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LER E ESCREVER: COMPROMISSO DA ESCOLA

APRESENTAÇÃO
A série Ler e escrever: compromisso da escola, a ser apresentada de
12 a 16 de agosto no Programa Salto para o Futuro, da TV Escola, é composta
por cinco programas dedicados a refletir sobre a leitura e a escrita como
aprendizagem a ser promovida por todos os professores, e não exclusivamente
pelo professor de Língua Portuguesa.

Em que consiste o ler e o escrever nas diferentes áreas do currículo


escolar? Com o intuito de discutir e aprofundar este tema, a equipe de
professores do Núcleo de Integração Universidade & Escola, da Pró-Reitoria
de Extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, elaborou o livro
Ler e escrever: compromisso de todas as áreas, publicado em 1998 pela
Editora da Universidade/UFRGS. O livro já se encontra em sua 4ª edição e
é nele que se inspiram os programas dessa série.

A série tem por objetivo dar ênfase à reflexão sobre a leitura e a escrita
como compromisso de toda a escola, desde a biblioteca, a aula de Português
e todas as demais áreas/disciplinas do currículo escolar. É sempre bom
lembrar que o compromisso de toda a escola em ensinar a ler e escrever
constitui condição indispensável à formação do estudante e ao exercício da
cidadania. Por isso, as diferentes áreas de conhecimento, agrupadas
aleatoriamente, procurarão, de acordo com a programação apresentada a
seguir, refletir a respeito do ler e do escrever como questões específicas do
seu fazer, como forma de ensinar a pensar e como possibilidade de
estabelecer relações interdisciplinares que certamente enriquecerão a prática
pedagógica

PROPOSTA PEDAGÓGICA 2
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J USTIFICATIVA
Ensinar a ler e a escrever são tarefas da escola, desafio indispensável
para todas as áreas/disciplinas escolares, uma vez que ler e escrever são os
meios básicos para o desenvolvimento da capacidade de aprender e
constituem competências para a formação do estudante, responsabilidade
maior da escola.

Ensinar é dar condições ao estudante para que se aproprie do


conhecimento historicamente construído e se insira nessa construção como
produtor de conhecimentos. Ensinar é ensinar a ler para que se torne
capaz dessa apropriação, pois o conhecimento acumulado está, em grande
parte, escrito em livros, revistas, jornais, relatórios, arquivos. Ensinar é
também ensinar a escrever, porque a produção de conhecimento se expressa,
no mais das vezes, por escrito.

Numa primeira instância, ler e escrever é alfabetizar, levar o aluno ao


domínio do código escrito. E é sempre bom levar em conta o que nos dizem
as atuais pesquisas sobre o processo de alfabetização. Ao alfabetizar-se, o
aluno não está apenas transpondo a língua que já fala para um outro código,
mas está aprendendo uma outra língua, a língua escrita, isto porque a
língua que falamos não é a mesma que escrevemos, havendo, assim,
aprendizagens específicas que devem ser consideradas por nós, professores.

A escola vem se constituindo como espaço privilegiado para a


aprendizagem e o desenvolvimento da leitura e da escrita, já que é nela que
se dá o encontro decisivo da criança com o ler e o escrever. Para muitas
crianças de nosso país, a escola é o único lugar onde há livros, ou a sala de
aula o lugar onde os alunos não estão voltados apenas para a televisão.
Assim, cabe a ela a tarefa de levar o aluno a ler e escrever, a atrever-se a
persistir nesta aprendizagem entre ensaio e erro, a construir suas próprias
hipóteses a respeito do sentido do ele lê e do que escreve, a assumir pontos
de vista próprios para escrever a respeito do que vê, inclusive na TV, do que
sente, do que viveu, do que leu nos diversos suportes que existem, do que
ouviu em aula e do que vê no mundo, promovendo em seus textos um
diálogo entre vida e escola, mediado pelo professor, um leitor mais experiente.
É na escola que a própria TV pode ser vista de uma forma não apenas
lúdica, mas também crítica. É na escola que se pode promover, por meio da
leitura, as diferentes aprendizagens de cada área de conhecimento e do
mundo. Não é, portanto, uma tarefa simples e, no entanto, possui um

PROPOSTA PEDAGÓGICA 3
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grandioso alcance na vida de todo e qualquer estudante: crianças, jovens e


adultos.
Sem estudantes vivenciando oportunidades sistemáticas de leitura,
escrevendo e dialogando, a escola correrá o risco de restringir-se à
reprodução. Essa, aliás, é uma prática que cada vez mais tem sido rejeitada:
as atividades de leitura e escrita, nas diversas modalidades, transformadas
em ritual burocrático, no qual o estudante lê sem poder discutir, lê sem
compreender, responde questionários mecanicamente e escreve textos
buscando simplesmente concordar com o professor ou a professora. O que
se deseja é que estudantes, e também professores, possam constituir-se
como leitores e produtores de textos. Professores e alunos leitores são
capazes de produzir a sua escrita, a sua comunicação no mundo, são a
chave de qualquer possibilidade de mudança nas práticas tradicionais e
repetitivas de leitura e escrita. Para isso, todos os professores, não só o de
Português, mas também os de Geografia, Matemática, História, Música,
Ciências, Educação Física, Língua Estrangeira, Literatura, Arte, precisam
assumir seu papel de mediadores de leitura e escrita.
Mais importante que reter a informação obtida pela leitura tradicional
dos muitos textos, nas muitas áreas que compõem o currículo escolar, as
atividades de leitura e escrita devem proporcionar aos alunos condições
para que possam, de uma forma permanente e autônoma, localizar novas
informações pela leitura do mundo, e expressá-las, escrevendo para e no
mundo. Assim, leitura e escrita constituem-se como competências não
apenas de uso, mas igualmente de compreensão da vida em sociedade.
O professor é aquele que apresenta as diferentes possibilidades de
leitura: tudo e mais um pouco! Livros, poemas, notícias, receitas, paisagens,
imagens, partituras, sons, gestos, corpos em movimento, mapas, gráficos,
símbolos, o mundo enfim. Ele poderá contribuir no desenvolvimento da
capacidade de interpretar e estabelecer significados dos diferentes textos,
criando e promovendo variadas experiências, situações novas, que levem a
uma utilização diversificada do ler/escrever. Isso tornará possível a formação
de uma geração de leitores capazes de dominar as múltiplas formas de
linguagem e de reconhecer os variados e inovadores recursos tecnológicos,
disponíveis para a comunicação humana no dia a dia.
Ler e escrever são tarefas na escola, privilegiadamente em cada sala
de aula, mas também no pátio, na biblioteca, no refeitório, enfim a escola

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vista como espaço de estímulo às diferentes relações com a leitura. A


biblioteca passa a ser concebida como lugar em que se estimula a circulação
e a transferência da informação, que favorece a convivência dos diferentes
segmentos da comunidade escolar, pertencendo, portanto, a todos os
usuários e, ao mesmo tempo, não sendo propriedade de uns ou de outros.

E por que privilegiadamente a sala de aula é o lugar de leitura e de


escrita? Porque a sala de aula é o lugar onde o professor ensina, onde ele
mostra, por sua presença e atuação, a importância da leitura: ele traz os
livros, apresenta-os, quer que todos escolham o que vão ler, fica sabendo do
interesse que se vai formando em cada um, faz sugestões, discute e
aprofunda os assuntos, responde perguntas e lê com os alunos. A biblioteca
é o lugar de outra vivência. Na biblioteca, o aluno, explora o seu acervo,
expande seus interesses: descobre que existem múltiplos materiais para
leitura, livros de todo o tipo e sobre todos os assuntos, ou concentra-se em
uma leitura de aprofundamento de um determinado interesse, estimulado
pela leitura em sala de aula. A sala de aula é o lugar de criação de vínculo
com a leitura, de inserção do aluno na tradição do conhecimento. A biblioteca
é o lugar do cultivo pessoal desse vínculo.

Ao lado da atividade de leitura orientada pelo gosto, pelo prazer de


atribuir sentido a um texto, cada professor, na aula de sua respectiva área
(ou dois ou mais professores em trabalho integrado) promoverá a leitura de
textos que que devem ser aprofundados e todos poderão vivenciar o
encantamento da descoberta dos muitos sentidos em textos decisivos para
o conhecimento produzido pela humanidade. Esta inserção do aluno no
universo da cultura letrada desenvolve a habilidade de dialogar com os textos
lidos, através da capacidade de ler em profundidade e interpretar textos
significativos para a formação de sua cidadania, cultura e sensibilidade.

Será importante, assim, que cada professor em sua sala de aula vincule
– através da produção escrita – conteúdos e/ou conceitos específicos da
área em que atua com a vida de seus alunos, solicitando-lhes que escrevam
sobre aspectos de suas vivências socioculturais, propondo que esses textos
sejam lidos para os colegas e discutidos em sala de aula. Cada professor
lerá esses textos com interesse, pelo que querem expressar e não apenas
para corrigir o Português ou verificar o acerto de suas respostas. Orientará
a reescrita dos textos, sempre que necessário, para que digam com mais
clareza e mais riqueza o que querem dizer.

PROPOSTA PEDAGÓGICA 5
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Ler e escrever, portanto, implicam redimensionar as práticas e os


espaços escolares. Isto leva a uma reflexão sobre a relação pessoal com o
desenvolvimento da leitura e da escrita na sala de aula e, no limite, propõe
o desencadeamento de novos modos de ser e fazer o ler e o escrever na
escola: a formação de cidadãos e cidadãs para um mundo em permanente
mudança nas suas escritas, e cada vez mais exigente quanto à qualidade da
leitura.

A provocação que está lançada é que o tema ler e escrever, como tarefa
de todas as áreas, motive um olhar e um refletir sobre a ação do professor e
da escola em seu conjunto, sobre seus compromissos. Esperamos que o
tema venha a abrir perspectivas para que, na escola, um pergunte ao outro
sobre o que pensa ser ler e escrever em sua área; que desperte o interagir
orientando para uma formação mais ampla, completa e dinâmica; que seja
viável encaminhar ações interdisciplinares possíveis e desejáveis. E ainda,
que entre colegas professores possa se estabelecer um diálogo constante a
respeito das atividades de ler e escrever, isto é, sobre a atividade de ensinar,
oportunidade de construir sentido e produzir conhecimento.

ESTES SÃO OS TEMAS QUE SERÃO APRESENTADOS NA SÉRIE:

PGM 1 – PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA

O principal papel da escola já não é mais o de mera transmissão de infor-


mações. Hoje, exige-se que ela desenvolva a capacidade de aprender o que
subentende o domínio da leitura e da escrita. Este programa pretende apon-
tar dificuldades históricas de aprendizagem da leitura e da escrita da Lín-
gua Portuguesa e salientar que a leitura e a escrita podem ser práticas
construídas com a participação das diferentes áreas e nos diferentes espa-
ços da escola. Tal construção se dá pela participação do professor, criação
de espaços coletivos para a ação comum e pela utilização de multiplicidade
de linguagens e de novos códigos.

PGM 2 – HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA


Ler e escrever são competências imprescindíveis nas aulas de História, Litera-
tura e Língua Estrangeira, seja pela interpretação e (re)-escrita de um texto do
livro didático ou fornecido pelo professor, seja por um outro documento.
O programa discute as alegadas dificuldades dos alunos para interpretar tex-
tos, imagens e mensagens, os objetos de trabalho mais freqüentes nas aulas

PROPOSTA PEDAGÓGICA 6
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dessas disciplinas. Aponta ainda as aprendizagens de leitura e escrita que


competem a todos os professores de História, Língua Estrangeira e Literatura.

PGM 3 – EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA


Estas áreas/disciplinas, que parecem ter poucos aspectos em comum a
respeito da leitura e da escrita, constroem conhecimentos com diferentes
textos e códigos, com o corpo em movimento, com símbolos, com notações
musicais, e estabelecem conexões entre si e com outras áreas do currículo
escolar. O programa enfatiza a importância de todo professor trabalhar com
a leitura e a escrita, conhecer minimamente o que é particular da lingua-
gem na sua área e, a partir daí, buscar possíveis articulações, ampliando o
repertório dos alunos.

PGM 4 – ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS


O domínio de diferentes códigos e linguagens, que permitam a interação do
sujeito com múltiplas paisagens e grupos sociais, é um diferencial na edu-
cação e na própria constituição da cidadania. Neste sentido, a educação
contemporânea destaca a essencialidade da leitura e da escrita como capa-
cidades para interpretar e compreender as diversas manifestações
socioculturais, no contexto identitário dos sujeitos. Ler e escrever não se
instituem como meros instrumentais de codificação e decodificação dos sig-
nos alfabéticos, mas são inseridos num universo mais amplo de possibilida-
des e ultrapassam a tradição escolar das Ciências, da Geografia e da Arte,
vinculada à descrição repetitiva do texto/imagem ou às atividades do fazer
gráfico/plástico. O programa privilegia a leitura da imagem, um texto
comumente presente nestas três áreas.

PGM 5 – PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES


O papel da escola em relação ao ler e ao escrever alterou-se nos últimos
tempos, exigindo do educador a compreensão do contexto do mundo con-
temporâneo, onde a palavra escrita amplia os modos de atingir a população,
e exige de todos competências para agir com autonomia e criticidade frente
a ela ou impõe-lhes uma atitude massificada e acrítica. Relacionando o ler/
escrever à condição de poder pensar, interagir a partir do lido e ser capaz
de dizer a sua palavra e o seu tempo por escrito, o presente programa
valoriza o papel autoral de professores e alunos, capaz de dar um novo
significado ao ensinar e ao aprender.

PROPOSTA PEDAGÓGICA 7
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B IBLIOGRAFIA
BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação
do leitor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parâmetros Curriculares Nacio-


nais. Brasília: 1997-1998.

FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas,


1994.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se comple-


tam. São Paulo: Cortez, 1993.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes,


1995.

ISER, Wofgang. O ato da leitura. uma teoria do efeito estético. São Paulo:
Ed. 34, 1996.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo:


Ática, 1996.

MARTINS, Maria H. O que é leitura. 10 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.

NEVES, Iara C. B. et alli.(Orgs.) Ler e escrever: compromisso de todas as


áreas. Porto Alegre: Ed da Universidade/UFRGS, 1998.

OLSON, D. R.; TORRANCE, N. Cultura escrita e Oralidade. São Paulo: Ática,


1995.

SOARES, Magda. Linguagem e escola. São Paulo: Ática, 1986.

TEBEROSKI, Ana; TOLCHINSKI, Liliana. Além da alfabetização. São Paulo:


Ática, 1996.

ZILBERMAN, Regina (Org.). Leitura em crise na escola. 7ed. Porto Alegre:


Mercado Aberto, 1982.

ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. A formação da leitura no Brasil. São


Paulo: Ática, 1996.

ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da (Org.). Leitura: perspecti-


vas interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1995.

PROPOSTA PEDAGÓGICA 8
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PGM 1 – PARA ALÉM DA AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA


LER E ESCREVER NÃO SÓ NA AULA DE PORTUGUÊS

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DA


PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS – NIUE/UFRGS*
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Se lembrarmos que os livros que os vência. Os filhos que tiveram com as ín-
inconfidentes de Minas Gerais tinham dias aprenderam a falar a língua da mãe
em casa fizeram parte das provas que le- muito antes de ter necessidade de falar
varam à sua condenação, que ler foi uma a língua dos seus pais colonizadores. Os
atividade criminosa no Brasil até o co- escravos trazidos de várias regiões da
meço do século XIX e que o povo brasi- África, falantes de várias línguas diferen-
leiro só entrou para a escola há menos tes, foram misturados propositadamen-
de cinqüenta anos, poderemos entender te nas fazendas e acabaram obrigados a
por que nos deixamos, até hoje, estig- aprender a falar Português até pra po-
matizar como criaturas incapazes de derem falar entre eles. Ou seja, durante
aprender a escrever corretamente uma os mais de quatrocentos e cinqüenta
língua tão difícil como o Português. anos em que não esteve na escola, o povo
Entenderemos a razão de nossa cren- brasileiro teve de aprender a falar Por-
ça a respeito de nossa incapacidade para tuguês falando Português com quem não
falarmos corretamente o Português, se sabia falar o Português castiço das elites
considerarmos as condições em que his- lusitanas.
toricamente aprendemos a falar Portu- Se levarmos em conta que a univer-
guês. Nossos primeiros colonizadores – sidade no Brasil é um fenômeno do sé-
marinheiros, soldados e condenados por- culo XX e que a ciência da linguagem só
tugueses analfabetos que vieram levar se implantou em nossas universidades
pau-brasil e o que mais foram capazes há menos de cinqüenta anos, podemos
de carregar – tiveram de aprender a lín- entender por que só muito recentemen-
gua dos índios para deles obterem in- te os lingüistas brasileiros passaram a
formações indispensáveis à sua sobrevi- recusar os tradicionais mitos a respeito

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de nossa relação com a língua e colocar to qualquer outro povo do mundo – uma
algumas fundamentais perguntas: que outra língua, parecida com o Português,
língua falamos, afinal? É mesmo verda- com a qual somos capazes de dar conta
de que todos no Brasil falamos a mesma de nossas necessidades expressivas. A
língua? Que relações estabelecemos en- segunda é que nós falamos uma língua
tre nossa fala e nossa escrita? Como se apenas parecida com o Português e, por
constituiu historicamente nossa relação razões de política cultural, temos de
com a língua escrita? Por que a literatu- aprender a ler e escrever em Português.
ra brasileira se constituiu também a par- Essas revelações são importantes por-
tir de um conflito lingüístico? Por que que, em primeiro lugar, podemos deixar
não nos ensinamos a aprender e a ensi- de culparmos a nós mesmos por não ter-
nar Português ao longo dos últimos qui- mos aprendido a ler e escrever direito na
nhentos anos? escola, pois a escola tentou ensinar-nos
Os estudos sobre nossa língua fala- a ler e escrever em Português como se
da, levados a efeito por vários pesquisa- fôssemos falantes de uma língua cujas
dores, entre eles um grande grupo de frases têm sujeito e predicado, em que
lingüistas de todo o Brasil reunidos no os pronomes pessoais mudam de forma
Projeto de Gramática do Português Fa- conforme a função sintática que exercem
lado, estão mostrando não só que há na frase, com desinências verbais pró-
uma grande variação lingüística (geográ- prias para as segundas e as terceiras pes-
fica e social) interna no País – ao contrá- soas, em que os futuros são simples, em
rio do que sempre disse o mito da uni- que o adjetivo concorda com o substanti-
dade lingüística brasileira –, mas tam- vo. Como a língua que falamos não tem
bém que a língua que falamos difere nada disso, agora podemos pôr a culpa
muito da língua falada em Portugal, a na escola, que não nos ensinou direito e
que deu origem ao Português escrito. Em nos culpou por não termos aprendido. Em
vista disso, hoje podemos dizer que fala- segundo lugar, porque podemos, agora,
mos uma língua e temos de aprender a começar a pensar num modo mais ade-
ler e escrever em outra língua. quado de ensinar a ler e escrever nessa
Esse novo saber que a ciência da lin- língua que não falamos, nessa língua ape-
guagem nos proporciona faz duas revela- nas parecida com a língua que falamos,
ções de transcendental importância a nessa língua estrangeira. Como já sabe-
nosso respeito: a primeira que nós, de mos que, para aprender língua estran-
fato, falamos muito mal o Português, não geira, precisamos adquirir familiaridade
porque sejamos incompetentes como com ela, sabemos também que só vamos
sempre tentaram nos fazer crer, mas por- aprender a ler e escrever em Português
que falamos – muito bem, tão bem quan- se praticarmos bastante a leitura e a es-

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crita em Português. Onde? Só tem um com esses livros? Ensinando a ler, co-
lugar: na escola. meçando por colocar os alunos na mais
adequada postura para ler: sentados em
Ensinar a ler
silêncio; administrando a escolha dos li-
Trata-se de exercitar a leitura para vros, conversando com o aluno que soli-
praticar, numa primeira instância, a citar uma orientação a respeito do as-
decodificação da escrita, adestrando o sunto do livro, incentivando-o a olhar no
olho para enxergar mais do que uma le- dicionário alguma palavra-chave para o
tra de cada vez, mais do que apenas uma entendimento do texto, ajudando o alu-
palavra, para entender os processos de no a usar o dicionário, fornecendo-lhe
construção das palavras (os radicais, os indicações bibliográficas nas quais po-
afixos, as desinências), para enxergar as deria procurar mais informações a res-
discrepâncias que caracterizam a ortogra- peito de um assunto que lhe despertou
fia, para atribuir significado a expressões, um interesse mais forte, estimulando
a metáforas, para familiarizar-se com a esse interesse, incentivando-o a falar aos
sintaxe da língua escrita (a concordância colegas a respeito do que está lendo, a
verbal e nominal, as formas e os tempos trocar impressões com os colegas a res-
verbais, o uso das preposições, as con- peito de leituras comuns.
junções e outros nexos), para entender o E por que em sala de aula e não na
significado dos sinais de pontuação, o das biblioteca? Porque a sala de aula é o lu-
letras maiúsculas e o das minúsculas, o gar onde o professor ensina, onde ele
das margens do texto, para construir um mostra, por sua presença e sua atuação,
repertório de enredos, de personagens, a importância da leitura: ele traz os li-
de raciocínios, de argumentos, de linhas vros, apresenta os livros, quer que todos
de tempo, de conceitos que caracterizam escolham o que vão ler, ele fica sabendo
as áreas de conhecimento, para, enfim, do interesse que vai formando-se para
movimentar-se com desenvoltura no cada um, faz sugestões, discute os as-
mundo da escrita. Esta leitura de forma- suntos, responde perguntas, aprofunda
ção de leitor tem por objetivo desenvolver o assunto, ele lê com seus alunos. A bi-
no aluno a familiaridade com a língua blioteca é o lugar de outra magia: lá está
escrita através da leitura de todo o tipo o tesouro inesgotável do conhecimento
de texto, numa quantidade tal que o faça construído historicamente pela humani-
gostar de ler e de perceber a importância dade. Na biblioteca, o aluno, exploran-
da leitura para sua vida pessoal e social, do o seu acervo, vai expandir seus inte-
transformando-a num hábito capaz de resses: vai descobrir que existem enci-
satisfazer esse gosto e essa necessidade. clopédias, mapas, atlas, manuais, revis-
E como os professores trabalhariam tas, livros de todo o tipo e sobre todos os

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assuntos, ou vai concentrar-se numa lei- no que, posto que é uma construção da
tura de aprofundamento de um deter- língua escrita, busca expressar uma re-
minado interesse criado na leitura em lação tal que liga um efeito à sua esquer-
sala de aula. A sala de aula é lugar da da com uma causa à sua direita, uma
criação de um vínculo com a leitura, pela expressão da mesma família do porque.
inserção do aluno na tradição do conhe- O professor vai dizer que a leitura cor-
cimento. A biblioteca é o lugar do culti- rente do poema interpreta não que “seja
vo pessoal desse vínculo; lá se processa imortal posto que é chama”, como o amor
o amadurecimento intelectual. “não é imortal, porque é como uma cha-
Ao lado dessa atividade de leitura ori- ma, que pode se apagar”. Vai dizer tam-
entada pelo gosto, pelo prazer de atri- bém que na comparação do amor com
buir sentido a um texto, cada professor fogo na gasolina, o sentido que o aluno
na aula de sua respectiva disciplina (ou construiu, com os meios expressivos a
dois ou mais professores em trabalho que tinha acesso, é uma metáfora muito
multidisciplinar) vai promover leituras de expressiva, a partir da qual ele pode pro-
aprofundamento de textos: agora todos duzir o seu próprio poema a respeito do
vão viver o encantamento da descoberta mesmo tema.
coletiva dos muitos sentidos historica- É um direito de cidadania do aluno
mente reconhecidos em um texto deci- ter acesso aos meios expressivos
sivo para o conhecimento produzido pela construídos historicamente pelos falan-
humanidade. Esta leitura de inserção do tes e escritores da Língua Portuguesa,
aluno no universo da cultura letrada tem para se tornar capaz de ler e compreen-
por objetivo desenvolver a habilidade de der todo e qualquer texto já escrito nessa
dialogar com os textos lidos pelo desen- língua. Ensinar a ler é levar o aluno a
volvimento de sua capacidade de ler em reconhecer a necessidade de aprender a
profundidade e de interpretar textos sig- ler tudo o que já foi escrito, desde o le-
nificativos para a formação de sua cida- treiro do ônibus e os nomes das ruas, dos
dania, cultura e sensibilidade. bancos, das casas comerciais, leituras
Ler é produzir sentido: o leitor atri- fundamentais para a sua sobrevivência e
bui ao texto que tem diante de si o sen- orientação numa civilização construída a
tido que lhe é acessível. Assim, o aluno partir da língua escrita; ler o jornal, que
de 5ª série, que acabou de ler o Soneto vai relacioná-lo minimamente com o mun-
da Fidelidade, chama a professora para do lá fora; ler os poemas, que vão dar
expressar sua admiração: gostou muito concretude, qualificar e expandir os limi-
da comparação do amor com fogo na ga- tes de seus sentimentos; ler narrativas,
solina: aqui, ‘sora, posto que é chama. que vão organizar sua relação com a com-
Cabe ao professor, então, ensinar ao alu- plexidade da vida social, ler as leis e os

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regulamentos que regem a sua cidada- que é muito mais útil para professores e
nia, ler os ensaios que apelam à sua alunos que todos acabem achando na-
racionalidade e a desenvolvem. tural procurar resolver as próprias dúvi-
Ensinar a ler é também dar acesso das em dicionários, enciclopédias, ma-
aos meios expressivos necessários para nuais, guias ortográficos, dicionários
que o aluno leia não apenas os seus con- especializados. Vamos combinar que feio
temporâneos, dialogando com eles den- e inútil (e muito mais trabalhoso) é es-
tro de um universo comum de questões, tigmatizar a ignorância alheia e escon-
problemas e descobertas, mas também der a própria.
os antigos, até com os fundadores da lín-
Ensinar a escrever
gua para que ele possa perceber que a
Língua Portuguesa que ele lê é produto O mesmo para a escrita: se nós, pro-
do trabalho de homens como ele que a fessores de todas as disciplinas, propor-
tornaram capaz de expressar o que pre- cionarmos a nossos alunos muitas e
cisaram que ela expressasse. muitas oportunidades para que escrevam
Desse modo, assim como, numa pri- muito para dizer coisas significativas para
meira instância, ensinar a ler é alfabeti- leitores a quem desejam informar, con-
zar, levar o aluno ao domínio do código vencer, persuadir, comover, eles vão aca-
escrito, ensinar a ler continua sendo le- bar descobrindo que escrever não é aque-
var o aluno ao domínio de códigos mais la trabalheira inútil de preencher vinte
elaborados e mais especializados. A e cinco linhas, de copiar livro didático e
quem cabe ensinar o significado corren- pedaços de enciclopédia. Eles vão aca-
te de posto quê? Em princípio, costuma- bar descobrindo que são capazes de es-
se atribuir tarefas desse tipo ao profes- crever para dizerem a sua palavra, para
sor de Português, mas qualquer profes- falar deles, de sua gente, para contar a
sor, de qualquer disciplina, é, pelo me- sua história, para falar de suas necessi-
nos também em princípio, um leitor da dades, de seus anseios, de seus proje-
Língua Portuguesa e, como tal, pode fa- tos e vão acabar descobrindo, por causa
zer uma tal ponte entre o significado disso, que são gente, que têm o que di-
construído pelo aluno e o significado cor- zer, que têm história, que têm necessi-
rente da expressão. E o princípio mais dades, desejos, que têm direito a satis-
saudável para reger essa tarefa é a sabe- fazer suas necessidades, a fazer proje-
doria relativa de cada um: vamos combi- tos, que podem aspirar a uma vida me-
nar que não é feio nem constrangedor lhor, enfim.
ignorar o significado de alguma palavra Por isso, cada professor em sua sala
ou expressão, nem mesmo para os pro- de aula, vai vincular – através da produ-
fessores de Português. Vamos combinar ção escrita – conteúdos específicos das

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disciplinas com a vida de seus alunos, ço de mobilização dos recursos expres-
solicitando-lhes que escrevam sobre as- sivos historicamente construídos na lín-
pectos de suas vidas e vai propor que gua para pôr uma certa ordem na vida e
esses textos sejam lidos para os colegas no mundo.
e discutidos em sala de aula. E cada pro- A seguir, é importante que o profes-
fessor vai ler esses textos com interesse sor constitua, na sala de aula, o público
pelo que dizem e não apenas para corri- para os textos de seus alunos e os po-
gir o Português ou verificar o acerto de nha sistematicamente em discussão. É
suas respostas. Vai orientar a reescrita preciso reverter a tradicional crença de
desses textos para que digam com mais que somos todos incapazes de escrever,
clareza e mais precisão o que querem substituindo-a pela convicção natural de
dizer. E vai mandar ler um poema, uma que somos todos capazes de escrever
notícia, um conto, uma reportagem, um para descobrirmos o que somos capazes
artigo, um livro que diga coisas interes- de dizer a respeito do assunto de que
santes a respeito de um tema suscitado estamos tratando. Essa capacidade bro-
nas discussões desses textos. E vai ta do trabalho de escrever (e não de uma
aprofundar essa leitura com os alunos e inspiração iluminada) e do diálogo do
pedir que voltem ao assunto para incor- texto resultante desse trabalho com os
porar os dados novos trazidos por essa seus leitores, e esse diálogo só faz senti-
leitura, dando continuidade à discussão. do se for para subsidiar uma ou mais
Para ensinar a escrever é preciso, reescritas do texto com a finalidade de
para começar, que o professor queira construir a respeito do assunto a clare-
saber o que o aluno tem a dizer sobre o za possível neste momento histórico pelo
assunto a respeito do qual pediu que ele qual passa o autor do texto.
escrevesse e acredite que ele realmente Finalmente, é necessário que o pro-
tem alguma coisa a dizer. Para acreditar fessor seja professor e examine esses
que o aluno tem algo a dizer é preciso textos para orientar minuciosamente as
que o professor perceba-se como alguém reescritas que vão qualificá-los. Orien-
que tem algo a dizer, isto é, o texto es- tar a reescrita não é apenas adequar o
crito pelo professor é pré-requisito para conteúdo às verdades estabelecidas da
que o aluno escreva o seu texto. O pro- ciência nem a forma do texto ao modo
fessor só pode provar a seus alunos que consagrado de escrever nessa área de
escrever faz sentido se conseguir mos- conhecimento; é principalmente levar o
trar-lhes que, tal como ler, escrever é autor do texto a repensar a pertinência
produzir sentido, que o autor do texto é dos dados com que está lidando, a coe-
o primeiro leitor a ser atingido pelos efei- rência da tese que apresenta, a adequa-
tos de sentido provocados por seu esfor- ção entre dados e tese, a perceber lacu-

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nas nas informações de que dispõe e a A escola insere o aluno no contexto
perguntar-se para que vai servir o que de diálogo da cultura, um diálogo que
está escrevendo. se dá por escrito; por isso, ensinar o alu-
Assim como salientamos a respeito da no a escrever para que ele possa partici-
leitura, também no que se refere à escrita par nesse diálogo é tarefa de toda a es-
podemos falar a respeito de duas escritas. cola. E para que ele possa participar des-
Há uma escrita privada, como, por exem- se diálogo na condição de produtor de
plo, a carta, que se dirige a um único des- conhecimento, nenhuma das disciplinas
tinatário e só a ele interessa, e o diário, da escola pode adotar o resumo, a pará-
que se dirige ao próprio autor, em diálogo frase, o esquema, a anotação como seu
interior objetivado consigo mesmo. É bom texto preferencial: nenhuma disciplina
que a escola apresente os alunos a essas pode privilegiar formas textuais em de-
práticas históricas de escrita e que os in- trimento da escrita para exercitar o en-
centive a praticá-las, não só porque nin- tendimento e produzir sentido.
guém mais o fará, mas também porque Se aceitarmos que o texto que mais
são excelentes exercícios para desenvol- adequadamente expressa a cultura con-
ver a habilidade de escrever, pois envol- temporânea, científica e tecnológica é a
vem uma prática de escrita muito próxi- dissertação, o gênero mais amplo sob o
ma das práticas da língua falada. qual se abrigam os artigos, os ensaios,
Há uma escrita pública, que se diri- as teses que expressam e divulgam os
ge ao leitor, isto é, tanto àqueles que o avanços do conhecimento (não por aca-
autor tinha em mente ao escrever quan- so o texto que as autoridades educacio-
to a qualquer um que resolver botar um nais já definiram como o texto obrigató-
olho curioso no texto. O texto público é rio da bagagem do candidato a estudan-
o texto da escola: não se trata de apenas te universitário), esse é o mais forte mo-
incentivar o aluno a escrevê-lo, mas de tivo para que todas as disciplinas envol-
tomar isto como a mais legítima tarefa vam-se no processo de criar condições
escolar. Dentro da escrita pública, é pre- para que os estudantes se habilitem a
ciso também distinguir dois tipos de tex- praticar a produção de textos dissertati-
to: os que servem à leitura, expressando vos que não se limitem, tal como vêm
a compreensão do texto lido, como o es- mostrando as redações de vestibular, a
quema, o resumo, a paráfrase, a rese- meramente reproduzir lugares-comuns.
nha e o texto que expressa a produção E para criar no aluno uma atitude
de conhecimento, basicamente a narra- dialógica com relação ao próprio texto,
ção e a dissertação. É preciso trabalhar o professor de qualquer área/discipli-
com esses dois tipos de texto sem con- na pode começar por refletir sobre a qua-
fundir as suas finalidades. lidade dialógica do próprio texto; isto

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quer dizer que ensinar a escrever para Ensinar a escrever é uma tarefa de
produzir conhecimento envolve apren- uma escola disposta a olhar para frente
der a escrever para produzir conheci- e não para a repetição do passado que
mento. A licenciatura que cursou não nos trouxe à escola que temos hoje: tra-
ensinou o professor a fazer isso? Todo balhar com o texto implica trabalhar com
mundo sabe que o conhecimento avan- a incerteza e com o erro e não com a
ça justamente porque somos capazes de resposta certa, porque escrever é produ-
aprender muito mais do que nos ensi- zir e não reproduzir velhas certezas, pois
naram e que ninguém é educado para certezas nos deixam no mesmo lugar: é
viver a época em que vive. A tarefa do o erro que nos leva na direção do novo.
professor nesta época em que as infor-
mações estão de muitas maneiras ao Referência bibliográfica
alcance do todos já não é exatamente a
NEVES, Iara C. B. et alli.(Orgs.) Ler e es-
de fornecer essas informações: é ensi-
crever: compromisso de todas as
nar o aluno a organizá-las de modo que áreas. Porto Alegre: Ed da Universi-
façam sentido. dade/UFRGS, 1998.

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PGM 2 - HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA


LER E ESCREVER EM HISTÓRIA, LÍNGUA ESTRANGEIRA E LITERATURA

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DA


PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS

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Ler e escrever são competências im- queixar com freqüência ao professor de


prescindíveis nas aulas de História, Li- Português, dizendo que seus alunos não
teratura e Língua Estrangeira. Muitas sabem ler e escrever corretamente. Há
vezes, os professores dizem isso de ou- aprendizagens de leitura e escrita que com-
tro modo: dizem que interpretar é a ha- petem a todos os professores.
bilidade básica dessas áreas/disciplinas, Como dizia Paulo Freire (2001), a lei-
seja a interpretação de um texto do livro tura da palavra se abre como possibili-
didático ou fornecido pelo professor, seja dade de leitura do mundo, espécie de
de um documento de época, como uma “palavramundo”. Como vivemos numa
carta ou uma lei, seja a interpretação de civilização logocêntrica, isto é, que se vale
uma narrativa de ficção, seja um texto da razão para explicar os acontecimen-
que informa sobre aspectos da cultura tos, então a leitura é também condição
da língua estrangeira estudada. para compreender o modo de funciona-
Quando eles constatam que os alunos mento do domínio da palavra escrita,
têm dificuldades para interpretar, o que acesso que implica a possibilidade de
querem dizer? Sob a idéia de interpreta- exercício da cidadania, de humanidade
ção, os professores indicam que os alunos plena, de democracia.
precisam “saber ler e escrever muito bem”, Lembremos com Foucambert (1994)
pois textos, imagens e mensagens são o que a leitura/escrita é instrumento que
objeto de trabalho mais freqüente nas au- torna possível operações intelectuais
las dessas áreas/disciplinas. Muito pouco particulares, ou seja, um modo de pen-
a escola avançará na resolução das dificul- samento voltado para a teoria e para a
dades de interpretação dos estudantes se abstração e não apenas preso ao con-
seus professores apenas insistirem em se creto e ao imediato.

BOLETIM 17
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Ler e escrever em História do professor de História, que aprendia
Os professores de História têm uma essa verdade do passado nos livros e re-
tarefa decisiva na aprendizagem da lei- latava em aula o que realmente tinha
tura e da escrita: ler e escrever o mun- acontecido; b) os alunos tinham de ler
do, no mundo, no tempo em que vive- nos manuais de História a narrativa dos
mos, no tempo que já passou. Além dis- historiadores. A leitura do texto históri-
so, o que torna esta tarefa mais comple- co, assim como a escrita que reprodu-
xa, o professor deve ensinar com vistas à zisse fielmente tal texto, era o que valia.
construção de um tipo particular de co- De outra parte e por conseqüência, o
nhecimento: o conhecimento social. exercício escolar se assentava nas técni-
A História é uma determinada leitura cas de memorização: de fatos, de datas,
da ação humana no tempo, a partir do uso de personagens, de seqüências cronoló-
de instrumentos, procedimentos, informa- gicas. E a melhor atividade? Era o ques-
ções, fontes que orientam e validam a pro- tionário, que é uma espécie de exercício
dução do conhecimento histórico. Cartas, de leitura e escrita, mesmo que se cons-
documentos oficiais, jornais, mapas, diá- titua em uma escrita-cópia idêntica ao
rios, leis, processos judiciais, livros são manual escolar.
registros do social, que se constituem no Mas as técnicas de memorização na
tempo e possuem uma história. escola se aprimoraram e foram substi-
O modo como a História ensinou a tuídas por proposições do método intui-
ler/escrever é, por si só, um documento tivo. Para aprender, não bastava memo-
importante da História. Já houve tempo rizar, apenas pela declamação literal do
em que se aprendia História pela trans- lido, mas era também necessário esta-
missão oral, pelo diálogo entre as gera- belecer um certo número de associações:
ções, em que a narrativa era muito valo- de um texto com um mapa, do conteúdo
rizada, ou ainda a História era ensinada com uma gravura/paisagem, de um per-
através das comemorações cívicas e do sonagem com sua figura emblemática,
culto aos personagens heróicos. Na es- como é o caso da figura de Tiradentes.
cola, a História era vista como a recons- As imagens passaram a ser recursos para
tituição da verdade do que aconteceu no motivar e ilustrar os conteúdos ou para
passado, e deveria ser aprendida identi- concretizar as noções abstratas, facilitan-
camente por todos os estudantes. A ver- do as aprendizagens.
dade do passado era encontrada nos es- Atualmente, já podemos optar por
critos dos historiadores que estavam nos um outro paradigma de conhecimento
manuais de História. Os alunos podiam histórico-social, pois sabemos que pro-
ter acesso às narrativas dos historiado- duzir conhecimento histórico é produ-
res de duas formas: a) pela exposição oral zir, a partir de problematizações do pre-

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sente e das pistas que nos restam do aprender sobre nossas diferenças, o que
passado, leituras e escritas possíveis des- é também nos conhecermos melhor.
se passado. Em vista disso, há espaço Podemos, assim, exercitar a leitura
para que os alunos produzam narrativas e a escrita interrogando e registrando, a
a partir da leitura de pistas/documen- partir de diferentes documentos: Onde
tos, registrando por escrito argumentos surge o documento? Quem é seu autor?
que fundamentem suas interpretações Em que condições foi produzido? Para
do passado, isto é, produzam um discur- quem? Enfim, qual a visão de mundo que
so histórico. registra e quer transmitir ao leitor? Qual
Para desempenharmos com sucesso a linguagem que utiliza? Por que algu-
nossa tarefa docente, é preciso oportuni- mas expressões não são mais usadas,
zar a leitura de documentação variada e mas foram tão significativas num outro
da iconografia, pois elas permitem a cons- tempo?
trução do conhecimento social e propici- Tanto a leitura quanto a crítica, ou
am a possibilidade de estabelecer rela- ainda a decifração de documentos e ima-
ções entre textos de diferentes lingua- gens em História, supõem a aquisição
gens: um documento escrito com uma de um vocabulário histórico específico
imagem, por exemplo, uma pintura so- que o professor utiliza para ensinar con-
bre a Inquisição e um fragmento de um ceitos, que são as ferramentas de que
processo inquisitorial da Santa Sé; uma dispomos para compreender.
imagem com um texto sonoro ou uma foto Quanto à leitura, é preciso destacar
de indígenas no início do século em ritu- que, nas aulas de História, além dos
al religioso e a audição de um mantra de momentos para leitura individual e si-
ritual de xamanismo indígena. lenciosa de textos ou documentos, é im-
Para isso, é preciso aprender a ler, a portante praticar a leitura em voz alta,
compreender e a escrever de diferentes especialmente simulando/encenando
tipos de textos e linguagens, buscando cenas históricas. Além disso, muito se
reconhecer suas características no tem- pode aprender a partir da leitura das
po em que foram produzidas, tornando- ilustrações de livros de diferentes épo-
as o centro das aulas de História. Pela cas, o que transforma o livro em docu-
compreensão, se estabelece o diálogo mento de época.
com o outro que está distante no tempo É possível ler, nos livros didáticos
e que não será entendido se nos servir- antigos, retratos e textos, investigar os
mos apenas das lentes do presente. Ler laços entre cultura e poder, entre ima-
seus vestígios, inserir sua linguagem, gem e poder, registrando as investiga-
usos e costumes em seu próprio tempo ções em novos textos escritos com as lei-
é deixar que ele se nos apresente, é turas possíveis.

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Aprender a escrita de um texto his- tes e professores, a escrita da História,
tórico implica, retomando o que foi dito, em seu mais pleno sentido de autoria e
explicitar e utilizar conceitos específicos, protagonismo.
exercitar um estilo narrativo, comparar
Ler e escrever em Língua Estrangeira
diferentes tempos (hoje/ontem), argu-
mentar, analisar e posicionar-se, descre- Algumas questões sobre a leitura e
ver cenários histórico-sociais, elaborar a escrita em Língua Estrangeira na cul-
textos biográficos, organizar linhas de tura da escola, especialmente quando
tempo comentadas. buscamos contemplar as diferentes ne-
Lembremos sempre que a história e cessidades/expectativas dos alunos, são
sua aprendizagem oportunizam uma ainda bastante recorrentes entre os edu-
cultura de participação, pois interagimos cadores de línguas, ou seja: Que tipo de
com a História como sujeitos de um tem- pessoa queremos formar? Somente lei-
po, de uma sociedade, de uma política. tores e escritores ou leitores-autores e es-
Em conseqüência, no ensino de Histó- critores-autores em uma segunda língua?
ria, os conteúdos abordados são insepa- Ou ainda, parafraseando Moita Lopes
ráveis do modo de ensinar. O professor (1995), buscamos transformar o aluno
de História ensina também uma atitude em sujeito de um discurso em Língua
perante o mundo, o que supõe que pode Estrangeira, engajado no mundo social
também ensinar o rigor crítico, o gosto em sua volta? Por fim, o papel da Língua
pela leitura, a emoção da narrativa e a Estrangeira é viabilizar que o aluno faça
descoberta respeitosa do outro do pas- um melhor sentido do seu dia-a-dia na
sado, como modo de nos conhecermos e sua cultura de origem – como uma efi-
respeitarmos nossas diferenças e seme- caz ferramenta/instrumento sociocultu-
lhanças. ral – ou é também, propiciar que desen-
O fascínio pela leitura de biografias volva uma percepção positiva da cultura
pode suscitar o desejo da escrita autobio- do outro? Estas questões dizem respeito
gráfica, a leitura crítica de discursos po- ao compromisso social da escola, que é
líticos pode motivar a escrita de ensinar a ler e a escrever enquanto pro-
contrapontos e réplicas, sugerindo as cessos de construção de significados, de
outras possibilidades de um processo despertar vozes através de uma segun-
histórico que transcorreu; a leitura de da língua, da cultura do outro.
uma narrativa pode inspirar o registro O diálogo entre o eu e o outro come-
escrito de uma vivência significativa, para ça a se estabelecer a partir da experiên-
que ela não se perca no tempo. Desse cia intercultural, quando os educadores
modo, saímos da condição de especta- de línguas possibilitam que seus alunos
dores estáticos e assumimos, estudan- transitem entre duas ou mais culturas

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distintas, buscando melhor entender estratégias como: inferência, autopredi-
suas próprias raízes culturais. Ao mes- ção, autoquestionamento, nas quais cada
mo tempo, reforçam sua auto-imagem e leitor irá imprimir um significado ao tex-
superam a “invisibilidade” ao serem es- to, baseado nas suas expectativas e
timulados na sua habilidade de vivências e no seu conhecimento prévio
alternância de códigos culturais (cultu- sobre o assunto. O que se busca é um
ral code switch) sem que venham a per- leitor intercultural, crítico e imaginati-
der ou afetar sua própria identidade, os vo. Para Grigoletto (1992, p.42) uma lei-
seus próprios referenciais culturais tura mais eficiente em Língua Estran-
(Irvine, 1998). Conhecer outra cultura geira deve incluir discussões sobre pos-
contribui para um melhor entendimen- síveis sentidos do que se lê mais as ten-
to da própria cultura. À medida que ob- tativas de persuasão do autor. O diálogo
servamos o papel que uma cultura es- do leitor com o autor, prossegue a auto-
trangeira desempenha na formação de ra, se estabelece a partir de elementos
ações, crenças e opiniões, melhor enten- que introduzem a opinião do autor, as
demos como nossa própria cultura in- ... razões que levaram o autor a dizer o
fluencia nossas atitudes e valores. Apre- que disse do modo como disse. Para
ciar a diversidade cultural nos auxilia a Orlandi (Orlandi, 1988, citada por
superar crenças, pré-julgamentos e es- Grigoletto, 1992), o autor, inserido num
tereótipos que, com freqüência, influen- contexto sociocultural específico, num
ciam nossa percepção como membros de momento histórico determinado, tem
outras culturas. Relacionamentos pes- como objetivo comunicar algo a um lei-
soais, interação verbal, comunicação não- tor. Daí a inclusão de perguntas do tipo:
verbal, valores da família, valores do tra- “Quem está falando? Por quê? Que tipo
balho, etiqueta social, percepção do tem- de canal está utilizando? Em que mo-
po, atividades de lazer e pontos de vista mento histórico? A partir de qual ideo-
de ética e estética, todos oferecem opor- logia?” É a incorporação da visão
tunidades desafiadoras de descoberta discursiva da leitura, onde cada leitura
A leitura em uma segunda língua/ é única e o sentido é criado a cada leitu-
língua estrangeira não deve ser entendi- ra. É a voz da autoria dos alunos, leito-
da como uma atividade passiva de res-autores em Língua Estrangeira, que
decodificação de vocabulário ou de idéias se expressa na construção de sentidos a
específicas (o mito do “só entendo o tex- partir de um determinado momento po-
to se posso traduzi-lo palavra por pala- lítico, histórico e social.
vra e se me torno bilíngüe na cultura- Sylwester (1995, p.105) afirma que
alvo”), mas como um processo dinâmico ... ser humano é ser contador de histó-
de desenvolvimento e implementação de rias... e que, do ponto de vista neuronal,

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faz parte da natureza biológica e ambien- desse novo idioma. Por outro lado, a ques-
tal do cérebro humano o contar histórias. tão comunicativa em textos escritos, por
Perguntar a uma criança qual é a idéia exemplo, remete a atitudes de intencio-
central do texto/história (o que se de- nalidade que devem ser trabalhadas com
nomina de gist da história) é uma for- o aluno, como é o caso da persuasão.
ma de começamos a incorporar o esque- Citelli (1988) sugere que, em estágios
ma narrativo (narrative [story] schema) às mais elementares, seja trabalhada a pro-
nossas estruturas cognitivas desde os dução de textos em que a persuasão é
nossos primeiros contatos com as estóri- bastante óbvia, como é o caso da propa-
as da nossa infância (Dias,1996). Por ganda ou da opinião sobre algo. Em um
conseguinte, saber ler (em uma concep- estágio intermediário, seria interessante
ção ampla de leitura, que vai desde o insistir na produção de textos neutros,
não-verbal até a palavra escrita em uma ou descritivos (textos para jornais, textos
segunda língua) e saber escrever são fer- de instruções), para, se possível, chegar-
ramentas socioculturais fundamentais se a um estágio avançado no qual predo-
que possibilitam ao aluno ser um conta- mine uma aparente ausência do sujeito
dor de estórias, principalmente quando produtor do discurso.
transita entre duas culturas. Por isso, é O desafio está em propor um con-
importante incorporar o componente texto real para que os alunos escrevam
emocional ao processo de compreensão sobre a sua rotina diária, ao invés da es-
de leitura, bem como o componente de crita como reforço de estruturas grama-
leitura crítica, a fim de que nossos alu- ticais. Despertar a motivação, o gosto pela
nos se tornem agentes do processo de auto-expressão escrita, na comunicação
ler e de construir sentidos e sejam esti- ou no diálogo que se estabelece com o
mulados a desenvolverem um projeto outro – o leitor do texto escrito – signifi-
próprio de leitura. ca conscientizar o aluno de que uma boa
Da mesma forma que a leitura, a es- escrita sempre necessitará de prepara-
crita em Língua Estrangeira deve ser en- ção/planejamento e feedback (esse úl-
tendida de forma processual, possibilitan- timo será do professor ou de outro alu-
do ao aluno a expressão de sua individu- no como leitor crítico). Por parte dos pro-
alidade, o desenvolvimento do seu estilo, fessores leitores de textos, o desafio é
através de diferentes tipos de discursos superar a tentação de marcar erros an-
escritos. A questão afetiva se traduz pela tes de terem lido o trabalho para enten-
necessidade que o aluno tem de se fazer der a mensagem nele contida.
entender claramente pelo leitor, numa A construção da voz na leitura e na
língua-alvo que não é a sua, vinculada ao escrita em Língua Estrangeira está rela-
desejo de sair-se bem na aprendizagem cionada aos aspectos processuais, discur-

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sivos e holísticos que estas duas habili- a qualidade da vida na escola e em seu
dades abarcam. Através do ler e do es- entorno.
crever, espera-se que o aluno contem- Nesse contexto, é importante abrir
ple suas necessidades cognitivas, comu- perspectivas para que o ler e o escrever
nicativas e afetivas como ser sócio-histó- favoreçam a promoção do saber, preser-
rico e intercultural. Múltiplas vozes e vem a identidade sócio-histórica dos
múltiplas leituras farão parte de seu educandos e de sua comunidade e pro-
trânsito em diferentes culturas. É neces- movam a inter-relação entre todos os
sário, porém, que se invista na visão de sujeitos envolvidos no processo
que aprender uma outra língua é privi- educativo. A Literatura, por não se cons-
legiar os verdadeiros momentos de de- tituir em uma disciplina na maior parte
senvolvimento de estratégias, de cons- das escolas de Ensino Básico, guarda em
trução e desconstrução de sentidos no si a possibilidade de atravessar todas as
diálogo entre leitor nativo e escritor es- demais áreas como documento que ex-
trangeiro. pressa, social e culturalmente, a organi-
zação do ser humano e de suas experi-
Ler e escrever em Literatura
ências.
As escolas brasileiras têm buscado O objeto de estudo da Literatura é
renovar suas práticas, incorporando ao um universo rico de significados – as
seu fazer conteúdos e estratégias de obras literárias de todas as épocas e na-
aprendizagem que capacitem os estu- cionalidades, patrimônio cultural da
dantes à vida em sociedade, à valoriza- humanidade. Por isso, ao ler Literatura
ção da experiência subjetiva e à ativida- e escrever a partir dela, o estudante a-
de produtiva. Atuam para viabilizar a re- prende a ler e escrever a existência hu-
alização de quatro premissas básicas, mana, atribuindo-lhe sentido, indepen-
apontadas pela UNESCO como eixos es- dentemente de seu conteúdo e forma in-
truturais da educação na sociedade con- dividual. Ela manifesta, através de cada
temporânea: aprender a ser, aprender a escritor, em cada obra ou em cada ato
fazer, aprender a conhecer e aprender a de leitura, múltiplas significações e di-
aprender. versas ordens de significados mas, aci-
Estes eixos requerem também dos ma de tudo, possui uma supersignifica-
professores uma mudança de paradig- ção. Tal fenômeno possibilita que seja
mas pois, como adultos de referência vista como algo que acontece, que é fato,
para os estudantes, precisam antes se não é estático, está em permanente pro-
comprometer com tais premissas, assu- cesso.
mindo o fazer docente como uma tarefa A comunicação artística supõe três
política e coerente, de compromisso com elementos fundamentais: autor, obra e

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público, indissoluvelmente ligados em de linguagem que vincula texto e contex-
seus papéis sociais, como nos ensina to. Por isso ela é forma viva de
Antonio Candido (1976). A atividade do contextualização de conhecimentos, e
artista estimula a diferenciação de gru- pode ser, caso esteja fora do universo de
pos; a criação de obras modifica os re- experiência do leitor, uma forma de afas-
cursos de comunicação expressiva; as tamento radical do que precisa ser com-
obras delimitam e organizam o público. preendido, pois ele não partilhará do sen-
Há um jogo permanente de relação en- tido do texto. Diferentemente de um tex-
tre os três: o público dá sentido e reali- to informativo ou científico, a opacidade
dade à obra, é o espelho onde o autor da linguagem e sua multissignificação, ca-
verifica a sua imagem refletida, atuando racterísticas da leitura literária, propõem
então como um elo entre autor e obra. uma relação dinâmica com o leitor, cons-
Se considerarmos a formação de um tituem seus interlocutores a cada texto,
público leitor de Literatura, a escola sur- podendo haver ou não negociação dos
ge, entre outras instituições, como ele- sentidos, o que possibilita que se amplie
mento vital para a sua qualificação: é de o espaço de abordagem/aprendizagem da
sua competência ensinar a ler Literatu- Literatura para as demais disciplinas,
ra, atribuindo ao texto significados rela- além das aulas de Português.
cionados à sua capacidade de proble- Em decorrência, a leitura literária é
matizar, contextualizar, refletir enfim também uma forma eficiente de vincular
sobre as questões tematizadas pela obra. o ensino e a realidade, e a escola que a
Nesse contexto, é possível deduzir que valoriza forma alunos aptos a pensar, en-
a mediação do professor é fundamental, tender o mundo ao seu redor, aplicando
pois dele poderá depender a interação do conhecimentos adquiridos na escola.
estudante com a obra, condição de de- Entre outros aspectos, a leitura lite-
senvolvimento da comunicação. rária colabora para o desenvolvimento de
Ler e produzir textos a partir da Li- uma cultura do pensar, prepara os alu-
teratura é, de acordo com Eglê Franchi nos para a resolução de problemas, para
(1987) um trabalho de construção de sig- a tomada de decisões e os predispõe a
nificado e atribuição de sentidos, medi- manterem-se motivados para um apren-
ante a utilização de elementos lingüísti- dizado contínuo.
cos, mas também de reconhecimento de Uma obra literária pode apresentar
atividades culturais que englobam, en- recuos no tempo, uma cronologia psico-
tre outros pontos, a perspectiva de onde lógica, ser construída num terreno me-
se enuncia e a intencionalidade das for- tafórico, o que poderá levar a incompre-
mas escolhidas. ensões e demandará a presença de me-
A Literatura veicula uma concepção diador. Em muitos contextos, a Arte, a

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História e as demais áreas disciplinares geira. In PAIVA, Vera Lúcia Menezes
são aliadas para dar condições ao aluno de Oliveira (Org). Ensino da língua
inglesa: reflexões e experiências.
de se tornar um intérprete da obra lida,
Campinas: Pontes, 1996. p 199-210.
de atualizar o contexto e apresentar as
relações de intertexto, possibilitando FOUCAMBERT, Jean. A leitura em ques-
tão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
uma leitura compreensiva e de atribui-
ção de sentidos. FRANCHI, Eglê. A redação na escola. São
Ler é um dos processos mais ricos Paulo: Martins Fontes, 1987.
que temos para desenvolver a percepção FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia.
da vida e o reconhecimento do outro. São Paulo: Paz e Terra, 2001. 19ª ed.
Através da leitura literária, adquirimos
GRIGOLETTO, Marisa. Ensino de leitura
conhecimento e saberes objetivos mas,
em língua estrangeira: o que mais
principalmente, ocupamos nossa capa- pode ser feito? In: Contexturas: En-
cidade de pensar e sentir. Por esse mo- sino Crítico de Língua Inglesa. São
tivo, a leitura literária tem a potenciali- Paulo: Associação dos Professores de
dade de, sozinha ou agregada às demais Língua Inglesa do Estado de São Pau-
lo, n. 1, p.41-46, 1992.
áreas de conhecimento, mobilizar o es-
tudante a ampliar o seu horizonte de ex- IRVINE, Jaqueline Jordan. The cultural
pectativas, conforme Iser (1996) prepa- context of teaching and learning:
implications for teacher educators.
rando-o para ser um sujeito autônomo,
Porto Alegre: Seminário A questão
fazer de seu entorno social um espaço
(inter) cultural no ensino e na apren-
de convivência respeitosa e solidária, co- dizagem: desafios para professores de
nhecer sua história, suas origens e sua línguas (materna e estrangeiras).
cultura e aprender a valorizar as mani- NAP-RS/UFRGS. 1988. Dupl.
festações simbólicas do ser humano, seu ISER, Wolfgang. O ato da leitura: uma
mundo imaginário e as formas de teoria do efeito estético. São Paulo:
interlocução que ele pratica. Ed.34, 1996.

MOITA LOPES, L.P. Comunicação pessoal.


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dade: estudos de teoria e história li- NEVES, Iara C. B. et alli.(Orgs.) Ler e es-
terária. São Paulo: Nacional, 1976. crever: compromisso de todas as áre-
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CITELLI, A. Linguagem e persuasão. São de/UFRGS, 1998.
Paulo: Ática,1988.
SYLWESTER, Robert. A celebration of
DIAS, Reinildes. A incorporação de estra- neurons: an educator´s guide to the
tégias ao ensino e aprendizagem de human brain. Alexandria: VA: ASCD,
leitura em inglês como língua estran- 1995.

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PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA


LER E ESCREVER EM EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DA


PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS
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Para um olhar desavisado, estas áre- pedagógicos muito afastados, reconhe-


as disciplinares não parecem ter muito cendo meramente que uma área traba-
em comum para discutir a respeito da lei- lha com o corpo, outra com a mente e a
tura e da escrita, a não ser no interior de terceira com as notas que elevam o espí-
sua própria área de conhecimento, fican- rito. É uma forma muito simplista e
do cada uma delas envolvida especifica- generalizadora de conceber o trabalho
mente com seu universo conceitual. En- que nelas se realiza. Talvez esta errônea
tretanto, uma análise mais atenta evi- compreensão, freqüente mesmo entre
dencia as relações que elas constroem colegas, decorra do escasso diálogo en-
com diferentes textos, diferentes códigos, tre as áreas do currículo, o que ainda é
na medida em que a leitura e a escrita tão comum na prática escolar, em que
apresentam-se sob múltiplas formas. A pesem os esforços de transformação que
observação de atividades pedagógicas de- partem de diferentes lugares: dos cen-
senvolvidas nestas áreas indica, ainda, as tros de pesquisa, dos órgãos de governo
conexões que podem estabelecer entre si ou, especialmente, do desejo das pró-
e com outras áreas do currículo escolar prias comunidades escolares em rever e
através da produção de conhecimento. transformar seu trabalho.
Isto é possível quando o professor é ca- É uma forma de pensar que também
paz de mediar situações novas de apren- está atrelada a uma concepção de currí-
dizagem, isto é, situações que fujam das culo marcada pela indesejada hierarquia
práticas tradicionais e compartimentadas entre as áreas, pela idéia de “matérias”
de ação na escola. mais importantes, capazes de orientar
Quem está fora da escola vê, em ge- ou mesmo liderar a trajetória de ensino
ral, estas três áreas como tendo fazeres ao qual o aluno se submete. Não se vê,

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assim, o processo de construção do co- tos. Relegam, assim, a possibilidade de,
nhecimento como decorrente do conjun- através da exploração de seus próprios
to das ações e oportunidades de apren- materiais – de suas linguagens particu-
der promovidas na escola, no qual todos lares -, ampliar e aprofundar os conteú-
se envolvem e participam. dos selecionados e sistematizados na
Este entendimento que reparte o escola, bem como aqueles que, autono-
aluno em corpo (Educação Física), men- mamente, o aluno irá construindo fora
te (Matemática) e espírito (Arte/Música), da escola.
entregando cada pedaço a um professor Compreender que a leitura e a escri-
para que, num passe de mágica, ao tér- ta são tarefas comuns a todas as áreas,
mino de um período letivo, ele se recom- portanto tarefa a ser realizada nas aulas
ponha e se apresente como um todo do- de Educação Física, Matemática e Músi-
tado dos conhecimentos estabelecidos ca, é o passo inicial para que o pleno
segundo objetivos de um utópico plano domínio da leitura e da escrita, como
pedagógico, tem a ver ainda com a for- meios para o desenvolvimento da capa-
ma como o professor compreende seu cidade de aprender se concretize, con-
papel na escola e como articula sua pro- forme objetivo explícito no artigo 32 da
posta de trabalho ao projeto da escola. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Quando tantos que estão fora da es- Nacional. No entanto, não basta esta
cola percebem estas três áreas como pou- compreensão. É importante e necessá-
co comprometidas com a leitura e com a rio que o professor, para trabalhar com
escrita – e de resto, também o trabalho a leitura e a escrita, conheça minima-
das demais – razão deve existir para que mente as suas leituras e as suas escri-
isto ocorra. Muito provavelmente nestas tas, isto é, o que é particular como lin-
salas de aula encontraremos professores guagem na sua área, e, sobretudo, que
que vêem seus alunos como aprendizes se assuma como alguém que lê e que
de ginastas, de matemáticos ou de can- escreve em Educação Física, em Mate-
tores, preocupados em performances es- mática e em Música.
peciais e desconsiderando suas particu- Com estas preocupações, tentamos
laridades e expectativas. Via de regra, são apontar sucintamente algumas especifici-
também professores que pouco promo- dades da leitura e da escrita destas áreas,
vem a leitura e a escrita em suas áreas, de forma que cada leitor dê significado
que as vêem como compromisso do pro- ao texto a partir de suas experiências
fessor de Português e que, trabalhando como professor.
com seus próprios códigos de leitura e
Ler e escrever em Educação Física
de escrita, com seus textos específicos,
não os estão compreendendo como tex- Cada um de nós aprende primeira-

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mente a se movimentar, a situar-se no do os professores percebem as relações
ambiente e a explorá-lo. Esta explora- possíveis e necessárias com a leitura e a
ção se inscreve num processo de leitura escrita conseguem avançar na reorga-
do mundo, isto é, de reconhecimento e nização da área e da escola.
identificação com o entorno imediato. Na Educação Física, é comum que o
Em seguida, tomamos consciência de um professor oriente seu trabalho conside-
corpo que existe – o nosso –, que se ex- rando o aluno como máquina, capaz de
pressa (escreve) pelos gestos e pela rendimentos cada vez mais altos. O alu-
oralidade, que tem limites e potencia- no responde e até produz alguns resul-
lidades. tados esperados, mas ele é muito mais
Cabe assinalar que a fala (bem como do que isto. Se o professor de Educação
a escrita) não é fruto de um mero acúmu- Física trabalhar apenas com o compo-
lo de informações que, como produtos nente de saúde do corpo e desconsiderar
armazenados, retornem ao meio através os aspectos cognitivos e subjetivos na
de sons reconhecíveis. O que nos dife- construção do movimento – a principal
rencia de grande parte dos restantes dos linguagem em nossa área –, estará
seres vivos é a capacidade de processa- desconsiderando a capacidade de
mento transformacional das informa- aprender de seus alunos e construir abs-
ções (Pinker:1997). trações. E, afinal, se a leitura e a escrita
Quando se aprende a falar, não se também fazem parte de um processo de
aprende a linguagem através da comunicação que acontece entre sujei-
memorização de frases padronizadas, tos que interagem mediante a inter-re-
mas pela compreensão das regras para lação de seus corpos, a Educação Física
a criação de uma declaração com signifi- tem muito a ver com tudo isto. Nenhu-
cado. Toda vez que se fala, literalmente ma mensagem de um indivíduo chega a
cria-se significados. Ao poder comunicar outro senão através da concretização me-
e partilhar suas experiências com outro, diada pelo seu corpo (Humphrey:1995).
podemos tomar um distanciamento des- Tome-se, por exemplo, o fato de que,
ta realidade para melhor observá-la, hoje, qualquer indivíduo pode enviar
compreendê-la e enriquecer-se com a mensagens para qualquer parte do mun-
diferença perceptiva do outro. No mo- do, utilizando-se de um computador.
mento em que, através da fala, o ser hu- Entretanto, para que a idéia seja re-
mano estabeleceu um processo comu- passada, ela precisa ser mediada pelo cor-
nicativo, ele começou a reconhecer dife- po, seja através dos dedos que tocam o
renças entre ele mesmo e o outro. Estas teclado, seja através da voz. Como no pas-
representam um salto qualitativo em sua sado, e mesmo que atualmente possamos
leitura de mundo e de si próprio. Quan- dispor de recursos muito variados de co-

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municação, é clara a importância do cor- perturba rotineiramente o aluno, não
po e de seus movimentos para que a co- gera lembranças angustiantes, a sim-
municação se estabeleça. A escrita per- ples palavra “matemática” é capaz de
mite multiplicar as experiências que se desencadear em nós sentimentos con-
deseja ver vivenciadas por outros. traditórios, desde o horror até o entusi-
À medida que o professor consegue asmo. Assim, ao resgatar as crenças e as
resgatar a expressão dos alunos sobre concepções em torno da Matemática que
sua relação com o corpo e o corpo em está presente em todos nós, resultará a
movimento, incentivando-os a ler sobre visão de uma linguagem simbólica, ex-
este tema, a (re)-escrever os movimen- pressa com notações formais, definida de
tos, experimentando novas possibilida- forma abstrata e de difícil compreensão.
des de agir, ele estará incluindo sua área A Matemática, associada à idéia de
no contexto de um currículo que pensa ciência, tem sido entendida como uma en-
o aluno em sua totalidade. Se na aula tidade que habita uma esfera superior. Em
de Educação Física o aluno é estimula- decorrência, poucos podem compreendê-
do a produzir textos sobre as suas expe- la, seja por sua complexidade, pelo rigor
riências nesta área, a realizar saídas de lógico associado e por sua linguagem
campo para observar diferentes situações quase hermética, apesar de ela estar pre-
de movimento, a analisar a importância sente em nossas ações cotidianas. Esta
da rotina do exercício físico, a redigir re- visão distorcida é reforçada pelo modo
latórios, a criar murais, painéis, a pro- como a Matemática vem sendo trabalha-
duzir filmes, a fazer estatísticas sobre o da nas escolas.
próprio grupo, a construir tabelas e grá- De uma forma geral, ela é ensinada
ficos, dando espaço e significado a con- sem a preocupação de estabelecer vín-
teúdos e linguagens de outras áreas, se- culos com a realidade e o cotidiano do
guramente os conteúdos da área esta- aluno. Como enfatiza D’Ambrosio (1993),
rão sendo trabalhados através de estra- não encontraremos, no cotidiano dos
tégias mais significativas e que consoli- povos e de suas culturas, atividades que
darão aprendizagens mais duradouras. não envolvam alguma forma de Matemá-
Dessas aulas, não restará a memó- tica, embora o autor não esteja falando
ria exclusiva de movimento desconectado necessariamente daquela Matemática
da realidade, de um professor que en- que está nos currículos escolares. Para
trega uma bola ao aluno e que toma para que possamos manifestar nossas idéias
si um apito com o qual controla o grupo. ou constituir mentalmente aspectos e fe-
nômenos da nossa realidade, para de-
Ler e escrever em Matemática
pois então abstraí-los e transformá-los
Se a aula de Educação Física não em idéias, é necessário usar um prodi-

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gioso artifício: uma variedade de elemen- neira a não privilegiar a linguagem em
tos de comunicação chamados símbolos. suas diferentes expressões – oral, escri-
Aprender Matemática é, em grande ta, visual – mas enfatizando fundamen-
parte, aprender e utilizar suas diferen- talmente os códigos escritos. Esse pro-
tes linguagens – aritmética, geométrica, cedimento pode ser creditado à metodo-
algébrica, gráfica, entre outras. Na atu- logia utilizada no ensino, a qual não tem
alidade, as linguagens matemáticas es- possibilitado o desenvolvimento da lin-
tão presentes em quase todas as áreas guagem em todos os seus aspectos, nem
do conhecimento. Por isso, o fato de a formação de conceitos, já que utiliza
dominá-las passa a se constituir um sa- um vocabulário básico limitado, restritivo
ber necessário. e específico. Esta tem sido, quem sabe,
Assim, através da leitura e da escrita, uma das causas da distância entre a Ma-
somos capazes de nos comunicar num pro- temática ensinada na escola e a realida-
cesso histórico-social e universal, rompen- de matemática vivenciada pelo nosso alu-
do fronteiras geográficas e temporais. Mas no.
isso não é tudo. Para Danyluk (1991), Frente a essa discussão, torna-se ne-
ler e escrever não dizem respeito unica- cessário resgatar, na prática pedagógi-
mente à nossa língua materna. Temos ca, a proposição de tarefas matemáticas
que compreender todas as formas hu- envolvendo as diferentes expressões da
manas de interpretar, explicar e anali- linguagem no desenvolvimento dos con-
sar o mundo. A Matemática tem sido ceitos, noções e do próprio pensamento.
uma dessa formas: tem seus códigos e Todavia, a linguagem matemática e sua
suas linguagens; tem um sistema de co- compreensão sem tropeços somente se-
municação e de representação da reali- rão possíveis na medida em que a lín-
dade construído ao longo de sua histó- gua materna for utilizada de maneira
ria. Ainda segundo o mesmo autor, é fun- adequada, já que a informação matemá-
damental compreender o sentido do fe- tica, na maioria dos casos, nos chega
nômeno da alfabetização Matemática. Ser mediante a linguagem oral ou gráfica.
alfabetizado em Matemática é entender
Ler e escrever em Música
o que se lê e escreve a respeito das pri-
meiras noções de aritmética, geometria e Se dirigirmos nosso olhar para a área
lógica, sem perder a dimensão social e de Música, podemos ver que as coisas aqui
cultural desse processo: a busca do sig- não são muito diferentes. Quando pensa-
nificado do ato de ler e de escrever, pre- mos no tema “notação musical”, as primei-
sentes na prática cotidiana do ensino e ras imagens podem ser aquelas de símbo-
da aprendizagem da Matemática. los incompreensíveis, destinados a alguns
Temos ensinado Matemática de ma- poucos iluminados ou talentosos, enfim,

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uma coisa de outro mundo, para grandes procedimentos, não menos complexos,
artistas. É comum as pessoas dizerem: Eu que levam à aprendizagem musical,
sou musical, mas não sei ler música. Existe como, por exemplo, em tradições musi-
uma outra variante dessa idéia que é: Eu cais transmitidas oralmente.
não sei nada de música. Duvidando que Como toda escrita, a notação musi-
alguém não saiba nada de música, ouve- cal é um sistema de representação con-
se a seguinte resposta: Eu não conheço vencional. Embora não seja tão antiga
aquelas bolinhas. Ou seja, eu não sei ler como a escrita alfabética e a dos algaris-
música, logo, não sei música. É preciso mos, ela sofre também transformações
desconstruir essa representação de saber ao longo da história. Existem hipóteses
música que, de uma forma negativa, tem de que alguns dos primeiros traços dei-
contribuído para que muitos desistam de xados há, pelo menos, 30 mil anos a.C.
aprender música. Assim, a leitura e escri- possam se referir a atividades rítmicas
ta musical têm sido usadas muito mais ou melódicas (Sinclair:1990). A história
como instrumento de exclusão do que de da grafia musical está, portanto, intima-
acesso a um novo código. Outro ponto que mente ligada à dos sistemas de notação.
não devemos nos esquecer: muitas tradi- De maneira semelhante à escrita al-
ções musicais neste planeta são aprendi- fabética e numérica, a escrita musical
das e transmitidas oralmente, e isso é vá- utiliza símbolos que foram se modifican-
lido também para o nosso país. do com o passar do tempo: das repre-
Existem diferentes maneiras de sentações simbólicas, isto é, o uso de
vivenciar a música. Dançar, ouvir, apre- símbolos ou desenhos associados a um
ciar, recordar, ver imagens, se emocio- fato do mundo exterior, até a escrita tra-
nar ou relembrar fatos são algumas des- dicional - que hoje conhecemos, o siste-
sas formas. A experiência de ouvir mú- ma de cinco linhas denominado de pau-
sica é talvez a mais democrática: todos ta ou pentagrama -, o trajeto foi longo.
podemos exercê-la, se não com os ouvi- Existe muita controvérsia a respeito
dos, pelo menos com o corpo e aqui se do fato de a leitura e a escrita musical
estabelece uma interessante possibilida- serem temas de estudo na escola de En-
de de trabalhar com a área de Educação sino Fundamental. A discussão remete
Física. Todos ouvimos música diariamen- a uma questão anterior sobre os objeti-
te e de diversos modos, com diferentes vos do ensino de música em escolas não
intenções, mesmo que não saibamos ler específicas. Muitos defendem que, para
e escrever música. Da mesma forma, po- formar ouvintes críticos e conscientes,
demos tocar um instrumento ou cantar não seria necessária a leitura musical,
sem, necessariamente, utilizarmos a lei- ou seja, esta leitura seria destinada ape-
tura e a escrita. Ou seja, existem outros nas àqueles que querem aprender um

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instrumento, em ensino individual ou alunos continuem com a capacidade para
em pequenos grupos. desfrutar da música em geral.
Acreditamos ser possível e conveni-
Conclusão
ente trabalhar os fundamentos básicos
da leitura e escrita musical na escola A abordagem dada à leitura e à es-
fundamental. É claro que, para ler e es- crita pelas diferentes áreas aqui trata-
crever música, é necessário um certo das é ilustrativa da importância de ler e
aprendizado. Mas, como afirma Reverdy escrever na escola. Através dessa ativi-
(1997, p.45), esta aprendizagem não é dade, estaremos oportunizando aos es-
mais penosa do que aquela por que pas- tudantes condições mais qualificadas de
sam as crianças quando estão aprenden- que eles se assumam como sujeitos do
do a ler em sua própria língua. Para que processo de aprendizagem que fazem do
se realize uma aprendizagem efetiva, a e sobre o mundo, adquirindo condições
metodologia a ser utilizada deve partir de, autônoma e permanentemente, lo-
da experiência musical cotidiana dos alu- calizar novas informações, ampliar suas
nos e o programa deve se orientar em formas de interação com seu próprio cor-
duas perguntas básicas: po, expressar seus saberes, objetivar
1. Que música esses sinais gráficos suas intuições, lendo e escrevendo com
representam? autoria para o mundo.
2. Como decifrá-los? À medida que toda a escola compro-
Se ouvir música é pressuposto para meter-se efetivamente com essas práticas,
ler música, a recíproca, não é verdadei- ela constituirá um espaço de mediação de
ra, uma vez que ler música é um modo leituras e escritas significativas, promoto-
de ouvir música. Por isso, não tem sen- ras do crescimento pessoal e social de cada
tido uma leitura musical que seja abs- aluno, pela ampliação e aprofundamento
traída de seu conteúdo sonoro-musical. dos conceitos que possibilitam a inter-
Quem ensina a ler notas musicais com mediação com a realidade.
giz e lápis, sem observar uma seqüência
de procedimentos metodológicos e sem
Referências bibliográficas
a experiência sonora, ignora que conhe-
cer apenas as notas não leva a uma edu- D’AMBROSIO, U. Educação matemática:
uma visão do estado da arte. Proposi-
cação musical. A idéia de alfabetização
ções. São Paulo: v. 4, n. 1, mar. 1993.
musical desvinculada da prática tem con-
tribuído para que muitos alunos desis- DANYLUK, O. S. O cotidiano da vida es-
tam de aprender música, tanto em esco- colar. Passo Fundo: Ed. UPF, 1989.

las específicas como em escolas do ensi- HUMPHREY, N. Uma história da mente.


no fundamental, muito embora esses São Paulo: Campus, 1995.

BOLETIM – PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA 32


LER E ESCREVER: COMPROMISSO

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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
PINKER, A. Fundamentos da neurociên- sica ocidental. Rio de Janeiro: Nova
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MASSIN, J; MASSIN, B. História da mú- 1990.

BOLETIM – PGM 3 - EDUCAÇÃO FÍSICA, MATEMÁTICA E MÚSICA 33


LER E ESCREVER: COMPROMISSO

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PGM 4 - ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS


LER E ESCREVER A IMAGEM EM ARTE, GEOGRAFIA E CIÊNCIAS

EQUIPE DO NÚCLEO DE INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE ESCOLA, DA


PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UFRGS - NIUE/UFRGS
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O domínio de diferentes códigos e dade daquela. Decorre desta compreen-


linguagens, que permitam a interação do são a possibilidade de abordar neste texto
estudante com múltiplas paisagens e o que significa ler e escrever em áreas do
grupos sociais, é um diferencial na edu- conhecimento que, usualmente, não têm
cação e na própria constituição da cida- sequer a leitura e a escrita da língua ma-
dania. Neste sentido, a educação con- terna como sua especificidade: Arte, Ci-
temporânea destaca a essencialidade da ências e Geografia.
leitura e da escrita como capacidades A tradição escolar das Ciências e da
para interpretar e compreender as di- Geografia, por exemplo, vincula-se à des-
versas manifestações socioculturais, no crição repetitiva do texto e da imagem;
contexto identitário dos sujeitos. as aulas de Arte permanecem como “ati-
Esta é uma meta a ser alcançada pe- vidades do fazer gráfico/plástico” de cri-
las diferentes áreas do conhecimento, atra- anças e adolescentes, dominantemente
vés da expansão do conceito de leitura e afastadas da produção da arte no mun-
de escrita, ao transgredir o senso comum do, isto é, excluindo os estudantes da
dos conhecimentos escolares. Tal expan- experiência com a arte produzida, “da
são deriva da compreensão de que ler e leitura do mundo da arte”. Soma-se a
escrever não se instituem como meros ins- este afastamento, a contínua exclusão
trumentais de codificação e decodificação das imagens das mídias presentes na
dos signos alfabéticos, mas são inseridos realidade como repertório a ser conside-
num universo mais amplo de possibilida- rado, bem como a produção plástica de
des onde, como afirma Freire (1993), ...a grupos sociais territorialmente afastados,
leitura do mundo precede a leitura da pa- socialmente excluídos ou desconsidera-
lavra, e a leitura desta implica a continui- dos, minoritários ou dominados.

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LER E ESCREVER: COMPROMISSO

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Torna-se urgente pensar sobre o que seja, o que o texto leva a pensar. Por
é ensinar para alunos que nasceram e isso, depois da leitura, o importante não
que vivem na “época das incertezas”, num é que nós saibamos do texto o que nós
mundo em constante transformação. É pensamos do texto, mas o que – com o

preciso que nós, professoras e professo- texto, ou contra o texto ou a partir do


texto – nós sejamos capazes de pensar.
res de diferentes áreas do currículo esco- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

lar, pensemos sobre o que é ler e escre-


ver hoje. De que leitura e que escrita fa-
lamos? Que textos podem ser lidos e/ou Os textos, portanto, podem ser utili-
escritos nas diferentes áreas do conheci- zados para que alunos e alunas e nós
mento? O que entendemos por texto? mesmos possamos pensar/falar/escre-
Usualmente realizamos a leitura de tex- ver sobre o sentido daquilo que produ-
tos publicados em revistas e jornais sobre zem. Mas é possível lermos de um outro
assuntos variados, que envolvem o ambi- jeito? É possível ler o que as imagens
ente, a saúde, notícias sobre a “descober- que compõem o livro nos permitem pen-
ta” de uma substância nova, por exemplo, sar e escrever, considerando a imagem
na área das Ciências. Na área da Geografia como um texto indispensável para a lei-
são leituras de textos que tratam de ocu- tura nas diferentes áreas, no caso pre-
pações e disputas territoriais, crises eco- sente Ciências, Geografia e Arte?
nômicas e culturais, desastres ambientais. Nos últimos vinte anos, o conceito de
Em relação às aulas de Arte, até muito re- leitura vem sendo crescentemente usado
centemente a leitura restringia-se, quan- em Arte, Ciências e Geografia, no sentido
do existia, a aspectos vinculados à história que também imagens e não apenas pala-
da arte, uma vez que o domínio desta área vras podem ser lidas e, conseqüentemen-
era caracterizado pelas práticas do ateliê. te, consideradas “um texto”. Não restringir
A leitura dos textos e dos livros didáti- a leitura à palavra evidencia a expansão do
cos é a fonte para a resolução de um ques- conceito, das linguagens e das finalidades,
tionário, para estudar para a prova ou para envolvendo todas as leituras e escritas que
a pesquisa e realização de um trabalho um indivíduo faz durante sua vida, tal como
escolar. Tais textos, utilizados como fon- Paulo Freire enfatizou em sua obra.
tes de informação, podem ser pensados a
partir do que Larrosa (1999, p. 177), em Ler e escrever em Arte

seu livro Pedagogia Profana diz: Desde o final da década de 80, o con-
ceito de leitura vem sendo incorporado
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ao ensino da Arte através da dissemina-
Na leitura da lição não se busca o que o ção das idéias de Ana Mae Barbosa, apre-
texto sabe, mas o que o texto pensa. Ou sentadas sob a denominação de “aborda-

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gem triangular”. Esta abordagem funda- ca na construção do conhecimento por-
menta-se na concepção de que a arte não que possibilita interpretar as imagens.
é somente expressão, mas é conhecimen- Não significa decifrar, mas decompor-re-
to e seu ensino, conseqüentemente, exi- compor para apreender a imagem como
ge mais do que a exclusiva prática de ate- fonte de conhecimento, de informação,
liê. Exige a articulação de três eixos – a de explicitação de idéias e conceitos.
produção, a leitura e a contextualização Quatro estágios ou etapas, não
– que correspondem às relações que as evolutivos mas simultâneos, são propostos
pessoas estabelecem com a arte na reali- por Feldman para a leitura da imagem.
dade: produzir, apreciar e julgar suas O estágio da descrição envolve uma
qualidades e entender o lugar que a pro- listagem de tudo o que se vê na obra –
dução artística ocupa em diferentes tem- imagem/objeto – por meio de uma ob-
pos e espaços ao longo da história. servação atenta e objetiva dos elemen-
Autores como Robert Ott, Abigail tos que a compõem. Inclui a identifica-
Hausen, Parsons, Ragans e Saunders1 tra- ção do trabalho, quem o produziu, local,
taram da leitura de obras de arte, mas o época, linguagem e material utilizado,
mais conhecido no Brasil é Edmund dimensão. Não inclui expressões de pon-
Feldman, que também entende a leitura em to de vista: harmonioso, elegante, bem
arte como “um processo de compreensão”. sucedido, inadequado, sutil...
De acordo com Feldman, as crianças Tomando por exemplo a conhecida
pequenas consideram que as imagens são obra de Portinari, “Os retirantes”, Kerwald
para serem olhadas e não podem ser li- (1998) assim organiza este estágio:
das, ou seja, texto e imagem são diferen-
tes e apenas o primeiro permite o ato da
leitura. Entretanto os artistas, os críticos
de arte e os publicitários, que comparti-
lham o cotidiano com a imagem, reali-
zam constantemente e conscientemente
leituras destes objetos.
A leitura da imagem é uma atividade
simbólica que supõe compreensão, apre-
ensão de informações, seletividade e re-
construção da imagem/objeto, com a
mesma importância da produção artísti-

1
Uma bibliografia a respeito destes autores pode ser encontrada nos livros de Ana Mae Barbosa presentes na bibliografia
deste texto.

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“O que você vê nesta imagem? Quan- te, sendo fundamental a tentativa de in-
tas pessoas? Que outros elementos? Que terpretar, mesmo que provisoriamente,
cores você vê? Que texturas estão pre- sem uma completa conexão com os fatos
sentes”? visuais. Isto poderá ser alterado posteri-
O estágio da análise busca as rela- ormente, buscando suporte na experiên-
ções criadas entre os elementos formais cia artística, no conhecimento da histó-
e princípios compositivos da imagem, ria da arte, nos contextos da produção.
como elas se relacionam, se influenci- O estágio do julgamento envolve a
am, estão dispostas: volume x espaço, decisão acerca da qualidade de uma ima-
figura x fundo, claro x escuro, as dife- gem, uma das questões centrais da crí-
rentes combinações visuais criadas. Se- tica de arte e que nem sempre é
guindo a proposição de Kehrwald (1998), consensual entre as autoridades. O jul-
é possível aguçar o olho do aluno atra- gamento da excelência de um trabalho
vés das perguntas: “Você identifica mo- requer o conhecimento dos fundamen-
vimento na obra”? Há uma figura cen- tos que críticos experientes expõem a
tral? Há algum elemento de desequilí- respeito de certas obras.
brio? Como é o tratamento da cor em Este estágio, em relação à obra to-
relação às formas? Tem contraste, volu- mada como exemplo, poderia ser moti-
me? Como é o fundo? vado com um diálogo que considerasse:
O estágio da interpretação busca en- “Você acha que a obra é importante? Por
contrar o significado da imagem pela atri- quê? Por que Portinari a pintou? Por que
buição de sentido ao que foi observado as pessoas querem ter obras de arte?
anteriormente, organizando as observa- Elas são importantes? Que outras obras
ções de modo significativo ao relacionar ou objetos você conhece que têm algo
idéias que explicitam sensações e senti- semelhante com a obra de Portinari?”
mentos vividos diante de uma imagem. Esta leitura da obra de Portinari per-
Na obra de Portinari, a imaginação mite estabelecer relações com outros tex-
poderia ser “estimulada” por perguntas tos de linguagens diferentes, mas que
como: Que sentimentos “Os retirantes” abordam semelhante temática. As fotogra-
motivaram? A realidade expressa na obra fias de Sebastião Salgado, igualmente co-
é a mesma de hoje? Que semelhanças e nhecidas, são um exemplo desta possibi-
diferenças são possíveis de identificar no lidade, bem como as músicas antológicas
ontem da obra e no hoje? O que podería- de Luiz Gonzaga, buscando desmistificar
mos fazer para mudar a situação atual? a “figura indolente do nordestino” diante
A arte pode ajudar?” – propõe a autora. da riqueza “doada” pelos sulistas.
Para Feldman, este estágio é o mais Nesse contexto, a leitura é tratada
difícil, o mais criativo e o mais gratifican- como um modo de questionamento, de

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investigação, que estrutura as situações os sentidos que estão virados para o ex-
de sala de aula de maneira a tornar os terior, uma paisagem qualquer, entenden-
estudantes conscientes da natureza dos do por paisagem, para a conveniência
problemas apresentados nos trabalhos de de frases, tudo o que forma o mundo

arte, oportunizando-os a pensar sobre exterior num determinado momento da


nossa percepção.(Fernando Pessoa: O
certos conceitos, habilidades, atitudes e
cancioneiro)
hábitos, e a adquirir informações que fa- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

zem a arte significativa na nossa vida.


O ensino da Arte que valoriza e cen- A imagem descrita por Pessoa nos
traliza o ler e escrever em múltiplas lin- ajudará a pensar o ler e escrever em
guagens tem apresentado experiências Geografia. Desejamos desafiar a prática
valiosas que consideram como objeto de da Educação a partir da leitura da ima-
leitura as mais variadas produções cultu- gem - analisar/produzir sentido para a
rais de diversos grupos sociais em dife- paisagem2, interagir com textos escritos
rentes tempos e lugares. A partir da leitu- em língua materna sobre os temas en-
ra e conseqüente compreensão ampla des- volvidos (na imagem) e escrever a partir
tas imagens/objetos, as interpretações destas operações.
pessoais são “escritas”, isto é, expressas A questão agrária no Brasil, por exem-
através da linguagem da poesia, da foto- plo, é tema que as aulas de Geografia não
grafia, da escultura, da estamparia, da pin- podem esquecer. Infelizmente o assunto é
tura, da papelagem, da música, da dança. trabalhado de uma forma “higienizada”, isto
Esta leitura/escrita inclui a compreensão é, “objetivada” por dados “neutros” – mate-
de aspectos que ultrapassam o conheci- máticos e estatísticos entre outros. Este re-
mento e a produção da Arte, relacionan- curso de objetivação também é muito utili-
do-a com aspectos da vida que extrapolam zado na escola nos conhecimentos de Quí-
fronteiras disciplinares preestabelecidas. mica, Física e Biologia. A Geografia tem,
tradicionalmente, privilegiado, em sala de
Ler e escrever em Geografia aula, entender o mundo como algo sem
paixão. A realidade da população é expres-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Em todo o momento de atividade mental sa em números, tabelas e pirâmides. Os


acontece em nós um duplo fenômeno de países e suas divisões internas, continen-
percepção: ao mesmo tempo que temos tes e blocos regionais são transformados
a consciência dum estado de alma, te- em dados (pilhas de informações), que dis-
mos diante de nós, impressionando-nos tanciam alunos e alunas do pensar/imagi-

2
Conceito aqui defendido a partir de COSGROVE (1998) no artigo A geografia está em toda parte: cultura e simbolismo
nas paisagens humanas.

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nar pessoas diferentes vivendo nestes es- que sempre o país da Copa do Mundo do
paços. Rir, sofrer, amar, interpretar, julgar momento tem significado especial para
e sonhar não são ações incluídas no estu- alunos e alunas que acompanham a com-
do dos grupos sociais e seus espaços geo- petição? A prática tão usual de tematizar
gráficos, abordados na sala de aula. as áreas do conhecimento no mês da Copa
No entanto, o poeta Fernando Pes- a partir do próprio evento e do país onde
soa nos lembra que o espaço do mundo ele ocorre, é indicativa da necessidade de
convive com “um estado de alma”. Ser os professores de Geografia levarem em
negro e pobre no Brasil é olhar o mun- consideração os valores/subjetividades
do e viver em parte dele da mesma for- (“estado de alma”) dos alunos em suas prá-
ma que um branco de classe média? ticas pedagógicas cotidianas.
Quantas perguntas como essas podemos Entre as propostas pedagógicas em
fazer quanto ao imenso universo que te- debate atualmente, que problematizam
mos na sala de aula, formado por meni- “tradições” escolares como a do exemplo
nos/as; católicos/as carismáticos/as, acima, cabe ressaltar a posição de alguns
umbandistas, crentes, cardecistas, tra- educadores que defendem a atuação do
balhadores/as rurais, operários/as, professor como intelectual. Essa atuação
biscateiros/as, punk’s, hip-hops, serta- pode ser exemplificada em atividades de
nejos, enfim, muitos adjetivos, muitas aula envolvendo a leitura de paisagens
formas de ser nos espaços, de fazer es- em imagens de jornal. O/a professor/a
paços e de olhar espaços? Os “adjetivos” poderá explorar com os estudantes os
são explicados por valores de ser no(s) diferentes elementos que constituem
mundo(s), o “estado de alma”, nas pala- uma imagem, as relações entre os ato-
vras do poeta. Nesse sentido, a expres- res sociais com o lugar ou a cena da ima-
são do poeta poderia ser interpretada gem, mostrando que, muitas vezes, os
pela prática pedagógica como formas (va- atores fazem parte da paisagem, exami-
lores/subjetividades) de viver/ver e/ou nar a postura e seus corpos, o significa-
(re)construir o(s) espaço(s)3. do e seus gestos e o que representam.
Assim, falar da Europa pode significar Trata-se de aproximar a geografia esco-
muitas Europas, considerando quem está lar ao exercício de entender as paisagens
em sala de aula e quais subjetividades es- como possuidoras de significados sim-
tão presentes nestes estudantes, vistos bólicos, como resultantes de apropria-
como pessoas que vivem esses valores. Por ções, criações e transformações. Nas pa-

3
Banidas da geografia estão as paixões inconvenientes, às vezes assustadoramente poderosas da ação humana, entre
elas as morais, patrióticas, religiosas, sexuais e políticas.” (COSGROVE, 1998)

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lavras de Cosgrove (1998) as paisagens são muitas vezes dita por um homem
aguardam decodificações. Imagens são quando oferece uma flor a uma mulher...;
“instrumentos” para provocar alunos e “numa mulher não se bate nem com
alunas a lerem e escreverem sobre os uma flor”, expressão popular que se
múltiplos significados das paisagens sim- posiciona em relação à violência pratica-
bólicas, isto é, ler e escrever o mundo da contra as mulheres. Mulheres e flo-
também nos seus “estados de alma”. res, nos ditos populares e também nos
livros didáticos são imagens engessadas
Ler e escrever em Ciências
por determinados estereótipos. Da mes-
Diante das idéias apresentadas an- ma forma, é possível ler o modo como
teriormente, destacam-se duas práticas pessoas brancas e negras ou a natureza
de leitura/escrita no ensino de Ciências. são representadas nos livros didáticos.
A primeira delas diz respeito à aná- Outra prática com possibilidade de lei-
lise (leitura) de um livro didático. Ao in- tura diz respeito à análise crítica de tex-
vés da prática convencional de uma lei- tos publicitários, contendo apenas ima-
tura dos conteúdos ali explicitados, é gem, apenas texto ou ainda imagem e tex-
possível realizar a leitura das represen- to escrito, buscando ver o que eles nos
tações de homem e de mulher ali conti- ensinam a respeito do ambiente natural.
das. Tomando por exemplo os “exercí- Para tanto, é preciso admitir que a publi-
cios de revisão” de um livro, usualmente cidade ensina às pessoas o que elas de-
adotado na 8ª série do Ensino Funda- vem querer, de que precisam, o que de-
mental, vê-se o seguinte enunciado: vem ter, desejar, pensar e fazer para se-
“Numa manhã de sol, Aline encontra-se rem felizes e bem sucedidas e, freqüen-
com a beleza de uma rosa vermelha. A temente, utilizam a ciência, ou a idéia que
rosa parece vermelha porque: ...” e se- temos a respeito do que é ciência, para
guem-se quatro alternativas possíveis. Os garantir a confiabilidade dos produtos ofe-
demais exercícios, quando apresentam recidos. Por exemplo, propagandas de sa-
ações realizadas por seres humanos, fa- bão em pó costumam apresentar a ima-
lam “um caminhoneiro traçou o seguin- gem de um cientista e/ou o nome de uma
te plano...”, “um homem puxa com uma substância química como forma de atri-
corda uma massa de 20 kg..., “um atle- buir confiabilidade ao produto.
ta, de 60 kg, no salto com vara....” O único
Concluindo
exercício que traz uma mulher como exe-
cutora de uma ação a coloca num cená- Na perspectiva contemporânea da
rio “romântico”, junto a uma rosa ver- educação, as diferentes manifestações da
melha, numa manhã de sol; mulheres e cultura são elementos obrigatórios para
flores... “uma flor para outra flor”, expres- a proposição dos currículos escolares, pois

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representam relevantes e ricos aspectos das as culturas no passado e no presen-
da realidade histórica, cultural e social. te. Exige, igualmente, uma aproximação
O conhecimento desta realidade exige a a este universo, desprovida de idéias,
ultrapassagem do sentido de leitura e es- conceitos e preferências (pré)-concebidas
crita usual, oportunizando formação para e/ou oficiais, com o objetivo de apreen-
a participação política dos sujeitos pela der seus significados e o efeito que exer-
construção da consciência de mundo e cem sobre as nossas concepções a res-
de identidade. Assim, a leitura/escrita peito de nós mesmos e dos outros.
que imperiosamente deve ser fortalecida Autores como Barbosa (1996; 1997),
no espaço escolar, inclui diversas lingua- Efland (1998), e Hernández (2000), sus-
gens e códigos, as imagens entre eles, tentam que a construção da realidade,
sejam elas da arte ou da cultura de mas- objetivo da educação, tem o propósito de
sa. Esta última constitui uma alternativa contribuir para o entendimento dos dife-
de ampliação das possibilidades de inter- rentes panoramas sociais e culturais ha-
pretação e compreensão da realidade, em bitados por diferentes indivíduos. A per-
diferentes tempos e espaços. Represen- cepção humana que o indivíduo tem de
ta, ainda, uma possibilidade para a cons- si próprio permanecerá incompleta, en-
trução da consciência, diante da avassala- tretanto, se não pudermos entender que
dora capacidade de fomentar a total in- cada um de nós é o outro de um outro,
consciência do público de sua própria ma- assegura Efland (1998). Assim, o conhe-
nipulação, estimulada permanentemen- cimento e o entendimento da cultura e
te através do apelo instantâneo da indús- da realidade, nossa e do outro, são dese-
tria cultural, na qual poderosos grupos jáveis e possíveis através das múltiplas
nacionais e transnacionais impõem ideo- leituras e escritas que objetivam superar
logias e modelos para atender a seus es- limites e restrições, concorrendo para um
pecíficos interesses. mundo mais justo e solidário.
Auxiliar os alunos e alunas a perce-
Referências bibliográficas
ber e negociar as complexidades destas
influências é compromisso de todas as BARBOSA, Ana.M. A imagem no ensino
áreas do conhecimento. da arte. São Paulo: Perspectiva,1991.

A expansão da leitura/escrita para ______. Tópicos utópicos. Belo Horizon-


outros textos além dos textos convenci- te: C/Arte, 1997.
onais, implica reconhecer a existência ______. Arte-Educação: leitura no subsolo.
de uma variedade extraordinária de pos- São Paulo: Cortez, 1997.
sibilidades, incluindo uma multiplicida-
COSGROVE, Denis. A geografia está em
de de linguagens, objetos artísticos, ima- toda parte: cultura e simbolismo nas
gens e imaginários, produzidos por to- paisagens humanas. In: CORRÊA, R.

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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
e ROSENDAHL, Z. Paisagem, tempo mudança educativa e projeto de tra-
e cultura. Rio de Janeiro: UERJ. 1998. balho. Porto Alegre: Artes Médicas,
p. 92 - 122 2000.

EFLAND, A. Arte e cognição: teoria da KERWALD, Isabel P. Ler e escrever em ar-


aprendizagem para uma época pós- tes visuais. In: NEVES, Iara C. B. et
moderna. São. Paulo: SESC, 1998. alli.(Orgs.) Ler e escrever: compromis-
so de todas as áreas. Porto Alegre: Ed
FREIRE, Paulo. A importância do ato de da Universidade/UFRGS, 1998.
ler: em três artigos que se comple-
tam. São Paulo: Cortez, 1993. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana:
danças, piruetas e mascaradas. Belo
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, Horizonte: Autêntica, 2000.

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PGM 5 – PROFESSOR: LEITOR E FORMADOR DE LEITORES


LEITURA E ESCRITA COMPETÊNCIA DE TODAS AS ÁREAS:
O PROFESSOR COMO LEITOR E FORMADOR DE LEITORES

ANA MARIZA RIBEIRO FILIPOUSKI*


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Teorias do ler e do escrever: o papel do show da animadora infantil, as mar-


do ensino cas e modelos dos carros. Ainda muito
As pesquisas que se desenvolveram pequenas, as crianças aprendem “a le-
no século XX, no âmbito do ler e do es- tra do nome”, por exemplo, embora elas
crever, indicam mudança do papel da próprias não admitam que já lêem. Os
escola e, conseqüentemente, da ação estudos do construtivismo dão destaque
docente frente ao ler e escrever. A socio- aos saberes já construídos dos aprendi-
logia da leitura, as teorias relativas ao zes, os quais são valorizados como parte
efeito da leitura e da emancipação do do processo de alfabetização e dão con-
leitor e sua responsabilidade na cons- sistência ao que Vygotsky chama de pré-
trução autoral do estudante1 ampliam, história da leitura da linguagem escrita.
inicialmente, o significado de ler. Em Em conseqüência, sabe-se que as cri-
conseqüência, aprende-se que, muito anças, jovens e adultos em situação de
antes de lerem a palavra escrita, os alu- escolarização lêem mais do que a escola
nos já mantêm uma relação ativa com propõe, pois a revista, as propagandas
vários objetos portadores de texto, tais da tevê, o anúncio de outdoors, o endere-
como a propaganda do sabão em pó, o çamento da correspondência, carregam
rótulo do achocolatado, a apresentação textos consigo e são capazes de orientar

* Professora da Equipe do Núcleo de Integração Universidade Escola, da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS - NIUE/
UFRGS.
1
Vários estudos teóricos no Brasil tratam dessa questão. Na bibliografia ao final desse texto, é possível encontrar alguns
dos autores que apresentam o estado da arte dessas áreas de investigação e mostram como elas repercutem no ensino
da leitura e da escrita no país.

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quanto a atitudes, escolhas e preferên- que não partilham da leitura como valor
cias, adquirindo valor no espaço social, de seu grupo social demandam uma atu-
o que é de imediato percebido pelo es- ação mais incisiva, que as insira num
tudante. mundo em que elas possam atribuir sig-
Altera-se assim a função da educa- nificado ao ler e ao escrever, compreen-
ção formal e impõe-se a necessidade de dendo a função emancipatória que tal
formar professores para uma sociedade domínio propicia.
impregnada de palavra escrita. A demo- Isso indica que ler e escrever – ativi-
cratização da leitura e dos seus supor- dades simbólicas específicas, a partir das
tes é verificável à consideração de que quais as mensagens são produzidas e in-
diferentes classes sociais têm acesso a terpretadas – adquirem significados di-
um jornal popular, vêem televisão, lêem ferentes entre crianças com experiênci-
a oração dos cultos religiosos, poemas as culturais diversas. Portanto, ler e es-
nos ônibus, em camisetas, recebem pro- crever, como práticas sociais, estão con-
pagandas nas calçadas. Tal democrati- dicionadas ao repertório dos leitores/
zação auxilia o domínio do código e su- escritores, e lê melhor quem lê entre lei-
pre uma função inicialmente desempe- tores, pois este possui mais intimidade
nhada pela escola. Cabe então ao pro- com os diferentes tipos de texto, uma vez
fessor, mais do que alfabetizar, realizar que já ouviu ler mais vezes; sobre a ma-
o letramento de seus alunos, isto é, neira de ler, pois entre as histórias que
habilitá-los a exercer amplamente a con- ouviu, muitas foram lidas; já aprendeu
dição que decorre do fato de terem-se o valor da palavra escrita. Em conse-
apropriado da leitura e da escrita. Face qüência, a maneira como as famílias se
à pluralidade de estímulos escritos, o relacionam com a língua escrita pode
professor precisa instrumentalizar o es- condicionar a relação que as crianças
tudante a explorar as diferentes possi- terão com os textos: se a leitura está na
bilidades de dialogar com os textos, o que receita da cozinha, no livro de oração,
implica utilizar a palavra lida/escrita para no estudo, no lazer ou no trabalho, cer-
refletir e interagir com diferentes práti- tamente ler e escrever parecerão ter mais
cas sociais de cultura, entre as quais se sentido na escola. Se, ao contrário, a
insere a leitura. Em virtude das inúme- palavra escrita/lida estiver restrita à pre-
ras oportunidades de ler e escrever que sença de situações repressivas ou
as crianças que convivem em ambientes disciplinadoras (o cartaz que pede silên-
letrados possuem, a escola vê reduzida cio nos hospitais, o “Mantenham-se em
a importância tradicionalmente a ela fila!” dos Postos de saúde ou o auto
atribuída de alfabetizadora, iniciadora no infracional recebido por pais e/ou ir-
mundo do ler e escrever. Já as crianças mãos), bem diferente será a inferência

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infantil. Nesse caso, haverá descontinui- Nem sempre as instituições forma-
dade entre a vida – movida pela oralidade doras de professores têm o posiciona-
em todas as suas manifestações (as pre- mento político e as condições pessoais e
gações religiosas, a música, a televisão) materiais para implementar todas as pré-
e a escola. Em conseqüência, ela terá condições de formação docente neces-
muito maior dificuldade de inferir signi- sárias à escola brasileira contemporânea.
ficados à palavra escrita. Igualmente, face à mudança de
Compreender esta situação, em toda paradigmas da educação que têm orien-
a sua complexidade, é condição indispen- tado as novas práticas, há um grande
sável para uma atuação docente respon- contingente de professores que são cha-
sável e comprometida. Através dela, a co- mados a assumir atitudes e compromis-
municação e o conhecimento tornam-se sos para os quais não foram formados. É
motivo de cooperação entre alunos e com justamente nesse momento que se pode
o professor e, todos juntos, podem orga- avaliar o quanto a leitura e a escrita efe-
nizar uma comunidade de compreensão tivamente preparam os indivíduos para
próxima. Nela, o professor deixa de ser uma atuação comprometida com o seu
um transmissor de informações e passa contexto: apesar das difíceis condições
a disponibilizar meios e modos de parti- de trabalho e de vida dos professores, é
cipação, propõe e orienta projetos de tra- notória a freqüência como eles têm par-
balho, acompanha e estimula os grupos ticipado de cursos de educação continu-
e oportuniza-lhes diferentes formas de ada, onde buscam se atualizar e refletir
interação e prática cultural. sobre sua prática. Somente através de
uma intervenção crítica sobre as ques-
Ler e produzir textos: tarefa de
tões que são discutidas nesses espaços
professor
de formação, de reflexão sobre o seu fa-
Logo, tanto como seus alunos, é pre- zer, o professor é capaz de reconhecer
ciso que o professor se torne sujeito do que, para uma escola constituída de di-
mundo da leitura e da escrita, que orga- versidade a respeito dos usos da leitura
nize registros que acompanham o pro- e da escrita, é importante intervir a par-
cesso de construção do conhecimento de tir da consideração dessas diferenças, e
seu grupo, busque textos que compo- apresentar oportunidades em que todos
nham a pluralidade de práticas sociais possam aprender.
de leitura, preocupe-se com a preserva- Ao abordar o uso social da escrita, o
ção da memória dos grupos sociais com professor possibilitará o delineamento de
os quais interage, isto é, constitua-se, situações em que todos atribuam senti-
antes de tudo, em leitor e autor da sua do ao conhecimento do sistema da lín-
prática pedagógica. gua escrita, o que ainda não acontece

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na escola brasileira. Por isso, aqueles preensão e interpretação de conteúdos,
estudantes que aprenderam antes o va- produção de sentidos.
lor dessa prática social constroem mais A conseqüência mais comum é uma
facilmente o conhecimento novo (e, num relação de atrito entre os que aprendem
contexto de escola tradicional, comu- e a escola, especialmente em relação ao
mente logo aprendem que as coisas que ler e escrever. Para transformá-la, é im-
a escola ensina são “para a escola”, não prescindível que os professores aprendam
para a vida, a qual continuará a andar que, mais do que instrumento para trans-
adiante da escola, ensinando-lhes, a par- mitir conhecimentos, ler e escrever to-
tir do ler/escrever em suportes cada vez mam a língua como objeto social. Assim,
mais variados e ágeis, conhecimentos o professor precisa facilitar a interação
mais ricos e interessantes). E os que vão com a língua escrita e apresentá-la como
à escola para aí fazerem estas aprendi- desafio cognitivo, com significado para a
zagens não encontram um ambiente que vida dos alunos, a partir do qual possam
os promova pelo acompanhamento e progredir no conhecimento do que está
construção de novos saberes a partir da escrito, dizer sua palavra e formular hi-
valorização do que já sabem: tornam-se, póteses de interação com o que já sabem
conseqüentemente, alunos-problema, e com as outras áreas do conhecimento.
com aprendizagens deficitárias, conde- A tarefa da escola e de todos os edu-
nados a desconhecerem o uso social da cadores que nela atuam é aumentar o
linguagem e da escrita. Por outros cami- repertório dos aprendizes, facilitar a
nhos, também concluem que ler e es- aprendizagem, gerar condições e ambi-
crever servem para a escola e na escola, ente para o estabelecimento de articu-
para a produção escolar, para agradar lação entre informações e conexões múl-
ao professor, já que o lido e o escrito não tiplas, análises e sínteses. É ensinar que
têm sentido extramuros. Inferem, erro- ler e escrever promovem socialmente,
neamente, que a língua escrita é coisa dão acesso à cultura e ao conhecimen-
pronta e acabada, que não pode perten- to, são um modo de relacionar o que se
cer jamais ao aprendiz, e que seu papel faz na escola com o que existe fora dela.
é reproduzi-la passivamente, sem qual- Nesse sentido, desenvolvem-se através
quer envolvimento crítico ou afetivo. Nes- de responsabilidade compartilhada en-
se aspecto, entendem o ler restrito à de- tre professor e aluno, em que o primeiro
cifração, oralização do escrito, e o escre- atua como guia, apoio, mediador de cul-
ver, à decodificação passiva de sinais. Não tura e o segundo como sujeito ativo da
lhes atribuem, o que seria certo, valores aprendizagem.
cognitivos, que requerem sujeitos envol- Em conseqüência, a sala de aula tor-
vidos na obtenção de significados, com- na-se lugar de pensar, de reflexão com-

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partilhada, de participação e diálogo. Cons- na todo o sentido da educação – transfor-
titui-se em ambiente de aprendizagem, mar-se-á em espaço de reflexão, análise,
que gera e possibilita múltiplas situações crítica, capacitando toda a comunidade
de leitura e escrita como atividades rele- escolar para buscar alternativas compar-
vantes e comprometidas. O professor par- tilhadas e solidárias para suas vidas.
te das experiências e conhecimentos dos Nessa escola, em grande parte ainda
alunos e oferece atividades significativas, por ser construída, todas as instâncias
favorecedoras da compreensão do que está de escolarização da leitura2, reunirão ou-
sendo feito através do estabelecimento de tras alternativas para o ler e o escrever: a
relações entre a escola e o meio social. biblioteca não será mais um espaço que
Ao atribuir novo significado ao ler e simboliza o lugar do livro (o qual, às ve-
ao escrever, a escola assume uma atitu- zes, nem está lá), guardado por funcio-
de educativa digna de professores que nário não habilitado, que regula (fre-
querem ser reconhecidos como produ- qüentemente condicionado por sua saú-
tores de cidadania, que favorecem, às de, presença na escola e disponibilidade
jovens gerações, possibilidades efetivas horária) o que, quando e como ler. Ao con-
de compreensão e transformação da sua trário, promoverá diferentes formas de so-
realidade social e pessoal. Torna-se en- cialização do ler, oportunizando aos
tão um centro irradiador de pensamen- aprendizes de leitores que – a partir de
tos, ocupa o ponto principal de um pro- sua leitura de mundo – estabeleçam, atra-
cesso compreensivo que orienta os alu- vés da orientação segura dos professores,
nos frente a uma sociedade plural, de sólidos caminhos em direção de maior
diferenças, em permanente mudança, complexidade dessa experiência.
nem sempre para melhor. Também porque será mediada por
Nesse contexto, a escola – atualmente professores leitores e escritores em to-
recriminada pela artificialização do senti- das as áreas – o que, é necessário reco-
do que dá ao ler e escrever, característica nhecer, não é o caso de grande parte
da crise de leitura e escrita que contami- dos sistemas educativos hoje3 – tratará

2
As instâncias de escolarização da leitura presentes na escola são a biblioteca escolar, a leitura de estudo de livros em
geral, determinadas e orientadas pelos professores, e a leitura e estudo de textos. Dentre elas, destaca-se o livro didático
como suporte mais usual, o qual recorta o texto de seu contexto original de leitura, artificializa-o, “escolariza-o”,
apresenta-o em um contexto de circulação forjado pela intenção didática.
3
Ana Maria Machado, em entrevista concedida à Revista Educação de abril de 2002, é enfática ao criticar a condição
não leitora dos professores. Diz ela: Gente que não gosta de ler não pode ensinar a ler. É igual a um instrutor de
natação que não gosta de nadar, e por isso tenta ensinar os alunos do lado de fora da piscina. Eu questiono a
formação do leitor. Quantos livros de literatura não-obrigatória um professor lê por ano? Se o professor lê, não tem
como não passar isso para o aluno. Quem gosta de ler está sempre falando de livro, recomendando leituras para
outras pessoas, é algo que contagia e flui naturalmente.

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de ampliar e qualificar as formas de aces- sar, a mais genuína função do ler e do
so dos jovens aos diferentes textos, esti- escrever, capaz de transformar e oferecer
mulando-os a assumirem-se como pro- condições de cidadania e responsabilida-
dutores de conhecimentos, capazes de, de social a todos os que participam dela.
oralmente ou por escrito, verbalizarem
seu prazer de ler e/ou suas aprendiza- Referências
gens a partir do lido. Nesse espaço, a
CHARTIER, Roger. A aventura do livro:
leitura de fragmentos descontextualiza- do leitor ao navegador. São Paulo:
dos será banida, a adaptação de textos a Editora UNESP/Imprensa oficial do
suportes didáticos – como o livro didáti- Estado, 1999.
co – será progressivamente reduzida, ha-
EVANGELISTA, Aracy; BRANDÃO, Heliana;
verá mais textos dos alunos, de jornais e MACHADO, M. Zélia. A escolariza-
revistas atuais, da literatura contempo- ção da leitura literária. Belo Hori-
rânea e das artes em geral, apresenta- zonte: Autêntica, 1999.
dos através da palavra escrita ou de ou-
PEREZ, Francisco & GARCIA, Joaquin. En-
tros suportes portadores de sentido. sinar ou aprender a ler e a escre-
Então as práticas de leitura e escrita ver? Porto Alegre: Artmed Editora,
serão valorizadas pela escola, assimilar- 2001.
se-ão às que ocorrem no contexto social,
ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim
colaborarão para a formação de um leitor dos leitores? São Paulo: Editora
crítico e uma escola que ensinará a pen- SENAC São Paulo, 2001.

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D A E S C O L A

Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso

Ministro da Educação
Paulo Renato Souza

Secretário de Educação a Distância


Pedro Paulo Poppovic

MEC
Secretaria de Educação a Distância
Programa TV Escola – Salto para o Futuro

Diretora do Departamento de Coordenadora-Geral de Material


Política de Educação a Distância Didático-Pedagógico
Carmen Moreira de Castro Neves Vera Maria Arantes

Coordenadora-Geral de Supervisora Pedagógica


Planejamento e Rosa Helena Mendonça
Desenvolvimento de Educação a
Distância Coordenadoras de Utilização e
Tânia Maria Magalhães Castro Avaliação
Mônica Mufarrej e Leila Atta
Diretor de Produção e Abrahão
Divulgação
de Programas Educativos Copidesque e Revisão
Antonio Augusto Silva Magda Frediani Martins

Programadora Visual
Norma Massa
Consultoria Pedagógica
NIUE - UFRGS
Coordenação da equipe
Ana Mariza Ribeiro Filipouski
Maria Stephanou
Neiva Otero Schäffer
Equipe do Núcleo de Integração Universidade Escola da Pró-Reitoria de
Extensão da UFRGS, responsável pela série
Profª. Ana Mariza Ribeiro Filipouski
Profª. Angela Rolla
Prof. Clézio José dos S.Gonçalves
Profª. Elizabeth Militisky Aguiar
Profª. Elaine Beatriz Ferreira Dulac
Profª. Eroni Kern Schercher
Prof. Guilherme Reichwald Jr.
Profª. Iara Conceição Bitencourt Neves
Profª. Jusamara Vieira Souza
Profª. Maria Cecília de A. R. Torres
Profª. Maria da Graça Gomes Paiva
Profª. Maria Stephanou
Profª. Neiva Otero Schäffer
Prof. Paulo Coimbra Guedes
Profª. Renita Klüsener

e.mail: salto@tvebrasil.com.br
Agosto de 2002
Home page: www.tvebrasil.com.br/salto

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