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Introdução
A concepção história da historiografia vale-se de uma longa tradição que
poderíamos remontar ao filósofo e historiador italiano Benedetto Croce, que a define
simplesmente como “análise crítica da evolução do pensamento histórico”, ou seja, o
estudo do compreensivo- e comparativo- das transformações que experimentam
conceitos, teorias, métodos, perspectivas e os produtos resultantes do ofício dos
historiadores. Embora, parcial, tal definição é correta e nela agora podemos acrescentar
que a investigação das mudanças e permanências que se verificam no pensamento e na
obra dos historiadores deve ser apoiada em estudo do que insira tais obras e autores nos
sucessivos contextos historiográficos, intelectuais, sociais, políticos, enfim nos diversos
contextos históricos a que pertencem.
Nesse sentido, uma história crítica da historiografia deverá ainda buscar resgatar
as filiações intelectuais dos diversos autores dentro de uma determinada tendência ou
corrente, as matrizes intelectuais das diferentes obras, bem como os processos de
intercâmbio, “aclimatação” e transferência cultural de perspectivas e horizontes que
impactam nas diversas práticas historiográficas ao longo do tempo.
De acordo com Carlos Antonio Aguirre Rojas, a historiografia atual começou a
definir seus perfis na conjuntura crítica privilegiada da história europeia, que é de 1848
a 1870. E não se trata, como evidente, de datas inócuas: 1848 é época das grandes
revoluções europeias, enquanto 1870 é a data fundamental da experiência da Comuna
de Paris. Nesse sentido, nas concepções do historiador Antonio Carlos Rojas, a
historiografia contemporânea se constituiu a partir de 1848. Ao verificar nos últimos
150 anos, de 1848 até o momento, pode-se identificar quatro grandes momentos, quatro
grades etapas que parecem definir esses elementos dominantes nos estudos históricos
contemporâneos. Dessa forma, as quatro etapas permitem perceber o conjunto de
“heranças” ou tradições historiográficas hoje presente nos diferentes âmbitos nacionais
e internacionais de produção histórica.
A primeira etapa que corresponde de 1848 a 1870: essa conjuntura deu origem
ao primeiro projeto ou tentativa sistemática de se fundar uma verdadeira ciência
histórica, materializando projeto crítico do marxismo original. A segunda etapa que vai
de 1870 a 1929, assiste-se à efetivação de uma primeira hegemonia historiográfica. Essa
primeira hegemonia no campo dos estudos históricos tem seu centro de irradiação
fundamental no espaço de fala alemã da Europa ocidental e servirá de “modelo” geral
para o conjunto das demais historiografias da Europa e do mundo daquele tempo. Esse
segundo período se encerra com a crise terrível desencadeada na cultura alemã pela
trágica ascensão do nazismo. A terceira etapa se concretizará pela emergência de uma
segunda hegemonia historiográfica, situada agora, em termos gerais, na França. Essa
terceira hegemonia ou modelo geral foi referência obrigatória para todos os circuitos
historiográficos do século XX. A vigência culminou da hegemonia historiográfica
francesa, por sua vez, põe termo a profunda revolução cultural, de alcance planetário e
de consequências civilizatórias globais, que foi a Revolução de 1968. No período de
1929 a 1968 os Annales franceses que dominaram a paisagem historiográfica e isso a
partir de um projeto que se constituiu como contraponto perfeito da historiografia
positivista. E não só porque os Annales vão criticar essa história rankiana direta e
explicitamente, mas também porque, ante essa história concentrada somente no militar,
no biográfico, no político e no diplomático, a nova perspectiva dos Annales propõe uma
história do tecido social no seu conjunto. E, então, em vez de estudar apenas os grandes
homens e as grandes batalhas e tratados que constituem os fatos “ressonantes” da
História, os historiadores da corrente dos Annales vão começar a estudar as civilizações,
as estruturas e as classes sociais, as crenças coletivas populares ou o moderno
capitalismo numa nova perspectiva analítica e epistemológica.
Já a quarta etapa, sendo esta filha direta das grandes transformações que 1968
trouxe em todos os mecanismos da reprodução cultural da vida social moderna e na qual
já não existe nenhuma hegemonia historiográfica, mas, sim, pelo contrário, uma nova e
inédita situação de policentrismo na inovação e no descobrimento das novas linhas de
progresso da historiografia e que se prolonga até os nossos dias. O ano de 1968 é
efetivamente uma fratura definitiva em todas as formas de reprodução cultural da vida
moderna. Não é então um simples movimento estudantil, nem um movimento de
diferença geracional. É, antes, uma revolução cultural e civilizatória das principais
formas de reprodução de toda a modernidade atual. Depois de 1968, passando a outra
situação historiográfica, pergunta-se: Qual então a historiografia dominante em 1990? A
resposta é: nenhuma. Pois em 1990 já não há uma historiografia hegemônica, e aí é tão
importante a “Escola da micro-história italiana - com suas diferentes variantes de
história cultural, de um lado, e história econômica e social, do outro – como a quarta
geração dos Annales, e o mesmo sucedendo com a historiografia socialista britânica, a
antropologia histórica russa, a história regional latino-americana, a psico-história anglo-
saxônica.
Falarmos de historiografia Brasileira ganha contorno específicos. Pensar a
história de nosso país é parte integrante da elaboração de um pensamento social
brasileiro próprio. Bernardo Ricupero ao retomar a indagação de Raymundo Faoro
acerca das linhagens do pensamento político brasileiro questionou que “não era evidente
que um país como o Brasil seja capaz de criar um pensamento político e social que dê
conta de suas condições particulares”, sendo assim podemos ampliar esse
questionamento com a seguinte questão: será evidente um país como o Brasil possua
uma tradição historiográfica que dê conta de suas particularidades? A resposta é: não,
não é evidente. Por isso, faz-se necessário um trabalho de crítica que busque, no
conjunto de textos sobre o Brasil, aqueles que incluam a preocupação com o passado
como instrumental indispensável do ato de conhecer-nos. Só faz sentido questionarmos
a nossa produção historiográfica se admitirmos que pensar a história do Brasil significa
refletir sobre nossa própria formação como país, como provo, como nação.