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Kay S. Hymowitz
Os adultos que aparecem no primeiro e mais importante destes retratos, “As Crianças
Perdidas do Condado de Rockdale”, difundido na série Frontline da PBS em Outubro,
parecem ter tudo o que se pode oferecer às crianças. Situada a 50 km a leste de
Atlanta, Rockdale é, sociologicamente falando, a irmã gémea de Littleton, um subúrbio
florescente e próspero – a “colónia com o desenvolvimento mais rápido das história da
humanidade”, segundo alguns habitantes entrevistados no programa. Tal como em
Littleton, muitos residentes de Rockdale chegaram recentemente à região, e
conseguiram uma vida confortável. É um festival de imagens de ruas amplas com
transversais perfeitas e mansões a aparecer por todo o lado, com tectos dignos de
catedrais e cozinhas espaçosas com bancadas de granito. E, de facto, as mães e os pais
que vivem nestas casas perfeitas fazem muito daquilo que nos dizem que os pais
modernos deveriam fazer: treinam equipas da Little League, vão de férias com a
família, preparam o jantar para as crianças. No entanto, ficam completamente
perdidos quando se trata de transformar as suas mansões em lares onde as crianças
possam aprender a ter vidas que façam sentido. Desprovidos de crenças fortes,
provavelmente privados de experiências significativas que possam transmitir aos
filhos, têm no centro das suas vidas um vazio indeterminável que contrabalança
exactamente a opulência das suas casas. O título daquele programa Frontline podia
perfeitamente ter sido “Os Adultos Perdidos do Condado de Rockdale”.
O programa foi motivado pela erupção de casos de sífilis que acabou por levar
funcionários dos serviços de saúde a tratar 200 adolescentes. O facto mais notável não
era que 200 adolescentes de um grande subúrbio tivessem relações sexuais com
parceiros sucessivos. Era a maneira que escolheram para terem tais relações. (…) O
sexo em grupo era banal, tal como eram os seus protagonistas de 13 anos de idade. Os
miúdos vêem o canal Playboy na TV Cabo e brincam imitando tudo o que vêem.
Experimentaram quase todas as combinações de actividade sexual possíveis e
imagináveis – vaginal, oral, anal, rapariga com rapariga, vários rapazes com uma só
rapariga, ou várias raparigas com um só rapaz (o único tabu sendo a homossexualidade
entre rapazes). Durante certas bebedeiras, uma rapariga podia ser “passada à volta”
num jogo. Um número significativo de crianças tinha mais de 50 parceiros. Certas
crianças praticavam aquilo a que chamavam uma sandwich – enquanto uma rapariga
tem sexo oral com um rapaz, é penetrada pela vagina por outro rapaz e pelo ânus
ainda por outro.
De acordo com os realizadores, foi a profunda solidão daquelas crianças que as levou a
procurar uma família de “substituição” na companhia dos seus pares. Ninguém pode
negar que aquelas crianças estavam sozinhas. Algumas eram órfãs virtuais de lares
desfeitos e que não funcionavam. Outras eram simplesmente filhos de pais a tempo
parcial, que estavam ausentes de casa durante grande parte do tempo para pode rem
proporcionar aos filhos casas luxuosas, carros, telemóveis e roupas das últimas
colecções para adolescentes. A maioria das orgias de sexo eram organizadas depois da
escola, entre as três e as cinco da tarde, em casas abandonadas pelos adultos, que
estavam a trabalhar. Outras vezes, as crianças saíam discretamente de casa depois da
meia-noite, sem acordar os pais exaustos.
No entanto, torna-se cada vez mais claro que o vazio na vida daquelas crianças não se
limita às horas de trabalho dos pais. A solidão que experimentam ultrapassa o simples
facto de serem deixadas sozinhas. Os seus pais, mesmo em casa, parecem desligados.
Segundo o produtor, um dos problemas reside no facto de que aquelas famílias
passam a maioria do tempo coladas ao televisor. (…)
A câmara segue um rapaz chamado Kevin nas suas deslocações da cozinha (que tem
televisor, como é óbvio) para o seu quarto na casa com piscina da família, onde tem,
inexplicavelmente, dois televisores, ambos enormes, e ambos a mudar
constantemente de canal durante as entrevistas. De facto, neste programa, os
televisores estão quase sempre a funcionar em casa enquanto decorrem as
entrevistas, um detalhe que não é típico só desta região. Um estudo da Fundação
Kaiser publicado pouco depois da difusão do programa “As Crianças Perdidas do
Condado de Rockdale” revela que dois terços das crianças têm um televisor no seu
quarto e que 58 por cento dos pais aceitam ter o televisor ligado durante o jantar.
Será que isto pode explicar que aquela menina activa e amada se tenha tornado numa
adolescente tão desesperadamente só que, encorajada por dois rapazes, iniciou uma
relação sexual brutal em frente do seu horrorizado sobrinho de três anos, e que se
deixou utilizar por “amigos” que ela percebia que apenas gostavam de si “porque tinha
carro”? Parece ser aquilo em que temos de acreditar. Noutra cena, uma especialista
em saúde conta, com uma frustra ção muito sentida que, obviamente, se espera que
compartilhemos, qual foi a reacção das famílias de Rockdale quando falou da epidemia
de sífilis numa reunião pública. Um padre virou-se para ela e exclamou, referindo-se
aos pais: “Eles não vêem? Eles não vêem que são eles? Não falam com os filhos!” Esta
perspectiva corrobora sem dúvida a sabedoria dominante dos especialistas. Por
exemplo, a Fundação Kaiser, juntamente com a Children Now, iniciou uma campanha
cujo lema é “Falar com as Crianças sobre Assuntos Sérios”, o que assume que o
problema que os adultos enfrentam actualmente é o de não conseguirem “partilhar os
seus próprios valores e, sobretudo, criar uma atmosfera de comunicação aberta com
os filhos sobre todos os assuntos”. (…) Não interessa, desde que estejam a falar e a
expressar os seus “valores”. Falar e partilhar valores mostra que os adultos “tomam
conta”.
Nos colegas, até a realidade de uma doença grave não provoca efervescência
nenhuma. Quando uma mãe levou a filha à consulta de saúde organizada no condado
para detectar sífilis, estava à espera de um resultado negativo. Era positivo. As crianças
riram-se e congratularam-se. “Achámos que era engraçado”, explicou uma rapariga.
“Ah, apanhaste sífilis?, sabe… era como uma brincadeira de crianças…” A sensibilidade
aniquilada daquelas crianças torna-as impermeáveis a qualquer sentimento de horror,
a qualquer sentimento de prazer nas suas aventuras sexuais. “No fundo, fazer sexo é
uma seca”, declara outra. “Acho que o sexo foi feito para os rapazes porque nós só nos
deitamos, e é do tipo: sai daí de cima, o que estás a fazer?”
No dia da visita do jornalista da revista Time, a turma estava a analisar uma historieta
chamada “A Torta de Batata Doce”. A professora descreve a prova da torta de batata
doce, de fiambre da perna, de couve. “O que é que estas coisas têm em comum?”
pergunta a professora, desafiando o seu grupo de estudantes de 15 anos. “Não
querem saber se aprendemos”, responde astutamente um rapazinho. “O importante é
passar.”
A maior parte do corpo docente também já deixou de pedir mais do que 15 minutos de
trabalhos de casa por dia. Uma professora calcula que apenas 15 por cento dos alunos
fazem os trabalhos de casa. As crianças dizem que estudam entre 10 e 30 minutos, no
máximo. (”Aqui estão em segurança e podem aprender durante as aulas, mesmo que
não façam os trabalhos de casa”, explica um assistente do director). Os professores
também dão poucos trabalhos de casa para que as crianças tenham muito tempo para
se dedicarem àquilo que querem fazer prioritariamente: ganhar dinheiro. É comum
para um estudante trabalhar 30 ou até 40 horas por semana num snack-bar ou numa
loja de vídeos. A finalidade não é pôr dinheiro de lado para a universidade; o dinheiro
serve para comprar casacos de cabedal de 400 dólares, e carros cool. Nada na
educação deles põe em causa um tal com portamento.
Ainda que extrema, a evasão de Yates reflecte a maneira como os adultos actuais se
convencem de que estão bem com as crianças. Desde que as crianças permaneçam na
escola, desde que a sua auto-estima não fique ameaçada, desde que a relação de
amizade adulto-criança pareça relativamente serena, então podem-se convencer de
que têm um “bom relacionamento com as crianças.” De facto, os autores de “Uma
Semana na Vida” descrevem os educadores de Webster Groves como adultos atentos
que concedem tempo extra para os jogos de futebol da escola, que participam em
jogos de softball para alunos-professores, que também se disponibilizam para apoiar
um adolescente que acaba de perder a mãe, ou outro cujos pais se estão a divorciar.
No entanto, nada daquilo consegue preencher o vazio deixado pelos seus erros e, sem
dúvida, também pelos erros da maioria dos pais dos seus alunos, nada é feito para que
tenham uma visão de uma ordem moral e intelectual coerente. Uma das principais
tarefas dos educadores de Webster Groves consiste em gerir a decadência engendrada
pela sua própria abdicação. Apesar de a escola não estar equipada com guardas e
detectores de metal, a directora, as suas assistentes e ainda um detective privado
deambulam pelos corredores da escola com walkie-talkies. Os funcionários mandaram
instalar um dispendioso equipamento de detecção no sistema telefónico da escola
depois de um alerta à bomba no ano transacto. O corpo docente frequenta seminários
de gestão de crises para encontrar respostas para emer gências hipotéticas. A escola
está atenta às numerosas crianças medicadas e os professores estão atentos àqueles
que perdem subitamente o interesse ou cujas notas baixam.