Paulo". Janela do vento
Afonso dc Taur.ay — "Escritores Coloniais" ("Anais do Museu Paulista",
tomo 2:' pág. 5. Foi tirado em "separata"!.
Janela do sol fitando o mar
Aírãnio Pcixct:. — "O primeiro épico nacional". ("Revista da Acade- Janela verde corroída de sal
raia", ii.' 1051.
Artur Mota — 'História da Literatura Brasileira", vol. 1. pág. 480.
Basilio de Magalhães — 'Expansão geográfica do Brasil". Onde a louca
— Cláudio Manuel da Costa — "Fundamento Histórico" do poema "Vila Rica" debruçada no crepúsculo, vem colher
Furtado de Mendonça (Bento Fernandes) — "Primeiros descobridores
das Minas de1 ouro na capitania de Minas Gerais". o veneno para suas longas noites de tédio.
João Ribeiro — "Problemas da nossa história literária" ("in Colméia".!.
-- Mucio Leão — "üm poeta do século XVII" — A Manhã — 8-10-1944.
Sacramento Blake — "Dicionário bibliográfico", vol. 27),
Santos Vilhena — "Noticias metropolitanas". "Cartas de Vilhena".
Varnhagen — "Florilégio da poesia Brasileira". Vol. l.°. oJI

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