Professional Documents
Culture Documents
A negação da morte
A glorificação da juventude faz-se «naturalmente» na negação e ignorância do
envelhecimento e da morte. Vivemos assim numa sociedade que tem cada vez mais
tendência a negar a morte e a apagar as suas manifestações mais aparentes. Morrer
transformou-se em objecto de escândalo. Os rituais que acompanham o
desaparecimento de uma pessoa têm tendência a apagar-se ou, pelo menos, a perder
o essencial do valor simbólico e emocional que antes tinham. Estes rituais têm
tendência a tornarem-se cada vez mais breves e confidenciais. Já não há furgões
mortuários nas ruas, os cortejos funerários desfilam geralmente ao ritmo da circulação
rodoviária afogados no anonimato das auto-estradas e dos grandes eixos.
Mais uma vez, os adultos transmitem às crianças a sua própria apreensão da morte.
Por exemplo, quando ouço pessoas que estão a viver um luto, espanto-me com o
vocabulário por elas utilizado. Raramente falam de «morte», mas sim de
desaparecimento ou perca. A palavra «morte» nunca é pronunciada ou então
raramente. Diz-se que esta ou aquela pessoa «nos abandonou», ou ainda que se
«retirou», que «partiu».
Na mesma ordem de ideias, vejo cada vez mais pais que pedem uma consulta para o
filho – cuja idade varia geralmente entre cinco e dez anos –, o qual, segundo eles, fala
frequentemente de morte. No espírito de determinados adultos passou a ser
insuportável que as crianças possam utilizar um termo que eles já abandonaram. Vêem
aí, rápida e facilmente, uma manifestação patológica e, consequentemente, um
comportamento inquietante que justifica, aos seus olhos, uma ida ao psiquiatra.
De facto, quando uma criança sente que pronunciar a palavra «morte» é mal aceite
pelos pais, até quase se transformar em provocação, ela tenderá a servir-se da palavra
como arma de manipulação. Esta criança não está doentiamente obcecada pela morte,
apenas utiliza um poder que lhe é dado pelos pais no medo que têm em afrontar, eles
próprios, a existência da morte.
A criança tem necessidade de «conhecer» a morte, tal como lhe é necessário descobrir
todas as declinações da vida; isso significa que tem necessidade de se confrontar com
a realidade total. Geralmente, esta aprendizagem faz-se por volta dos seis, sete anos,
ao mesmo tempo que conhece o tempo e, consequentemente, a duração. O finito e o
infinito assumem então um sentido para a criança, ela integra a existência de um limite
que deveria transformar-se no próprio exemplo de qualquer limite.