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À AUTONOMIA DA CRÍTICA
Evandro Luiz Ghedin (USP)1
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Professor de Filosofia. Pós-Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Brasília. Pós-Graduado em
Antropologia na Amazônia e Mestre em Educação pela Universidade do Amazonas. Doutorando em Filosofia da
Educação na Universidade de São Paulo.
capacidade de questionamento e de autoquestionamento é pressuposto para a reflexão. Esta não
existe isolada, mas é resultado de um amplo processo de procura que se dá no constante
questionamento entre o que se pensa (enquanto teoria que orienta uma determinada prática) e o que
se faz.
No que diz respeito a formação de professores há de se operar uma mudança da
epistemologia da prática para a epistemologia da práxis, pois a práxis é um movimento
operacionalizado simultaneamente pela ação e reflexão, isto é, a práxis é uma ação final que traz, no
seu interior, a inseparabilidade entre teoria e prática. O processo humano de compreensão-ação é,
intrinsecamente, uma dinâmica que se lança continuamente diante da própria consciência de sua
ação. Mas, a ação, puramente consciente da ação, não realiza em si uma práxis. A consciência-
práxis é aquela que age orientada por uma dada teoria e tem consciência de tal orientação. Teoria e
prática são processos indissociáveis. Separá-los é arriscar demasiadamente a perda da própria
possibilidade de reflexão e compreensão. A separação de teoria e prática se constitui na negação da
identidade humana. Quando se executa tal movimento permite-se o retorno à negação do ser, isto é,
ao se negar a indissociabilidade entre prática e teoria, nega-se, em seu interior, aquilo que tornou o
ser humano possível: a reflexão instaurada pela pergunta. A alienação encontra-se justamente na
separação e dissociação entre teoria e prática.
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Quando se defende a idéia do professor como profissional reflexivo não se está revelando
nenhum conteúdo para a reflexão. Não se está propondo qual deve ser o campo de reflexão e onde
estão situados seus limites. Pressupõe-se que o potencial da reflexão ajudará a reconstruir tradições
emancipadoras implícitas nos valores de nossa sociedade. O que está em dúvida é se os processos
reflexivos, por suas próprias qualidades, se dirigem a consciência e realização dos ideais de
emancipação, igualdade ou justiça; ou se poderiam estar ao serviço da justificação de outras normas
e princípios vigentes em nossa sociedade, como a meritocracia, o individualismo, a tecnocracia e o
controle social.
A escola representa aspirações e valores que nem sempre são resultados claramente
compatíveis. Precisamos entender de que maneira os docentes podem manejar estes processos de
interação entre seus interesses e valores e os conflitos que a escola representa, com o objetivo de
entender melhor que possivilidades de reflexão crítica podem gerar-se na pertença a instituição
educativa. A conclusão que poderíamos tirar é que os professores ao defender uma posição mais
vantajosa acabam reduzindo suas preocupações e suas perspectivas de análise aos problemas e as
situações internas ao espaço da sala de aula. Não se pode pretender que a situação mude apelando
por uma simples transformação destas condições, como se um exercício de vontade pessoal por
parte dos docentes fosse capaz de uma mudança; ou ainda, que a transformação possa realizar-se só
por um desejo de deixar de ser individualista, presentista e conservador.
Muitos professores tendem a limitar seu mundo de ação e de reflexão a aula. É necessário
transcender os limites que se apresentam inscritos em seu trabalho, superando uma visão meramente
técnica na qual os problemas se reduzem a como cumprir as metas que a instituição já tem fixadas.
Esta tarefa requer a habilidade de problematizar as visões sobre a prática docente e suas
circunstâncias, tanto sobre o papel dos professores como sobre a função que cumpre a educação
escolar. Isto supõe: que cada professor analise o sentido político, cultural e econômico que cumpre
à escola; como esse sentido condiciona a forma em que ocorrem as coisas no ensino; o modo em
que se assimila a própria função; como se tem interiorizado os padrões ideológicos sobre os quais se
sustenta a estrutura educativa.
Isto indica que o trabalho docente é uma tarefa eminentemente intelectual e implica num
saber fazer (Santos, 1998). Conceber o trabalho dos professores e professoras como trabalho
intelectual quer dizer, pois, desenvolver um conhecimento sobre o ensino que reconheça e questione
sua natureza socialmente construída e o modo em que se relaciona com a ordem social, assim como
analisar as possibilidades transformadoras implícitas no contexto social das aulas e do ensino
(Contreras, 1997).
A definição do professor como intelectual transformador permite expressar sua tarefa nos
termos do compromisso com um conteúdo muito definido: elaborar tanto a crítica das condições de
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seu trabalho como uma linguagem de possibilidade que se abra a construção de uma sociedade mais
democrática e mais justa, educando o seu alunado como cidadãos críticos, ativos e comprometidos
na construção de uma vida individual e pública digna de ser vivida, guiados pelos princípios de
solidariedade e de esperança (Contreras, 1997).
Refletir criticamente significa colocar-se no contexto de uma ação, na história da situação,
participar em uma atividade social e tomar postura ante os problemas. Significa explorar a natureza
social e histórica, tanto de nossa relação como atores nas práticas institucionalizadas da educação,
como a relação entre nosso pensamento e nossa ação educativa. A reflexão crítica induz a ser
concebida como uma atividade pública, reclamando a organização das pessoas envolvidas e
dirigindo-se a elaboração de processos sistemáticos de crítica que permitiriam a reformulação de
sua teoria e sua prática social e de suas condições de trabalho (McCarthy, 1987).
Um processo de reflexão crítica permitiria aos professores avançar num processo de
transformação da prática pedagógica mediante sua própria transformação como intelectuais críticos,
isto requer a tomada de consciência dos valores e significados ideológicos implícitos nas atuações
docentes e nas instituições, e uma ação transformadora dirigida a eliminar a irracionalidade e a
injustiça existentes nestas instituições (Contreras, 1997). A reflexão crítica apela a uma crítica da
interiorização de valores sociais dominantes, como maneira de tomar consciência de suas origens e
de seus efeitos.
Habermas (1990) defende a autoreflexão como a possibilidade de trazer à consciência os
determinantes de uma forma concreta de estar estruturada a realidade social, processos pelo qual, ao
fazer-se consciente de tais determinantes, se desfazem seus poderes repressivos sobre a razão.
Porém, a forma em que resolve tal possibilidade da autoreflexão que desfaz as distorções da
consciência é distinguindo dois tipos de reflexão: o momento da crítica do particular e o momento
das formas de reflexão transcendental ou de reconstrução racional, base dos teoremas críticos, a
partir dos quais se desenvolve o anterior momento crítico do particular.
O que sugere o modelo do professorado como intelectual crítico é que tanto a compreensão
dos fatores sociais e institucionais que condicionam a prática educativa, como a emancipação das
formas de dominação que afetam nosso pensamento e nossa ação não são processos espontâneos
que se produzem naturalmente. O intelectual crítico está preocupado pela captação e potenciação
dos aspectos de sua prática profissional que conservam uma possibilidade de ação educativamente
valiosa (Contraras, 1997).
Tudo isto supõe um processo de oposição ou de resistência a grande parte dos discursos, as
relações e as formas de organização do sistema escolar, uma resistência a aceitar como missão
profissional aquela que já aparece inscrita na definição institucional do papel docente. A aspiração a
emancipação não se interpreta como a conquista de um direito individual profissional, mas como a
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construção das conexões entre a realização da prática profissional e o contexto social mais amplo,
que também deve transformar-se.
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ESQUEMA
PROFESSOR-REFLEXIVO: DA ALIENAÇÃO DA TÉCNICA À AUTONOMIA DA CRÍTICA