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Pontifícia Universidade Católica – PUC São Paulo

Programa de Pós-Graduação em Serviço Social


Disciplina - Serviço Social e Cotidiano Profissional

Professora Dra. Maria Lúcia Martinelli


Aluna ouvinte: Raquel Paiva Gomes

Trabalho final
A disciplina, ao meu ver, suscitou reflexões importantes em relação ao pensamento social
brasileiro e a forma como ele se configurou ao longo do tempo. Como nos alerta Otavio
Ianni, o passado se faz presente, o moderno convive com o anacrônico, num caleidoscópio
de acontecimentos, de encontros e desencontros, de avanços e retrocessos num
movimento dialético e contraditório.
O pensamento conservador e as práticas políticas em andamento na atualidade explicitam
o autoritarismo organizado corporativamente (nas diferentes esferas de poder –
legislativo, executivo e judiciário) com vistas a perpetuar as relações de poder
estabelecidas e manter o status quo. O modelo de desenvolvimento imposto, combinado
e desigual, ciclicamente, tem aprofundado distâncias e subalternizado as classes
populares, especialmente as que vivem do trabalho.
Novas e velhas estratégias têm sido combinadas para “conter” as tensões sociais, uma
delas, a refilantropização das funções estatais, a qual transfere a responsabilidade do
poder público à sociedade civil “organizada” – terceiro setor, deslocando da esfera dos
direitos o atendimento de emergências e carecimentos da população de forma residual e
paliativa.
Concomitante a este processo, Ricardo Antunes nos alerta para significativas e profundas
mudanças no mundo do trabalho. A sociedade salarial fundada no emprego e relações
trabalhistas protegidas por lei, dão lugar a flexibilização e a precarização, tornando
incerto o futuro e a própria manutenção da sobrevivência de uma parcela significativa da
população. Tempos difíceis se anunciam.
Em contrapartida, quando passamos a pensar sobre a riqueza da vida cotidiana enquanto
uma das dimensões da realidade que carrega múltiplas possibilidades, temos algum alento
e esperança, de que nessa esfera é possível fazer escolhas - por uma outra sociabilidade,
mais humana, mais justa e solidária. Digo isto, pois os debates realizados durante as aulas
me fizeram pensar sobre minha atuação profissional e o significado do meu trabalho; da
importância de “estar por inteira e inteiramente” de forma consciente e autônoma em tudo
que fizer, com vistas a superar dialeticamente a alienação do trabalho profissional.
Ao lidar com tantas situações de violação de direitos e conflitos, subsumimos a
burocratização perdendo de vista a singularidade das trajetórias dos sujeitos, as quais na
maioria das vezes são marcadas por tantas perdas e ausência total de condições mínimas
de sobrevivência. Por vezes também acabamos por reproduzir a violência institucional
em nossos discursos, gestos e formas de nos expressar. É preciso muita atenção e cuidado
para não ser “devorado” pela rotinização e pelas requisições institucionais, pois “a vida
cotidiana, de todas as esferas da realidade, é que mais se presta a alienação” (Heller, 1977:
p.37).
Entendo que escolher racionalmente e consciente por uma atuação profissional ética é nos
colocarmos a disposição do outro com sensibilidade, empatia e principalmente
compromisso com a qualidade dos serviços prestados. Detalhes, muitas vezes
considerados banais, revelam estruturas sociais profundas, “tensões que pulsam o nosso
cotidiano, disfarçadas num agora enganoso” (Martins, 2014: p. 10). Articular as múltiplas
dimensões da realidade, em seu movimento, é um desafio necessário para compreensão
da totalidade da vida social, assim “é preciso reencontrar a historicidade da ação e da
práxis nas invisibilidades a que foi relegada e em que se refugiou” (Martins, 2014:p.10).
Pensar o cotidiano profissional também me fez refletir sobre minha própria vida pessoal,
sobre a importância de hierarquizar prioridades, me permitir o ócio, a felicidade e uma
convivência familiar agradável e o direito de vive-la plenamente. Embora lide com
situações difíceis e complexas, isso não pode me afetar a ponto do trabalho se tornar um
fardo e a dimensão mais importante da minha vida. A palavra de ordem é a leveza como
forma de resistir ao peso da realidade - “colocar beleza e poesia onde não existe e ser
como pássaro a plainar sobre a realidade para mirá-la sob diferentes óticas”.
Como o cotidiano não se repete e cada dia e é único, não podemos deixar passar inúmeras
possibilidades de fazer diferente, promover escolhas profissionais éticas. “A vida
cotidiana está carregada de alternativas, de escolhas” como nos alerta Agnes Heller (1977:
p. 24). Muito embora a transformação da sociedade passe pela ação individual cotidiana,
ela por si só não é suficiente para alterar estruturas tão arreigadas, tornando as resistências
e lutas coletivas estratégicas no enfrentamento dos desafios atuais.

Bibliografia consultada

Antunes, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.


Editora Boitempo, 2009.
Ianni, O. A idéia de Brasil Moderno. Ed. Brasiliense, 2004.
Heller, A. Cotidiano e História. Editora Paz, 1985. (Capítulo Estrutura da Vida Cotidiana
17 – 41)
Martins, J.S. Uma sociologia da vida cotidiana. Editora Contexto, 2014.

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