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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Artes

PAOLA CECILIA ALBANO

Análise da performance vocal em canção popular brasileira

dos alunos do Bacharelado em Música Popular (orientação em canto)

da Faculdade de Artes e Design (FAD) da Universidade Nacional de Cuyo

(UNCUYO) – Mendoza/Argentina: uma contribuição para o ensino do

canto popular no contexto Latino-americano.

Campinas
2016
PAOLA CECILIA ALBANO

Análise da performance vocal em canção popular brasileira

dos alunos do Bacharelado em Música Popular (orientação em canto)

da Faculdade de Artes e Design (FAD) da Universidade Nacional de Cuyo

(UNCUYO) – Mendoza/Argentina: uma contribuição para o ensino do

canto popular no contexto Latino-americano.

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Música do Instituto de
Artes da Universidade Estadual de Campinas
como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestra em Música na área de concentração:
Música: Teoria, Criação e Prática.

Orientação: Profa. Dra. Regina Machado

Este exemplar corresponde à versão final de


Dissertação defendida pela aluna Paola Cecilia
Albano, e orientada pela Profa Dra Regina Machado.

Campinas
2016
A Rubén Enrique Albano (in memoriam)
AGRADECIMENTOS

À Dra. Regina Machado pelo caminho de conhecimento construído através da orientação.

Às secretárias da Pós-Graduação em Música: Neusa Lazarini Trindade, Letícia Cardoso Silva


Machado e Vivien Ruiz, por cuidarem de mim e de meus prazos com carinho, paciência e
gentileza.

Aos professores Dr. Ângelo José Fernandes e Dra. Adriana Mendes, que participaram da
minha banca de qualificação do Mestrado, pelos conselhos e orientações;

Ao coordenador do curso de Pós-Graduação em Música no período em que ingressei, Prof.


Dr. Antonio Rafael Carvalho dos Santos, pelo apoio constante frente às dificuldades;

Ao Professor Polo Martí, pela entrevista concedida; e aos alunos de canto do Bacharelado em
Música Popular da FAD-UNCUYO, que cederam, gentilmente, seu tempo para a pesquisa;

Ao pianista acompanhante do terceiro ano do Bacharelado em Música Popular da FAD -


UNCUYO, Nicolás Diez, pela gravação das faixas “Samba do avião” e “Corcovado” (Tom
Jobim);

Ao violonista Rubén Martinez pela gravação das faixas “Desafinado”, “Samba de uma nota
só” e “Corcovado” (Tom Jobim);

À professora de Interpretação III Canto do Bacharelado em Música Popular da FAD-


UNCUYO, Viviana Ceverino, pelas entrevistas concedidas e pelo apoio;

Ao Dr. Saulo Alves por estar sempre pronto a me ouvir e a esclarecer minhas dúvidas neste
caminhar;

À Márcia Gemaque, Izabel Padovani, Nina Neder e Igor Brasil pelo acolhimento generoso;

Ao SAE/Unicamp, CAPES, e Secretaria de Pós-Graduação da UNCUYO pelo apoio


financeiro;

À Luci Savassa, Leda Farah, Bruna Queiróz Prado e Rita de Cássia Pastorin Castineira pela
colaboração nas correções e traduções do trabalho;

Ao Danilo Gonzaga Moura, Alicia de Biase, Camila Bareilles e Silvana Albano pelo amor e
pelo apoio incondicional nesta fase da vida.
"Quem canta sabe que se não recuperar os conteúdos virtualizados na
composição, durante o período da execução, deixando transparecer uma inegável
cumplicidade com o que está dizendo (o texto) e com a maneira de dizer (a
melodia), simplesmente inutiliza o seu trabalho e se desconecta do ouvinte. Não
há canção sem impressão enunciativa, sem a sensação de que o que está sendo
dito está sendo dito de maneira envolvida. Por isso, o reconhecimento dos
cantores e de seus estilos é, por si só, um fator de credibilidade e confiança”.
Luiz Tatit
RESUMO

A partir da criação do curso de Bacharelado em Música Popular Latino-Americana na


Faculdade de Artes e Design da Universidade Nacional de Cuyo (Mendoza – Argentina), em
2004, começa a se vislumbrar a necessidade de refletir sobre sua prática musical. Dentro desta
perspectiva, o presente trabalho se propõe a analisar, através do estudo de caso - as
incidências do sotaque espanhol-argentino e a inter-relação dos componentes da voz cantada
nos níveis físico, técnico e interpretativo na conformação do gesto vocal do cantor. Sob a
mesma análise perceptiva, detectar, os possíveis sentidos gerados a partir da interação desse
gesto com os conteúdos cancionais, observando os componentes emocionais revelados pelos
cantores na interpretação. A amostra, do tipo dirigido ou intencional é composta por cinco
alunos do terceiro ano do curso de canto; o repertório, por obras do compositor Antônio
Carlos Jobim, representativas do estilo Bossa Nova. Parte-se do modelo de análise para o
canto popular brasileiro midiatizado, desenvolvido por Regina Machado - professora do curso
de voz popular do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) –
que, por sua vez, ampara-se nos estudos sobre a Semiótica da Canção desenvolvidos por Luiz
Tatit. Ambos os referenciais teórico-metodológicos representam uma abordagem inovadora
na análise do comportamento vocal na música popular brasileira. Dentre os resultados obtidos
comprovamos que o intérprete, compreende os conteúdos semióticos de uma canção e os
elementos referenciais do canto e se posiciona frente a estes a partir da configuração da
qualidade emotiva de sua voz. Esta configuração pode tanto reforçar os elementos tensivos e
estilísticos da canção interpretada, quanto criar novos sentidos, com a presença da voz.
Esperamos que o trabalho possa contribuir para o ensino do canto popular no contexto Latino-
Americano e, ao mesmo tempo, servir de elo entre os campos de investigação do canto de
pesquisadores argentinos e brasileiros.

Palavras-chave: performance vocal, análise vocal, análise cancional, canto popular, níveis da
voz.
ABSTRACT

In 2004, it was created the Bachelor course in Latin American Popular Music in the College
of Arts and Design at the University of Cuyo in Mendoza, Argentina. After that, it begins to
find out the need to reflect on its musical practice. Within this perspective, this work aims to
analyze by the study of case the implications of the Spanish-Argentine accent and the
interrelationship of the components of the singing voice in the physical, technical and
interpretive levels in frame the vocal singer gesture. It was applying the same perceptual
analysis in order to detect the possible meanings generated from the interaction of this gesture
with song contents, and the watching of the emotional components revealed by the singers in
their interpretations. It was applied on this research the directed or intentional sample that
consists of five third-year students of singing course, and the repertoire of works was from the
Brazilian composer Antonio Carlos Jobim that representing the Bossa Nova style. It was used
on this study the analysis model for the popular Brazilian song mediatized, and developed by
Regina Machado, who is a professor of popular voice of the Arts Institute of the State
University of Campinas (Unicamp), which, in turn, is supported and based in the study of the
Song of Semiotics developed by Luiz Tatit. The theoretical and methodological frameworks
represent an innovative approach to the analysis of vocal behavior/deportment in Brazilian
popular music. Among the results obtained, it was proved that the interpreter/singer
understands the semiotic contents of a song and the referential elements of the singing, and he
stands in front of those from the emotional quality of his voice configuration. This setting can
either strengthen the tensioning elements and stylistic interpreted song as creating new
meanings with the presence of the voice. We hope that this work can contribute to the popular
singing education in Latin American context and, at the same time, serve as a tie in between
the research fields of singing of Argentine and Brazilian researchers.

Keywords: vocal performance, vocal analysis, analyze cancional, popular singing, voice
levels.
LISTA DE ABREVIATURAS

ADICORA: Asociación de Directores de Coro de la República Argentina (Associação de


Diretores de Corais da República Argentina).

BMPL: Bacharelado em Música Popular Latino-americana.

BMPLC: Bacharelado em Música Popular latino-americana, orientação em canto.

CA: Cátedra Abierta (Disciplina Aberta).

CAMPO: Cátedra Abierta de Música Popular.

CPB: Canção Popular Brasileira

DMP: Disciplina de Música Popular

EM: Escuela de Música da Facultad de Artes y Diseño de la Universidad Nacional de Cuyo,


Mendoza-Argentina (Escola de Música da Faculdade de Artes e Design da Universidade
Nacional de Cujo, Mendoza-Argentina).

EMBA: Escuela de Música de Buenos Aires-Argentina (Escola de Música de Buenos Aires-


Argentina).

EMP: Escuela de Música Popular del Sindicato Argentino de Músicos (SADEM) Buenos
Aires-Argentina (Escola de Música Popular do Sindicato Argentino de Músicos ‘SADEM’
Buenos Aires-Argentina).

EMPA: Escuela de Música Popular de Avellaneda, Buenos Aires - Argentina (Escola de


Música Popular de Avellaneda, Buenos Aires - Argentina).

FAD: Facultad de Artes y Diseño de la Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza - Argentina


(Faculdade de Artes e Design da Universidade Nacional de Cujo, Mendoza - Argentina).

IASPM-AL: Associação Internacional para o estudo da Música Popular - América Latina.

ISM: Instituto Superior de Música.

LEM: Licenciatura em Música


MAL: Maestría en Arte Latinoamericano, Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza-
Argentina (Mestrado em Arte Latino-americano, Universidade Nacional de Cuyo, Mendoza-
Argentina).

MIML: Maestría en Interpretación de Música Latinoamericana del siglo XX, Universidad


Nacional de Cuyo, Mendoza-Argentina (Mestrado em Interpretação de Música Latino-
americana do Século XX, Universidade Nacional de Cuyo, Mendoza-Argentina)

MP: Música Popular.

MPA: Música Popular Argentina.

MPB: Música Popular Brasileira

MPL: Música Popular Latino-americana

MRFA: Música de Raíz Folklórica Argentina (Música de Raiz Folclórica Argentina).

MRFL: Música de Raíz Folklórica Latinoamericana (Música de Raiz Folclórica Latino-


americana).

PEMP: Primeiro Encontro de Música Popular Mendoza - Argentina.

SADEM: Sindicato Argentino de Músicos, Buenos Aires- Argentina.

UNCUYO: Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza-Argentina (Universidade Nacional de


Cuyo, Mendoza-Argentina).

UNL: Universidad Nacional del Litoral, Santa Fé - Argentina (Universidade Nacional do


litoral, Santa Fé - Argentina).

UNLP: Universidad Nacional de La Plata, Buenos Aires, Argentina (Universidade Nacional


de La Plata, Buenos Aires, Argentina).

UNSL: Universidad Nacional de San Luis-Argentina (Universidade Nacional de San Luis-


Argentina).

UNVM: Universidad de Villa María, Córdoba-Argentina (Universidad de Villa María,


Córdoba-Argentina)
LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Disciplinas obrigatórias. 38

Quadro 2. Disciplinas optativas. Critérios para escolha. 39

Quadro 3. Relação das categorias da voz com as categorias do discurso. 61

Quadro 4: Relação dos elementos constitutivos das dimensões intensidade e extensidade. 64

Quadro 5: Tipos de fonação. Relações entre adução de pregas vocais, consumo de ar, fluxo de
ar, pressão sub-glótica e intensidade sonora. 80

Quadro 6. Descrição comparativa dos elementos observados no nível global e sua relação com
a análise cancional e a qualidade emotiva identificada. 154

Quadro 7. Descrição comparativa dos elementos observados no nível local e sua relação com
as análises. 156

Quadro 8. Relação do sotaque espanhol/argentino com outros elementos da voz e do canto, na


conformação da qualidade emotiva da voz. 159

Quadro 9. Relação das análises com os referenciais do canto bossanovista. 160


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Relação dos elementos do Nível interpretativo (categoria da voz), com os elementos
do Nível Fundamental (categoria do discurso). ........................................................................ 63

Figura 2: Representação gráfica dos aspectos melódicos (na ordem intensa) referentes aos três
primeiros versos da primeira estrofe da composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim e
Vinicius de Moraes. .................................................................................................................. 73

Figura 3: Representação gráfica dos aspectos melódicos (na ordem extensa) referentes aos
últimos dois versos do refrão da composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim. .......... 73

Figura 4: Tipo de Fonação. Relações entre pressão sub-glótica e adução de pregas vocais. ... 79

Figura 5: Parte A: compassos 1 a 12, versos 1, 2, e 3. Composição “Samba do avião”, de


Antônio Carlos Jobim. .............................................................................................................. 88

Figura 6: Parte A: compassos 13 ao 16, versos 4, 5, e 6. Composição “Samba do avião”, de


Antônio Carlos Jobim. .............................................................................................................. 89

Figura 7: Parte A': compassos 17 ao 24 , versos 7 e 8. Composição “Samba do avião”, de


Antônio Carlos Jobim. .............................................................................................................. 90

Figura 8: Parte A': compassos 25 ao 28 , versos 9 e 10. Composição “Samba do avião”, de


Antônio Carlos Jobim. .............................................................................................................. 90

Figura 9: Parte A': compassos 29 ao 35 , versos 11, 12 e 13 . Composição “Samba do avião”,


de Antônio Carlos Jobim. ......................................................................................................... 91

Figura 10 - Parte A': compassos 36 ao 39 , verso14 . Composição “Samba do avião”, de


Antônio Carlos Jobim. .............................................................................................................. 92

Figura 11 - Parte A”: compassos 45 ao 52, instrumental (na versão analisada). Composição
“Samba do avião”, de Antônio Carlos Jobim. .......................................................................... 92

Figura 12 - Parte A”: compassos 53 ao 56, versos 17 e 18. Composição “Samba do avião”, de
Antônio Carlos Jobim. .............................................................................................................. 93

Figura 13 - Parte A”, compassos 57 ao 62, versos 19, 20, e 21. Composição “Samba do
avião”, de Antônio Carlos Jobim.............................................................................................. 93
Figura 14 - Parte A”, compassos 63 ao 66 , versos 22 , 23 e 24 . Composição “Samba do
avião” de Antônio Carlos Jobim............................................................................................... 94

Figura 15 - Parte A: compassos 1 a 8, versos 1, 2, e 3. Composição “Corcovado”, de Antônio


Carlos Jobim. .......................................................................................................................... 102

Figura 16- Parte A: compassos 9 a 16, versos 4, 5, 6, e 7. Composição “Corcovado”, de


Antônio Carlos Jobim. ............................................................................................................ 103

Figura 17- Parte A: compassos 17 a 24, versos 8, 9, 10 e 11. Composição “Corcovado”, de


Antônio Carlos Jobim ............................................................................................................. 103

Figura 18- Parte A’: compassos 25 a 34, versos 11, 12, 13 e 14. Composição “Corcovado”, de
Antônio Carlos Jobim. ........................................................................................................... 105

Figura 19- Introdução: compassos 1 a 12. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos


Jobim. ..................................................................................................................................... 106

Figura 20- Parte A’ compassos 25 a 34, versos 11, 12, 13 e 14. Composição “Corcovado”, de
Antônio Carlos Jobim. ............................................................................................................ 109

Figura 21 - Intermezzo compassos 35 a 42. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos


Jobim. ..................................................................................................................................... 110

Figura 22 - Intermezzo compassos 43 a 50. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos


Jobim. ..................................................................................................................................... 110

Figura 23: Parte A’: compassos 51 ao 74, imagem das respirações seccionadas e analisadas no
editor de áudio que interseccionam os versos 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da Composição
“Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim. ................................................................................ 111

Figura 24: Final e Coda compassos 67 a 74. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos
Jobim. ..................................................................................................................................... 113

Figura 25- Padrão rítmico 3-3-2 associado a Astor Piazzolla no tango. ................................ 116

Figura 26- Parte A’ compassos 25 a 34 versos 11, 12, 13 e 14. Composição “Corcovado”, de
Antônio Carlos Jobim, versão 2. ............................................................................................ 118

Figura 27 - Parte A’ repetição: compassos 58 a 65. Imagem do sinal. Seccionada e analisada


no editor de áudio, que demonstra, nos versos 11, 12 e 13 da composição “Corcovado”, de
Antônio Carlos Jobim, as mudanças dinâmicas, cujos picos mais altos de volume estão
destacados no começo da segunda frase. ................................................................................ 119

Figura 28 - Introdução: compassos 3 a 6, versos 1 e 2. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça (versão de Gene Lees do arranjo de Tom Jobim em Fá
Maior). .................................................................................................................................... 122

Figura 29 - Introdução: compassos 7 a 9, versos 3 e 4. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça (versão de Gene Lees do arranjo de Tom Jobim em Fá
Maior). .................................................................................................................................... 122

Figura 30 - Introdução: compassos 10 e 11, versos 5 e 6. Composição “Desafinado”, de


Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça (versão de Gene Lees do arranjo de Tom Jobim
em Fá Maior). ......................................................................................................................... 123

Figura 31 - Parte A: compassos 1 a 8 , versos 1 e 2. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 126

Figura 32 - Parte A: compassos 8 a 16 , versos 3 e 4. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 127

Figura 33 - Parte A’: compassos 17 a 24 , versos 5 e 6. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça ......................................................................................... 128

Figura 34 - Parte A’: compassos 24 a 31, versos 7 e 8. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 128

Figura 35 - Parte B: compassos 31 a 39, versos 9 e 10. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 129

Figura 36 - Parte B: compassos 39 a 46, versos 11 e 12. Composição “Desafinado”, de


Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ......................................................................... 130

Figura 37 - Parte A”: compassos 46 a 53, versos 13 e 14. Composição “Desafinado”, de


Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ......................................................................... 130

Figura 38 - Parte A”: compassos 53 a 57, versos 15. Composição “Desafinado”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 131

Figura 39 - Parte A”: compassos 57 a 61, versos 16 e 17. Composição “Desafinado”m de


Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ......................................................................... 132
Figura 40 - Parte A”: compassos 61 a 64, verso 18. Composição “Desafinado”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 132

Figura 41 - Parte A: compassos 1 a 8, versos 1 e 2. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 134

Figura 42 - Parte A: compassos 8 a 16 , versos 3 e 4. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 134

Figura 43 - Parte A’: compassos 17 a 24 , versos 5 e 6. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 135

Figura 44 - Parte A’: compassos 24 a 31, versos 7 e 8. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 136

Figura 45 - Parte B: compassos 31 a 39, versos 9 e 10. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 137

Figura 46 - Parte B: compassos 36 a 39, versos 9 e 10. Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. Partitura Real book. ...................................................... 137

Figura 47 - Parte A’: compassos 17 a 24 , versos 5 e 6 Composição “Desafinado”, de Antônio


Carlos Jobim e Newton Mendonça. Partitura do The Real book (1975). ............................... 138

Figura 48 - Parte A: compassos 1 a 8, versos 1 e 2. Composição “Samba de uma nota só”, de


Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ......................................................................... 142

Figura 49- Parte A: compassos 8 a 16, versos 3 e 4. Composição “Samba de uma nota só”, de
Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ......................................................................... 143

Figura 50 - Parte B: compassos 17 a 20, versos 5 e 6. Composição “Samba de uma nota só”,
de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ..................................................................... 144

Figura 51 - Parte B: compassos 21 a 24, versos 7 e 8. Composição “Samba de uma nota só”,
de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ..................................................................... 145

Figura 52 - Parte A’: compassos 24 a 31, versos 9 e 10. Composição “Samba de uma nota só”,
de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ..................................................................... 145

Figura 53- Parte A’: compassos 31 a 38, versos 11 e 12. Composição “Samba de uma nota
só”, de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ............................................................. 146
Figura 54- Parte A: compassos 8 a 16, versos 3 e 4. Composição “Samba de uma nota só”, de
Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ......................................................................... 148

Figura 55 - Parte A: compassos 1 ao 16. Imagem do sinal. Seccionada e analisada no editor de


áudio, que demonstra nos versos 1 ao 8 da composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça, as mudanças dinâmicas, cujos picos mais altos de volume
se visualizam na terceira frase da parte A nas líneas verticais que atravessam o gráfico. ..... 149

Figura 56- Parte B: compassos 17 a 20, versos 5 e 6. Composição “Samba de uma nota só”,
de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ..................................................................... 149

Figura 57- Parte B: compassos 21 a 24, versos 7 e 8. Composição “Samba de uma nota só”,
de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ..................................................................... 150

Figura 58- Parte A': compassos 25 a 33, versos 9 e 10. Composição “Samba de uma nota só”,
de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ..................................................................... 150

Figura 59- Parte A': compassos 33 a 41, versos 11 e 12. Composição “Samba de uma nota
só”, de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. ............................................................. 151

Figura 60- Intermezzo, compassos 25 a 32. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça. ........................................................................................ 151
Sumário

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................21

CAPÍTULO I......................................................................................................................................................25

O BACHARELADO EM MÚSICA POPULAR LATINO-AMERICANA. FACULDADE DE ARTES E DESIGN DA


UNIVERSIDADE NACIONAL DE CUYO, MENDOZA-ARGENTINA ........................................................................25

1.1 FUNDAMENTOS DA CRIAÇÃO DO PLANO DE ESTUDOS ................................................................................................ 26


1.2 CONSULTAS REALIZADAS PARA A ELABORAÇÃO DO NOVO PLANO DE ESTUDOS ................................................................ 27
1.3 OS ANTECEDENTES DO ENSINO SUPERIOR EM MÚSICA POPULAR NA ARGENTINA............................................................ 28
1.4 AS PROPOSTAS QUE LEVARAM À APROVAÇÃO DO CURSO DE MPL NA FAD-UNCUYO .................................................... 31
1.5 A FAD-UNCUYO E AS INICIATIVAS RELACIONADAS COM O ENSINO E A PESQUISA DA CULTURA LATINO-AMERICANA. ............ 35
1.5.1 Aprovação do Projeto do curso de MPL na FAD-UNCUYO................................................................. 36
1.5.2 Perfil de egresso ................................................................................................................................ 37
1.5.3 Integralização .................................................................................................................................... 37
1.5.4 Disciplinas optativas de aprofundamento ou vocacionais ................................................................ 39
1.5.5 Objetivos do curso ............................................................................................................................. 39
1.5.6 Os conteúdos mínimos, propostos no plano de estudos de 2003, relacionados ao universo folclórico
latino-americano. ....................................................................................................................................... 39
1.5.7 Os conteúdos do curso e a criação de uma metodologia de ensino-aprendizado. ........................... 42
1.5.8 As disciplinas centrais do estudo do instrumento: “Técnica” e “Interpretação”. .............................. 44

CAPÍTULO 2 .....................................................................................................................................................49

A PERFORMANCE VOCAL EM CANÇÃO POPULAR BRASILEIRA DE CANTORES ARGENTINOS: MARCO TEÓRICO


REFERENCIAL ..................................................................................................................................................49

2.1 CONCEITO DE CANÇÃO NA PROPOSTA DE ANÁLISE DE LUIZ TATIT.................................................................................. 50


2.2 ANÁLISE SEMIÓTICA DA CANÇÃO, A PROPOSTA DE LUIZ TATIT...................................................................................... 51
2.2.1 Procedimentos descritos na melodia: plano da expressão ................................................................ 51
2.2.1.1 Processo geral de aceleração e desaceleração ..............................................................................53
2.2.1.2 Tensividade somática, psíquica e neutra. ......................................................................................54
2.2.1.2 Tematização, passionalização e figurativização .............................................................................54
2.2.2 Procedimentos descritivos nas letras: plano do conteúdo. ............................................................... 55
2.2.2.1 O nível fundamental ......................................................................................................................56
2.2.2.2 O nível narrativo ............................................................................................................................56
2.2.2.3 O nível discursivo ...........................................................................................................................57
2.3 ELO DE MELODIA E LETRA..................................................................................................................................... 59
2.4 ANÁLISE SEMIÓTICA DO CANTO POPULAR BRASILEIRO: O GESTO INTERPRETATIVO E AS QUALIDADES EMOTIVAS DAS VOZES. ..... 60
2.5 JOÃO GILBERTO COMO REFERÊNCIA VOCAL NA CANÇÃO BRASILEIRA ............................................................................. 66

CAPÍTULO 3 .....................................................................................................................................................69
AMOSTRAGEM, CRITÉRIOS DE ESCOLHA E METODOLOGIA DE ANÁLISE..........................................................69

3.1 TIPO DE AMOSTRAGEM ....................................................................................................................................... 70


3.2 SELEÇÃO DOS SUJEITOS ....................................................................................................................................... 70
3.3 SELEÇÃO DO REPERTÓRIO .................................................................................................................................... 70
3.4 CRITÉRIOS DE GRAVAÇÃO DOS SUJEITOS COM O REPERTÓRIO ...................................................................................... 71
3.5 A ANÁLISE DA CANÇÃO ........................................................................................................................................ 72
3.6 A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO VOCAL ................................................................................................................ 74
3.6.1 O protocolo ........................................................................................................................................ 74
3.6.1.1 Andamento ....................................................................................................................................74
3.6.1.2 Tonalidade .....................................................................................................................................75
3.6.1.3 Tessitura ........................................................................................................................................75
3.6.1.4 Instrumentação..............................................................................................................................75
3.6.1.5 Forma .............................................................................................................................................76
3.6.1.6 Dados da gravação .........................................................................................................................76
3.6.2 Análise dos Níveis da Voz .................................................................................................................. 76
3.6.2.1 Nível físico: .....................................................................................................................................76
3.6.2.2 Nível Técnico ..................................................................................................................................78
3.6.2.3 Nível interpretativo: .......................................................................................................................80
3.6.3. Qualidades emotivas das vozes ........................................................................................................ 81

CAPÍTULO 4 .....................................................................................................................................................83

AS ANÁLISES ...................................................................................................................................................83

4.1 SAMBA DO AVIÃO (ANTÔNIO CARLOS JOBIM) .......................................................................................................... 84


4.1.1 Sobre a canção .................................................................................................................................. 86
4.1.2 Análise do comportamento vocal. Aluna 1........................................................................................ 94
4.1.3 Conclusão .......................................................................................................................................... 98
4.2 CORCOVADO (ANTÔNIO CARLOS JOBIM) .............................................................................................................. 100
4.2.1 Sobre a canção ................................................................................................................................ 101
4.2.2 Análise do comportamento vocal. Aluno 2 ...................................................................................... 105
4.2.3 Conclusões ....................................................................................................................................... 113
4.2.4 Análise do comportamento vocal II. Aluno 3 ................................................................................... 114
4.2.5 Conclusões ....................................................................................................................................... 120
3. DESAFINADO (ANTÔNIO CARLOS JOBIM/ NEWTON MENDONÇA) ................................................................................ 120
4.3.1 Sobre a canção ................................................................................................................................ 124
4.3.2 Análise do comportamento vocal. Aluna 4...................................................................................... 132
4.3.3 Conclusões ....................................................................................................................................... 139
4.4 SAMBA DE UMA NOTA SÓ (ANTÔNIO CARLOS JOBIM/ NEWTON MENDONÇA) ............................................................. 139
4.4.1 Sobre a canção ................................................................................................................................ 141
4.4.2 Análise do comportamento vocal. Aluna 5...................................................................................... 146
4.4.3 Conclusões ....................................................................................................................................... 152

CAPÍTULO 5 ...................................................................................................................................................152

QUALIDADE EMOTIVA E SIGNIFICAÇÃO. .......................................................................................................152

RELAÇÃO DAS ANÁLISES ...............................................................................................................................152

5. RELAÇÃO DAS ANÁLISES ...........................................................................................................................153

5.1 PLANO GLOBAL ................................................................................................................................................ 153


5.2 PLANO LOCAL ................................................................................................................................................. 155
5.3 SOTAQUE E SIGNIFICAÇÃO.................................................................................................................................. 157
5.3 ASPECTOS ACÚSTICOS DO SOTAQUE ESPANHOL/ARGENTINO E SUA RELAÇÃO COM A DICÇÃO ARTICULATÓRIA, A ARTICULAÇÃO
RÍTMICA DO CANTO, OS PARÂMETROS DE EMISSÃO VOCAL E A ENTOAÇÃO, NA CONFORMAÇÃO DA QUALIDADE EMOTIVA DA VOZ. 158
5.4 RELAÇÃO DAS ANÁLISES COM OS REFERENCIAIS VOCAIS DE JOÃO GILBERTO NA CANÇÃO POPULAR BRASILEIRA..................... 159

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................................................161

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................164

ANEXOS OU APÊNDICES ................................................................................................................................169


21

INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa se originou nas inquietações relacionadas à experiência


profissional e acadêmica da autora, desenvolvida no âmbito do Bacharelado em Música
Popular Latino-Americana - orientação em Canto - (BMPLC) da Faculdade de Artes e Design
da Universidade Nacional de Cuyo1, Mendoza–Argentina. Neste contexto, procuramos
desenvolver uma pesquisa que desse conta da performance vocal em música popular
brasileira2 (MPB). Assim, nos perguntamos como poderia ser observada e analisada a
interpretação, em MPB, de alunos da orientação em canto partindo de uma metodologia de
análise produzida no país do qual esta música é oriunda.
Para este fim, desenvolvemos, inicialmente, um projeto de pesquisa que pretendia
aprofundar-se nos aspectos da interpretação vocal em Bossa Nova (BN) a partir do estudo de
casos. Tal projeto propunha, por um lado, a observação, através da análise, das facilidades e
dificuldades no processo de aquisição da linguagem de gênero por cantores argentinos e, por
outro, da possível influência do processo de ensino da MPB no contexto universitário,
associada ao perfil do aluno que a universidade (UNCUYO) pretendia formar no momento da
criação da carreira. A pesquisa começou, no entanto, a tomar novos rumos em relação ao que
havia sido inicialmente proposto, a partir do momento em que se aprofundou o contato da
autora com a realidade acadêmica brasileira e com os trabalhos de sua orientadora, que
desenvolve intensa pesquisa na área de canto em música popular.
A possibilidade de aprofundar o conhecimento do modelo da semiótica da canção
- aplicado à canção popular brasileira - e de compreender as manobras realizadas pelos
intérpretes na busca de configurar sentido às performances favoreceu o desenvolvimento de
uma nova metodologia de análise, já que aquela inicialmente proposta, de investigação dos
processos de incorporação da linguagem de gênero no sentido de cópia-reprodução na

1
Região Oeste da Argentina, formada pelas províncias de Mendoza, San Juan, San Luis e La Rioja.
2
A partir deste ponto utilizaremos a abreviatura MPB, sem estarmos, no entanto, nos referindo ao conceito de
canção engajada referido por Marcos Napolitano em seu livro Seguindo a Canção Engajamento político e
indústria cultural na MPB (1959-1969).
22

interpretação vocal, iria evidenciar muitas desigualdades provenientes do contexto cultural e


idiomático dos cantores. Perderíamos, também, a importante contribuição que estes dão à
canção brasileira a partir da realização da sua performance como releitura interpretativa. Em
função disto, desconsideramos a proposta de observar a possível influência do processo de
ensino da MPB no contexto universitário associada ao perfil do aluno que o curso propunha
no momento da sua criação, por considerarmos que isto seria material para outra pesquisa de
fundamentação teórica diversa. Assim, convergimos para um enfoque mais específico.
Em síntese, nos propusemos a analisar aspectos da performance vocal - em
Canção Popular Brasileira (CPB) - de cinco alunos argentinos em quatro obras de Tom Jobim,
representativas da Bossa Nova.Tivemos como principal finalidade a extração e transcrição das
diferentes apropriações que cada cantor fez das músicas: identificando, através da análise
semiótica, as relações de sentido existentes no núcleo melodia e letra na CPB; observando,
desde uma análise perceptiva, a inter-relação dos componentes da voz cantada nos níveis
físico, técnico e interpretativo- incluindo a análise do que denominamos de sotaque espanhol
argentino- na conformação do gesto vocal do cantor; detectando os possíveis sentidos da voz
e do canto configurados a partir da interação com os conteúdos cancionais; definindo a
qualidade emotiva da voz revelada pelos cantores na interpretação; e, relacionando a escolha
de alguns elementos da performance vocal com padrões de gênero da BN.
O marco teórico, fundamentado no estudo do comportamento vocal e a sua
relação com o universo cancional, tem como parâmetros integrados à pesquisa: a análise da
vocalidade e a sua relação com os referenciais vocais de João Gilberto na canção brasileira, a
análise do sotaque espanhol-argentino e sua relação com a conformação do gesto
interpretativo e as análises das qualidades emotivas da voz expressas dentro do universo
cancional. A metodologia para tal fim é baseada, por sua vez, no modelo de análise para o
canto popular brasileiro midiatizado, desenvolvido pela Profa. Dra. Regina Machado. O
mesmo, aprimorado nos trabalhos de mestrado e doutorado da pesquisadora, intersecciona
elementos da técnica vocal e da Semiótica da Canção. As categorias denominadas como
“Níveis da Voz” e “Qualidade Emotiva das Vozes” apresentam-se como referencial atual,
produzido no Brasil, que propõe um novo olhar sobre o comportamento vocal, em música
popular, na Argentina e na América Latina, de maneira ampla.
A escolha de gravações do repertório da BN se deu pela constatação de que tal
concepção estética havia sido interpretada com mais frequência nas bancas da disciplina
“Interpretação Canto III”, entre as primeiras turmas de cantores. Assim, consideramos, por
23

um lado, que esta escolha facilitaria o encontro com os alunos dispostos a participar e, por
outro, que dar-nos-ia a possibilidade de enfocar a BN fora dos padrões de gênero nos quais ela
está inserida nos programas das disciplinas que tem a música do Brasil como objeto de
estudo.
No primeiro capítulo abordamos a institucionalização do ensino da interpretação
em música popular latino-americana na Argentina, a partir do aparecimento do Curso de
Bacharelado na província de Mendoza, em 2004, dos antecedentes que levaram à criação do
mesmo e da proposta pedagógica que aparece no plano de estudos elaborado em 2003, ainda
vigente. A inserção deste capítulo visa fornecer informações que possam orientar o leitor na
compreensão de que o ensino aprendizado das músicas populares, nesse contexto, se sustenta
desde uma fundamentação geográfica e geopolítica com foco no estudo dos gêneros de raiz
folclórica dos países da América Latina, dados que acreditamos possam acrescentar sentidos
na observação das performances vocais.
Dedicamos o segundo capítulo à exposição da fundamentação teórica do trabalho,
debruçando-nos sobre o conceito de canção, a metodologia de “Análise semiótica da canção
popular brasileira”, proposta por Tatit (1994, 1995, 1997, 2001, 2008, 2014), o trabalho de
Machado (2007, 2012) e os referenciais vocais de João Gilberto na canção brasileira.
No terceiro capítulo, nos dedicamos à amostragem e à descrição dos critérios de
escolha dos cantores, do repertório e de gravação do mesmo, apontando, também, a
metodologia adotada para a análise da canção e do comportamento vocal.
As análises das amostras formam o quarto capítulo. Observamos, primeiramente,
com base na semiótica da canção, as relações tensivas entre melodia e letra do repertório
escolhido. Partimos, então, para a análise dos níveis da voz, buscando detectar no gesto
interpretativo do cantor as relações tensivas anteriormente apontadas para, a partir daí,
identificar a qualidade emotiva vocal e sua significação dentro do contexto cancional.
No quinto capítulo, fizemos a descrição comparativa dos recursos vocais
observados nas amostras - no nível global e local - e suas relações com a qualidade emotiva
identificada em cada caso, destacando as semelhanças descobertas. Analisamos os elementos
presentes na pronúncia do português brasileiro e categorizamos o sotaque espanhol/argentino,
identificando duas hierarquias: sotaque intenso e sotaque leve.
Logo, posicionamos este novo elemento na cadeia de relações de sentido que o
vinculam com a dicção articulatória do canto, a articulação rítmica, os parâmetros de emissão
vocal e o tipo de entoação, na conformação da qualidade emotiva da voz .
24

Para concluir, relacionamos alguns elementos do canto e da voz, identificados nos


Níveis da Voz, com os referenciais atribuídos a João Gilberto na canção popular brasileira,
tentando encontrar nas performances analisadas a possível identificação destas com padrões
de gênero associados à Bossa Nova.
25

CAPÍTULO I

O BACHARELADO EM MÚSICA POPULAR LATINO-AMERICANA.


FACULDADE DE ARTES E DESIGN DA UNIVERSIDADE NACIONAL
DE CUYO, MENDOZA-ARGENTINA
26

Procurando contextualizar o processo de institucionalização do ensino da


interpretação em música popular latino-americana na Argentina, abordaremos, no presente
capítulo, as instâncias que propiciaram o aparecimento do novo curso de Bacharelado, na
cidade de Mendoza, no ano de 2004. Analisaremos, inicialmente, os antecedentes que
fundamentaram a necessidade de criação do curso, a partir dos depoimentos de seu ex-
coordenador, o professor Leopoldo Martí.
Nos debruçaremos, então, sobre a relação dos conteúdos propostos no plano de
estudos traçado em 2003 e a proposta metodológica de ensino para as orientações em
instrumento, enfocando o terceiro ano do curso de canto.

1.1 Fundamentos da criação do Plano de Estudos

O principal fundamento para a concepção do projeto de um novo curso, pela


Faculdade de Artes da UNCUYO, em 2003, foi a criação de um espaço educativo orientado
para a profissionalização de músicos, tendo enfoque no desenvolvimento de tarefas musicais e
artísticas vinculadas à interpretação, composição, produção e pesquisa em gêneros da música
popular de grande inserção e projeção sociocultural regional e nacional.
A principal demanda, segundo a análise realizada pela mesma, foi de que a música
composta, interpretada, produzida, difundida e consumida em Mendoza precisava de
crescimento e maior projeção dentro e fora desta região, com vistas ao MERCOSUL. Porém,
era necessário, inicialmente, que a Faculdade, formadora de profissionais comprometidos com
este objetivo, oferecesse capacitação técnica e musical aos mesmos.

Mendoza necesita resolver estos asuntos en su mismo territorio, porque cuenta con
inmejorables situaciones que posibilitan que se pueda cambiar esta realidad,
potenciando las indudables cualidades de sus artistas, principalmente sus
compositores y sus intérpretes. Falta sólo reunirlos en torno a un proyecto educativo
que los capacite para ser profesionales comprometidos con la realidad que ofrece la
provincia, la región y el país. Ese proyecto educativo debe realizarlo, sin dudas,
nuestra Universidad Nacional de Cuyo, en el ámbito específico de la Facultad de
Artes y Diseño (PLANO DE ESTUDOS, 2003, p. 2)3.

3
"Mendoza precisa resolver essas questões no seu próprio território, porque tem excelentes situações que
permitem mudar essa realidade, aumentando as qualidades incontestáveis de seus artistas, especialmente dos
compositores e intérpretes. Falta apenas reuni-los em torno de um projeto educativo que lhes permita serem
profissionais comprometidos com a realidade da província, da região e do país. Este projeto educativo deve ser
executado, sem dúvida, pela nossa Universidade Nacional de Cuyo, na área específica da Faculdade de Artes e
Design".
27

1.2 Consultas realizadas para a elaboração do novo Plano de Estudos

O plano de estudos, visando a criação do novo curso, recuperou experiências


prévias desenvolvidas em relação à música popular como objeto de estudo. O projeto
denominado Cátedra Abierta de Música Popular (CAMPO) 4, que vem se desenvolvendo no
âmbito da Escola de Música (EM) desde o mês de abril de 2002, estando ainda ativo, vem
funcionando como uma fonte para consulta e atualização sobre os interesses da população
com relação à música folclórica de Cuyo, da Argentina e da América Latina.
As consultas com especialistas da música popular (MP) na Argentina têm sido
também de grande auxílio para a formulação do projeto. Dentre os músicos escolhidos,
podemos destacar a colaboração do prestigioso Juan Falú - coordenador do curso de tango e
folclore do Conservatorio Manuel de Falla, em Buenos Aires - e do destacado músico
Chango Farías Gómez, que tem ampla experiência no ensino e na prática da música de raíz
folclórica argentina 5 e suas projeções.
Somados a estes, numerosos planos de estudo de cursos vinculados à música
popular e à produção musical, tanto em instituições estaduais quanto privadas da Argentina e
de outros países, têm sido levados em conta. Segundo o plano de estudos (PE) do curso, as
instituições consultadas foram:

La Licenciatura en Composición Musical con orientación en Música Popular de la


Universidad Nacional de Villa María; la carrera de Instrumentista de Música Popular
de la Escuela de Música Popular de Avellaneda (Bs. As.); la carrera de Músico
Intérprete en Música Popular, de la Escuela Popular de Música del Sindicato
Argentino de Músicos; las carreras musicales de la Escuela de Música de Buenos
Aires, con orientaciones en interpretación, composición, producción y de técnico en
sonido, al igual que la Carrera de Técnico Universitario en Producción Musical
(UNSL), la carrera en Música Popular Contemporánea impartida por el
Conservatorio Fermatta, de México D.F. y la carrera de Música Popular de la
Universidad de Murcia, entre otras (PLANO DE ESTUDOS, 2003, p.03)6.

4
Projeto de extensão universitária destinado a oferecer palestras, concertos e aulas de música popular argentina e
latino-americana ao público em geral, na Escola de Música da FAD-UNCUYO. A primeira edição foi no ano de
2002. Neste ano se comemora a edição XIII.
5
Segundo Martí em entrevista concedida a Paola Cecília Albano (2014), no marco da criação do Bacharelado em
Música Popular o termo música de raiz folclórica argentina e latino-americana foi utilizado a fim de “evitar
discussões sobre o conceito do 'folclore' e ao mesmo tempo para possibilitar nomear um amplo leque de criações
e recriações posicionadas frente ao tradicional, que possibilitem novos olhares, inclusive os vanguardistas”
(MARTÍ, 2014, ANEXO B, pp.175-184) [Tradução nossa].
6
O Bacharelado em Composição Musical com habilitação em Música Popular da Universidade de Villa María,
Córdoba; o curso de Instrumentista em Música Popular da Escola de Música Popular de Avellaneda (Bs. As.); o
curso de Músico Intérprete em Música Popular da Escola Popular de Música do Sindicato Argentino de Músicos;
os cursos de música da Escola de Música de Buenos Aires, com habilitação em interpretação, composição,
produção, e técnico de som; o curso de Técnico Universitário em Produção Musical da UNSL; o curso de
28

No âmbito da FAD-UNCUYO, foram consultados professores, alunos e egressos


do curso de Música, sob coordenação do professor Leopoldo Martí.

1.3 Os antecedentes do Ensino Superior em Música Popular na Argentina.

O Professor Leopoldo Martí considera que as primeiras tentativas de vincular a


MP ao ensino superior na Argentina remontam à década de 1970:

En ese momento el gran fervor que había por “lo latinoamericano” desde distintas
expresiones no solamente desde la música, fue detenido con la llegada de la
dictadura militar en 1976. Muchos de los protagonistas, artistas, investigadores,
intelectuales, hacedores culturales, estuvieron desaparecidos, fueron detenidos
exiliados o prohibidos. Con el retorno a la democracia en 1983 la idea se retoma y
recién a fines de los 90 y principios del 2000 es donde empieza a abrirse camino
[grifos nossos]. (MARTÍ, 2014, ANEXO B, pp.175-184).7

Goldsack, López e Perez expõem, em artigo apresentado no IX Congresso da


IASPM-AL (Venezuela, 2010), a experiência na província de Santa Fé (Argentina), durante o
curto período democrático da década de 1970:

[...] algunas instituciones modificaron sus currículos e incluyeron aspectos de la


música de la región que nunca habían tenido espacio.
En el Instituto Superior de |Música (ISM) de la UNL (Universidad Nacional de
Litoral), se creó un departamento de Música Popular (1973-75) dirigido por Osvaldo
Cátena y un Bachillerato de Música al frente del cual estaba Oscar Cardoso
Ocampo. También se llegó a editar una revista “Música y Cultura Popular” en el año
1974. Estas como otras importantes modificaciones o inclusiones son eliminadas por
las intervenciones de la Dictadura Militar [grifos dos autores]. (GOLDSACK;
LÓPEZ ; PEREZ, 2010, p. 213) 8.

O ressurgimento dos projetos de inserção da MP nas instituições educativas, após


a ditadura militar, foram sendo corroboradas a partir do ano de 1986, com o aparecimento de

Música Popular Contemporânea do Conservatório Fermatta, do México- D.F e o curso de Música Popular da
Universidade de Murcia, entre outros (PLANO DE ESTUDOS 2003, p. 3) [Tradução nossa].
7
“Naquele momento, o grande fervor pelo “latino-americano”, em suas diferentes expressões, não só na música,
foi detido com advento da Ditadura Militar em 1976. Muitos dos protagonistas – artistas, pesquisadores,
intelectuais, pessoas ligadas à cultura – desapareceram, foram presos, exilados ou proibidos de manifestar-se. O
retorno da democracia, em 1983, retomou a ideia da integração da cultura latino-americana. No contexto da
educação artística, começou a materializar-se no final dos anos 1990” [Tradução nossa].
8
“[...] algumas instituições modificaram seus planos de estudos, incluindo aspectos da música da região, que
nunca antes haviam tido espaço. No Instituto Superior de Música (ISM) da Universidade Nacional do Litoral
(UNL) criou-se o Departamento de Música Popular (1973-1975), que foi dirigido por Osvaldo Catena, e um
'Bacharelado Musical', a cargo do músico Oscar Cardoso Ocampo. A Revista 'Música e Cultura Popular' chegou
a ser editada no ano de 1974. Essas modificações ou inclusões foram eliminadas pelas intervenções da Ditadura
Militar no período de 1976 a 1983” [Tradução nossa].
29

propostas em diferentes tipos de instituições na Argentina.


No âmbito da educação técnica em Buenos Aires, aparecem os cursos de
Instrumentista em Música Popular da Escola de Música Popular de Avellaneda (EMPA) 9, o
curso de Músico Intérprete em Música Popular da Escola Popular de Música do Sindicato
Argentino de Músicos (EPM) 10 e os cursos de música da Escola de Música de Buenos Aires
11
(EMBA) , com orientação em interpretação, composição, produção e técnico de som, para
citar algumas delas.
O primeiro projeto de formação de músicos populares data de 1986, em Buenos
Aires. De acordo com os dados recolhidos na página da EMPA12,

En el año 1986 se crea una Comisión destinada a dar a luz un Proyecto que
constituiría un intento hasta ahora único de institucionalizar la formación de músicos
populares en Tango, Jazz y Folclore. El entonces Director General de Escuelas y
Cultura de la Provincia de Buenos Aires, Dr. José Gabriel Dumón, convoca por
intermedio del Mtro. Cacho Tirao, en ese momento Director de Enseñanza Artística,
a un grupo de destacados músicos para delinear el perfil pedagógico y organizativo
de una carrera que no contaba con antecedentes a nivel oficial. Según consta en una
gacetilla difundida en esa época, la formulación de los contenidos de Folclore
correspondía a Manolo Juárez, los de Tango a Horacio Salgán, los de Jazz a Hugo
Pierre y el Plan de estudios sería responsabilidad del Asesor Gustavo Molina 13.

Um dos promotores do projeto foi o músico argentino Manolo Juárez que,


segundo dados da EMPA, só foi convocado para a formulação dos conteúdos relacionados
com a habilitação em folclore. Em entrevista concedida ao Jornal Tiempo Argentino, em 30 de
outubro de 2013, ele se contrapõe a essa informação, afirmando:
Mi máximo orgullo es haber fundado la Escuela de Música Popular de Avellaneda.
¡Ahora resulta que aparecieron como 30 fundadores! (N. del R.: la versión oficial de
la EMPA sólo reconoce a Juárez como uno de sus primeros docentes). Pero lo armé
yo con un gerente administrativo: Gustavo Molina. Antes el tango y el folclore sólo
se transmitían en forma oral. Armé un plan de estudios que incluía tango, folclore,
jazz, rock y bossa nova. Convoqué a Salgán, Aníbal Arias, Hugo Pierre y Virgilio
Expósito, entre otros. Fue una de las primeras en el mundo en tener esa variedad y

9
Disponível em: http://www.empa.edu.ar/seccion/infoGeneral. Acesso em 06/05/2014.
10
Disponível em: http://www.epm.edu/ismp.html. Acesso em 06/05/2014.
11
Disponível em: http://www.emba.com.ar/. Acesso em 6/05/2014.
12
Disponível em: http://www.empa.edu.ar/seccion/historia. Acesso em 06/05/2014.
13
“No ano de 1986 criou-se uma comissão destinada à formulação de um projeto que se constituiria numa
tentativa de institucionalizar a formação de músicos populares em tango, jazz e folclore. O Diretor Geral de
Escolas e Cultura da Província de Buenos Aires, Dr. José Dumón, convocou, por intermédio do violonista Cacho
Tirao, nesse momento Diretor de Ensino Artístico, um grupo de músicos de destaque para formular o perfil
pedagógico e organizar uma carreira sem antecedentes no nível oficial. Segundo uma publicação da época, a
formulação dos conteúdos de folclore ficaria por conta do músico Manolo Juárez; os de tango, pelo músico
Horacio Salgán; os de jazz, por Hugo Pierre; e o plano de estudos seria responsabilidade do assessor Gustavo
Molina.” [tradução livre do texto presente no site <http://www.empa.edu.ar/seccion/historia >. Acesso em
6/05/2014].
30

profesionalismo. Me acuerdo que a un funcionario se le había ocurrido reclamar


títulos habilitantes como requisito para la inscripción. Y yo le dije: "OK, pero si
vienen Troilo, Piazzolla, Lennon, Nebbia, McCartney o Armstrong, por ejemplo, no
los podemos dejar entrar." Ahí me entendieron y se hizo una cosa de mayor apertura
(JUÁREZ, 2013)14.

A EMPA oferece, atualmente, o Bacharelado em Instrumento, com orientação para


tango, jazz ou folclore argentino, e a Licenciatura em Educação Musical, voltada à música
popular argentina. Ambas se integram à educação técnica não universitária.
Nos anos posteriores ao aparecimento desta formação, foram consolidando-se os
demais cursos afins. Cabe destacar que a primeira oferta de formação acadêmica específica
em música popular latino-americana no âmbito universitário foi a da Universidade Nacional
de Cuyo, em 2004.
Segundo um artigo apresentado no Congresso Latino-Americano de Formação
Acadêmica em Música Popular15,
El conservatorio Manuel de Falla fue la primera institución que incorporó a sus
carreras tradicionales de instrumentistas ya en la década del ´50 a músicos
provenientes del campo popular como a Pedro Mafia en la cátedra de Bandoneón.
Este conservatorio posee carreras dedicadas al tango y al folclore. La enseñanza
universitaria de la música popular comenzó con la Licenciatura en Composición
Musical con Orientación en Música Popular a fines de los ´90 en la Universidad de
Villa María – Córdoba. Una década más tarde la Universidad Nacional de La Plata
crea una nueva carrera de música popular a nivel universitario y Mendoza se ha
sumado hace poco tiempo a esta área de formación abriendo en el año 2010 una
nueva carrera de música popular, es decir que el acceso de la música popular a la
Universidad Argentina es muy reciente y no posee demasiadas “ofertas” académicas
(MESA et. al., 2011, p.03) 16

14
“Tenho o maior orgulho de ter fundado a Escola de Música Popular de Avellaneda. Agora apareceram mais de
trinta fundadores! Mas fui eu quem, junto com o gerente administrativo Gustavo Molina, criou o projeto. Antes,
o tango e o folclore só se transmitiam de forma oral. Formulei um plano de estudos que incluía tango, folclore,
jazz, rock e bossa nova. Convoquei os músicos Horacio Salgán, Aníbal Arias, Hugo Pierre y Virgilio Expósito,
entre outros. Foi uma das primeiras propostas no mundo com essa variedade e profissionalismo. Lembro-me que
um funcionário reclamou que houvesse a exigência de títulos habilitantes como quesito para a inscrição, e eu
disse: 'OK, mas se vier Aníbal Troilo, Astor Piazzolla, Jonh Lennon, Litto Nebbia, Paul Mc Cartney ou Louis
Amstrong, por exemplo, não poderemos deixar entrar'. Aí eles me entenderam e propuseram uma maior abertura
nos exames de ingresso" [Tradução nossa].
15
Artigo disponível em:
<http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/handle/10915/40493/Documento_completo.pdf?sequence=1>Acesso em 07
de abril de 2014.
16
"O conservatório Manuel de Falla foi a primeira instituição a incorporar em seus cursos tradicionais de
instrumento, a partir da década de 50, músicos provenientes do campo popular, como Pedro Mafia, na disciplina
de bandoneon. Este Conservatório possui cursos com habilitação em tango e em folclore. O ensino universitário
da música popular começou com o Bacharelado em Composição Musical, com habilitação em Música Popular,
no final dos anos 90 na Universidade de Villa María - Córdoba. Uma década mais tarde, a Universidade
Nacional de La Plata criou um novo curso de Música Popular de nível universitário e Mendoza adicionou a esta
área de formação, em 2010, um novo curso de Música Popular, ou seja, o acesso da música popular às
universidades da Argentina é muito recente e não possui ainda muitas 'ofertas' acadêmicas.
31

Embora o artigo contenha erro quanto à data de início do Bacharelado em música


popular latino-americana (UNCUYO) – que não ocorreu em 2010, mas em 2004, conforme
17
consta no Plano de Estudos do curso, Ordenança Nº: 119/’03 do Conselho Superior –, ele
nos permite observar que as três ofertas educativas no contexto universitário foram as
pioneiras no país e que, tanto as modalidades de inserção nas instituições educativas, quanto
as orientações de perfil de egresso, se apresentam de forma diferente em cada caso.
Podemos inferir, pela análise da grade curricular de cada uma delas, que a
Licenciatura em Composição, com orientação em Música Popular, da Universidade Nacional
de Villa María (UNVM), está inserida como uma modalidade dentro do curso de Composição
em Música Popular Argentina. No caso dos cursos oferecidos pela Universidade Nacional de
La Plata (UNLP)- Bacharelado e Licenciatura em MP -, estes correspondem a uma
modalidade dentro do curso de música destinado à formação do intérprete e do professor em
MPA. Já no caso da Licenciatura em MPL da FAD-UNCUYO, o curso se apresenta como
específico e orientado para a formação do intérprete em música popular latino-americana.

1.4 As propostas que levaram à aprovação do curso de MPL na FAD-UNCUYO

Três iniciativas iriam propiciar a chegada do curso de MPL à FAD-UNCUYO: 1.


A inserção da disciplina Música Popular (DMP) no curso de Licenciatura em Música (LEM)
em 2000; 2. A criação da Cátedra Abierta de Música Popular (CAMPO), em 2002 e; 3. O
Primeiro Encontro de Música Popular de Mendoza (PEMP), em 2003.
18
A proposta de incorporação da DMP no âmbito da LEM19, apresentada pelo
Prof. Leopoldo G. Martí ao Conselho Diretivo da FAD-UNCUYO no ano 2000 e aprovada no
mesmo ano, constituiu-se como a primeira dedicada à música popular argentina dentro do
grupo de carreiras existentes na Escola de Música até então.

La materia Música Popular, fue orientada exclusivamente para los estudiantes del
Profesorado de Grado Universitario en Música, esto es, los futuros maestros o
profesores de música. Los músicos independientes que estaban vinculados a la

17
Plano de estudios do Bacharelado em Música Popular. Faculdade de Artes e design (FAD) da Universidade
Nacional de Cuyo (UNCUYO). Ordenança Nº: 119/’03- Conselho Superior.
18
Disciplina anual ministrada pelo Prof. Leopoldo Martí, inicialmente na Licenciatura em Musica (Profesorado
de Grado Universitario en Música), desde o ano 2000. Atualmente a disciplina se divide em dois cursos anuais
no Bacharelado em Música Popular (Licenciatura em Música Popular Latino-Americana) e dois cursos
semestrais na Licenciatura em Educação Musical.
19
O nome do curso em espanhol é Profesorado de Grado Universitario en Música. Na Argentina, o que se
chama de Professorado corresponde às licenciaturas no Brasil, e o que se chama de licenciatura na Argentina
corresponde ao bacharelado no Brasil.
32

música popular y que querían tener una formación académica dentro de la


Universidad Nacional de Cuyo, se inscribían en esta carrera y tenían allí un vínculo
inicial con la música de raíz folclórica argentina y latinoamericana. (MARTÍ, 2014,
ANEXO B, pp.175-184) 20.

No ano de 2002, a disciplina referida apresentou, por intermédio da Extensão


Universitária, com o apoio do Centro de Estudantes, o projeto CAMPO 21, com o objetivo de
realizar “a criação de um espaço, no âmbito da escola de música, que possibilitasse o
desenvolvimento, difusão e projeção da música popular argentina” 22.
Um ciclo de palestras, com foco em quatro gêneros musicais- folclore da região
de Cuyo, tango, jazz e rock nacional -, a cargo de reconhecidos músicos populares da cena
argentina, inaugurou o projeto no mês de abril de 2002. “A iniciativa sustentou-se numa real
demanda de estudantes, docentes e músicos em geral, os quais vinham desenvolvendo
atividades no meio musical regional, do qual acreditavam ter profundo conhecimento” 23.

Sin dudas, poco a poco fue creciendo el interés por las músicas populares. El campo
estaba fértil para avanzar en ese sentido. El modelo de la Cátedra Abierta ya existía
en nuestra universidad y en nuestra facultad. El Profesor Ernesto Suárez, 24gran
maestro de teatro de Mendoza, dirigió una CA en su área, con gran repercusión.
Nuestra propuesta de la CAMPO no fue pensada exclusivamente para la oferta
académica. El hecho de asociar la actividad a la Secretaria de Extensión
Universitaria de la FAD UNCUYO, nos permitió abrir la oferta para público en
general, además de la oferta dirigida a alumnos de la universidad, estudiantes de
otras instituciones, músicos independientes y profesores (MARTÍ, 2014, ANEXO B,
pp.175-184) 25.

20
“A disciplina foi orientada exclusivamente para os estudantes de Licenciatura em Educação Musical, ou seja,
para os futuros professores de música. Os músicos independentes, vinculados à música popular, que pretendiam
ter formação acadêmica com essa orientação dentro da Universidade Nacional de Cuyo inscreviam-se nesta
carreira motivados pela formação inicial em música de raiz folclórica argentina e latino-americana, que nossa
disciplina iria lhes oferecer como parte integrante da sua formação didático-pedagógica” [Tradução nossa].
21
Disciplina aberta de música popular, projeto do professor Leopoldo Martí, com extensão universitária da
FAD-UNCUYO, iniciada no ano de 2002, direcionada a oferecer aulas, palestras e concertos de artistas locais e
latino-americanos em geral.
22
Jornal Digital Universia. Disponível em:
<http://noticias.universia.com.ar/en-portada/noticia/2002/03/27/384923/catedra-abierta-musica-popular-
uncuyo.html> Acesso em 01 de maio de 2014.
23
Ibidem.
24
Destacado professor de teatro da FAD. UNCUYO, Mendoza Argentina.
25 “
Sem dúvida, pouco a pouco foi crescendo o interesse pelas músicas populares. O campo estava fértil para
continuar avançando nesse sentido. O modelo de Cátedra Aberta já existia em nossa universidade e também na
nossa Faculdade. O professor Ernesto Suárez, grande mestre de teatro, reconhecido no meio cultural de
Mendoza, dirigiu uma disciplina direcionada ao teatro, com grande repercussão. A nossa proposta com a
CAMPO não foi pensada exclusivamente para a oferta acadêmica: o fato de compartilhar a atividade com a
Secretaria de Extensão Universitária da FAD-UNCUYO iria nos permitir direcioná-la para o público em geral,
além de alunos da universidade, estudantes de outras instituições, músicos independentes e professores”
[Tradução livre do depoimento gravado].
33

Grandes artistas locais ministraram palestras neste evento, entre os quais podemos
citar: Santiago Bértiz, Raúl “Tilín” Orozco, Horacio Díaz, Marcelino Azaguate, Jorge
Marziali, Pablo Roux e Renato Mondadori26.
A demanda por um curso de Música Popular em Mendoza tomou fôlego a partir
do começo do ano de 2003, com a repercussão provocada, tanto pelo curso da DMP com
alunos provenientes do ensino em educação musical, quanto pelos cursos oferecidos pela
CAMPO aos músicos populares, alunos da universidade, professores e público em geral.

En el ciclo lectivo 2000 introdujimos la Cátedra de Música Popular en el


Profesorado de Grado universitario en Música, luego se dividirían en dos disciplinas
Música Popular I y Música Popular II e iniciamos la CAMPO. Sobre esos dos
antecedentes hicimos una convocatoria a profesores, alumnos y músicos del medio
para trabajar en el proyecto de la Licenciatura en Música Popular Latino-americana.
El sostén en este proyecto fueron, por un lado el apoyo del Prof. Lars Nilsson en el
Decanato de la Facultad de Artes y Diseño de UNCUYO, por otro el Centro de
Estudiantes y modestamente yo, como profesor, que empecé a trabajar como
Coordinador (id., ibid.)27

Em outubro de 2003, com a iniciativa, novamente, do Professor Martí, foi


organizado o Primeiro Encontro de Música Popular28. Destinado à valorização, difusão e
desenvolvimento da música popular argentina e latino-americana, o evento realizado em
comemoração dos quarenta anos do nascimento do movimento Novo Cancioneiro 29 se propôs
a homenagear a expressão de renovação cultural cultivada em Mendoza por artistas e
intelectuais no ano de 1963: Tito Francia, Juan Carlos Sedero e Oscar Mathus (músicos);
Armando Tejada Gómez e Pedro Horacio Tusoli (poetas); a cantora tucumana Mercedes Sosa
e o dançarino Víctor Nieto.

26
Músicos da província de Mendoza, de ampla trajetória artística e reconhecimento popular.
27
“No ano letivo de 2000, introduzimos a disciplina Música Popular na Licenciatura em Educação Musical.
Logo ela iria se dividir em Música Popular I e Música Popular II, e criamos a CAMPO. Sobre esses dois
antecedentes, fizemos uma convocatória a professores, alunos e músicos locais para trabalharem o Projeto de
Bacharelado em Música Popular Latino-Americana. O apoio ao projeto foi dado pelo Professor Lars Nilsson,
Diretor da FAD-UNCUYO, pelo centro de estudantes e, modestamente, por mim, que comecei a trabalhar como
coordenador”[Tradução livre do depoimento gravado].
28
Organizado pela Secretaria de Extensão Universitária da FAD-UNCUYO, junto com o Centro de Estudantes, a
Direção de Carreiras Musicais e a CAMPO (Mendoza, 2003), patrocinado pela Secretaria do Bem-Estar
Estudantil, Secretaria de Cultura da Presidência da Nação Argentina, Instituto Cultural do governo da província
de Buenos Aires e pelo Sindicato dos Funcionários da UNCUYO (SPUNC).
29
“O Movimento do Novo Cancioneiro surge em fevereiro de 1963 em Mendoza, província do Centro-Oeste da
Argentina. Integrado por músicos, poetas e dançarinos, lança um manifesto que dá conta das suas intenções de
renovação da canção popular, especialmente a canção de raiz folclórica” (GARCÍA, 2006, p.75). [Tradução
nossa].
34

Sin dudas que las expresiones de la música popular han ido teniendo cada vez más
puntos de encuentro con las expresiones académicas, habida cuenta de la gran
necesidad de una y otra en encontrar nuevos aspectos musicales y técnicos que les
permitan un mayor desarrollo y una profundización en aspectos valorativos de las
identidades musicales regionales, nacionales y latinoamericanas (DIARIO LOS
ANDES, 10 mar. 2003). 30

Esta iniciativa teve como objetivo a consolidação de um centro estratégico de


desenvolvimento de arte musical na província de Mendoza, dando continuidade a uma
tradição que a posicionou, na década de 1960, na vanguarda de diversas expressões culturais.
Os temas abordados no encontro foram relacionados aos estilos musicais, à
importância dos encontros de MP, os alcances da produção musical, o movimento Novo
Cancioneiro e a MP, os cursos de MP - importância e projetos no país -, a gestão cultural e a
relação entre os meios de comunicação e a MP.

La modalidad sobre la cual se trabajó permitió abarcar una muy interesante gama de
temáticas en torno a aspectos artísticos, musicales y técnicos de gran importancia
para la música y los músicos populares, y la proyección de los mismos en nuevos
ámbitos de difusión y desarrollo, como nuestro ámbito universitario. En principio
digamos que el hecho de haber desarrollado prácticamente todas las actividades en
la órbita de la Escuela de Música, tuvo un significado y una carga simbólica
relevantes, acordes con los principios signados desde la figura del decano, Lars
Nilsson, en cuanto a la unión de las músicas más allá de géneros y pertenencias, en
pos de una actividad y un ámbito superador31 (DIARIO LOS ANDES, 23/11/2003).

As atividades artísticas desenvolvidas em três shows, todas elas envolvendo a


participação de importantes músicos e professores de Mendoza e outros de destaque nacional
valorizaram o encontro com sua presença, dedicação e entrega.

El balance es altamente positivo, desde la perspectiva de haber podido reunir 200


músicos y estudiantes para trabajar y desarrollar aspectos troncales vinculados a la
música popular junto a Chango Farías Gómez, Juan Falú, Juan Lázaro Méndolas,
Jorge Marziali, Luna Monti, Juan Quintero, Juampi Di Leone, Gonzalo de Borbón,
Pepe Sánchez, Gabriel Correa, Alejandra Bermejillo, Horacio Díaz, Ricardo
Mansilla, Analía Garcetti, Guitarras Cuyanas, Grupo Quimey y el Coral Nuevas
Voces. Lo que allí se vivió, lo que se pudo aprehender, estudiar, brindar y compartir,
ha sido mucho y seguramente dio inicio a una nueva etapa para la música en
Mendoza y específicamente en el ámbito de la Universidad Nacional de Cuyo. Solo
resta aprovechar esta inercia para que Mendoza continúe siendo un puntal en las

30
"Sem dúvida, as expressões da música popular vinham tendo cada vez mais pontos de encontro com as
expressões acadêmicas. A necessidade de uma e de outra, de achar novos aspectos musicais e técnicos que lhes
permitissem maior desenvolvimento e aprofundamento em aspectos valorativos das identidades regionais,
nacionais e latino-americanas" [Tradução livre].
31
O encontro abrangeu aspectos artísticos, musicais e técnicos de grande importância para os músicos populares
e para sua projeção em novos âmbitos de difusão e desenvolvimento, como o da universidade. As atividades
desenvolvidas no interior da escola de música tiveram grande significado e abarcaram as ideias que o diretor da
Faculdade de Artes Lars Nilsson propiciou durante sua gestão: a união das músicas, independentemente dos seus
gêneros e procedências, em favor de uma atividade e um âmbito superador. [Tradução livre].
35

expresiones artísticas y culturales del país. Depende de nosotros mismos, del calor,
la pasión, dedicación, seriedad y respeto que le demos a las músicas populares,
principalmente aquellas que sentimos enraizadas en "Nuestra América". / Prof.
Leopoldo G. Martí, coordinador del encuentro32 (DIARIO LOS ANDES, 23 nov.
2003).

1.5 A FAD-UNCUYO e as iniciativas relacionadas com o ensino e a pesquisa da cultura


latino-americana.

A chegada do professor Lars Nilsson à faculdade de Artes da UNCUYO, como


diretor, em 2002, “propiciou o apoio aos projetos relacionados à música popular e à
integração cultural latino-americana” (MARTÍ, 2014, p.177). Prova disso foi a consolidação
do Mestrado em Arte Latino-Americana e do Mestrado em Interpretação de Música Latino-
Americana do século XX.
A este respeito, a Professora Beatriz Plana33, que participou da criação do curso de
mestrado, comentou, em entrevista para a Edición Cuyo34, realizada em 5 de maio de 2012,
sobre o marco institucional que propiciou a aparição dos novos cursos de pós-graduação:

La Maestría en Interpretación de Música Latinoamericana del S XX surge en el año


2002, en un marco institucional muy interesante que fue el decanato de Lars
Nilsson, donde se puso una impronta muy fuerte sobre los estudios
latinoamericanos. Ya estaba en la Facultad de Artes y Diseño el antecedente de la
Maestría en Arte Latinoamericano (MAL) que fue la primera carrera de posgrado
que se dedicó a estos estudios. Después surgió la Maestría en Estudios
Latinoamericanos (MEL) en Ciencias Políticas, pero fue posterior.
Esta carrera dedicada al estudio del Arte Latinoamericano, fue un puntapié inicial
muy interesante que marcó nuestra facultad en esta intención profunda de estudiar
nuestras raíces y nuestro mundo cultural que es tan amplio, porque tenemos una
influencia europea y de muchos otros países muy grande, sobre todo en la música-.

32
O balanço foi altamente positivo, por termos conseguido reunir 200 músicos e estudantes para trabalhar e
desenvolver aspectos fundamentais vinculados à música popular junto com Chango Farías Gómez, Juan Falú,
Juan Lázaro Méndolas, Jorge Marziali, Luna Monti, Juan Quintero, Juampi Di Leone, Gonzalo de Borbón, Pepe
Sánchez, Gabriel Correa, Alejandra Bermejillo, Horacio Díaz, Ricardo Mansilla, Analía Garcetti, Guitarras
Cuyanas, Grupo Quimey e o coral Novas Vozes. O que aconteceu aqui foi, com certeza, muito importante e deu
início a uma nova etapa para a música em Mendoza, no âmbito da Universidade Nacional de Cuyo. Só resta
aproveitar esta inércia, para que Mendoza continue sendo um referencial das expressões artísticas e culturais do
país. Depende de nós, do calor, da paixão, da dedicação, da seriedade e do respeito que dermos para nossas
músicas populares, principalmente aquelas que sentimos enraizadas na ‘Nossa América’ [Tradução livre, aspas
do autor, Prof. Leopoldo G. Martí, coordenador do encontro].
33
Mestre em Interpretação de Música Latino-Americana do Século XX, Bacharel em flauta, Professora da
Graduação e da Pós-Graduação, pesquisadora em música contemporânea latino-americana para flauta na
UNCUYO e Primeira Flauta da Orquestra Filarmônica de Mendoza (Informações: Secretaria de Pós-Graduação
da Faculdade de Artes).
34
Jornal digital da Universidade Nacional de Cuyo. Disponível em:
< http://edicionuncuyo.com/novedades/index/crece-desde-el-pie-musiquitaun-recorrido-por-la-propuesta-de-la-
maestria-en-interpretacion-de-musica-latinoamericana-del-siglo-xx > Acesso em 07 de abril de 2014.
36

Entonces, esta carrera surge con una parte en común con la MAL, pero pone el foco
en este perfil que es muy específico, y tiene que ver con el rol del interpretador. 35

A universidade vinha concretizando outros projetos em relação à cultura latino-


americana e à música popular, entre eles, a realização do Primeiro Colóquio Internacional de
Arte Latino-americano, Gestão Cultural e Meios de Comunicação 36; as Jornadas para
docentes de Regência Coral sobre "A música popular no estudo da direção do coral",
organizadas pela Associação de Diretores de Coro da República Argentina (ADICORA) da
Faculdade de Artes e a criação da "Cátedra aberta de design latino-americano".

1.5.1 Aprovação do Projeto do curso de MPL na FAD-UNCUYO

Segundo consta no plano de estudos da carreira, que responde aos critérios


orientadores da Ord. 8/99 CS UNCUYO, o marco legal da proposta apresentada foi
constituído pela Lei Federal de Educação (Nº 24.195), a Lei de Educação Superior (Nº
24.521), seu decreto regulamentário (Nº 4.991), pelo Estatuto Universitário da Universidade
Nacional de Cuyo e pelos objetivos institucionais da Faculdade de Artes 37.
A proposta foi apresentada ao Conselho Diretivo da FAD e ao Conselho Superior
do Reitorado da UNCUYO em 2003, sendo aprovada em outubro do mesmo ano.
Em referência à aprovação do projeto, o professor Martí (2014), expõe:

En 2003 realicé la presentación del proyecto de la Licenciatura en Música Popular al


Consejo Directivo de la Facultad de Artes y Diseño, yo como Profesor Coordinador,
con el aval de la Secretaria Académica que en ese momento era la Prof. Alicia
Romero de Cutropía, el Decano Prof. Lars Nilsson y el Centro de Estudiantes con la
Dirección del alumno Walter Pérez. La orientación estuvo a cargo del equipo de
asesores de la Secretaría Académica del Rectorado: la Prof. Juana María Verstraete y
la Prof. Estela Zalba. Luego de ser aprobado por el Consejo Directivo, el proyecto
pasó al Consejo Superior consiguiendo su aprobación, en el mismo momento en que
inaugurábamos el 1° Encuentro de Música Popular en octubre de 2003. Los medios

35
O Mestrado em Interpretação da Música Latino-Americana do Século XX surgiu no ano 2002, num marco
institucional muito interessante, que foi a direção da Faculdade de Artes pelo Professor Lars Nilsson, que
favoreceu fortemente os estudos latino-americanos. Na FAD, já tínhamos o antecedente da criação do Mestrado
em Arte Latino-Americano (MAL), o primeiro curso de pós-graduação orientado para esses estudos. Depois
surgiu o Mestrado em Estudos Latino-Americanos (MEL) em Ciências Políticas. O curso dedicado ao estudo da
arte latino-americana foi o pontapé inicial que incentivou a nossa faculdade ao estudo profundo das nossas raízes
e de nosso mundo cultural, que é tão amplo, porque temos influência européia e de muitos outros países,
sobretudo na música. E esse curso surgiu, integrando-se ao MAL, mas pôs o foco num perfil específico: o rol do
intérprete [Tradução livre].
36
Disponível em: <http://bdigital.uncu.edu.ar/165> . Acesso em: 8 abr. 2014.
37
Plano de estudos da Licenciatura em Música Popular da Facultade de Artes e Design (FAD) da Universidade
Nacional de Cuyo (UNCUYO). Ord. n. 119/'03. Conselho Superior.
37

de comunicación también se hicieron 'eco' y fue aprobado por unanimidad (MARTÍ,


2014, ANEXO B, pp.175-184)38.

1.5.2 Perfil de egresso

O curso de música popular latino-americana propõe um perfil de egresso que


disponha das competências necessárias em relação aos recursos técnicos e interpretativos
próprios das linguagens da música da América Latina, que manipule com fluidez as
ferramentas tecnológicas vinculadas à atividade e à informática musical, em prol do
desenvolvimento de suas habilidades como intérprete, compositor e diretor musical. O
graduando poderá, então, atuar como instrumentista em diferentes gêneros e estilos de MPA e
MPL -como solista ou em grupos -, compor, produzir e arranjar música para trilhas sonoras e
gravação de discos.

Com respeito à pesquisa, o desenvolvimento de aptidões que visem à capacitação,


atualização e aperfeiçoamento no campo da interpretação, da composição e da produção
musical apresenta-se como um dos principais objetivos do graduando, que o levará a cabo por
meio da participação cooperativa e interdisciplinar, com compromisso e respeito pela
diversidade cultural e pela equidade social. Profissionalmente, ele terá capacidade para
conduzir e avaliar projetos musicais - potencializando os valores identitários da cultura
regional-, realizar estudos, pesquisas e assessoramentos nas áreas de produção, interpretação e
composição vinculadas à música popular e desenvolver produções relacionadas à rádio,
televisão, cinema, vídeo e multimídia39.

1.5.3 Integralização

O BMP oferece cinco cursos: violão, teclados, sopros, percussão e canto. Para
graduar-se nestes, o aluno deve ser aprovado num total de 28 disciplinas obrigatórias -

38
"Em 2003 realizei a apresentação do projeto de Bacharelado em Música Popular ao Conselho Diretivo da
Faculdade de Artes e Design, eu, como professor - coordenador, com o apoio da secretária acadêmica, que
naquela época era a Profa. Alicia Romero de Cutropia, do diretor da Faculdade de Artes - Prof. Lars Nilsson - e
o diretor do Centro de Estudantes, o aluno Walter Perez. A orientação foi dada pela equipe de assessoria da
Secretaria Acadêmica do Rectorado formada pela Profa. Juana Maria Verstraete e a Profa. Estela Zalba. Perto de
ser aprovado pelo Conselho Direito, o projeto foi obteve a aprovação do Conselho Superior, ao mesmo tempo
em que inaugurou o 1º Encontro de Música Popular, em outubro de 2003. Os meios de comunicação divulgaram
os acontecimentos, o que facilitou a aprovação por unanimidade do projeto" [Tradução nossa].
39
Plan de estudios de la Licenciatura en música popular. Facultad de Artes y Diseño (FAD) Universidad Nacional de Cuyo
(UNCUYO) Ordenanza Nº: 119/’03 Consejo Superior.
38

correspondentes a 2.800 horas (ver Quadro 1) - e optativas- correspondentes a 200 horas (ver
Quadro 2). Esta carga horária total pode ser cumprida em 08 semestres.
Quadro 1- Disciplinas obrigatórias.

Disciplinas obrigatórias Carga anual

1º ANO

1 Áudio perceptiva I 84 horas


2 Técnica I 96 horas
3 Interpretação I 128 horas
4 Música Popular I 96 horas
5 Instrumento complementar 64 horas
6 Harmonia Geral 84 horas
2º ANO
7 Áudio perceptiva II 84 horas
8 Técnica II 96 horas
9 Interpretação II 128 horas
10 Música Popular II 96 horas
11 Música de conjunto I 96 horas
12 Harmonia Aplicada 84 horas
13 Canto Coral 64 horas
14 Produção I 96 horas
15 Contraponto 56 horas
3ª AÑO
16 Técnica III 96 horas
17 Interpretação III 128 horas
18 Música popular III 96 horas
19 Música de conjunto II 96 horas
20 Oficina de arranjos 84 horas
21 Produção II 96 horas
22 Análise e morfologia musical 96 horas
23 Pensamento e Arte Latino americano 56 horas
4º ANO
22 Técnica IV 96 horas
23 Interpretação IV 128 horas
24 Música Popular IV 96 horas
25 Música de conjunto III 96 horas
26 Produção III 96 horas
27 Produção e gestão de espetáculos 48 horas
28 Seminário/Tese 200 horas

Fonte: Plano de estudos do curso de Bacharelado em Música Popular da Faculdade de Artes e


Design (FAD) da Universidade nacional de Cuyo (UNCUYO). Ord. n. 119/'03. Conselho
Superior.
39

Quadro 2. Disciplinas optativas. Critérios para escolha.

Disciplinas optativas complementares Carga anual


29 Cátedra aberta de música popular 48 horas
30 Seminário aberto 48 horas
31 Oficina de etnomusicologia 60 horas
32 Oficina de literatura e contexto 96 horas

Fonte: Plano de estudos do curso de Bacharelado em Música Popular da Faculdade de Artes e


Design (FAD) da Universidade nacional de Cuyo (UNCUYO). Ord. n. 119/'03. Conselho
Superior.

1.5.4 Disciplinas optativas de aprofundamento ou vocacionais

O aluno deverá escolher, de uma lista que a Faculdade de Artes oferece a cada
ano, as disciplinas necessárias para completar a carga mínima exigida pelo curso. Também
poderá optar pelas disciplinas de outras instituições de educação superior da Universidade
Nacional de Cuyo ou de outras universidades, desde que suas solicitações sejam aprovadas
pelo Conselho Diretivo da FAD e aceitas pela instituição requerida, segundo estabelece o
regulamento Nº65/87 do Conselho Superior da UNCUYO. A carga horária total poderá ser
igual ou superior ao mínimo de 3.000 horas-aula e esta dependerá da carga horária das
disciplinas optativas.

1.5.5 Objetivos do curso

O curso se propõe a formar bacharéis com habilidades em música popular, aptos a


compreender e comprometer-se com as transformações da sociedade, no contexto
sociocultural e educativo da província de Mendoza, porém projetando as conquistas em nível
regional, nacional e internacional. Objetiva, portanto, profissionais competentes, ativos,
reflexivos, éticos e críticos no exercício de sua atividade, capazes de desenvolver espaços de
inovação, ensino, experimentação e difusão de novas propostas em música popular nos
diferentes âmbitos institucionais e sociais.

1.5.6 Os conteúdos mínimos, propostos no plano de estudos de 2003, relacionados ao


universo folclórico latino-americano.

O plano de estudos, no currículo de 2003 e ainda vigente, apresenta uma proposta


de conteúdos mínimos requeridos para cada ano de estudo, em todas as orientações dos
40

cursos.
Para o primeiro ano, propõe o conhecimento, prática e estudo dos “ritmos,
cadencias y particularidades musicales de las especies de las regiones Noroeste, Centro
Norte, Cuyo y Riojana de Argentina”, desenvolvendo “repertorios folklóricos y de diversos
40
autores, pertenecientes a las regiones folclóricas detalladas” (PLANO DE ESTUDOS,
2003, p. 12).
Para o segundo ano, o conhecimento, prática e estudo dos “ritmos, cadencias y
particularidades musicales de especies de las regiones folclóricas Litoral, Pampeana y
Porteña, en las diversas etapas cronológicas de su desarrollo” desenvolvendo “repertorio de
41
obras folklóricas y de autores de las regiones folklóricas detalladas” (PLANO DE
ESTUDOS, 2003, p. 13). Para o terceiro ano, o conhecimento, prática e estudo das
“características musicales y técnicas, en la música folklórica de Uruguay, Chile, Bolivia,
Perú, Brasil y Paraguay” desenvolvendo “repertorio das principales especies folclóricas y
obras de autores representativos de los países detallados” 42 (id, ibid., p. 13).
Para o quarto ano, o conhecimento, prática e estudo das “características
musicales y técnicas, en la música folklórica de Ecuador, Colombia, Venezuela,
Centroamérica, Caribe y México”, desenvolvendo “repertorio de las principales especies
folklóricas y obras de autores representativos de los países detallados” 43 (id, ibid., p. 13).
Consideramos importante citar em detalhes a proposta planejada para cada ano,
com a intenção de chamar atenção para os termos música folclórica e espécies folclóricas, em
referência aos conteúdos e repertório dos países em estudo. Observamos, no plano de estudos
do terceiro e quarto anos, novos termos relacionados a este universo musical:

Incorporar en su interpretación las características musicales de las principales


expresiones folclóricas Latinoamericanas a través de las obras de distintos autores
y estilos del repertorio de la música de raíz folclórica de Uruguay, Chile, Bolivia,
Perú, Brasil y Paraguay. [ terceiro ano] (PLANO DE ESTUDOS, 2003, p. 13)
[Grifos nossos].
40
"ritmos, cadências e particularidades musicais das regiões Noroestes, Centro Norte, Cuyo e Riojana da
Argentina", desenvolvendo "repertórios folclóricos e de diversos autores, pertencentes às regiões folclóricas
detalhadas" [Tradução nossa].
41
"ritmos, cadências e particularidades musicais das regiões folclóricas do litoral, portenha e da província de La
Pampa, nas mais diversas etapas cronológicas de seu desenvolvimento", desenvolvendo "repertório de obras
folclóricas e de autores das regiões folclóricas destacadas" [Tradução nossa].
42
"características musicais e técnicas da música folclórica do Uruguai, Chile, Bolívia, Peru, Brasil e Paraguai",
desenvolvendo "repertório dos principais gêneros folclóricos e obras de autores representativos dos países
destacados" [Tradução nossa].
43
"Características musicais e técnicas da música folclórica do Equador, Colômbia, Venezuela, Centro - América,
Caribe e México, desenvolvendo repertório dos principais gêneros folclóricos e obras de autores representativos
dos países destacados" [Tradução Nossa].
41

Incorporar en su interpretación las características musicales de las principales


expresiones folclóricas Latinoamericanas y a través de las obras de distintos
autores y estilos del repertorio de la música de raíz folclórica de Ecuador,
Colombia, Venezuela, Centroamérica, Caribe y México [quarto ano]44 (id, ibid.)
[Grifos nossos].

Um dos textos que deu sustentação teórica à proposta do plano de estudos,


45
segundo Martí (2014), em entrevista, foi “América latina en su música” (1980) , da
pesquisadora argentina Isabel Aretz. Neste trabalho, a autora procura esclarecer o panorama
das expressões musicais latino-americanas a partir de quatro elementos culturais, que de
modos diversos e, muitas vezes, complexos, caracterizaram a raiz musical do continente. São
estes: o indígena, o africano, o europeu e os grupos que imigraram em massa para estes países
após os movimentos de independência no século XIX.

Así, pues, solo con fines didácticos y esquemáticos podemos hablar de tres raíces de
la música latino-americana, un poco pasando sobre todo, y mostrando en una especie
de caleidoscopio algunos de los elementos musicales de procedencia europea,
indígena y africana, que se manifiestan marcadamente en la música folclórica y
artística de nuestro continente, y siguiendo los resultados de investigaciones
parciales de los principales investigadores de los diversos países de América Latina
(ARETZ, 1980, p.35).46

O conceito música de raiz folclórica começa a aparecer na América Latina por


volta da década de 1970, substituindo o termo música folclórica47. Segundo Varela (1980,
p.07), o fato folclórico ‘‘requer criação popular - portanto não erudita-, espontânea, anônima,
de transmissão oral, com plena vigência e pertencente a determinada localização geográfica,
isto é, aonde reside”.
A música produzida e difundida a partir do aparecimento da fonografia nos
centros urbanos deixa de pertencer, no sentido estrito do conceito, à música folclórica, já que

44
Respectivamente: "Incorporar na sua interpretação as características musicais das principais expressões
folclóricas latino-americanas e através das obras de diversos autores e estilos de repertório de música de raiz
folclórica do Uruguai, Chile, Bolívia, Peru, Brasil e Paraguai” e "Incorporar na sua interpretação as
características musicais das principais expressões folclóricas latino-americanas e através das obras de diversos
autores e estilos de repertório de música de raiz folclórica do Equador, Colômbia, Venezuela, América Central,
Caribe e México" [tradução nossa]. Plano de estudos do curso de Licenciatura em Música Popular da FAD
UNCUYO. Ord. n. 119/'03. Conselho Superior.
45
ARETS, 1980.
46
Assim, apenas para fins didáticos e esquemáticos podemos falar sobre três raízes da música latino-americana ,
mostrando numa espécie de caleidoscópio alguns dos elementos musicais de procedência europeia , indígena e
africana, que se manifestam na música folclórica e artística do nosso continente , segundo os resultados parciais
de investigações dos principais pesquisadores de vários países da América Latina.
47
De acordo com Varela (1980), a palavra Folklore é derivada de uma antiga palavra
saxônica, com duas raízes: folk - povo e lore - saber, podendo ser traduzido, portanto, como o saber popular.
42

vários de seus elementos perdem o caráter que possuíam originalmente. Os territórios se


ampliam, aparecem as músicas com autoria e a transmissão já não se dá, exclusivamente, na
forma oral, razão pela qual foi preciso elaborar outros termos para nomear as músicas
pertencentes ao universo folclórico.
Segundo González (2013), na música do Chile, foi durante o boom da música
andina e a rearticulação do movimento dos cantautores que nasceu o conceito de “raiz
folclórica”:

Fue durante el boom de la música andina y la rearticulación del movimiento de


cantautoría que nació el concepto de raíz folclórica. Esta iniciativa respondía a una
estrategia de la segunda generación de cantautores chilenos (1970-1980) agrupados
en el llamado Canto Nuevo, para proteger y legitimar el campo de la canción de
autor basada libremente en un folclor de distinta procedencia. Esto lo hacían en un
contexto políticamente adverso y ante los cuestionamientos de autenticidad
manifestados desde el purismo folclorista y nacionalista de la época (GONZÁLEZ,
2013, p.193) 48.

Segundo Martí (2014) no marco da criação do Bacharelado em Música Popular, o


termo música de raiz folclórica argentina e latino-americana foi utilizado a fim de “evitar
discussões sobre o conceito de folclore e, ao mesmo tempo, para nomear um amplo leque de
criações e recriações posicionadas frente ao tradicional, que possibilitassem novos olhares,
inclusive os vanguardistas” (MARTÍ, 2014, ANEXO B, pp.175-184) 49.

1.5.7 Os conteúdos do curso e a criação de uma metodologia de ensino-aprendizado.

Destacando que a pesquisa está centrada nos conteúdos do curso de canto em


MPL, terceiro ano, referidos à música do Brasil, é importante assinalar como são entendidos,
neste contexto, os conceitos de música folclórica, espécies folclóricas e música de raiz
folclórica quando aplicados ao universo da música popular brasileira.
Com o intuito de aprofundar as questões relativas aos fundamentos da escolha dos
conteúdos da proposta curricular, perguntamo-nos se existiriam conexões entre estes e a
48
"Foi durante o boom da música andina e a rearticulação do movimento de 'cantautoria' que nasceu o conceito
de raiz folclórica. Foi uma iniciativa que respondeu a uma estratégia da segunda geração de cantautores chilenos
(1970-1980) agrupados no movimento chamado Canto Novo, com a intenção de proteger e legitimar o campo da
canção com autoria baseada livremente em um folclore de diferente procedência. Foi gerado em um contexto
político adverso e em resposta aos questionamentos de autenticidade manifestados pelo purismo folclorista e
nacionalista da época"[tradução nossa].
49
Tradução [nossa] do depoimento original: “En el marco del proyecto de creación de la Lic. en MP convenimos
en utilizar el término 'música de raíz folclórica argentina y latino-americana', para que de esa manera
podamos: Evitar discusiones anacrónicas sobre el concepto de ‘lo folklórico’ y albergar un abanico amplio de
creaciones y recreaciones a partir del concepto de la 'raíz folclórica', en una gama que se acerque neta y
claramente a lo 'tradicional' y que también posibilite nuevas 'miradas', inclusive de la llamada 'vanguardia'.
43

criação de uma metodologia de ensino e aprendizagem que caracterizasse o curso.


Constatamos, pelos depoimentos do coordenador - Prof. Leopoldo Martí -, que os
conteúdos foram organizados segundo uma concepção geográfica e geopolítica, começando
com as regiões folclóricas argentinas, tradições de estudo e pesquisa existentes desde finais do
século XIX50. Dada a abrangência e a profundidade do assunto, optamos por inserir, na
íntegra, a transcrição dos mesmos:
La delimitación de los contenidos fue pensada desde una concepción geográfica o
geopolítica, y así mismo el abordaje musical, desde el conocimiento profundo de los
géneros musicales de cada región. En los casos de los géneros que son danzas como
por ejemplo: chacarera, gato, zamba, escondido, cueca cuyana, cueca norteña entre
otros, podemos decir que se desprenden de un mismo árbol genealógico, de un
mismo complejo con características propias. De esta manera, la concepción de
enseñanza aprendizaje en las materias de MP que yo dicto, está dirigida a que los
alumnos puedan adquirir las herramientas necesarias para poder comprender,
analizar e interpretar nuevos géneros musicales de un grupo determinado, partiendo
de un género base Por ejemplo a través de las características de la chacarera, poder
analizar la huella, o el triunfo, o el escondido. En diferentes momentos de la historia
de la música popular existieron propuestas que a lo largo del tiempo conformaron
estilos. Hablar del estilo interpretativo en la música cuyana de Hilário Cuadros o del
estilo compositivo armónico de Cuchi Leguizamón en los géneros musicales del
norte argentino; o del estilo interpretativo vocal de Carlos Gardel en el tango, son
algunos de los ejemplos que demuestran cómo ciertos autores, cultores, intérpretes o
arregladores se apropiaron de géneros musicales y le dieron una impronta particular
que perduró en el tiempo conformando una referencia estética. En ese sentido es
válido argumentar que la organización de contenidos del plano de estudios de la
carrera derivó de hecho en una metodología de enseñanza-aprendizaje basada en el
estudio de géneros y estilos musicales. Entonces, podríamos decir, que se estudia el
género en primera instancia y luego cómo ese género fue tratado a través distintas
corrientes estilísticas (MARTÍ, 2014, ANEXO B, pp.175-184)51.

50
Os esforços para recuperar o folclore nacional ocorrem desde fins do século XIX na Argentina, impulsionados
pelos compiladores Ernesto Padilla, Andrés Chazarreta e Juan Alfonso Carrizo e pelos compositores - cantores
como Saúl Salinas. A música folclórica começa a difundir-se, então, pelo Norte do país e, a partir dos anos 1920,
se projeta nacionalmente. Informação disponível em:
<http://es.wikipedia.org/wiki/Historia_de_la_m%C3%BAsica_folkl%C3%B3rica_de_Argentina> Acesso em 14
de junho de 2014.
51
“A delimitação dos conteúdos foi pensada segundo uma concepção geográfica ou geopolítica e, ao mesmo
tempo, conforme a abordagem musical, a partir do conhecimento profundo dos gêneros musicais envolvidos em
cada região. No caso do gênero dança, por exemplo, chacarera, gato, escondido, zamba, cueca cuyana, cueca
nortenha, entre outros; partem de uma mesma árvore genealógica, de um mesmo complexo com características
próprias. Dessa maneira, a concepção do ensino-aprendizado nas disciplinas de Música Popular que eu ministro
está direcionada à ideia de que os alunos possam acrescentar as ferramentas necessárias para conseguir
compreender, analisar e interpretar novos gêneros musicais de um grupo determinado, partindo de um gênero
base. Por exemplo, por meio das características da chacarera, poder analisar a huella, o triunfo, o escondido. Na
história da música popular existiram propostas que, ao longo do tempo, conformaram estilos musicais. O estilo
interpretativo na música folclórica cuyana de Hilário Cuadros, o estilo harmônico composicional de Cuchi
Leguizamón nos gêneros musicais do norte argentino ou o estilo interpretativo vocal de Carlos Gardel no tango
são alguns dos exemplos que demonstram o modo como certos autores, compositores, cultores, intérpretes ou
arranjadores musicais se apropriaram dos gêneros musicais e lhes deram um tratamento pessoal que perdurou no
tempo, criando uma referência estética. Nesse sentido, é valido argumentar que a escolha na organização dos
conteúdos no plano de estudos do curso em música popular latino-americana derivou, de fato, de uma
metodologia de ensino baseada no estudo de gêneros e estilos musicais, em que primeiro se estudam os gêneros e
depois seu tratamento, por meio das diferentes correntes estilísticas” [Tradução livre do depoimento gravado].
44

Neste depoimento, o professor elucida bem a relação entre a escolha de conteúdos para
a constituição curricular do curso e a posterior metodologia de ensino e narra a própria
experiência com as disciplinas Música Popular I e II, por ele ministradas, nas quais os
conteúdos são abordados a partir da escuta, da leitura de bibliografia específica e do trabalho
desenvolvido nas práticas em grupo.

1.5.8 As disciplinas centrais do estudo do instrumento: “Técnica” e “Interpretação”.

A proposta de duas disciplinas diferenciadas, direcionadas ao estudo do


instrumento, inicialmente, “foi uma determinação do Diretor da Faculdade de Artes, o Prof.
Lars Nilsson52, fundamentado na experiência própria como músico acadêmico e popular”
(MARTÍ, 2014). O conhecimento das duas correntes musicais, a erudita e a popular,
propiciou-lhe uma visão muito positiva a respeito do projeto do Bacharelado em Música
Popular. Ele fomentou a integração do novo projeto com as carreiras de música já existentes
na universidade. “Afirmava que, para não produzir um distanciamento entre elas, seria
necessário integrá-las, incorporando conteúdos e disciplinas da modalidade erudita na
modalidade popular” (id, ibid.).
Chegou-se, assim, à ideia da incorporação das disciplinas de Técnica em cada
orientação de instrumento, a ser ministrada pelo professor responsável pelas mesmas nos
cursos de música erudita. Posteriormente o aluno passaria, então, pelo professor de
Interpretação, que teria a função de transmitir os conhecimentos em gêneros e estilos de
música popular, correspondentes a cada ano de estudo. A técnica clássica seria, então,
adaptada às necessidades do repertório.

De esta manera el alumno tiene dos profesores para el estudio de su instrumento:


uno que le enseña la técnica y otro que le permite desarrollar los aspectos vinculados
a los lenguajes, a los estilos, las corrientes etc. Esta incorporación nos pareció
importante por lo novedosa, y de hecho al principio fue difícil articular criterios
entre los docentes que participaban en el proyecto. En algunos casos los problemas
se suscitaron porque la enseñanza de la técnica estaba muy vinculada a ciertos
géneros y estilos de la música clásica de herencia europea, que no eran compatibles

52
Lars Nilsson é um importante flautista de formação erudita, nascido na Suécia. Estudou no seu país de origem
e, posteriormente, especializou-se em diferentes lugares da Europa. Foi, então, para Mendoza (Argentina), onde
desenvolveu uma atividade acadêmica muito importante: foi professor de flauta na UNCUYO, participou da
Orquestra Sinfônica da universidade e no quinteto de sopros, atividades relacionadas à música erudita. No campo
da música popular foi um dos fundadores do grupo MARKAMA, de música folclórica andina, criado na década
de 1970 e que teve grande repercussão na região, no país e na América Latina.
45

con el desarrollo de las propuestas de interpretación en géneros y lenguajes de raíz


folclórica latinoamericana (id., ibid.) 53.

O Prof. Martí expõe, ainda, a respeito das primeiras experiências de articulação


entre professores das disciplinas de técnica e de interpretação nas orientações de canto:

En la orientación canto se suscitó un problema en relación a la enseñanza técnica de


los cantos con caja54, que son cantos rústicos que requieren de una colocación de
sonido que la tradición de la técnica clásica europea consideraría incompatible con
sus patrones técnicos. Esos cantos tradicionales y ancestrales necesitan ser
abordados desde el conocimiento de una técnica específica y particular, que solo el
estudio de campo a través de la investigación puede proporcionar. Considerando que
el profesor de interpretación es el especialista en lenguajes de la música popular, es
quien se encuentra más capacitado para facilitar ese abordaje y al mismo tiempo
quien puede articular junto al profesor de técnica una metodología de enseñanza -
aprendizaje acorde a ese contenido (id., ibid.) 55.

Sobre a relação entre ensino e aprendizagem das músicas populares nas


instituições latino-americanas, o artigo de Aharonián (2009), vem trazer algumas
considerações que achamos oportunas citar e confrontar com os depoimentos do Prof. Martí:

Una baguala o una vidala puede ser un elemento identitário pero, según cómo se la
trate, puede convertirse en una apropiación indebida, dentro del propio país, de un
potencial despojador frente al indefenso despojado. Mientras tanto, el aprendizaje de
la particularísima emisión vocal del sistema cultural del noroeste argentino, de clara
raíz prehispánica, puede ser útil para sacudirse de encima, de alguna manera y en
alguna medida, los esquemas de emisión vocal impuestos y bendecidos por el
sistema de poder56 (AHARONIÁN, 2009, p.66).

53
“Desta forma, o aluno tem dois professores para o estudo do seu instrumento. Um que lhe ensina técnica e
outro que lhe permite desenvolver aspectos vinculados aos estilos e às linguagens. Achamos uma novidade esta
incorporação e, de fato, no começo foi difícil articular critérios entre os professores que participavam do projeto,
especialmente porque, em alguns casos, o ensino da técnica estava muito ligado aos estilos da música erudita
européia, que não eram compatíveis com as propostas de interpretação em gêneros e linguagens da música
popular latino-americana” [Tradução livre de depoimento gravado].
54
"O canto andino com caja cobre o noroeste argentino [...]. Canta-se em quíchua (língua indígena) e em
espanhol. Sua origem remonta às primeiras manifestações musicais da vida humana. Voz e percussão aparecem
simultaneamente na origem musical [...]. As mulheres são grandes protagonistas do canto com caja, fato que não
ocorre no folclore musical crioulo, onde a mulher não tem participação, salvo na dança" [tradução nossa]
(VALLADARES, 2000, p.25).
55
“Na orientação ao canto se suscitou um problema relativo ao ensino técnico dos cantos 'con caja', cantos
rústicos que requerem o aprendizado de uma técnica de colocação de som que a tradição da técnica clássica
europeia consideraria incompatível com os padrões que sustenta. Esses cantos tradicionais e ancestrais
necessitam do desenvolvimento de uma técnica específica e particular, baseada no aprofundamento dos
conhecimentos nessa área por meio da pesquisa. Considerando que o professor de interpretação é o especialista
em linguagens da música popular, é ele que se encontra mais capacitado para facilitar esta abordagem e a
articulação, neste caso com o professor de técnica, seria para adequar, conjuntamente, uma metodologia para
esse ensino” [Tradução nossa].
56
"Uma baguala ou uma vidala pode ser um elemento identitário, mas também pode se converter em uma
apropriação indevida, dentro do próprio país, de um potencial despojador diante do indefenso despojado. Por
enquanto, o aprendizado da particular emissão vocal do sistema cultural do noroeste argentino, de clara
46

A respeito do modelo de emissão a ser tomado como referência pelo cantor no


aprendizado dentro de uma instituição de ensino superior em música popular, o autor indica
que, tanto o operístico, quanto o modelo de tradição europeia não têm vigência na música
popular dos últimos cem anos na América Latina e na Europa. Assinala que “músicos como
Gardel57, Razzano58 ou Corsini59, que vieram da técnica do estilo rio-platense, ou João
Gilberto, que inventou as regras de jogo da bossa nova, que iriam permanecer longo tempo
como estética do canto no Brasil; são criadores da sua própria técnica vocal” [tradução
nossa] (AHARONIÁN, 2009, p.43). Conclui-se, portanto, que a técnica a ser transmitida,
segundo o autor, deveria cuidar da “universalidade”, baseada nas “questões fisiológicas e
referentes à saúde vocal”, sem interferir na estética da emissão. Em sua opinião, “essa
modalidade de ensino deixaria liberdade ao cantor para poder se referenciar diante dos
modelos já instituídos em cada estilo musical” (id.,ibid.).
Se enfocarmos as músicas populares latino-americanas e seu ensino fora da
instituição, chegaremos a metodologias baseadas na escuta e na imitação. Assim, filhos de
bagualeros60, da região Noroeste da Argentina, são capazes de cantar com uma emissão vocal
diferenciada, caracterizada por uma particular utilização das ressonâncias, com projeção e
dinâmica adequadas ao canto a capella em espaços abertos, onde a sustentação permite a
propagação do volume e havendo quebra de som no agudo que conduz a voz para o falsete
(chamado canto com kenco61, de herança indígena), executada com facilidade de expressão na
construção de coplas improvisadas, entre outras características do gênero.
A abordagem deste repertório dentro de uma instituição educativa requer, do

procedência pré-hispânica, pode ser útil para sair dos esquemas de emissão vocal impostos e abençoados pelo
sistema de poder" [Tradução nossa].
57
Carlos Gardel, cantor de tango argentino.
58
José Razzano, cantor de tango uruguaio.
59
Ignácio Corsini, cantor de tango argentino, de origem italiana.
60
A baguala é um gênero musical folclórico originário do noroeste da Argentina que descende das comunidades
diaguitas que moravam nos Vales Calchaquíes. É uma forma musical não dançável. Difundiu-se, principalmente
entre a população indígena desta região, mas acredita-se que deriva das antigas toadas espanholas. Consiste num
canto de versos octossílabos, frequentemente improvisados de maneira espontânea, acompanhado por um ritmo
ternário de tempo lento muito uniforme, marcado por um instrumento de percussão chamado caja, sempre
tocado por quem canta. Este tipo de canto con caja integra um ritual sagrado e festivo característico da cultura
andina. Informação disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Baguala> Acesso em 30 de maio de 2014.
A baguala é tritônica (três notas de acorde perfeito maior) e carece de sustento harmônico. Canta-se
acompanhado da caja que é um tambor indígena. Quando se canta em conjunto o canto é ao uníssono ou em
oitavas (mulher e homem). (VALLADARES, 2000, p.18, tradução livre nossa).
61
Canto feminino com quebra da voz para o falsete. O canto com kenko é uma técnica típica do cancionero
tritónico da região Norte da Argentina e Sul da Bolívia, sobrevivente da cultura indígena anterior à conquista
incaica.
47

aluno, o uso de técnicas relativas ao desenvolvimento da fonação dentro da expressão cantada.


Qualquer técnica que proponha exercícios de relaxamento, respiração, emissão, utilização das
ressonâncias, projeção, expressividade, dinâmica, extensão da voz, sustentação, flexibilidade
e agilidade vocal outorgaria as ferramentas básicas para esta abordagem. Mas, como seriam
abordadas questões específicas de gênero dentro da instituição? Como faria o professor para
ensinar o canto com kenco como técnica, sem antes ter pesquisado e desenvolvido tal
habilidade? Poderia um cantor referenciar-se como intérprete, diante dos modelos instituídos
em cada estilo musical, se não possui a experiência com os mesmos e desconhece as
possibilidades do seu próprio instrumento? Deixamos em aberto estas perguntas, a serem
respondidas nas considerações finais do trabalho.
A respeito do curso de violão, o professor Martí destaca a importância do
especialista em linguagens da música popular na conformação de metodologias de ensino
técnico, abordando aspectos não estudados no contexto da música erudita:

En el caso de la orientación en guitarra I, el estudio de la técnica clásica o erudita no


puede abordar una técnica que es netamente de raigambre popular: la técnica de los
rasguidos62. Si bien, podemos decir que el rasguido de la guitarra es de herencia
europea y que en latinoamérica constituye el alma de los géneros de raíz folclórica,
los profesores de guitarra de formación clásica no solo no conocen la técnica, sino
que nunca la han interpretado ni enseñado. En mi caso como profesor de la
disciplina Interpretación en guitarra I y músico intérprete de música latinoamericana,
desarrollé una metodología de enseñanza de los rasguidos de chacarera, zamba,
carnavalito, cueca cuyana, entre otros, contenidos referentes al primer año de estudio
del instrumento (MARTÍ, 2014, ANEXO B, pp.175-184)63.

Aharonián (2009, p.69) observa que o ensino de gêneros e espécies musicais,


centrado em suas técnicas específicas, deve ser o centro da formação do intérprete. No campo
da composição musical, porém, defende que este “não deveria se restringir à criação dos
gêneros estritos e fechados que pertencem inevitavelmente ao passado”. Esta consideração
parte da ideia de que, nas composições musicais de artistas que fizeram marca no tango e no
folclore argentino, como Firpo, De Caro, Pugliese, Piazzola, Yupanqui, los hermanos Ávalos

62
Acompanhamentos rítmicos de mão direita, relacionados aos gêneros musicais folclóricos. No caso da
orientação em Violão I, o estudo da técnica clássica ou erudita não aborda uma técnica de origem popular, como
a dos rasguidos.
63
“Embora possamos dizer que o 'rasguido' do violão tem uma herança européia e, na América latina, constitui a
alma dos gêneros de raiz folclórica, os professores de violão de formação acadêmica erudita não conhecem a
técnica, não a interpretam e não a ensinam. No meu caso, como professor de Interpretação em Violão I e músico
intérprete da música latino-americana, desenvolvi uma metodologia de ensino dos 'rasguidos' de chacarera,
zamba, carnavalito, cueca, etc., conteúdos referentes ao primeiro ano do instrumento” [Tradução livre de
depoimento gravado].
48

e Cuchi Leguizamón64, “os elementos de gênero foram adaptados às novas maneiras de fazer
música dentro destes estilos”.
Considerando que o campo da composição não é de incumbência do Bacharelado
em MPL, podemos deduzir que uma metodologia de ensino baseada em gêneros e estilos
musicais, como manifestou o depoimento do coordenador do curso, traz para a formação do
graduando e do egresso em MP ferramentas básicas para construir sua performance como
intérprete,tema que será aprofundado ao longo do trabalho.

64
Músicos e compositores argentinos do século XX que foram considerados vanguardistas nos estilos tango e
folclore.
49

CAPÍTULO 2

A PERFORMANCE VOCAL EM CANÇÃO POPULAR BRASILEIRA


DE CANTORES ARGENTINOS: MARCO TEÓRICO REFERENCIAL
50

Inserida em um curso de Música Popular Latino-Americana, a performance vocal


de alunos argentinos, até o momento, não tem sido observada através de uma metodologia de
análise. No presente capítulo, exploramos o conceito de canção brasileira no contexto da
Semiótica da Canção e apresentamos o modelo de análise de Tatit (1994, 1995, 1997, 2001,
2008, 2014) para, depois, nos atermos aos desenvolvidos por Machado (2007, 2012)
decorrente do mesmo campo de estudos. Os referenciais vocais surgidos na Bossa Nova serão
resenhados no final do capítulo, com a intenção de estabelecermos os padrões estéticos
passíveis de serem identificados nas análises como elementos de gênero.

2.1 Conceito de canção na proposta de análise de Luiz Tatit

A necessidade de apresentar o conceito de “canção popular brasileira”, conforme


utilizado por Tatit (2008), fundamenta-se na compreensão de que o termo “canção” encontra
diferentes interpretações no âmbito da cultura musical latino-americana e não foge à regra na
Argentina65. Segundo o autor, uma composição musical, para ostentar a categoria de canção,
precisa ser constituída por um núcleo mínimo de identificação “uma letra cantada com uma
certa melodia [...]” (TATIT, 2008, p.11).
As associações da categoria a padrões de gênero são chamadas, pelo autor, de
acabamento estético: no âmbito da gramática geral, a obra é uma canção e, no âmbito da
gramática particular, um gênero específico. Esta gramática particular da canção brasileira,
esclarece Tatit (1997), quando ouvida por alguém e reconhecida como gênero - um samba de
Tom Jobim, um rock dos Titãs ou uma canção romântica de Roberto Carlos - vai significar
"que o ouvinte conseguiu integrar inúmeras unidades sonoras numa sequencia com outras do
mesmo paradigma. Sambas, boleros, rocks, marchas... são ordenações rítmicas gerais que
servem de ponto de partida para uma investigação mais detalhada da composição popular"
(TATIT, 1998, p.101).
No final da análise, identificaremos como canção todas as obras musicais
constituídas por um núcleo mínimo de melodia e letra, cujos “traços ou processos [sejam]
comuns a todas” (TATIT, 1995a, p.26).

65
Conforme demonstramos no capítulo 1, entre os termos que se referem à música popular brasileira nos planos
de estudo das disciplinas do BMPL da FAD-Uncuyo, não encontramos “canção popular brasileira”.
51

A extensão de sentido produzido por uma canção é certamente intangível pela


análise. O que se tenta, no fundo, é explicar alguns aspectos de produção desse
sentido geral, a partir do reconhecimento dos traços comuns a todas as canções,
aqueles que, independentemente das particularidades da obra, nos oferecem uma
pronta identificação de sua natureza:"Aqueles que nos permitem dizer,
simplesmente: 'Isto é uma canção'." [grifos do autor] (id., ibid.).

2.2 Análise semiótica da canção, a proposta de Luiz Tatit.

Em sua proposta de análise semiótica da canção, Tatit (ibidem, p.12) afirma que
os princípios que lhe asseguram coerência metodológica fundamentam-se nos conteúdos
teóricos da semiótica tensiva, “de inspiração saussuriana cultivada nas formulações do
linguista L. Hjelmslev e do semioticista A. J. Greimas, com ajuda dos teóricos
contemporâneos” (TATIT, 2008, p.12). Utilizados como ferramenta, estes fundamentos
procuram demonstrar, através dos planos de conteúdo e de expressão da canção popular
brasileira, a relação entre seus elementos constitutivos: a letra e a melodia.
A verificação da interdependência entre estes componentes e os elos por eles
constituídos “são responsáveis diretos pelo sentimento que as canções nos despertam” (id,
ibid., p.09) e apresentam-se como o foco do trabalho de análise cancional.
Essa inter-relação vai além das peculiaridades substanciais do verbal e do musical,
vale dizer que o interesse não está centrado “nos sons musicais ou nos conteúdos da letra, e
sim na forma dos procedimentos comuns aos dois componentes da canção [...]” [grifos do
autor] (id, ibid., p.12).
O modelo descritivo, em síntese, propõe-se a mostrar os dispositivos através dos
quais uma canção popular incorpora traços passionais, tematizados e figurativos, elementos
que serão definidos ao longo do capítulo.

2.2.1 Procedimentos descritos na melodia: plano da expressão

As noções de plano de conteúdo e plano de expressão, na análise semiótica da


canção, são emprestadas por Luiz Tatit do trabalho do linguista dinamarquês L. Hjelsmslev
(cf. nota de rodapé in: TATIT, 2008, p. 52), quem reformulou as definições saussurianas de
significante e significado.
Para efeito de análise, o significante estará relacionado à organização melódica
com função de elemento estruturador da forma da expressão:
52

Todos os estímulos auditivos, vocais e instrumentais compõem o plano da expressão,


em seu sentido mais amplo, de uma canção [...]. Mesmo entre os estímulos
auditivos, selecionamos apenas os que asseguram a identidade dessa linguagem: a
melodia e a letra conduzidas por essa voz (id, ibid., p.52).

O significado se relacionará com a organização linguística, com incumbência de


conformar o plano do conteúdo.

São os sentidos abstratos construídos nos textos e retidos em nossa mente os objetos
privilegiados de uma semiótica geral que deseje dar conta do que Saussure
denominou significado e que Hjelmslev precisou como plano de conteúdo[grifos do
autor] (TATIT, apud FIORIN, 2002, p. 206).

O plano de expressão estará exclusivamente a cargo da melodia, ainda que


existam outros aspectos sonoros a serem considerados: a construção sonora da letra, a
instrumentação, os arranjos, etc., que permanecem em segundo plano dentro deste modelo de
análise. O autor ainda afirma que:

o plano da expressão da canção popular articula-se com elementos fonológicos e


elementos melódicos. Os primeiros mantêm a pesquisa da canção a um passo do
discurso oral (da fala), enquanto os elementos melódicos atraem o analista para o
viés musical [grifos do autor] (TATIT, 1995b, pp.190-191).

No que diz respeito à atuação das entoações da linguagem oral, no sentido sonoro,
seja através das ondulações típicas do idioma, ou daquelas relacionadas às figuras de
linguagem; estas não são abordadas na análise. O único dispositivo que é observado em
relação às ondulações da linguagem são os tonemas 66:

Uma unidade entoativa, no domínio da canção, não pode ser definida apenas por
critérios acústicos baseados na distribuição interna dos acentos. Em contato com a
letra, esses segmentos sonoros perdem a autonomia e passam a depender das
sequencias linguísticas para uma exata definição de cada unidade. De todo modo,
uma vez determinada a unidade, sua região acústica mais importante em termos de
concentração de tensividade é a terminação. Trata-se do componente que Navarro
Tomás chamou de tonema (TATIT, 2014 b, p.240).

Nos trabalhos de Tatit (1995, 1997, 2001, 2007, 2008 et.2014) são mencionados
dois tipos de investimentos no plano da expressão dentro do sistema da semiótica da canção:
66
Segmentos finais das unidades entoativas que ora se elevam, indicando prosseguimento do discurso, ora
declinam, indicando afirmação, quando não se mantêm na mesma altura, assinalando também uma continuidade,
porém menos enfática (TATIT, 1988, p.53).
53

um processo geral de aceleração e um processo geral de desaceleração. Cada um desses


processos influencia a construção melódica de uma canção. Sintetizaremos a seguir, a partir
de diferentes textos de referência, os conteúdos abordados pelo autor sobre este tema.

2.2.1.1 Processo geral de aceleração e desaceleração

No processo geral de aceleração, a proximidade física dos tons determina um


encurtamento do perfil melódico, ocasionando a eliminação do percurso que vincula sujeito a
objeto. A melodia, de tipo involutiva, concentra sua tensividade no investimento na
segmentação, nas acentuações e na regularização da pulsação rítmica, manifestando uma
tendência para a formação de motivos reiterativos, que se expandem numa faixa horizontal do
seu campo de tessitura. As oscilações melódicas nesse campo não são habituais, o que
provoca a perda de sentido de estágio da melodia em outras regiões da tessitura. Predominam
os movimentos conjuntos, expressos pela utilização dos graus imediatos no nível intenso, e os
temas e refrões, no nível extenso. Modalizada pelo /fazer/67, a carga tensiva da melodia enfoca
as acentuações e recortes rítmicos.
No processo geral de desaceleração, o distanciamento físico dos tons incide no
alargamento do perfil melódico, valorizando o percurso que vincula sujeito a objeto. Os
valores temporais tendem a reter o tempo no percurso, segmentando-o e criando obstáculos
que suspendem a atividade emissiva68. A melodia, de tipo evolutiva, concentra sua
tensividade na exploração do campo da frequência. Os saltos intervalares no nível intenso e as
transposições de registro e mudanças de rotas no nível extenso se apresentam como elementos
que provocam descontinuidades concomitantes com os distanciamentos entre sujeito e objeto.
Modalizada pelo /ser/69, a carga tensiva da melodia enfoca frequências e contornos melódicos,
reforçando as impressões relacionadas com o nível psíquico-afetivo.

67
A modalização pelo /fazer/ presente no texto e/ou na melodia retrata ações. No plano melódico evidencia-se
pela marcação de acentuações em pontos regulares de pulsação, emitindo sinais que repercutem na superfície de
nosso corpo. Seu perfil é constituído por encadeamento de motivos cuja reiteração produz a tematização
propriamente dita (TATIT, 1995, p.150).
68
A atividade emissiva é representada pela continuidade, no nível narrativo, tanto do ponto de vista objetal,
como do ponto de vista subjetal (id, ibid., p.18.). No contexto aqui tratado, a suspensão desta atividade se
manifesta através das mudanças que geram descontinuidades na fluência do discurso musical.
69
A modalização pelo /ser/ presente no texto e/ou na melodia retrata estados de paixão. No plano melódico,
evidencia-se pela desaceleração do andamento, ampliação das durações e das frequências, valorização das pausas
e neutralização parcial dos ataques e dos acentos (id, ibid.).
54

2.2.1.2 Tensividade somática, psíquica e neutra.

Os processos gerais de aceleração e desaceleração, que influenciam a


configuração melódica de uma canção, relacionam-se, como já mencionamos, com dois tipos
de tensividade: somática e psíquico-afetiva. A primeira, observada nas composições que
apresentam um gênero musical com uma pulsação periódica e rítmica bem delineada, reduz o
campo da frequência e da duração, “[produzindo] estímulos corporais que entram em sintonia
com nossa pulsação somática” (TATIT, 2014b, p.208). A segunda, presente nas canções
lentas e românticas, apresenta contornos melódicos que ampliam o campo da frequência e a
duração, respondendo a estímulos afetivos e cognitivos “[provocando uma] introspecção
solene compatível com sentimentos passionais decorrentes dos processos afetivos de
disjunção e conjunção” (id, ibid.).
Uma terceira tensividade, não relacionada com os procedimentos de aceleração e
desaceleração, é definida por Tatit (ibid.) como neutra:

Como ocorre com nossa linguagem cotidiana, a melodia das “canções faladas” são
de natureza entoativa, isto é, não possuem uma clara identidade sem a presença da
letra. Ao contrário dos outros dois tipos de canção, este não se estabiliza nos
contornos e nos encadeamentos melódicos. Praticamente neutraliza a tensividade
dando a impressão de que se trata de uma situação efêmera cuja duração não
ultrapassa o tempo de execução da própria música [grifos do autor] (id, ibid., p.
209).

O conceito de “neutralização da tensividade” se refere a um processo de distensão


dos valores sustentados pelos modelos tensivos somático e psico-afetivo. Tanto a reiteração
dos motivos quanto a configuração dos contornos melódicos perdem sua força tensiva em
favor das ondulações essenciais da fala, presentes na letra da canção. As acentuações
melódicas respondem às acentuações do discurso linguístico; os ataques das notas, à
quantidade de fonemas consonantais presentes na letra e a métrica de expressão, à ordenação
argumentativa e narrativa do conteúdo linguístico. “A intensificação, em graus diversos, do
conteúdo da letra,[...] se traduz num aumento do papel da fala na composição” (id, 2014b,
p.379).

2.2.1.2 Tematização, passionalização e figurativização

Os três modelos tensivos, assinalados acima, têm relação direta com os níveis de
compatibilidade existentes entre melodia e letra. Estes são classificados por Tatit (2008, p.17)
55

como: regime tematizado, passionalizado e figurativizado. Vale destacar, que os mesmos “se
manifestam com graus variados de dominância, em toda canção” (id, ibid.).
O modelo tematizado, relacionado com a tensividade somática e com os processos
gerais de aceleração, está representado por canções associadas, no plano expressivo, aos
gêneros musicais e às danças que operam com as recorrências motívicas demarcadas por uma
tendência regular de acentuação nos tempos fortes dos compassos. A estabilidade e
continuidade musical são privilegiadas sobre o conteúdo gramatical e semântico da letra. Na
análise de Tatit (2014c), as composições “A rã” (João Donato e Caetano Veloso), “Lugar
Comum” (João Donato e Gilberto Gil), “Andar com fé” (Gilberto Gil) e “Águas de março”
(Tom Jobim) correspondem a este modelo.
O modelo passionalizado, relacionado com a tensividade psico-afetiva e com os
processos gerais de desaceleração, é representado, no plano expressivo, por canções lentas e
de tipo românticas. A instabilidade melódica ocasionada pela presença dos saltos intervalares,
as transposições de registro de amplos trechos da melodia, as mudanças dinâmicas, tímbricas
e as mudanças de direções permanecem atreladas às variações juntivas dos conteúdos
semânticos da letra. Na análise de Tatit (2014c), as composições “Oceano” (Djavan), “Força
estranha” (Caetano Veloso) e “Travessia” (Milton Nascimento e Fernando Brant)
correspondem a este modelo.
O modelo figurativizado, relacionado com a neutralização da tensividade, é
representado, no plano expressivo, pelas canções que utilizam como matéria-prima “as frases
já melodizadas da linguagem oral” (id, 2014b, p.371). A tensividade das ascendências e das
suspensões indica nada mais que a continuidade do discurso, em oposição à terminatividade
das descendências. Uma melodia de canção jamais será completamente entoativa e, no
entanto, o simples fato de indicar esta tendência já revela um processo de figurativização. Na
análise de Tatit (2014c), as composições “Charles Anjo 45” (Jorge Benjor), “João Valentão”
(Dorival Caymmi) e “Preciso aprender a só ser” (Gilberto Gil), correspondem a este modelo.

2.2.2 Procedimentos descritivos nas letras: plano do conteúdo.

O plano de conteúdo de um texto é concebido, metodologicamente, sob a forma


de um percurso gerativo (BARROS, 2003, p. 188). Este compreende três níveis de
organização: fundamental, narrativo e discursivo (FIORIN, 1999, p. 03). Em cada um deles
existe um componente sintáxico e um componente semântico.
56

2.2.2.1 O nível fundamental

O nível fundamental estabelece as categorias semânticas presentes no texto. Estas


se estruturam em forma de oposição entre dois termos contrários básicos que se organizam
dentro de um mesmo eixo semântico, no qual não haja exclusão entre eles, como se fossem
dois polos opostos atribuídos a valores fóricos: eufóricos (+) e disfóricos (-). A valoração
destes atributos deve ser feita a partir do sentido do texto.
Segundo Barros (2003), estes termos são:

1. determinados pelas relações sensoriais do ser vivo com esses conteúdos e


considerados atraentes ou eufóricos e repulsivos ou disfóricos; 2. negados ou
afirmados por operações de uma sintaxe elementar; 3. representados e visualizados
por meio de um modelo lógico de relações denominado quadrado semiótico.
(BARROS, 2003, p. 189).

2.2.2.2 O nível narrativo

Neste nível, “uma narrativa mínima define-se com uma transformação de estado.
Este organiza-se da seguinte forma: um sujeito está em relação de conjunção ou disjunção
com um objeto [...]. A transformação é, por conseguinte, a mudança da relação entre sujeito e
objeto” (FIORIN, 1995, p.168).
É importante distinguir narratividade de narração. O primeiro termo remete ao
componente presente em todos os textos, enquanto o segundo cabe a determinada classe de
textos. "Ocorre uma narrativa mínima, quando se tem um estado inicial, uma transformação e
um estado final” (id, 1989, p.27).
Segundo Fiorin (2014, p.28), na sintaxe narrativa existem dois tipos de
enunciados elementares: enunciados de estado e enunciados de fazer.
Nos enunciados de estado se estabelecem as relações de junção (conjunção ou
disjunção) entre sujeito e objeto, sendo que estes podem estar representados por coisas,
pessoas ou animais nos papéis narrativos.
Os enunciados de fazer mostram as transformações de estados ocorridas no texto.
Estas se organizam numa sequência canônica de quatro fases: a manipulação, a competência,
a performance e a sanção.
Numa situação de comunicação, a manipulação acontece quando “um sujeito age
sobre outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma coisa” (id, ibid., p.29). ”Supõe uma
57

espécie de contrato entre as funções sintáxicas de destinador-manipulador e destinatário-


manipulado” (Tatit, 2014c, p.277) [grifos do autor].
A ação começa quando o destinador se propõe a ganhar a confiança do
destinatário (fazer crer), para então continuar com a manipulação (fazendo-o fazer/ ou não
fazer). Para este fim, é preciso que o primeiro proporcione ao segundo as modalidades de
querer (ou achar que deve), saber e poder realizar sua narrativa. As formas da manipulação
através das quais essas quatro modalidades podem ser adquiridas do destinatário são: a
sedução, a tentação, a provocação e a intimidação (TATIT, 2002, p.191).

Sedução: em que o destinador manifesta um saber fazer com que o destinatário


queira fazer, elogiando-o ou enaltecendo-o de tal maneira que um sinal de recusa à
manipulação se equipararia à renúncia a todas as qualidades que lhe foram
atribuídas até então.
Tentação: capacidade demonstrada pelo destinador em poder fazer o destinatário
querer fazer, apresentando-lhe algum tipo de recompensa.
Provocação: quando o primeiro actante obtém com o seu saber fazer o dever fazer
do destinatário, já que o conduz a agir como única forma de refutar a depreciação
que lhe foi imposta.
Intimidação: apresenta um destinador dotado de um poder fazer (normalmente
extra discursivo) com que o destinatário deva fazer algo a partir de algum tipo de
repressão (id, ibid., p. 191) [Grifos nossos].

2.2.2.3 O nível discursivo70

No nível discursivo, as formas abstratas do nível narrativo são revestidas de


termos que lhes dão concretude. A enunciação é concebida como uma ponte entre o não
manifestado e o manifesto, enquanto a ação de enunciar, como a transformação de uma ideia
em discurso. A enunciação compreenderá, então, o “modo de dizer” e o enunciado -“o dito”.
Quem converte os esquemas narrativos em discurso é o sujeito da enunciação,
podendo reproduzir ou não a enunciação no interior do enunciado. Teoricamente, podemos
falar de duas instâncias do eu no interior do enunciado: a do eu pressuposto, que é a do
enunciador, e a do eu projetado no interior do enunciado, que é a do narrador.
Chamaremos de enunciador e enunciatário, respectivamente, o autor e o leitor
construídos pelo texto. O enunciador, neste sentido, se configurará como o destinador
implícito da mensagem e o enunciatário, como o destinatário implícito da mesma.

70
Os conceitos contidos no presente item baseiam-se em Fiorin (2014).
58

O destinatário do narrador será o narratário. Aquele “tu” definido pelo texto se


apresentará de duas formas: narratário-personagem quando participa diretamente na narrativa
e narratário interpelado quando é anônimo e não faz parte da narrativa.
Se o narrador dá a palavra a personagens que falam em discurso direto, estes serão
chamados de interlocutores e os destinatários da interlocução, instalados pelo narrador dentro
do discurso, serão chamados de interlocutários.
A enunciação definida a partir de um eu-aqui-agora instaura o discurso-enunciado
através da projeção de pessoas, espaços e tempos:

[...] o sujeito da enunciação faz uma série de opções para projetar o discurso, tendo
em vista os efeitos de sentido que deseja produzir. Estudar as projeções da
enunciação é, por conseguinte, verificar quais são os procedimentos utilizados para
constituir o discurso e quais os efeitos de sentido fabricados pelos mecanismos
escolhidos (BARROS, 2003, p.54).

As marcas da enunciação no enunciado são analisadas por três procedimentos


discursivos: a actorialização, a espacialização e a temporalização. Este fazer persuasivo, por
parte do enunciador, vale-se do recurso de distanciamento ou proximidade das categorias de
pessoa, espaço e tempo na enunciação, com a finalidade de produzir diferentes efeitos do que
está sendo comunicado.
O efeito de proximidade é criado através de um recurso da sintaxe discursiva
denominada debreagem enunciativa, no qual se projeta no enunciado o eu- aqui- agora da
enunciação, instalando no interior dele os actantes enunciativos (eu/tu), os espaços
enunciativos (aqui, aí, etc.) e os tempos enunciativos (presente, pretérito perfeito 1e futuro do
71
presente) . Este recurso cria no discurso efeito de subjetividade, instalando os simulacros
enunciativos do ego-hic-nunc72, com suas apreciações dos fatos.
O efeito de distanciamento é criado através de um recurso da sintaxe discursiva
denominada debreagem enunciva, no qual se projeta no enunciado o ele, o alhures e o então,
o que significa que, neste caso, ocultam-se os actantes, os espaços e os tempos da enunciação.
Este recurso cria no discurso o efeito de objetividade, eliminando as marcas de enunciação do

71
Fiorin (2014) explica, pelo conceito de debreagem temporal, que os tempos enunciativos podem se referir ao
momento de referência presente, momento de referência pretérito ou momento de referência futuro. Cada
momento de referência, por sua vez, pode apresentar enunciações em concomitância com este tempo, ou em não
concomitância: anteriores ou posteriores a este tempo. Chama de pretérito perfeito 1, o tempo verbal pretérito
perfeito do modo indicativo, que se utiliza quando a fala se apresenta com anterioridade ao momento de
referência presente. Chama de Pretérito Perfeito 2, ao tempo pretérito mais que perfeito do modo indicativo, que
se utiliza quando a fala se apresenta com anterioridade ao momento de referência passado.
72
Eu, aqui, agora da enunciação.
59

texto, ou seja, da enunciação enunciada, fazendo com que o discurso se construa somente com
enunciado-enunciado.
A embreagem, por sua vez, é o efeito de retorno à enunciação, produzido pela
neutralização das categorias de pessoa e/ou espaço e/ou tempo, bem como pela denegação da
instância do enunciado, que pode efetivar-se através do retorno da pessoa (actancial), do
espaço (embreagem espacial) e/ou do tempo (embreagem temporal). Toda embreagem
pressupõe uma debreagem anterior.

2.3 Elo de melodia e letra

A inter-relação dos conteúdos inscritos na letra (projeto narrativo) com os


conteúdos inscritos na melodia (projeto entoativo), é denominada por Tatit (1995b) como
projeto enunciativo.

Todas as possibilidades oscilatórias entre tensões temáticas e tensões passionais,


bem como o processo de desativação dessas tensões, estão inscritas, de algum modo,
no seu projeto enunciativo (TATIT, 1995b, p.197).

Desta maneira, podemos dizer que os três modelos de construção melódica da


canção se compatibilizam com seu componente linguístico.
O modelo tematizado, que no plano da expressão caracteriza-se pelos andamentos
mais acelerados e a redução do campo da tessitura, facilmente associado a um gênero musical,
apresenta motivos rítmico-melódicos reincidentes numa regularidade de pulsação e partes na
estrutura formal da obra que se repetem e retornam.Compatibiliza-se, no plano do conteúdo,
com actantes que, geralmente, no nível narrativo, se encontram em conjunção com seus
objetos de desejo, dando lugar à aparição, no nível discursivo, da atorialização73 dos
personagens, exaltados por um processo geral de celebração: a mulher amada, a terra
prometida, um gênero musical, uma dança, etc.
O modelo passionalizado, que no plano da expressão caracteriza-se pelo
investimento tensivo no campo da tessitura, pela escolha de um andamento desacelerado, pelo
prolongamento das durações, privilegiando os saltos intervalares e as mudanças de rota; no
plano do conteúdo se compatibiliza com actantes que, no nível narrativo, decorrem em
73
A noção de atorialização refere-se à passagem do nível narrativo ao nível discursivo, quando o actante ganha
investimentos semânticos e se transforma num ator com todo o enriquecimento de sentido próprio desse processo
(TATIT, 1995b, p.202).
60

conjunções e disjunções afetivas, e que no plano discursivo pode apresentar um enunciador


que se projeta no discurso, simulando a presença da enunciação no enunciado, através dos
mecanismos de debreagem enunciativa actancial, temporal ou espacial (conceitos já
explicitados no ponto 2.2.2.3 do presente capítulo).
No modelo figurativo, onde, no plano da expressão, as durações do discurso
melódico encontram-se em estreita ligação com o discurso linguístico, cujos contornos
melódicos e rítmico-melódicos perdem sua força tensiva reduzindo-se às ondulações
essenciais próximas ao discurso oral; no plano do conteúdo se compatibiliza com o aumento
da deitização74 linguística, que distende os parâmetros musicais, atraindo a atenção do ouvinte
para a instância enunciativa. A tensividade se manifesta com mais força e presença na
enunciação. No nível discursivo, os mecanismos de debreagem enunciativa estão sempre
presentes. O componente tímbrico da voz do cantor cumpre um papel fundamental no sentido
semântico, já que através dele o cantor manifesta as oscilações tensivas do texto.

2.4 Análise semiótica do canto popular brasileiro: O gesto interpretativo e as qualidades


emotivas das vozes.

Em sua dissertação de Mestrado, Machado (2007) propõe um modelo descritivo


para o comportamento vocal, com o intuito de analisar as vozes da chamada Vanguarda
Paulista, ocorrida nos anos 1980 na cidade de São Paulo. A pesquisadora adota uma
terminologia específica para a análise do comportamento vocal, que abrange os seus níveis
físico, técnico e interpretativo, traçando um paralelo com o modelo de análise da Semiótica da
Canção e associando estes conteúdos aos expressos nos níveis do discurso, tanto musical
quanto linguístico: discursivo, narrativo/actancial e fundamental/tensivo. A finalidade desta
associação é compreender como os elementos da voz e do canto constroem sentidos tensivos
na interpretação de forma similar às construções dos sentidos tensivos da canção através dos
elementos constitutivos das categorias discursivas.

74
A deitização é o processo pelo qual os enunciados se reportam à instância de enunciação por intermédio dos
dêiticos (tempo, espaço, demonstrativos, imperativos e vocativos). O enunciador se projeta no discurso e simula
a presença da enunciação no enunciado.
61

Quadro 3. Relação das categorias da voz com as categorias do discurso.

Os parâmetros dos níveis da voz - físico, técnico e interpretativo- são


categorizados desde os elementos mais naturais da voz até aqueles que resultam da ação
intencional do intérprete para configurar sentido às suas interpretações (cf. MACHADO,
2011). O conhecimento desses elementos, que compõem a fisiologia e a técnica vocal,
possibilita uma maior compreensão do gesto vocal relacionando a uma existência semiótica
da interpretação. Em paralelo, as categorias do discurso são conformadas por três níveis de
62

organização: fundamental, narrativo e discursivo. Parte-se de uma informação semântica


simples, para enriquecê-la, sucessivamente, de estruturas de significados cada vez mais
complexas, abstratas e diversificadas.
No nível físico observam-se todos os elementos inerentes a uma voz,
independentemente do grau de desenvolvimento técnico: extensão e tessitura, registro e
timbre. No nível discursivo observam-se as relações isotópicas75 e as operações de debreagem
enunciativas e enuncivas76. A associação entre os níveis detalhados se dá no sentido de que
ambos “comportam componentes básicos de significação” (MACHADO, 2007, p.63), tanto
na estruturação do comportamento vocal, quanto na significação do discurso. A escolha do
cantor por uma tonalidade na hora de interpretar uma música decorre da opção por
determinada tessitura de sua extensão vocal, que corresponde a uma região da voz, que poderá
ou não ser explorada através da utilização de diferentes registros e ressonâncias. Estas
escolhas tornam-se significativas ao evidenciarem, em paralelo às categorias discursivas,
isotopias ou cadeias isotópicas (elementos que possuem uma concordância de sentidos com
pertença a um domínio) e a presença de debreagens enunciativas ou enuncivas através da
maior ou menor presença do enunciador-cantor no enunciado, podendo este estar ou não
identificado com o sujeito da enunciação. No nível técnico, por sua vez, são observados os
elementos da voz adquiridos pelo intérprete a partir do desenvolvimento de uma consciência
física da produção vocal: a escolha do tipo de emissão e o vibrato. No nível narrativo,
identificam-se dois tipos de enunciados por meio dos quais os sujeitos e objetos representados
nos papéis narrativos sofrem modificações: enunciados de estado, que estabelecem as relações
de disjunção ou conjunção, e enunciados de fazer, que mostram as transformações ocorridas
desde um estado inicial até um estado final. Estas transformações se constituem através da
ação e da manipulação. O tipo de emissão empregado pelo cantor em uma interpretação
poderá ou não conferir credibilidade à comunicação, utilizando-se, neste caso, a voz e o canto
como elementos de manipulação do ouvinte.
A emissão vocal utilizada na interpretação como elemento de manipulação para
criar credibilidade na comunicação exige do cantor uma utilização eficiente da articulação
rítmica (ação que se desdobra em competência) e da dicção articulatória (ação que se
desdobra em performance).
75
Segundo Greimas, isotopia é a interação sintagmática de membros significativos idênticos ou semelhantes que
originam um plano homogêneo de leitura textual. Disponível em: http://www.infopedia.pt/$isotopia Acesso em:
20 janeiro de 2016.
76
Conceitos definidos no item 2.2.2.3 do capítulo 2 (cf. pp.60-61).
63

No nível interpretativo, observam-se a dicção cancional e a gestualidade vocal


(gesto interpretativo). A primeira se refere ao canto como a “maneira como se faz” (id, ibid.,
p.59) e alude a um equilíbrio entre a opção estética e a atuação técnica, somadas à percepção
dos elementos presentes na canção, expressos de forma geral. A segunda aponta à maneira
particular como o cantor manipula as tensões da melodia e da letra, construindo sentidos para
a composição, tornando claros os elos de melodia e letra ou consolidando novos elos pela
presença da voz.
Tanto a dicção cancional como o gesto interpretativo relacionados com o nível
fundamental ou profundo do discurso entram em estreita relação com as dimensões intensas e
extensas e com as relações resultantes da combinação dos seus elementos intrínsecos. Neste
77
contexto, observaremos a dicção como um fato semiótico delimitado por dois eixos
cartesianos: a intensidade, que rege o andamento, a tonicidade; e a extensidade, que rege a
temporalidade e a espacialidade. Esta dicção será influenciada pela atuação do gesto
interpretativo, que através de ações locais estabelecerá diferentes tipos de relações entre as
categorias e elementos citados, os quais determinarão, por sua vez, a maior ou menor presença
dos conteúdos passionais e tematizados na interpretação.

Figura 1: Relação dos elementos do Nível interpretativo (categoria da voz), com os elementos do Nível
Fundamental (categoria do discurso).

77
Na semiótica tensiva, a intensidade e a extensidade delimitam o espaço tensivo onde irão se produzir os fatos
semióticos.
64

Quadro 4: Relação dos elementos constitutivos das dimensões intensidade e extensidade.

Um gesto interpretativo que produza uma aceleração de andamento e, por


consequência, uma tonicidade mais acentuada na articulação rítmica e vice-versa, derivará em
uma menor temporalidade e menor espacialidade da obra (extensidade mais concentrada).
Porém, um gesto interpretativo que produza uma desaceleração de andamento e, por
consequência, uma tonicidade mais enfraquecida na articulação rítmica e vice-versa derivará
em uma temporalidade maior e uma maior espacialidade da obra (extensidade mais difusa).

Desaceleração amplia a duração e o espaço da obra

Aceleração reduz a duração e o espaço da obra


65

Em sua Tese de Doutorado, Machado (2012) atualiza e aprofunda os conceitos


propostos na Dissertação de Mestrado, definindo novos parâmetros de análise para a
observação perceptiva do comportamento vocal em cantores brasileiros. Com base na escuta
de fonogramas e fundamentada em uma terminologia descritiva - Qualidade emotiva das
vozes78-, procura “traduzir a intenção por trás do comportamento técnico, musical e
interpretativo [...]” (MACHADO, 2012, p.18) na tentativa de compreender o papel da voz na
canção popular brasileira midiatizada. Nesta direção, a pesquisadora propõe a transposição
dos conteúdos elencados por Luiz Tatit na articulação entre melodia e letra, para a análise da
qualidade emotiva das vozes, procurando atribuir à articulação interna entre os elementos da
emissão, timbre, andamento, entoação, vibrato e articulação rítmica da voz e do canto, a
manifestação dos estados fóricos e juntivos. A seguir, detalharemos como os elementos
passionais tematizados e figurativizados se manifestam através dos níveis físico, técnico e
interpretativo, configurando a qualidade emotiva.
Numa voz passional, observa-se uma emotividade muito intensa e expressiva,
podendo valer-se da utilização de diferentes tipos de registros vocais, a fim de criar
descontinuidade na escuta, colocando o foco em diferentes partes do percurso melódico que
pretende sublinhar, utilizando uma articulação rítmica com preponderância de prolongações
vocálicas e valendo-se do uso do vibrato, que acrescenta mais dramaticidade à interpretação.
Geralmente, explora-se a tessitura mais comprometida com os agudos, onde as pregas vocais
encontram-se mais tensas, o que produz na escuta esta mesma sensação. Este tipo de
interpretação pode ser favorecido, também, pela escolha de um andamento mais lento, no qual
a entoação tem maior predominância do canto, afastando-se das acentuações presentes nas
músicas mais aceleradas. Podem evidenciar-se, ainda, variações dinâmicas ao longo da
interpretação, em concordância com as variações de elementos tensivos presentes na
composição79.
De maneira diversa, uma voz mais associada a um comportamento tematizado
apresenta elementos constitutivos de comportamentos mais homogêneos. Os planos e as

78
Construção de uma identidade vocal a partir da utilização das articulações internas dos procedimentos vocais.
As categorias das qualidades emotivas das vozes são: Passional, Passional Tematizada, Passional Figurativizada,
Tematizada, Tematizada Passional e Tematizada Figurativizada; compatíveis com os índices de passionalizacão,
tematização e figurativização estabelecidos pela teoria de Luiz Tatit (MACHADO, 2012, p.167).
79
Os elementos tensivos da obra podem manifestar-se no plano da expressão (melodia) através de saltos
intervalares ascendentes ou descendentes e percursos melódicos em direção ao agudo ou ao grave, que
produzem, em cada caso, aumento ou diminuição da intensidade: No primeiro de forma imediata e, no segundo,
de forma gradual.
66

variações dinâmicas não são tão contrastantes e é possível que se desenvolvam com mais
frequência em partes fixas da estrutura formal como, por exemplo, no refrão da composição.
A articulação rítmica deste canto enfoca mais os recortes rítmicos e as acentuações
consonantais e a escolha de um andamento mais rápido ou vivaz possivelmente o reforçará e o
associará a algum gênero musical. O fato de que a melodia, neste modelo, não se estende
amplamente pelo campo da frequência faz que cantor não apresente tantas variações de sub-
registros vocais. A entoação apresentará alternância entre elementos do canto e da fala e o
vibrato estará ausente ou será atenuado.
Os componentes figurativizados da voz (complementares às categorias passionais
e tematizadas) são revelados pela presença da fala no canto. Neste caso, as acentuações
melódicas se relacionam diretamente com as acentuações linguísticas. A ordenação narrativa
e argumentativa do componente linguístico define a métrica de expressão do canto. A força
tensiva se vincula à interpretação, que recupera no canto as inflexões da fala, “um
procedimento muito semelhante ao do discurso coloquial, onde dispensamos as rimas, as
aliterações e a estabilidade entoativa” (TATIT, 1995a, p.194). A utilização dos tonemas
(ascendentes, descendentes ou suspensivos) adquire, neste modelo, maior relevância, já que
estão associados às frases asseverativas, continuativas ou suspensivas do discurso linguístico.

Os tonemas são inflexões que finalizam as frases entoativas, definindo o ponto


nevrálgico de sua significação. Com apenas três possibilidades físicas de realização
(descendência ascendência ou suspensão), os tonemas oferecem um modelo geral e
econômico para análise figurativa da melodia a partir das oscilações tensivas da voz.
Assim uma voz que inflete para o grave, distende o esforço de emissão e procura
repouso fisiológico, diretamente associado à terminação asseverativa do conteúdo
relatado. Uma voz que busca a frequência aguda ou sustenta sua altura, mantendo a
tensão do esforço fisiológico, sugere sempre continuidade (no sentido de
persecução), ou seja, outras frases devem vir em seguida a título de
complementação, resposta ou mesmo como prorrogação das incertezas ou tensões
emotivas de toda sorte (id, 1995b, p.22).

A metodologia de análise será desenvolvida mais detalhadamente no capítulo três.

2.5 João Gilberto como referência vocal na canção brasileira

Na história da música popular brasileira, o lançamento dos LPs Canção do amor


demais e Chega de saudade, em 1958 e 1959, respectivamente, apontam para o advento da
Bossa Nova na cena musical carioca. Os compositores Antônio Carlos Jobim e Vinícius de
Moraes apresentam suas primeiras composições ao grande público, interpretadas nas vozes
dos cantores Elizeth Cardoso e João Gilberto (JG). O cantor e violonista baiano, naqueles
67

trabalhos, “apontava a grande revolução que se iniciaria no comportamento vocal dentro do


universo da canção popular brasileira, [...] [desnudando] a voz de qualquer recurso
artificialista, aproximando-a da fala” (MACHADO, 2012, p.26).

A bossa nova representou um reajuste entre a função artística e a função técnica


desempenhada pelo cantor popular. A incumbência de graduar a potência e o timbre
da voz foi definitivamente transferida do pulmão e das cordas vocais do artista para
o microfone, amplificador e equalizador de frequências, deslocando,
consequentemente, o desempenho da função artística para outras facetas da canção
ainda pouco exploradas (TATIT, 2014c, pp.187-188).

Ainda que pudéssemos discorrer sobre o momento histórico, social, político e


tecnológico do Brasil de finais dos anos 1950, que propiciou o aparecimento da Bossa Nova e
de uma nova estética vocal na música popular brasileira, o que nos interessa, aqui, é a
importância desta última como referência das vocalidades das futuras gerações de cantores.
A concepção do canto de JG na BN foi definida por Tom Jobim como um “cantar
cool” (CAMPOS, 2003, p.37). Associado ao cool jazz 80, a voz abandona a grandiloquência,
dramaticidade e destaque sobre outros instrumentos.
A ausência de grandiloquência expressiva teve seu efeito no abandono dos
grandes ornamentos, vibratos e dinâmicas vocais em prol de um canto mais coloquial,
intimista, perto da fala, mais associada ao texto e à expressão clara da melodia.
O emprego da voz como veículo da letra no canto amplia seu espectro para a
execução de outras funções associadas a instrumentos melódicos e percussivos. Podemos
observar, na interpretação de JG, o uso de vocalizações com base na imitação de instrumentos
percussivos -, por exemplo, em “Bim Bom” 81-, de instrumentos melódicos - por exemplo, na
82 83
introdução de “Bolinha de papel” -, uso de onomatopeias - como em “O pato” - e a
alternância entre vocalizes e assobios, com base na imitação de instrumentos melódicos–
como no intermezzo de “Aos pés da cruz” 84. Estes recursos, que poderiam ser associados aos
procedimentos utilizados pelos cantores de jazz, no cantor baiano, “são de ordem estética [e
remetem ao] seu projeto rítmico, a partir do qual se organizam todos os outros elementos da
obra” (GARCIA, 1999. p.122). Vale dizer que eles formam parte do jogo de fase e defasagem
80
O estilo cool surgiu no jazz por volta de 1950, havendo, no entanto, prenúncios dele em algumas
interpretações anteriores, de cantores como Frank Sinatra, Dinhah Shore, etc. (CAMPOS, 2003, p.35).
81
Chega de Saudade/Bim Bom (1958, Brasil) Odeon 12725/6 Disponível em:
<http://www.jornaldosamigos.com.br/no_tempo_da_bossa_nova3.htm>
82
João Gilberto (1961, Brasil) Odeon MOFB 3202. Ibidem.
83
O Amor, o Sorriso e a Flor (1960, Brasil) Odeon MOFB 3151. Ibidem.
84
Chega de Saudade (1959, Brasil) Odeon MOFB 3073. Ibidem.
68

rítmico proposto pela interação entre a voz e a batida do violão e se conjugam com a estética
do canto-falado através da utilização de palavras, sílabas e sons vocais que nem sempre
expõem um sentido semântico no contexto da canção.
O referencial vocal de João Gilberto modificou o padrão vocal predominante na
canção popular brasileira antes do surgimento da Bossa Nova. Este fato, além de ser um
divisor de águas na evolução do canto na música popular, possibilitou o aparecimento de
novas estéticas vocais nas gerações posteriores de cantores. Um grande número de
compositores começou a ganhar espaço na mídia como intérpretes das suas próprias obras a
partir de meados de 1960, com o surgimento dos festivais da canção na televisão 85, “passando
[-se] a reconhecer no canto um instrumento de expressão, não apenas de beleza”
(MACHADO, 2011, p.38). Tal é o caso de Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Chico Buarque,
Gilberto Gil, Caetano Veloso, Djavan, Ivan Lins, entre outros.

85
Entre os anos de 1965 e 1985, diferentes emissoras de televisão brasileiras abriram espaço para programas
dedicados à difusão dos Festivais da Música Popular Brasileira. Foram elas: TV Excelsior, Record, Rio, Rede
Globo, Tupi e Cultura. "Esses festivais consolidaram a música popular brasileira, além de revelar e consolidar
grandes compositores e interpretes da nossa música - Elis Regina, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Geraldo Vandré, Nara Leão, Edu Lobo, Jair Rodrigues, Tom Jobim, Oswaldo Montenegro, Jessé, Guilherme
Arantes entre outros”. .Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Festival_de_M%C3%BAsica_Popular_Brasileira>.
69

CAPÍTULO 3
AMOSTRAGEM, CRITÉRIOS DE ESCOLHA E METODOLOGIA DE
ANÁLISE
70

3.1 Tipo de amostragem

Segundo Mattar (1995),


Para a escolha do processo de amostragem, o pesquisador deve levar em conta o tipo
de pesquisa, a acessibilidade aos elementos da população, a disponibilidade ou não
de ter os elementos da população, a representatividade desejada ou necessária, a
oportunidade apresentada pela ocorrência de fatos ou eventos, a disponibilidade de
tempo, recursos financeiros e humanos etc. (MATTAR, 1995, p. 133).

Considerando que nosso método de trabalho dentro do campo da pesquisa qualitativa é


o estudo de caso, selecionamos o tipo de amostragem não probabilística86, do tipo dirigida ou
intencional.

3.2 Seleção dos sujeitos

A amostra foi composta por cinco alunos de canto de ambos os sexos, com idades
que oscilam entre 27 e 30 anos. O tamanho da mesma não foi definido a priori, mas após a
entrada em campo.
Os critérios de inclusão no momento da coleta de dados foram: a experiência do
cantor como aluno na disciplina Interpretação Canto III do Bacharelado em Música Popular
Latino-americana da UNCUYO (Mendoza-Argentina) entre os anos 2006 e 2013, devendo
estar matriculado no curso e ter sido aprovado na disciplina em questão e em “Técnica Vocal
III” e ter interpretado, na banca de canto do terceiro ano do curso, uma música pertencente ao
estilo Bossa Nova.
Construída com caráter proposital, a amostra foi constituída por sujeitos que
possuíam a experiência acadêmica e artística necessárias ao desenvolvimento da pesquisa.
Para este efeito, a indicação dos participantes envolvidos foi fornecida por professores de
diferentes disciplinas do Bacharelado.

3.3 Seleção do repertório

O repertório concentrado no universo da BN foi privilegiado devido à constatação


de que esta concepção estética87 da música popular brasileira havia aparecido com mais
frequência nas bancas da disciplina Interpretação Canto III desde o início do curso. Assim,

86
Amostragem não probabilística é aquela em que a seleção dos elementos da população depende, em parte, do
julgamento do pesquisador ou do entrevistador no campo. (MATTAR, 1996, p. 132).
87
Utilizamos o termo concepção estética em vez de gênero, estilo ou corrente musical por acharmos que não
existe um consenso sobre a denominação da bossa nova, que abranja todos os compositores e intérpretes que
formaram o movimento.
71

consideramos, por um lado, que este recorte facilitaria o encontro com alunos dispostos a
participar e, por outro, dar-nos-ia a possibilidade de fundamentar a BN fora dos padrões de
gênero88 nos quais está inserida nos programas das disciplinas que têm a música brasileira
como objeto de estudo89.
A amostra, integrada por três mulheres e dois homens, configurou o seguinte
repertório, que constitui o corpus de análise do trabalho:
“Samba do avião”
Composição de Antônio Carlos Jobim
Interpretado pela aluna 1
“Corcovado”
Composição de Antônio Carlos Jobim
Interpretado pelo aluno 2
“Corcovado”90
Composição de Antônio Carlos Jobim
Interpretado pelo aluno 3
“Desafinado”
Composição de Newton Mendonça (letra) e Antônio Carlos Jobim (música)
Interpretado pela aluna 4
“Samba de uma nota só”
Composição de Newton Mendonça (letra) e Antônio Carlos Jobim (música)
Interpretado pela aluna 5

3.4 Critérios de gravação dos sujeitos com o repertório

As gravações foram produzidas em dois momentos diversos: fevereiro e abril de


2014, em Mendoza (Argentina), obedecendo à disponibilidade dos cantores e músicos
acompanhantes.

88
Nos programas das disciplinas relacionadas com a música do Brasil, em todas as orientações, no Bacharelado
em MPL da Uncuyo, considera-se a BN como gênero musical, sendo estudada com padrões estruturais fixos.
Desde a bibliografia produzida no Brasil, a BN designa-se de diferentes formas, mas não como gênero musical.
Essa discussão resulta também pertinente para nossa pesquisa.
89
No terceiro ano de todas as orientações de instrumento, a música do Brasil está inserida, assim como nas
disciplinas Música de conjunto II, Historia da música latino-americana II e Harmonia.
90
Só a música Corcovado foi gravada por dois alunos, em dois momentos diversos, acompanhados por
diferentes músicos e instrumentos. A coincidência respondeu à disponibilidade dos sujeitos com o repertório no
momento da escolha da amostra.
72

Na primeira etapa foram gravadas as músicas “Corcovado”, “Desafinado” e


“Samba de uma nota só”, com acompanhamento de violão, e na segunda, “Samba do avião” e
“Corcovado”, com acompanhamento de piano.
As tonalidades e andamentos das músicas foram de livre escolha dos intérpretes.
Cada música foi gravada em três takes91 únicos (sessões de gravação da música
inteira). O take final foi escolhido por cada cantor, obedecendo a critérios interpretativos.

3.5 A análise da canção

A proposta, neste caso, consiste em observar, através dos parâmetros da Semiótica


da Canção, como se estabelecem os elos de melodia e letra na canção que tomamos como
referência. Assim, estabeleceremos se o regime dominante se compatibiliza com a
passionalizacão ou com a tematização, e se existe presença auxiliar de elementos
figurativizados.
Inicialmente, o elemento que organizará a análise será a definição da estrutura
formal da obra. Após esclarecermos a mesma, transcreveremos melodia e letra da música,
valendo-nos do diagrama proposto por Luiz Tatit em seu modelo de análise. Composto de um
sistema de dois eixos: um horizontal, que contém as oscilações das durações ao longo da obra,
e um eixo vertical, que contém as oscilações no campo da frequência; o diagrama auxiliará,
tanto na análise da composição original, quanto na análise da performance vocal.

Esses diagramas traduzem apenas alguns aspectos da composição, sobretudo o perfil


melódico, mas apresentam simultaneamente melodia e letra, o que é uma vantagem
por se tratar de canção. Cada espaço entre linhas corresponde a um semitom,
portanto a totalidade dos espaços representa o campo de tessitura para o canto no
âmbito de uma obra determinada (cf. nota de rodapé in: TATIT et. al., 2004, p.64).

Este esquema nos permitirá observar e compreender os mecanismos adotados pelo


compositor para o desenvolvimento da melodia na ordem extensa - gradação e transposição –
e na ordem intensa - graus imediatos e salto intervalar. Paralelamente, poderemos relacionar,
no sentido semiótico, os contornos melódicos com a letra.

91
Com este termo nos referimos às gravações providenciadas em uma tomada só.
73

quem
Um ti vi lão Es mor ma ção se a

can nho um o te a u can Pra zer liz ma

fa fe a

1 2 3

Figura 2: Representação gráfica dos aspectos melódicos (na ordem intensa) referentes aos três primeiros
versos da primeira estrofe da composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes.

Fonte: gráfico proposto por Tatit (2004) para a análise melódica em Semiótica da Canção

Figura 1: Através deste exemplo podemos evidenciar que, na ordem intensa,


aparecem, nos segmentos 1 e 2, os recursos de ascendência e descendência dos graus
imediatos, configurando-se sobre uma pequena tessitura de dois semitons, em forma
constante, rítmica e repetitiva, recursos que associamos, em conjunção com uma letra
modalizada pelo /fazer/, aos conteúdos eufóricos das canções tematizadas.
No segmento 3, os recursos melódicos se apresentam idênticos aos segmentos
anteriores, iniciando-se um tom abaixo. A letra modalizada pelo/ser/ mudará o percurso
melódico no final do segmento, acrescentando, na ordem intensa, um salto intervalar
ascendente de 4J, continuando com um movimento melódico descendente que faz estágio
prolongado na penúltima sílaba e finalizando a frase com um tonema descendente, que reforça
o conteúdo asseverativo da mesma.

ao o

em ci que é

con fe
trar li

vo nhe ci a

cê co da meu mor
eu de

1 2

Figura 3: Representação gráfica dos aspectos melódicos (na ordem extensa) referentes aos últimos dois
versos do refrão da composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim.

Fonte: gráfico proposto por Tatit (1995) para a análise melódica em Semiótica da Canção.
74

3.6 A análise do comportamento vocal

3.6.1 O protocolo
O protocolo que utilizaremos para a análise do comportamento vocal foi proposto
por José Roberto do Carmo Jr. e adotado por Machado (2012) e será utilizado tanto na análise
da obra original, quanto na interpretação da mesma pelos cantores selecionados. O método
propõe a observação e o registro de:
Andamento
Tonalidade
Tessitura da melodia
Instrumentação
Forma
Ano, local, disco, faixa e selo distribuidor.
Segundo Machado (2012), a observação, já de início, destes elementos, colabora
para a percepção dos sentidos configurados pela interpretação, podendo estar em
concordância com os elos de melodia e letra presentes na composição ou criando novos elos
pela presença da voz.

3.6.1.1 Andamento

No que se refere à escolha do andamento, podemos assinalar que esta está


profundamente comprometida com a expressão dos estados fóricos (MACHADO, 2012,
p.59), que são responsáveis pela geração de sentido no plano expressivo, podendo relacionar-
se com os valores eufóricos (presentes nas canções tematizadas) ou com os valores disfóricos
(presentes nas canções passionalizadas).
A escolha, no plano global da obra, de um andamento acelerado, vai favorecer a
produção de motivos rítmico-melódicos repetitivos e encadeados de uma maneira onde a
marcação dos tempos fortes, bem mais notória que nos tempos fracos, resultará na
regularidade da pulsação ao longo da obra. Haverá uma tendência maior, na articulação, de
dinamização dos ataques consonantais e seus acentos rítmicos e, consequentemente, a redução
dos prolongamentos vocálicos. O ritmo da música tornar-se-á mais evidente e, possivelmente,
se perceberá uma maior associação da canção a um gênero musical. Através deste efeito, as
variações de altura serão absorvidas pelos motivos temáticos, ocasionando uma pulsação
75

extremamente regular e marcada, que concorre com o progresso da melodia e provoca uma
tendência à temporização:

A pertinência da espacialidade melódica se manifesta, em sintonia com os aumentos


de duração pelas oscilações no campo da frequência. Essas mesmas oscilações
quando perdem o valor de duração, sob o regime da velocidade, perdem também o
sentido de “estagio“ em outras regiões da tessitura, de modo que mesmo os
intervalos mais afastados são incorporados pelo irresistível fluxo melódico
horizontal (TATIT, 2007, p.108).

No caso da escolha, no plano global da obra, de um andamento desacelerado, as


distâncias melódicas se aguçarão, o que comportará em um aumento nas durações,
favorecendo o investimento nos alongamentos vocálicos e nos vibratos de final de frase. Este
efeito tenderá a reter a melodia no percurso, produzindo nele um alargamento, produto do
distanciamento físico dos tons. Ao mesmo tempo, dilatará o tempo de alternância rítmica,
permitindo os acidentes e os desvios de rota no percurso melódico, provocando uma
tendência à espacialização (id.,ibid.).

3.6.1.2 Tonalidade

A escolha da tonalidade evidencia a preferência do cantor pela ocupação de uma


determinada região de sua tessitura vocal. A predominância da voz numa faixa de frequências
cria sentidos, podendo estar associada aos conteúdos tensivos que são revelados ao intérprete.

3.6.1.3 Tessitura

Registrada em quantidade de semitons, responde à medida da distância


estabelecida entre a nota mais grave e a nota mais aguda do campo melódico explorado pelo
cantor na interpretação. Esta tessitura pode ou não corresponder à tessitura da composição
original. Nos casos em que exista uma reconfiguração desse parâmetro na interpretação,
observaremos como a variação estabelece relações tensivas.

3.6.1.4 Instrumentação

Em relação à instrumentação, somente apontaremos os instrumentos


acompanhantes, levando em conta que a performance vocal realizada pelos alunos nas
gravações foi concebida e trabalhada com antecedência à incorporação do acompanhamento
instrumental. Assim, este viria a proporcionar, neste caso, somente um apoio harmônico à
interpretação.
76

3.6.1.5 Forma

A respeito da forma musical, observaremos como a possível substituição, redução


e adição de partes formais, assim como a modificação na disposição sequencial das mesmas
ao longo da performance vocal, podem gerar sentidos à interpretação. Nos casos em que este
parâmetro não apresente diferenças em relação ao original, indagaremos se existe uma
intenção do intérprete nessa escolha.

3.6.1.6 Dados da gravação

Os dados de gravação -local, disco, faixa e selo distribuidor-, em nossa análise,


serão descritos somente no que concerne às versões originais, já que julgamos importante
estas referências, afim de contextualizarmos a obra e apontarmos para possíveis referências
dos gestos interpretativos dos alunos, construídos em consonância com elas.

3.6.2 Análise dos Níveis da Voz

Conforme apontamos no capítulo II, a análise da voz e do canto através dos Níveis
da Voz propostos por Machado (2007), será o eixo de nossa metodologia de trabalho. Sendo
que, tanto o vocabulário técnico, como as categorias descritivas foram atualizadas pela autora
em sua Tese de Doutorado (MACHADO, 2012), tomaremos como referência os conceitos
desenvolvidos neste último trabalho e nos artigos e publicações produzidas pela pesquisadora
nos últimos três anos. O trabalho de Sundberg (2015), uma das referências mais recentes às
pesquisa sobre voz publicadas em português no Brasil, auxiliará, igualmente, esta seção do
trabalho.

3.6.2.1 Nível físico: localização de todos os elementos inerentes a uma voz,


independentemente do grau de desenvolvimento técnico.

Extensão e tessitura: a extensão de uma voz corresponde ao leque de notas que é


capaz de produzir desde o grave até o agudo. Já a tessitura corresponde ao conjunto de
notas de que uma voz pode fazer uso com boa qualidade de emissão e timbre. A
tessitura tem, por conseguinte, uma abrangência menor que a extensão vocal.

Registro: Utilizaremos a definição de Holien (1974), citada por Sundberg (2015):

Um registro vocal é um evento totalmente laríngeo; ele consiste em séries ou regiões


de frequências de fonação que podem ser produzidas com qualidades muito
77

semelhantes, algumas regiões de frequências de fonação podem ser produzidas em


mais de um registro; a definição de um registro deve ter por base evidências
perceptivas, acústicas, fisiológicas e aerodinâmicas (HOLIEN apud SUNDBERG,
2015, p.82).

Sundberg (ibid.) entende o registro vocal como um evento produzido pela ação
diferenciada dos músculos intrínsecos da laringe, noção compartilhada por fonoaudiólogos e
otorrinolaringologistas como Costa & Silva (1998), Pinho & Pontes (2008), entre outros. A
partir desta ideia, o cientista sugere que “as diferenças entre os registros estejam associadas a
diferenças na fonte glótica e a diferentes modos de vibração das pregas vocais”
(SUNDBERG, ibid., p.84).
Hirano (apud Sundberg, 2015, p.86), assim como outros estudiosos, classificou os
registros vocais como mais ou menos pesados e leves, atendendo às diferenças entre as
atividades musculares observadas nos mecanismos laríngeos, de forma comparativa. Assim, a
ordem desta classificação, indo dos mais pesados aos mais leves, seria: registro de peito,
registro médio, registro de cabeça e registro de falsete, sendo que o registro médio e o registro
leve de cabeça não foram encontrados nas vozes masculinas (id, ibid.). Vale destacar que
existem controvérsias, entre os cientistas da voz - otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e
estudiosos do canto -, quanto a estas nomenclaturas. Consideramos, no entanto, que a divisão
citada se adapta à análise da voz cantada no contexto de nossa amostra. Utilizaremos, ainda,
outra nomenclatura, que classifica os três registros vocais básicos como fry (ou basal), modal
e elevado, sendo cada um deles divididos em sub-registros. Desta maneira, distinguiremos,
nas vozes femininas, o sub-registro de peito, o sub-registro médio e o sub-registro de cabeça
dentro do registro modal e, nas vozes, masculinas, apenas o sub-registro de peito. O sub-
registro de falsete, nos homens, será classificado como pertencente ao registro elevado.
O registro fry (ou basal) e o registro de flauta (ou assobio) não serão abordados
em nossa análise, em virtude de não terem aparecido nos exemplos analisados.
As transições entre os sub-registros vocais estão associadas à redução e ao
aumento da atividade de diferentes musculaturas intrínsecas extrínsecas à laringe,
encarregadas de abduzir, aduzir, alongar e encurtar as pregas vocais, ações que produzem
mudanças no comprimento, espessura e tensão das mesmas e, por conseguinte, no seu modo
de vibração. Estas transições podem ser observadas nas quebras vocais, produzidas
naturalmente por cantores sem treino vocal ou por cantores profissionais, que utilizam
propositalmente este recurso no estilo de canto abordado.
Se traçarmos uma analogia entre os mecanismos laríngeos e os de um motor,
poderíamos dizer que Hirano e colaboradores observam uma espécie de mudança de
78

engrenagem no mecanismo fonatório sempre que a frequência de fonação era


elevada até determinado valor crítico; é como se, a partir de determinada frequência,
todo o mecanismo fonatório passasse a trabalhar em uma “marcha” diferente, mais
alta (id, ibid.) [grifos do autor].

Esta mudança de engrenagem no mecanismo fonatório se evidencia de diferentes


formas na voz masculina e na voz feminina e em diferentes partes da tessitura, segundo o
registro vocal do cantor. Em termos gerais, podemos observar duas mudanças nas vozes
femininas, uma na transição do sub-registro de peito ao sub-registro médio e a outra na
transição do sub-registro médio ao sub-registro de cabeça.
Nas vozes masculinas, a mudança se apresenta entre o registro de peito e o
registro de falsete.
Timbre: aqui, faremos a observação do timbre em relação ao componente físico que
diferencia e particulariza uma voz de outra, e que lhe outorga identidade. Este
dependerá do tamanho da laringe e das pregas vocais, assim como das conformações
físicas do trato vocal e das cavidades de ressonância do cantor. Neste ponto nos
interessa observar, também, as características deste parâmetro nas diferentes regiões
da tessitura vocal, sua relação com os ajustes musculares produzidos em cada sub-
registro e com o tipo de fonação utilizada em cada caso.

3.6.2.2 Nível Técnico: aquele que é adquirido pelo intérprete a partir do


desenvolvimento de uma consciência física da produção vocal.

Emissão

Vamos diferenciar dois tipos de emissão: uma relacionada ao Tipo de Fonação e outra
relacionada ao Tipo de Projeção. No primeiro caso, distinguiremos, seguindo
Sundberg (2015), entre cinco modos de fonação: sussurrada, soprosa, fluída,
enrijecida e tensa. Estes serão observados através de uma análise perceptiva - auditiva.
No leque proposto, existe uma relação entre a pressão subglótica (determinada pela
eficiência respiratória), o fluxo e o consumo de ar - determinados pela resistência
glótica, que por sua vez está atrelada às forças de adução das musculaturas laríngeas.
Estas relações resultam em intensidade sonora. Como nos interessa observar de que
forma a qualidade de fonação pode criar sentidos no canto, atentaremos para o nível de
pressão sonora e para o tipo de adução de prega vocal percebidos através da audição.
79

No segundo caso, atentaremos ao tipo de projeção vocal, segundo Machado (2012),


identificaremos entre a posteriorizada, na qual percebe-se um som de corpo mais
expandido e escuro, denotando mais harmônicos graves; e a anteriorizada, na qual
percebe-se um som com corpo mais estreito, produzindo uma sonoridade com maior
presença de harmônicos agudos.

Figura 4: Tipo de Fonação. Relações entre pressão sub-glótica e adução de pregas vocais.
80

Quadro 5: Tipos de fonação. Relações entre adução de pregas vocais, consumo de ar, fluxo de ar, pressão
sub-glótica e intensidade sonora.

Vibrato

Fisiologicamente, o vibrato pode ser definido como uma oscilação regular da


frequência de fonação em um padrão aproximadamente senoidal92. Pode ser medido
pela taxa de modulação, extensão, intensidade e velocidade. Utilizaremos as mesmas
categorias de Machado (2012, p.164), relacionadas à observação da intensidade e
velocidade do vibrato, denominando-o como: intenso, intenso-rápido, atenuado,
atenuado-lento ou ausente.

3.6.2.3 Nível interpretativo: A capacidade do intérprete em operar


transformações sobre a articulação rítmica e o timbre natural de sua voz, atuando na
configuração de sentido e expressão emocional ao canto.

Articulação rítmica

Definida como “a maneira como a voz articula os tempos do discurso musical


associados ao discurso linguístico” (id, ibid., p.52), vai configurar uma significação no

92
Schultz-Coulon et. Battmer apud Sundberg (2015, p.225).
81

nível extenso, provocada por ações no nível intenso. Os prolongamentos vocais e as


acentuações rítmicas com ênfase nas consoantes são observados nesta categoria.

Timbre manipulado

Às características gerais observadas no timbre no nível físico e técnico,


acrescentaremos as alterações detectadas como intencionais em diferentes partes do
discurso, que podem produzir sensações de descontinuidade na escuta e de aceleração
e desaceleração tensiva na percepção do receptor, concomitantes com os conteúdos
tensivos da obra interpretada.

Gesto interpretativo

O cantor, a priori inconscientemente, compreende os conteúdos semióticos de uma


canção, entendidos como a relação existente entre os componentes da melodia e da
letra. O posicionamento frente a esses conteúdos gera o gesto interpretativo: a forma
particular com que o intérprete define sua performance, através da utilização de todas
as suas competências vocais (físicas técnicas e interpretativas). Este gesto vai
configurar a qualidade emotiva da voz, que manifestará, com maior ou menor
incidência, os elementos passionais, tematizados e/ou figurativos, podendo estes estar
em concordância ou não com os valores inscritos na composição.

3.6.3. Qualidades emotivas das vozes

O conceito de qualidade emotiva da voz “seria compatível com os índices de


Passionalizacão, Tematização e Figurativização estabelecidos por Tatit” (MACHADO, 2012,
p.167). Assim, transpostas para o canto, as categorias delimitadas serão: Passional, Passional
Tematizada, Passional Figurativizada, Tematizada, Tematizada Passional, e Tematizada
Figurativa. A compreensão dos estados fóricos e juntivos evidenciados “pela articulação
interna dos elementos da emissão, do timbre, do andamento, da entoação, do vibrato e da
articulação rítmica” (id, ibid.) fundamentam a transcrição do modelo para a interpretação
vocal.
Se a qualidade emotiva de uma voz é definida pelos procedimentos vocais que o
cantor põe em evidência em seu ato de interpretação- através da escolha do andamento,
emissão [timbre], entoação, articulação rítmica e vibrato-, as categorias desta qualidade irão
82

se definir atendendo aos índices de dominância dos elementos passionais e temáticos na voz e
a presença auxiliar de elementos figurativizados.
Nas análises desenvolvidas por Machado (ibid.), observamos que diferentes
cantores podem revelar uma mesma qualidade emotiva - passional, por exemplo - através da
utilização de elementos com características diametralmente opostas. A timbragem da voz de
Elis Regina, por exemplo, na região aguda, produzida pela utilização do sub-registro de peito,
tem o mesmo efeito da timbragem da voz de Milton Nascimento na região aguda produzida
pela utilização do sub-registro de falsete. Assim, embora a produção do timbre de ambos de
dê por meio de recursos opostos, a resultante tensiva é a mesma, evocando no ouvinte
sensações associadas à afetividade.
A construção da qualidade emotiva de uma voz, além de se conformar pela
integração entre os elementos que lhe são inerentes às suas qualidades físicas, técnicas e
interpretativas e de ser influenciada, perceptivelmente, pelos elementos tensivos presentes na
composição que interpreta; está inserida em um contexto sociocultural e histórico, não
estando isenta das influências que esse meio oferece. A seguir, observaremos como se
apresentam estes elementos nas análises.
83

CAPÍTULO 4

AS ANÁLISES
84

4.1 Samba do avião (Antônio Carlos Jobim)

A canção “Samba do avião”, com letra e música de Antônio Carlos Jobim, estreou
na boate carioca Au Bon Gourmet em agosto de 1962, juntamente com as composições “Só
danço samba” e “Garota de Ipanema”, parceria com Vinícius de Moraes, e “Samba da
benção” e “O astronauta”, de Baden Powell e Vinícius (CASTRO, 1990. p.315).

A temporada de O encontro no Bon Gourmet foi, provavelmente, o maior momento


da Bossa Nova no Brasil. Salvou a sua música numa época em que o movimento se
esgotara como novidade e em que até a propaganda o abandonara por outro apelo
mais comercial. Foi um espetáculo do pessoal do Aloysio (nem o recém-agregado
Baden Powell teve lugar, a não ser como parceiro de Vinícius), e ninguém ali
desconfiava que a “turmona” estava prestes a se desfazer [...] (id, ibid., p.316).

O grupo vocal Os Cariocas, que tinha participado das duas noites de show no
restaurante Au Bon Gourmet, sob a direção musical de Aloysio de Oliveira, foi o primeiro a
gravar “Samba do avião”, em 1963, na faixa oito do disco A bossa dos Cariocas, pela
gravadora Philips. No ano de 1965, a mesma canção compôs o repertório do segundo trabalho
solista de Tom Jobim, no LP The wonderful world of Antônio Carlos Jobim, gravado nos
Estados Unidos pela Warner Bros Records e arranjado pelo músico americano Nelson Ridley.
Escolhemos esta última versão, interpretada por Jobim, como referência, por ter
sido a primeira gravação do autor e por apresentar elementos que se permaneceram em
gravações posteriores, apontando para a consolidação de uma concepção composicional que
excede os limites dos elementos inscritos na canção e amplia os horizontes para os elementos
da interpretação.

A ideia que se tem de uma música vai sendo esboçada cada vez melhor quanto mais
profundamente se conhece a peça em seu fonograma original bem como em todas as
gravações posteriores que se possa ter acesso. Os elementos que se tornam
permanências em grande parte das interpretações vêm contribuir para firmar a obra
de modo mais nítido, enquanto nas diferenças encontradas o artista é que parece
firmar-se como figura de expressão nesse meio (DO NASCIMENTO, 2005, p.01).

Os elementos da interpretação, quando se configuram como permanências nas


reinterpretações, apresentam-se como relevantes para nossa pesquisa, já que revelam
referenciais da concepção estética da BN. Considerando que a abordagem no ensino da
música popular brasileira, no contexto estudado, se fundamenta na escuta, identificação e
imitação dos elementos da espécie musical93 BN, será parte de nosso processo de análise

93
Termo utilizado no programa da disciplina Interpretação III Canto do Bacharelado em Música Popular da
FAD - UNCUYO para se referir à Bossa Nova.
85

indagar quais elementos da interpretação de referência reconhecemos como referenciais de


estilo e de que forma eles são recriados na performance musical dos cantores escolhidos como
amostragem.
Mammi (1992) indica, no artigo “João Gilberto e o projeto utópico da bossa
nova”, como são levados em conta parâmetros relativos à interpretação na configuração do
estilo:

Tom Jobim, profissional desde sempre, parece aceitar o pendor amadorístico da


bossa nova como uma convenção do gênero, um elemento do estilo que não pode ser
totalmente eliminado. O caráter oscilante, vago de suas orquestrações, o uso de
instrumentos com ataque pouco definido, como as cordas e a flauta, não muito
usadas no jazz, a renúncia a explorar as possibilidades virtuosísticas dos corais, tudo
isso é funcional para o predomínio absoluto da linha melódica, porque nega aos
outros parâmetros a possibilidade de desenvolvimento autônomo. Já que a melodia
diz todo o essencial, harmonizá-la, arranjá-la comporta sempre uma parcela de
redundância. Todavia, esta redundância se tornará de certa forma funcional, porque a
capacidade do canto de auto-sustentar-se se reconhece justamente no contraste entre
uma linha melódica muito evoluída e o caráter quase atrofiado dos outros elementos
da composição (MAMMI, 1992, p.65).

Segundo Mello et. Severiano (1998), a composição da música “Samba do avião”,


de Tom Jobim, foi inspirada no enorme medo que o compositor sentia ao viajar de avião e na
sensação de alívio nos momentos de chegada, quando sabia que em poucos minutos estaria
são e salvo, pisando em terra firme.

Toda essa alegria ele procurou transmitir no “Samba do avião” em que, além de
descrever a aterrissagem no aeroporto do Galeão, faz uma singela declaração de
amor ao Rio de Janeiro “Este samba é só porque / Rio eu gosto de você”. Como não
poderia deixar de ser, uma canção que descreve a paisagem vista de cima,
contrastando com outras postais musicais cariocas (MELLO et. SEVERIANO, 1998,
p.67).

Letra

1 Minha alma canta


2 Vejo o Rio de Janeiro
3 Estou morrendo de saudade A
4 Rio, seu mar
5 Praias sem fim
6 Rio, você foi feito pra mim

7 Cristo Redentor
8 Braços abertos sobre a Guanabara
86

9 Este samba é só por que


10 Rio, eu gosto de você
11 A morena vai sambar A'
12 Seu corpo todo balançar
13 Rio de sol, de céu, de mar
14 Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão

15 Cristo Redentor
16 Braços abertos sobre a Guanabara
17 Este samba é só porque
18 Rio, eu gosto de você
19 A morena vai sambar
20 Seu corpo todo balançar
21 Aperte o cinto, vamos chegar A”
22 Água brilhando, olha a pista chegando
23 E vamos nós
24 Aterrar...

4.1.1 Sobre a canção

Versão analisada: faixa 2, lado B do LP The wonderful world of Antônio Carlos Jobim,
gravado em 1965, nos Estados Unidos, pela Warner Bros. Records, com arranjo de Nelson
Ridley.

Andamento: 76bpm

Tonalidade: A

Tessitura: 21 semitons

Instrumentação: orquestra, violão, contrabaixo e bateria

Estrutura formal: A, A’, A” e CODA

Nesta versão, a estrutura formal da obra é constituída por três partes: uma parte A de dezesseis
compassos (versos 1, 2, 3, 4, 5 e 6); uma parte A’ de vinte e seis compassos (versos 7, 8, 9, 10,
11, 12, 13 e 14 e dois compassos instrumentais); uma parte A” de vinte e quatro compassos
(versos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, e 24) e uma CODA instrumental de oito compassos.
87

A canção teve, posteriormente aos seus primeiros registros fonográficos, o


acréscimo de uma nova parte à estrutura formal detalhada: uma introdução de dezesseis
compassos com letra, cuja melodia começa com os primeiros oito compassos da coda
instrumental da versão analisada. Segundo Dreyfus (1999), esta foi composta em parceria
com o músico Baden Powell, no ano 1963: "Tom ao piano e Baden ao violão, os dois tocando.
Nisso Tom tocou o 'Samba do Avião' no teclado, reclamou que não conseguiria fazer a
introdução e Baden a fez entrando numa parceria, jamais oficializada, porém efetiva com Tom
Jobim" (DREYFUS, 1999, p.60). A esta citação a autora acrescenta uma nota de rodapé, que
citaremos na íntegra: "Ainda que no CD Live in Hamburg (1983) os créditos de 'Samba do
avião' indiquem Tom Jobim e Baden Powell, nos outros discos em que Baden gravou esta
música, ela sempre foi creditada: Tom Jobim, arranjos de Baden Powell" (DREYFUS, 1999,
p.60).
Mesmo que não seja tomada como referencial da nossa análise, apontamos aqui a
letra da introdução citada:

Eparrei

Aroeira beira de mar

Canoa Salve Deus e Tiago e Humaitá

Eta, costão de pedra dos home brabo do mar

Eh, Xangô, vê se me ajuda a chegar

A letra da canção retrata um sujeito dentro de um avião, pronto a aterrissar na


cidade amada, o Rio de Janeiro. O enunciador, passageiro do avião, na primeira pessoa do
discurso, cria a ilusão de alguém que fala (debreagem enunciativa) e se encontra em
conjunção à distância com seu objeto: pisar em terra firme na cidade amada do Rio de Janeiro.
O percurso do sujeito na busca do objeto é conduzido pela temática da paixão,
mantendo conjunção com o valor, a duração e a direcionalidade onde o objeto está inserido. A
permanência nas notas sublinha as etapas de constituição do perfil melódico, de tal modo que
suas ascendências e descendências passam a ser a descrição dessa direcionalidade. Neste
percurso, a extensão é entendida como conjunção à distância.
88

A tendência à espacialização valoriza cada etapa do percurso musical, expandindo


tanto a duração quanto a altura. O texto está modalizado pelo /SER/, retratando os
sentimentos ocasionados pelo estado de disjunção temporária do sujeito com o objeto.
Esta canção, do tipo desacelerada (76 bpm), coincide com os estados de paixão e
valoriza ainda mais os vínculos que permanecem na forma de saudade, esperança, desejo e
valores investidos na duração dos objetos ausentes. A composição expande-se pelo campo da
tessitura desde um ré2 até um si3, estabelecendo posições e gradações no eixo vertical da
frequência, como podemos observar na figura 5:

Figura 5: Parte A: compassos 1 a 12, versos 1, 2, e 3. Composição “Samba do avião”, de Antônio Carlos
Jobim.

Evidenciam-se quatro frases na parte A da composição: as três primeiras direcionadas dentro


do percurso em gradação ascendente, atingindo o auge do agudo na segunda sílaba da palavra
morrendo, do verso três.
As duas primeiras frases apresentam inflexões descendentes na finalização do
desenho melódico. No modelo de Tatit (2014c), a finalização da frase ou TONEMA adquire
grande importância no discurso musical, já que ele reporta o caráter interrogativo (tonemas
ascendentes) ou afirmativo (tonemas descendentes) da frase.
A presença de tonemas descendentes confere à letra um caráter asseverativo, transmitindo um
forte teor de verdade e certeza do que está sendo dito. O sujeito que fala na primeira pessoa
“Minha alma canta - vejo o Rio de Janeiro” tem intenções de que esse texto seja lembrado,
89

sublinhado dentro do conteúdo da letra.


Na terceira frase, a melodia alcança seu ponto mais alto de tensão no agudo,
associada à letra, que expressa o estado de conjunção do sujeito com o sentimento de
SAUDADE. O tonema final (sílaba DE da palavra SAUDADE) se apresenta ascendente,
configurando espaço para uma frase conclusiva que virá como resposta na quarta frase (Figura
6). A organização reiterativa da frase melódica em um registro mais perto da fala explicita
aspectos positivos do objeto, justificando o sentimento de saudade expresso pelo enunciador:
rio teu mar praias sem fim / rio você foi feito pra mim/. Este comportamento outorga ao
discurso um componente mais tematizado, sem expansão no campo da tessitura, com enfoque
na letra, que celebra a possível realização do encontro e a transformação do estado juntivo.

Figura 6: Parte A: compassos 13 ao 16, versos 4, 5, e 6. Composição “Samba do avião”, de Antônio Carlos
Jobim.

A parte A' começa com uma frase que apresenta uma melodia similar à do começo
da parte A. A letra é mais tematizada (modalizado pelo /FAZER/), não se apresentando na
primeira pessoa, como na parte A (modalizado pelo /SER/), além de a melodia continuar
expandindo-se em direção ascendente pelo campo da tessitura.
90

Figura 7: Parte A': compassos 17 ao 24 , versos 7 e 8. Composição “Samba do avião”, de Antônio Carlos
Jobim.

Um novo material aparece no segundo segmento da parte A' (Figura 8, versos 9 e


10 da letra) e traz uma nova concepção sequencial em relação às primeiras unidades da parte
A e ao primeiro segmento da parte A'. Neste caso, a melodia muda o padrão do percurso
estendido, através da tessitura em direção ascendente, para apresentar desenhos melódicos
descendentes, cuja distância de separação em respeito às notas iniciais dos mesmos é de uma
quarta justa descendente (Este Samba é só porque- Rio eu gosto de você). Os motivos
melódicos descritos nos versos 9, 10 e 11 alternam elementos de expansão e concentração no
campo da tessitura.

Figura 8: Parte A': compassos 25 ao 28 , versos 9 e 10. Composição “Samba do avião”, de Antônio Carlos
Jobim.
91

A figura 9 começa com o verso 11, que possui o mesmo desenho do verso 9, para
prosseguir com os versos 12 e 13, representados por dois motivos rítmico-melódicos novos.
No verso 14, ocorre o regresso ao tipo de motivo que se expande pelo campo da tessitura,
gradualmente, até o agudo.

Figura 9: Parte A': compassos 29 ao 35 , versos 11, 12 e 13 . Composição “Samba do avião”, de Antônio
Carlos Jobim.

Na Figura 10, o diagrama representa o elo de melodia e letra que retoma o


componente passionalizado, com um enunciador que se posiciona na estrutura do discurso
como sujeito da enunciação. Este posicionamento produz uma debreagem enunciativa, já ele
que fala na primeira pessoa do plural, fazendo referência à proximidade de conjunção com o
objeto amado. Segue um percurso melódico de 17 semitons em direção ascendente, durante 4
compassos, até atingir a nota mais aguda na sílaba da palavra galeão, prosseguido por um
motivo instrumental orquestral que determinará, entre os compassos 40 e 44, uma modulação
que se manterá até o final do tema musical.
92

Figura 10 - Parte A': compassos 36 ao 39 , verso14 . Composição “Samba do avião”, de Antônio Carlos
Jobim.

Parte A': compassos 40 ao 44, instrumental . Composição “Samba do avião”, de Antônio


Carlos Jobim.

Sem diagrama melódico, esta sessão corresponde a um intermezzo instrumental,


no qual ocorre uma modulação de meio tom ascendente. A expansão da tonalidade em forma
ascendente corrobora os elementos passionais inscritos na canção.
O diagrama melódico da figura 9, idêntico ao da sessão A, é interpretado por violinos, com
timbre e articulação rítmica legata que proporcionam à música elementos passionais.

Figura 11 - Parte A”: compassos 45 ao 52, instrumental (na versão analisada). Composição “Samba do
avião”, de Antônio Carlos Jobim.
93

O diagrama da figura 11 apresenta características idênticas ao diagrama da figura 5.

Figura 12 - Parte A”: compassos 53 ao 56, versos 17 e 18. Composição “Samba do avião”, de Antônio
Carlos Jobim.

O diagrama correspondente à figura 13 apresenta as mesmas características do


diagrama da figura 9, com diferença na última frase da letra: aperte o cinto vamos chegar.

Figura 13 - Parte A”, compassos 57 ao 62, versos 19, 20, e 21. Composição “Samba do avião”, de Antônio
Carlos Jobim.
94

O final da melodia é concluído por um desenho melódico composto de três notas


que não se resolve no agudo, dando continuidade ao percurso estendido pelo campo da
tessitura em direção ascendente (diagrama da figura 14). Ao contrário, este motivo é realizado
no grave - uma sexta maior descendente a partir da última nota do verso 23-, gerando no
ouvinte a sensação de encontro do sujeito com o objeto, de forma asseverativa e conclusiva,
em concordância com o texto: aterrar, pisar terra firme na cidade amada.

Figura 14 - Parte A”, compassos 63 ao 66 , versos 22 , 23 e 24 . Composição “Samba do avião” de Antônio


Carlos Jobim.

4.1.2 Análise do comportamento vocal. Aluna 1

Andamento: 85 bpm

Tonalidade: C

Tessitura: 21 semitons

Instrumentação: piano e voz

Estrutura formal: A-A'-A”

Ano: 2014 (gravação de estúdio)


95

Letra

1 Minha alma canta

2 Vejo o Rio de Janeiro

3 Estou morrendo de saudade A

4 Rio, seu mar

5 Praias sem fim

6 Rio, você foi feito pra mim

7 Cristo Redentor

8 Braços abertos sobre a Guanabara

9 Este samba é só por que

10 Rio, eu gosto de você

11 A morena vai sambar A'

12 Seu corpo todo balançar

13 Rio de sol, de céu, de mar

14 Dentro de mais um minuto estaremos no Galeão

15 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

16 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

17 Cristo Redentor

18 Braços abertos sobre a Guanabara

19 Este samba é só porque

20 Rio, eu gosto de você

21 A morena vai sambar A”

22 Seu corpo todo balançar

23 Aperte o cinto, vamos chegar

24 Água brilhando, olha a pista chegando

25 E vamos nós
96

26 Pousar

Na interpretação analisada, a voz se desenvolve desde um fá2 até um ré4.


A voz ocupa a região média da sua tessitura e se estende ao longo de 21 semitons
no registro modal. Observamos na emissão o predomínio da fonação fluida (definida por uma
pressão sub-glótica moderada, nível sonoro alto, amplitude de pulso médio e uma fase
fechada, de prega vocal relativamente longa) 94.
O tipo de projeção vocal predominante é a anteriorizada, na qual a massa de ar é
dirigida aos seios da face, resultando em uma sonoridade clara, carregada de harmônicos
agudos que a extremizam, especialmente nos sons vocálicos. A presença destes harmônicos
imprime, ao longo de toda a tessitura, a sensação de unicidade vocal.
O canto se desenvolve no registro modal, intercalando três tipos de emissão: em
sub-registro de peito, em sub-registro médio (também chamado de misto) e em sub-registro de
cabeça. A cantora manipula o timbre através da elevação e constrição da laringe, evidenciando
uma maior metalização de alguns sons no agudo. Observa-se uma acentuada pressão sub-
glótica, com firme adução de pregas vocais nas notas cantadas em sub-registro de peito e
médio, o que confere um corpo mais denso à voz nesta tessitura.
Com menor recorrência, ela utiliza, também, a pressão aérea, evidenciando um
corpo e um volume menos denso, expressos através de uma emissão não tão frontalizada
(fonação mais soprosa). Podemos observar a utilização deste recurso entre as notas fá3, sol3 e
lá3 do registro médio, na última sílaba do verso 4, sobre a palavra “Saudade”, no verso 13
(“Rio de sol, de céu, de mar”), na última sílaba da palavra “por que”, no verso 18, e no verso
22, sobre a primeira sílaba da palavra “cinto” e na última sílaba da palavra “chegar”.
O vibrato que observamos na interpretação vocal, ao longo da obra, corresponde
ao tipo atenuado de final de frase.
Em entrevista, a aluna manifesta ter sido influenciada, particularmente, pela
95
interpretação, feita ao vivo, pela cantora Gal Costa (72 bpm) . Esta versão apresenta uma
aceleração de tempo, desde o começo ao fim da música, oscilando de 72 a 78 bpm. Já na
versão da aluna, a interpretação vocal apresenta algumas flutuações de tempo relacionadas à
rearticulação rítmica de frases.

94
Definição com base nos conceitos de SUNDBERG (2015, p.115).
95
Álbum "Gal Costa canta de Tom Jobim" (BMG, 1999), faixa 12.
97

A respeito da articulação rítmica, na parte “A” da canção, a cantora valoriza


durações vocálicas, evidenciando, como já assinalamos, pequenos vibratos nos finais das
frases.
Embora sejam observadas dificuldades relativas à pronúncia da letra, a tonalidade
escolhida, próxima da fala, favorece a clareza do texto. Nota-se que, na interpretação do texto
do verso 2 - “Vejo o Rio de Janeiro” – e dos versos 4, 5 e 6 - “Rio teu mar, praias sem fim,
Rio você foi feito pra mim” -, os ataques consonantais dinamizam o canto, apoiados pela
aparição da rítmica de acompanhamento do piano.
Na parte A', nos versos 6 e 7, a emissão volta a projetar as durações vocálicas.
Outros elementos se apresentam no verso 15, “Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro”: uma articulação rítmica pronunciada das palavras e uma maior divisão
silábica, com ausência total de vibrato. As prolongações vocálicas, reforçadas por um vibrato
longo nos versos 24 e 25, são realizadas com uma emissão fluida, em sub-registro de peito.
Verificamos que a manipulação do timbre é produzida pela transposição dos três
sub-registros vocais, utilizados com diferentes tipos de fonação. No sub-registro de peito,
percebe-se um nível sonoro maior, pela utilização dos ajustes musculares laríngeos do registro
pesado, predomínio do músculo tiroaritenideo (TA) 96 sobre o músculo cricotiroideo (CT) 97 e
uma fonação mais tensa, com grande força de adução de pregas vocais, pressão sub-glótica e
nível sonoro normal. No sub-registro médio (ou misto), menos pesado, se percebe uma
interação equilibrada dos músculos (TA e CT), combinada com uma fonação mais fluida,
força de adução menor, pressão sub-glótica moderada e um nível sonoro maior. No registro de
cabeça (ou leve - predomínio da musculatura CT sobre TA -) se evidencia a alternância de
diferentes tipos de fonação, que vão desde a soprosa até a tensa, adicionando-se a esta última
a elevação da laringe e a constrição, denotando um som brilhante, agudo e sonoro, com mais
harmônicos agudos98.
Inferimos que o gesto interpretativo da cantora define-se pela manipulação técnica
do timbre, da dinâmica e da capacidade entoativa, trabalhados em um canto em português
com sotaque advindo do espanhol argentino.
A articulação rítmica do canto, a estrutura formal da obra e o andamento
respeitam, de modo geral, os conteúdos expressos nos fonogramas escolhidos como
96
Referimo-nos às musculaturas da laringe que realizam os ajustes musculares nos diferentes registros e sub-
registros vocais.
97
Idem.
98
Conceitos de análise extraídos da obra de Sundberg, 2015.
98

referenciais. Suspeitamos que este fato possa ter uma associação direta com o ensino-
aprendizado da bossa nova como espécie musical, no programa já citado. Neste caso, a
abordagem metodológica faz uso dos conhecimentos específicos de “harmonia, escalas,
rítmica, fraseados e recursos vocais característicos, estrutura e forma” (Programa da
disciplina, 2014, p.03) [grifos nossos].
A forma particular de tradução da obra cancional pela interpretação vocal
analisada identifica-se com a qualidade emotiva passionalizada. O predomínio das durações
vocálicas, recobertas por vibratos de final de frase, somados à expansão pelo campo da
tessitura e à utilização alternada dos três sub-registros do registro modal, enfatizam o aspecto
cantado da emissão e evidenciam o componente dramático expresso na composição.

4.1.3 Conclusão

Na gravação analisada, a interpretação vocal (da aluna 1) evidencia o projeto de


integração de melodia e letra presente na composição, associado à passionalizacão.
O posicionamento do enunciador-intérprete, em relação ao texto cancional
(melodia e letra), apresenta-se em conjunção com os valores juntivos da obra, ressaltando a
condição de disjunção temporária vivenciado pelo sujeito frente ao objeto, que se manifesta
tanto próximo quanto distante. A fusão da cantora com o sujeito da enunciação é percebida ao
longo de sua interpretação, pelo reforço, do canto, ao elo entre melodia e letra da canção,
destacando os conteúdos inscritos na composição e garantindo eficácia na comunicação
estabelecida.
A respeito da pronúncia do português brasileiro, a ausência dos sons nasalizados
manifestam-se como a principal marca relacionada ao canto de um intérprete hispano falante.
A performance vocal da cantora compatibiliza-se com as referências musicais, técnicas e
estéticas, tanto da época na qual a canção está inserida, quanto do universo musical latino-
americano do qual a intérprete faz parte. Observamos que na construção da performance vocal
em canção popular brasileira, a presença parcial de elementos constitutivos do idioma deixa
em evidência os elementos do sotaque espanhol. Tal evidência produz sentidos no plano da
expressão, neste caso compatíveis com os elos de melodia e letra presentes na composição.
Não estamos interessados em constatar se a utilização do sotaque espanhol como
elemento tensivo é proposital ou produto de uma limitação da cantora em pronunciar o
português. Consideramos, ao contrário, relevante, a incorporação de um novo elemento
tensivo a ser levado em conta na análise.
99

Em espanhol não há som nasal, como ocorre no português. Esta aparentemente


irrelevante diferença, do ponto-de-vista linguístico é bastante importante, visto que é um dos
motivos pelos quais um hispano falante pronuncia o português com sotaque de espanhol. O
oposto, no entanto, não é válido, já que no português fazemos usos dos sons orais que
caracterizam o espanhol (AMENDOLARA, 2007, p.01).
A cantora analisada reproduz parcialmente os sons nasalizados do português
brasileiro, emitindo, no entanto, predominantemente, os sons oralizados, alternando as
sonoridades características dos fonemas. Este comportamento determina uma timbragem
resultante do uso de certos ressoadores em detrimento de outros e, desta forma, evidencia um
uso mais uniforme do véu palatino na fonação.

Se o véu palatino está levantado, o ar sai pela boca mais livremente - produzem-se
sons orais: [b] [s] [a].
Véu palatino abaixado, cavidade oral fechada (lábios, dentes, palato), a passagem do
ar é naso-faringal produzem-se sons nasais: [n] [m].
Véu palatino abaixado e sem impedimento de saída de ar para a cavidade oral -
produzem-se sons nasalizados: [ã] [õ]99.

A manipulação do timbre, neste sentido, se traduz em uma emissão com variação


de uso de ressoadores, que enfatizam e/ou atenuam a presença de diferentes harmônicos ao
longo da interpretação.
No plano da articulação rítmica, o predomínio dos sons oralizados do sotaque
espanhol, assim como a ausência dos sons fricativos100 e a pronúncia esporádica dos sons
africados101, expressos na ação local (construção de cada sílaba), na ação local ampliada
(construção de cada palavra), na ação global (construção de cada frase) e na ação global
ampliada (construção de cada período) 102; privilegiam os sons vocálicos, fato que impacta no
aspecto amplo da interpretação.
Podemos concluir, a partir desta análise, que a construção da performance vocal
em canção brasileira pela Aluna 1 privilegiou a integração entre conhecimento racional e
intuitivo, combinando tradição, emoção e sensibilidade e de uma perspectiva contemporânea

99
<http://www.lpeu.com.br/q/at2bq> Acesso em 4 de janeiro de 2015.
100
Correspondem aos sons do português brasileiro produzidos quando os articuladores se aproximam,
estreitando o trato vocal, fazendo com que o ar saia produzindo fricção, como ocorre na pronúncia das palavras:
fava, sã, chave. Cf.: <http://www.lpeu.com.br/q/at2bq> Acesso em 4 de janeiro de 2015.
101
Correspondem aos sons do português brasileiro produzidos por uma obstrução da passagem de ar, como nas
oclusivas, ocorrendo posteriormente uma abertura com fricção, como nas fricativas. Exemplo: tia e dia. Cf.:
<http://www.lpeu.com.br/q/at2bq> Acesso em 4 de janeiro de 2015.
102
Cf. Machado, 2012, p.53.
100

ancorada numa visão latino-americana. A cantora soube evidenciar o projeto de integração de


melodia e letra presente na composição, compatibilizando seu gesto interpretativo e
configurando a qualidade emotiva passionalizada.
Em comparação com a versão de Antônio Carlos Jobim, podemos assinalar que,
se as escolhas de andamento, articulação rítmica, timbre, emissão e tonalidade se constroem a
partir de diferentes estéticas, as mesmas se compatibilizam expressivamente, através dos
estados disfóricos manifestos em ambas as interpretações. O caráter dramático da canção,
expresso pela disjunção temporária do sujeito da enunciação com o objeto, movido pela
saudade, norteia o gesto interpretativo de ambos os intérpretes, posicionando-os no centro da
narrativa, como sujeitos da enunciação.

4.2 Corcovado (Antônio Carlos Jobim)

Segundo Severiano et. Homen de Mello (1998) a música Corcovado foi composta
no ano de 1960, por Antônio Carlos Jobim (letra e música). Denominado como samba,
representa, para os autores, um “cartão postal do Rio de Janeiro, poética e musicalmente
impregnado pelo espírito da bossa nova [...]” (SEVERIANO & HOMEM DE MELLO, 1998,
p.38).
O livro aponta algumas curiosidades a respeito da letra da música: Originalmente,
antes de ser gravado, “o primeiro verso dizia: um cigarro um violão. Foi nos ensaios para a
gravação que João Gilberto convenceu Tom Jobim a mudá-la para um cantinho um violão”
(id, ibid.).
Outro dado interessante sobre a letra é que o verso "da janela vê-se o
Corcovado/o Redentor, que lindo" tem como referência “a paisagem vista das janelas do
apartamento em que o autor morava na ocasião”. O mesmo apartamento, “situado na Rua
Nascimento Silva, 107, em Ipanema, acabou entrando para a letra do samba ‘Carta ao Tom
74’ de Toquinho e Vinícius de Moraes” (id, ibid.).
Gava (2006), por sua parte, afirma que a música “foi executada durante toda a
temporada do trio Jobim, Moraes & Gilberto, no Restaurante Bon Gourmet, Rio de Janeiro,
1962, evento importante [...] porque finalizou a carreira da parceria de Jobim & Moraes.”
(GAVA, 2006, p.108).
101

A música "Corcovado" foi gravada “por artistas estrangeiros, como, por exemplo,
Stan Getz (em 1963) e Frank Sinatra (em 1967), ficando mais conhecido como Quiet Night of
Quiet Stars” (id, ibid.).

Letra

1 Num103 cantinho, um violão

2 Este amor, uma canção

3 Pra fazer feliz a quem se ama

4 Muita calma pra pensar

5 E ter tempo pra sonhar

6 Da janela vê-se o Corcovado

7 O Redentor, que lindo!

8 Quero a vida sempre assim

9 Com você perto de mim

10 Até o apagar da velha chama

11 E eu que era triste

12 Descrente deste mundo

13 Ao encontrar você eu conheci

14 O que é felicidade meu amor

4.2.1 Sobre a canção

Versão analisada: Corcovado - faixa 3, lado B do LP O amor, o sorriso e a flor, gravado em


1960, no Rio de Janeiro (Brasil), pela Odeon. Arranjo de Antônio Carlos Jobim, interpretação
de João Gilberto e produção de Aloysio De Oliveira

Andamento: 68 bpm
103
Ao tomarmos contato com o LP O amor, o sorriso e a flor, de João Gilberto (1960), o qual contém, na faixa 2
do lado B, a primeira gravação de “Corcovado”; observamos que a letra inserida na contracapa original do disco,
começa com a palavra Num e que esta é reforçada no canto.
102

Tonalidade: C

Tessitura: 14 semitons

Instrumentação: orquestra, violão, flauta e bateria.

Estrutura formal: Introdução, A, A’, intermezzo e CODA.

Nesta versão, a estrutura formal da obra é constituída por uma introdução


instrumental de 12 compassos104, uma parte A de dezesseis compassos (versos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e
7), uma parte A’ de dezoito compassos (versos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14) e um intermezzo
instrumental de doze compassos, idêntico à introdução, mais quatro compassos de repetição
em fade out. Construída sobre o primeiro acorde da introdução e interpretada em forma de
improviso melódico, se apresenta ao final desta versão uma CODA instrumental de quatro
compassos, em fade out.
A integração entre melodia e letra é de tipo passional-tematizada. Regida por um
andamento lento, a melodia se expande pela tessitura de 14 semitons.
Nas partes que denominamos de A e A’ predominam os motivos melódicos
compostos por graus imediatos, em movimento conjunto ascendente e descendente, que se
reiteram no sentido horizontal da tessitura, às vezes de forma idêntica, como podemos
observar nos dois primeiros motivos da figura 15 e da figura 17, e outras um tom abaixo ou
acima do motivo anterior, como podemos visualizar no terceiro motivo do diagrama da figura
15 e na relação dos três primeiros motivos da figura 16.

Figura 15 - Parte A: compassos 1 a 8, versos 1, 2, e 3. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim.

104
A introdução referida faz parte da composição.
103

Figura 16- Parte A: compassos 9 a 16, versos 4, 5, 6, e 7. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos
Jobim.

Figura 17- Parte A: compassos 17 a 24, versos 8, 9, 10 e 11. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos
Jobim

Os processos de reiteração motívica descritos produzem uma sensação de


aceleração de tempo e uma regularização da pulsação rítmica que remetem aos componentes
melódicos tematizados.
Tatit (1995) observa que uma trajetória melódica quase sem variação pode
adquirir sentidos tensivos, observados em sua relação com a condução harmônica. O autor
associa este recurso composicional à BN e à dicção105 de Tom Jobim106.

105
Dicção, segundo Tatit (1995), é o conjunto de elementos que definem as características compositivas de um
autor.
106
A linearidade da melodia condensa a densidade dominante do acorde (TATIT, 1995, p.170).
104

Mas a harmonia na composição de Jobim é um caso à parte.Cada acorde contém


uma fonte de energia melódica que orienta o sentido do percurso, como se toda a
substancia protética da melodia estivesse armazenada no encadeamento harmônico
(TATIT, 1995, p164).

Podemos encontrar estes elementos em outras obras do autor deste período, como
“Águas de março”, “Samba de uma nota só”, “Garota de Ipanema” e “Fotografia”, as quais
não serão, no entanto, analisadas neste trabalho.
Os componentes passionais da melodia começam a evidenciar-se nos últimos
motivos das figuras 15, 16, e 17, com o aparecimento de saltos intervalares e tonemas
descendentes que finalizam as frases em forma asseverativa.
No último motivo da figura 15 e da figura 17 evidencia-se uma prolongação de
tempo nas sílabas ama e chama, respectivamente, que o intérprete, na versão original, reforça
com uma articulação rítmica que privilegia os prolongamentos vocálicos.
Na parte A, a melodia concentra-se na região médio-grave da tessitura,
expandindo-se pelo campo de frequência de oito semitons, através da sucessão de motivos
rítmico- melódicos recorrentes. Estes elementos tematizados da melodia entram em
concordância com os elementos eufóricos presentes na letra, que celebram a música, a
felicidade do amor e a beleza das paisagens do Rio de Janeiro, expressas no discurso através
de um enunciador em terceira pessoa, que relata os procedimentos discursivos figurativos107
presentes no texto: "Um cantinho, um violão/ esse amor uma canção/ pra fazer feliz a quem
se ama/ muita calma pra pensar/ e ter tempo pra sonhar/ da janela vê-se o Corcovado/ o
Redentor, que lindo!".
Na parte A’, a melodia começa a expandir-se pela tessitura, através da sucessão
dos motivos rítmico – melódicos presentes na parte A. Os procedimentos discursivos da letra
se apresentam de forma tematizada e a enunciação de forma enunciativa108.
Aparece um enunciador projetado na primeira pessoa eu, no tempo agora, no
espaço aqui: "quero a vida sempre assim/ com você perto de mim/ até o apagar da velha
chama/."

107
Os discursos figurativos têm uma função descritiva ou representativa, enquanto os temáticos têm uma função
predicativa ou interpretativa (FIORIN, 2002, p. 65).
108
Ocorre quando o enunciador coloca o sujeito da enunciação (eu) e o ato de enunciar (afirmo) no interior do
enunciado.
105

Novos contornos melódicos surgem (figura 18), investindo tensivamente na


ampliação do campo da tessitura até atingir toda sua extensão de 14 semitons, propondo a
encenação de uma busca que vinculará sujeito ao objeto.
No plano narrativo, o sujeito da enunciação relata a transformação do valor
disfórico tristeza em estado conjunto com o valor eufórico felicidade: "e eu que era triste/
descrente desse mundo/ ao encontrar você eu conheci/ o que é felicidade meu amor”.

Figura 18- Parte A’: compassos 25 a 34, versos 11, 12, 13 e 14. Composição “Corcovado”, de Antônio
Carlos Jobim.

Quanto à predominância do regime passionalizado sobre o tematizado na presente


obra, esta pode ser percebida, em primeira instância, na escolha do compositor pelo
andamento desacelerado como procedimento geral, na presença do sujeito da enunciação no
plano discursivo, discorrendo sobre temas de amor e nos prolongamentos das durações, em
geral nos tempos fortes do compasso, que diminuem os ataques rítmicos associados à
pulsação e aos estímulos somáticos.

4.2.2 Análise do comportamento vocal. Aluno 2

Versão analisada: Corcovado

Andamento: 67 bpm

Tonalidade: C

Tessitura: 21 semitons
106

Instrumentação: violão e voz

Estrutura formal: Introdução- A -A’-intermezzo sobre A e A’ e CODA.

Na versão do aluno 2, a estrutura formal da música é concebida por uma


introdução vocal-instrumental de 12 compassos, uma parte A de 12 compassos, uma parte A’
de 20 compassos, um intermezzo vocal-instrumental sobre a harmonia da parte A, de 12
compassos, e um retorno à parte A’, com letra de 20 compassos, seguida de pequena Coda.
O canto começa na introdução, com um vocalize em cima de sílabas
improvisadas.

Figura 19- Introdução: compassos 1 a 12. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim.

Desde o começo do canto, a voz se desenvolve no registro médio-grave da


tessitura, utilizando o registro modal e o sub-registro de peito. Ao apresentar-se num registro
próximo à fala, o timbre encontra-se mais carregado de harmônicos graves. Evidencia-se uma
fonação soprosa (com escape de ar). Não definiremos, a priori, se esta opção corresponde a
uma característica do nível físico da voz analisada ou se foi feita propositalmente pelo
intérprete, a fim de criar algum tipo de efeito sonoro no seu canto.
As respirações neste trecho mostram-se bastante audíveis, demonstrando uma
menor adução das pregas vocais, que se expressam em uma voz com pouco volume,
consistência e resistência, além de apresentar ausência de vibrato nos prolongamentos
vocálicos de final de frase.
No começo da parte A, o canto continua mantendo as características da emissão
107

observadas na introdução, mas apresentando menor escape de ar, o que indica uma
consciência maior do apoio respiratório, uma melhor adução das pregas vocais e uma
constância na pressão aérea sub-glótica.
A uniformidade tímbrica, somada ao ritardando109 constante do canto em relação
ao acompanhamento do violão, nos revela uma identificação do canto do aluno com a estética
bossanovista do canto de João Gilberto.
Outro elemento que achamos semelhante ao da estética do cantor baiano é a
articulação do texto: O aluno diz / Um cantinho um violão / esse amor uma canção/ com uma
respiração quase imperceptível entre as frases, procurando dar continuidade aos fraseados
musical e linguístico.
O recurso figurativo através do qual o cantor diz o texto respeitando as inflexões
da fala nos dá a impressão de que “as frases poderiam também ser ditas no cotidiano”
(TATIT, 2014, p.34).
Os elementos figurativizados permanecem na interpretação da frase /muita calma
pra pensar/, onde se reafirmam as acentuações das sílabas do discurso linguístico. Estas
acentuações no canto dialogam com as presentes na batida do violão, como expressa Mammi
(1994) ao referir-se à inter-relação entre o canto e o violão em João Gilberto:

Essa defasagem rítmica contínua mantém uma ligação forte com as inflexões da
língua falada, porque como esta não pode ser calculada com exatidão, nem se deixa
geometrizar completamente. Mas, entre o retardo da voz e a antecipação do violão,
se cria um tempo médio que nunca é pronunciado, mas que é o que garante ao verso
a essência musical e ao canto o ser poesia (MAMMI, 1994, p.67).

A frase seguinte - /e ter tempo pra sonhar/ - prolonga levemente a vogal “e” e a
vogal “a” que estão grifadas. Não há emissão de vibrato nem de portamentos. O tipo de
fonação mais soprosa das palavras tempo e sonhar, somado aos prolongamentos vocálicos,
manifesta a intenção do intérprete de sublinhar o texto no canto, revelando um gesto
interpretativo passionalizado com presença de elementos figurativizados.
/Da janela vê-se o Corcovado o Redentor, que lindo!/: Aqui o cantor recupera as
acentuações das palavras no começo das frases, continuando com o sublinhado, marcando
pausas na descrição do que se vê da janela -/da janela vê-se o [pausa] Corcovado [pausa] o
Redentor/-, culminando com a interjeição /que lindo!/, marcando a vogal “i” com um pequeno
portamento.

109
Retardo do canto em relação aos pulsos do tempo da música.
108

Interessante observar que a respiração sonora, produzida com antecedência à


pronúncia da palavra Corcovado, aparenta ser uma expressão de emoção, um suspiro, clara
evidência da presença do sujeito da enunciação no enunciado, mesmo que o discurso, neste
trecho, esteja escrito na terceira pessoa.

Se a letra relata algo em terceira pessoa, os contornos entoativos impedem que o


efeito de objetividade se imponha com plenitude. Os sentimentos atribuídos a “ele”
são infletidos pelas modulações vocais do intérprete, portanto, do “eu”. Tudo que a
letra desconecta da enunciação, a melodia se encarrega de reconectar (TATIT, 2014,
p.35).

A parte A’ correspondente à segunda estrofe apresenta o texto na primeira pessoa:


Quero a vida sempre assim/ com você perto de mim/ até o apagar da velha chama. Aparece
um “eu” e um “tu” pressuposto que o cantor manifesta com uma emissão vocal mais
carregada de harmônicos graves, que conferem um corpo mais denso à voz, pondo em
evidência as respirações. Os elementos passionais do canto aparecem em concomitância com
os elementos passionais do texto - até o apagar da velha chama-, onde ocorrem pequenas
prolongações vocálicas (na parte grifada) e o tempo diferenciado na emissão das palavras
velha e chama.
Conforme o já observado na análise da canção, novos contornos melódicos
aparecem, investindo tensivamente na ampliação do campo da tessitura, até atingir toda sua
extensão de 14 semitons, propondo a encenação de uma busca que vinculará sujeito a objeto.
Estes elementos passionais da melodia são expressos na interpretação vocal através de leves
mudanças na emissão, reforçando, desta maneira, os elementos disfóricos presentes na letra.
Embora a tessitura desta nova seção tenha se estendido pelo campo da frequência, ainda é
possível detectar a homogeneidade do timbre e a regularidade da intensidade, elementos que
expressam a continuidade do canto e a compatibilização com os aspectos intimistas da
abordagem.
Na interpretação da letra /e eu que era triste/ observamos dois procedimentos que
provocam uma desaceleração tensiva: a articulação rítmica que tende a se afastar da original e
a mudança da nota da primeira sílaba da palavra triste, de um mi3 para um mi b3, que atenua a
tensão provocada pela ausência, efeito obtido pela nota dissonante original. Estas ações locais
reafirmam a continuidade do canto, compatibilizado com os elementos figurativizados-
passionais.
109

Figura 20- Parte A’ compassos 25 a 34, versos 11, 12, 13 e 14. Composição “Corcovado”, de Antônio
Carlos Jobim.

A aceleração do texto /que era triste/ desloca, ritmicamente, a articulação do


canto em relação aos tempos da música. Ao mesmo tempo, evidencia-se uma dinâmica
decrescente em relação ao volume, acusando uma impaciência, do enunciador, para chegar ao
final do percurso melódico, a fim de entrar em conjunção com a felicidade e com seu objeto
de desejo: meu amor.
A interpretação do texto no canto continua manifestando-se em conjunção com a
disforia presente na letra /descrente desse110 mundo/, apresentando um elemento figurativo na
pronúncia des-se mun-do, onde as acentuações que correspondem à silabação das palavras
sublinham o texto. No entanto, a substituição do pronome demonstrativo deste, presente no
texto original, pelo pronome demonstrativo desse, para se referir ao mundo do sujeito da
enunciação, configura um sentido diferente à frase, pois estabelece um certo distanciamento
espacial entre o enunciador e o sujeito da enunciação.
A parte A’ culmina com o verso que retrata a transformação de estado do sujeito
da enunciação, de disfórico a eufórico (tanto na letra quanto na música), pela conjunção, ao
final do percurso melódico, com seu objeto de desejo: ao encontrar você eu conheci/ o que é
felicidade meu amor. No comportamento vocal se observa o predomínio de elementos
passionalizados, com presença de elementos figurativizados e tematizados.

110
Note-se que o aluno ao substituir o pronome demonstrativo deste pelo pronome demonstrativo desse, para
se referir ao mundo do sujeito da enunciação, estabelece uma relação espacial diferenciada do texto original
110

No intermezzo, onde o cantor executa um improviso vocal sobre a base harmônica


da parte A’, a tessitura se amplia em 7 semitons em direção ao agudo, de um dó3 para um
sol3. A voz intercala emissão no registro modal, em sub-registro de peito, com registro
elevado, em sub-registro de falsete. Estes elementos, associados ao canto passionalizado, se
restringem ao intermezzo, ação que entendemos como uma manifestação livre da voz, isenta
dos cânones de estilo. Para melhor visualizar as mudanças de registro relacionadas às notas da
tessitura, adicionamos uma coluna à esquerda e, ao final do quadro, as referências desses
registros na tessitura.

Figura 21 - Intermezzo compassos 35 a 42. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim.

Figura 22 - Intermezzo compassos 43 a 50. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim.


111

No retorno à parte A’, a letra, associada aos elementos eufóricos e à mudança de


estado do sujeito da enunciação, é interpretada por uma voz que se apresenta menos intimista
por alguns momentos e que propõe, no plano dinâmico geral, variações em concordância com
os elementos presentes na letra, ocasionando maior concentração dos movimentos melódicos
e, em consequência, uma sensação de aceleração da música.
Os principais elementos da articulação rítmica, nesta última parte, são: os acentos
do canto coincidentes com as acentuações linguísticas (conteúdos figurativizados do canto),
pequenas prolongações vocálicas em algumas palavras (conteúdos passionalizados) e dois
tipos de respirações: uma acentuada, rápida e breve (que associamos aos conteúdos eufóricos
do canto, ou tematizados) e outra menos acentuada, lenta e longa (que associamos aos
conteúdos disfóricos do canto, ou passionalizados).
Consideramos pertinente observar as pausas do canto, neste trecho, como
elemento tensivo, levando em consideração, por um lado, os sentidos que comportam a
interpretação do texto e, por outro, a compatibilização entre as respirações e os conteúdos
expressos por ele.
Estabelecemos as categorias fóricas das respirações - acima descritas - associando
os valores de euforia /disforia com os seguintes elementos, respectivamente:
Intensidade acentuada/atenuada

Temporalidade antecipada /atrasada

Velocidade rápida / lenta

Espacialidade breve / longa

Figura 23: Parte A’: compassos 51 ao 74, imagem das respirações seccionadas e analisadas no editor de
áudio que interseccionam os versos 8, 9, 10, 11, 12 e 13 da Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos
Jobim.
112

Letra da parte A’, observada do retorno ao final:

quero a vida sempre assim

com você [ respiração 1: acentuada, antecipada, rápida, breve, eufórica]

perto de mim [respiração 2: acentuada, antecipada, rápida, breve, eufórica]

até o apagar[respiração 3: atenuada, atrasada, lenta, longa, disfórica]

da velha chama[respiração 4: atenuada, atrasada, lenta, longa, disfórica]

e eu que era triste[respiração 5: atenuada, atrasada, lenta, longa, disfórica]

descrente desse mundo[respiração 6: menos acentuada, atrasada, lenta, longa, disfórica]

ao encontrar você [respiração 7: atenuada, atrasada, lenta, longa, disfórica]

eu conheci / o que é felicidade [respiração não sonora]

o que é felicidade [respiração não sonora]

o que é [respiração não sonora] felicidade[respiração não sonora] meu amor

pirubé paru ué

A performance vocal culmina, então, em três exposições do trecho /o que é


felicidade/. Na primeira, o percurso melódico descendente da versão original se apresenta
sustentado harmonicamente pelos graus II (Dm) e V (G7); na segunda ele é repetido um
semitom acima, conformando-se melodicamente sobre os graus III (Em) e V do IIm (A7) e;
na terceira, volta a apresentar o primeiro modelo, com a adição de um recurso que cria
expectativa: um ad libitum na última palavra, felicidade, que é cantada e falada ao mesmo
tempo.
O final da música é composto por um tonema descendente que reafirma o
conteúdo asseverativo da frase /meu amor/ e, no entanto, não finaliza a performance vocal do
aluno. Ele adiciona à música uma melodia improvisada de 6 notas, em vocalize situado uma
oitava acima da última frase, que termina com um tonema ascendente e suspensivo na nota si
3 , 7ª maior do acorde de tônica.
113

Figura 24: Final e Coda compassos 67 a 74. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim.

4.2.3 Conclusões

Pela escolha da tonalidade, do andamento, do tipo de emissão e da articulação


rítmica, podemos concluir que a interpretação do aluno 2 da música “Corcovado” tem
predominância de elementos passionais figurativizados, com presença de alguns recursos
tematizados. A realização se compatibiliza com a estética da Bossa Nova e, particularmente,
com a do canto de João Gilberto.
O canto põe em evidência o projeto de integração entre melodia e letra presente na
composição. Na parte A, os elementos tematizados da melodia são mantidos na interpretação,
onde há utilização homogênea do timbre e do volume e uma fonação menos soprosa, que
somada à ausência de vibrato e de contrastes dinâmicos, privilegiam a continuidade do canto.
O andamento lento sugere o componente disfórico, que na voz se manifesta através de uma
articulação rítmica111 que, no plano extenso, tende a desintegrar a rítmica da melodia em favor
do texto, destacando os elementos figurativizados, que estão muito presentes no projeto
interpretativo, como complementares aos modelos de integração passional e tematizado.
O intermezzo é a única parte formal da música onde o cantor utiliza elementos
vocais diversos daqueles que predominam em sua interpretação: neste momento ele faz uso,
de maneira improvisada, de motivos melódicos associados ao universo do jazz, com uma
timbragem próxima ao estilo cool, que da nossa perspectiva enfatiza os elementos passionais

111
Segundo Machado (2012, p.52), o termo articulação rítmica faz referência à maneira como a voz articula os
tempos do discurso musical, associados ao discurso linguístico, na ação local (cada sílaba), na ação local
ampliada (cada palavra), na ação global (cada período) e na ação global ampliada (cada frase).
114

do canto.
Na parte A’, que se inicia apresentando, no plano discursivo, uma debreagem
enunciativa, projetando o eu- aqui- agora da enunciação, a voz do enunciador se faz mais
presente no enunciado. O efeito de proximidade dessa voz é criado através de acentuações, no
discurso musical, coincidentes às do discurso linguístico; respirações sonoras e pausas que
expõem a presença da voz que fala por trás da voz que canta. A conjunção da letra com o
objeto de valor /felicidade/ é interpretada por uma voz com mais presença de elementos
eufóricos, que se traduzem em pequenos crescendos dinâmicos, mudanças no tipo de fonação
e, por vezes, acréscimo de volume.
Retomando os conteúdos passionalizados na integração de melodia e letra, a voz
recupera os traços de passionalização sem, no entanto, abandonar os elementos
figurativizados. O sujeito da enunciação está sempre presente no canto, dando mais ênfase às
debreagens enunciativas do texto.
Grande variedade de recursos são apresentados na performance vocal,
concomitantes às relações tensivas operadas no núcleo melodia/letra da composição. Mesmo
que o sotaque espanhol seja muito evidente, os elementos estilísticos que associam o canto à
estética de João Gilberto garantem uma pertinência da interpretação ao universo da Bossa
Nova.
A qualidade emotiva da voz com a qual associamos a interpretação vocal nesta
obra é Passional-Figurativizada.

4.2.4 Análise do comportamento vocal II. Aluno 3

Versão analisada: Corcovado

Andamento: 57 bpm

Tonalidade: C

Tessitura: 14 semitons

Instrumentação: piano e voz

Estrutura formal: A-A’-(intermezzo instrumental sobre A) A’ e CODA.

Letra

1 Um cantinho, um violão
115

2 Esse amor, uma canção

3 Pra fazer feliz a quem se ama A

4 Muita calma pra pensar

5 E ter tempo pra sonhar

6 Da janela vê-se o Corcovado

7 O Redentor, que lindo!

8 Quero a vida sempre assim

9 com você perto de mim

10 Até o apagar da velha chama

11 E eu que era triste A’

12 Descrente deste mundo

13 Ao encontrar você eu conheci

14 O que é felicidade meu amor

Na versão do aluno 3, a introdução está composta por um compasso de solo do


piano, em Lá Menor.
A estrutura formal da música é composta por uma parte A de 16 compassos, uma
parte A’ de 18 compassos, um intermezzo instrumental sobre harmonia da parte A e um
retorno à parte A’ - com letra -, seguida de pequena coda de quatro compassos de repetição de
frase.
O andamento lento, escolhido pelo intérprete, influencia, de forma geral, na
articulação rítmica do canto, onde se atenuam as pulsações, valorizando-se a permanência nas
vogais e no contorno melódico, substituindo-se os efeitos somáticos por efeitos psíquicos,
ligados a conteúdos afetivos.
A melodia se apresenta, ao longo da interpretação, idêntica à da composição
original, alterando-se, somente, a repetição do motivo final, na construção da pequena coda.
No começo da parte A, o cantor utiliza uma emissão em registro modal, em sub-
registro de peito. A presença de harmônicos agudos no canto corrobora o uso de ressoadores
116

frontais, que produzem um timbre mais metalizado.


A primeira sílaba deslocada do tempo, no verso 1, em corcondância com a versão
original, é acentuada e prolongada na vogal u, articulação rítmica que se repete nas sílabas
grafadas /can- ti -vio –lão/, nestes casos, porém, sem prolongação vocálica. Estas acentuações
silábicas correspondem às acentuações de uma clave rítmica pertencente ao universo
estilístico do tango.

O padrão rítmico 3-3-2 é um padrão rítmico antigo, porém frequentemente associado


a Astor Piazzolla no tango, já que ele o utilizou muitas vezes em suas composições.
No entanto, ele estava presente no tango antes de Piazzolla, embora não seja,
geralmente, tão utilizado no tango tradicional. Pode ser visto como uma variação do
ritmo habanera, pois se você junta as duas notas do meio da habanera em uma, você
obtém o 3-3-2112.

Figura 25- Padrão rítmico 3-3-2 associado a Astor Piazzolla no tango.

A palavra este, da versão original, é substituída, pelo intérprete, pela palavra esse,
no verso 2. O recurso dos prolongamentos vocálicos se faz presente nas palavras sublinhadas
/esse amor uma canção / pra fazer feliz a quem se ama./, aparecendo, na última vogal da
palavra ama, um pequeno vibrato de final de frase.
Em relação ao sotaque espanhol, posto em evidência na interpetação, observamos
que, tanto a presença da consoante “b” (bilabilal oclusiva sonora) substituíndo a consoante
“v” (labiodental fricativa sonora) na palavra violão, quanto a presença da consonate “s”(
fricativa alveolar surda) substituíndo a consoante “z” (fricativa alveopalatal sonora) nas
palavras fazer e feliz113, geram uma homogeneidade no timbre, produzida pela redução do
ruido da fricção do “v” e do “z”, respectivamente, tornando a tonicidade mais enfraquecida114
neste trecho, o que associamos a uma ocorrência local mais disfórica.
A pronúncia do “a” oral substituíndo o “ã” nasal nas palavras violão e canção

112
Do original: "The 3-3-2 rhythmic pattern is an ancient rhythmic pattern, but is often associated with Astor
Piazzolla in tango music, as he often used it in his compositions. However, it was present in tango music before
Piazzolla, but it is not generally applied that much in traditional tango music. It can be seen as a variation of the
habanera rhythm, if you stick the two middle notes of the habanera together in one, you get the 3-3-2."
[Tradução nossa]. Disponível em: <http://simbatango.com/2009/12/19/what-to-listen-for-in-tango> Acesso em
03 fevereiro de 2016.
113
O som da consoante “z”, no final da palavra feliz, adquire características de fricativo sonoro, no contexto da
interpretação, pela elisão das palavras /feliz a / no canto.
114
Cf. quadro explicativo do conceito: p66.
117

e a ausência da nasalidade das vogais anteriores às consoantes m e n, grifadas na continuação


do texto -um cantinho um víolão/ esse amor uma cançao/ pra fazer feliz a quem se ama-,
produzem o mesmo efeito, mas neste caso pelo predominio dos sons orais.

Além das vogais nasais, que ocorrem com o abaixamento do véu do palato,
deixando o fluxo de ar sair por duas cavidades (a oral e a nasal), temos vogais que
são nasalizadas em função dos contextos vizinhos. É o que ocorre em palavras como
cama, ninho, tenho, nas quais o abaixamento do véu do palato para a articulação da
consoante nasal adjacente é realizado antes da completa articulação da vogal que
antecede esse segmento nasal. Isso faz com que tais vogais sejam percebidas como
nasalizadas. Em contexto tônico, essa nasalização é mais perceptível do que em
contexto átono (SEARA et.al., 2011, p.41) 115.

A parte A continua com a interpretação dos versos 4 e 5 - muita calma pra


pensar/e ter tempo pra sonhar-, onde as prolongações vocálicas são mantidas, às vezes, para
criar efeito na ação local ampliada: na palavra muita,por exemplo, reforça-se, na prolongação,
o significado de quantidade, à qual se refere o termo. Nos demais casos, atuam na construção,
no campo extenso, de um discurso passionalizado, mediante as prolongações vocálicas no
campo intenso.
Concomitantes às acentuações linguísticas, detectam-se prolongações vocálicas
acompanhadas de aumentos e diminuições da dinâmica nas sílabas grafadas: muita calma pra
pensar/e ter tempo pra sonhar. Observamos que, tanto este recurso, quanto a interpretação
rítmica das palavras corcovado e redentor, localizadas no final da parte A, nos versos 6 e 7,
estão associados ao fraseado do tango, a partir do que intuímos que este universo deve fazer
parte da dicção do aluno, sendo transferido para a sua interpretação.
Com a chegada à parte A’, onde a debreagem enunciativa se faz presente no nível
discursivo, a interpretação vocal continua com predominância do canto sobre a fala: os
elementos figurativizados não estão presentes de forma enfática, sobressaindo os elementos
passionalizados.
A partir do verso 11 da parte A’, a melodia começa a expandir-se pelo campo da
tessitura, propondo um percurso melódico de busca, que une o passado do sujeito da
enunciação, em disjunção com o objeto de valor felicidade, com o presente do sujeito, em
conjunção com o mesmo objeto. Este percurso apresenta dois motivos melódicos iniciais em
gradação descendente, que se compatibilizam com o conteúdo disfórico da letra, sendo

115
Disponível em: <http://ppglin.posgrad.ufsc.br/files/2013/04/Livro_Fonetica_e_Fonologia.pdf> Acesso em 29
de julho de 2015.
118

interpretados pelo cantor por meio de uma emissão em registro modal, com alternância de
ressonâncias.
Na interpretação dos versos 11 e 12 (nos compassos 25 e 26 da exposição de A’) -
e eu que era triste / descrente desse mundo- detecta-se uma diminuição geral da dinâmica, em
concordância com os elos de melodia e letra presentes neste trecho. A voz realiza mudanças
dinâmicas locais através do uso alternado dos tipos de fonação-fluida e soprosa -, destacando
as palavras que denotam tristeza no texto, que são reproduzidas de maneira disfórica.
Concordante com a versão do aluno 2, a nota mi 3, da primeira sílaba da palavra
Triste, é substituída pela nota mi bemol 3, o que diminui a tensão provocada pela ausência,
reforçada pela nota dissonante original, ocasionando uma desaceleração tensiva local,
compatível com os conteúdos presentes no núcleo melodia e letra do fragmento.

Figura 26- Parte A’ compassos 25 a 34 versos 11, 12, 13 e 14. Composição “Corcovado”, de Antônio Carlos
Jobim, versão 2.

Estes recursos do comportamento vocal, que configuram fragilidade ao canto, são


contrastados com um novo comportamento, observado no verso subsequente, onde o
intérprete retoma uma dinâmica forte, com um reforço de acentuação produzido por um golpe
de glote116 nas sílabas destacadas- ao encontrar você eu conheci-, numa dinâmica crescente
que se finaliza com um vibrato longo na última sílaba da palavra conheci. Uma silabação
acentuada da palavra /fe-li-ci-da-de/, no verso seguinte, é seguida da expressão quase
susurrada do verso / meu amor/ , com prolongamento da última vogal, com pronúncia quase
impercetivel do “r” final.

116
O ataque de glote segundo Sundberg (2015) se produz quando a adução de pregas vocais é completa antes
do aumento de pressão sub-glótica, não existindo uma coordenação na simultaneidade de ambas as funções
na fonação.
119

A parte A’ apresenta, portanto, uma maior variedade de elementos vocais. O


canto, compatível com os elos de melodia e letra presentes na composição, reforça os
conteúdos eufóricos através da utilização de recursos dinâmicos, de acentuação, de emissão e
de manipulação tímbrica. Os recursos disfóricos são interpretados através de articulação
rítmica na ação local- com procedimentos de prolongação vocálica-, de emissão e timbre
homogêneos e dinâmica intimista no campo extenso da interpretação.
No retorno à parte A’, após o intermezzo instrumental, os elementos
passionalizados do canto, já apresentados, reaparecem, porém com menor ênfase. As
prolongações vocálicas são emitidas com um corpo mais denso de voz e com uma dinâmica
mais forte, como se estivessem antecipando os elementos eufóricos que surgirão ao término
do percurso melódico.

Figura 27 - Parte A’ repetição: compassos 58 a 65. Imagem do sinal. Seccionada e analisada no editor de áudio,
que demonstra, nos versos 11, 12 e 13 da composição “Corcovado”, de Antônio Carlos Jobim, as mudanças
dinâmicas, cujos picos mais altos de volume estão destacados no começo da segunda frase.

Um volume inesperado se destaca na primeira sílaba do verso 11, sendo mantido


nos versos 12 e 13- e eu que era triste/ descrente desse mundo, ao encontrar você eu conheci-
, sendo obtido por meio de uma laringe mais alta e constringida, evidenciando um som mais
metalizado e estridente. A última sílaba da palavra conheci é prolongada com um vibrato,
sendo seguida pela repetição da frase /o que é felicidade/ três vezes, formando a pequena
coda: o que é felicidade, o que é felicidade, o que é felicidade meu amor. Os elementos
eufóricos observados no comportamento vocal, neste trecho, se relacionam com um tipo de
fonação mais tensa, obtida através de uma emissão mais frontal que produz um timbre mais
brilhante e com mudanças dinâmicas em crescendo. A performance vocal é concluída com
120

uma emissão disfórica, em registro próximo da fala, com prolongação vocálica e vibrato de
final de frase: meu amor.

4.2.5 Conclusões

Podemos concluir que o canto, nesta versão, tem predomínio de elementos


passionalizados, com presença de alguns elementos tematizados. A interpretação põe em
evidência o projeto de integração entre melodia e letra presente na música.
A presença da fala no canto não é enfática, aparecendo isoladamente na silabação
de algumas palavras, na alteração de alguns elementos do timbre - que evidenciam a presença
do sujeito da enunciação no enunciado - e em algumas acentuações melódicas que
permanecem atreladas às acentuações linguísticas.
O sotaque do espanhol argentino, muito presente na interpretação, reforça os
elementos passionalizados do canto pela ausência dos sons nasalizados, africados e fricativos
sonoros, observados nas palavras: cantinho, violão, canção, fazer, feliz, ama, tempo, janela,
vê-se, corcovado, você, até, chama, descrente, mundo, vida, quero, assim, é.
Entendendo que, tanto os sons nasais, quanto os fricativos e africados são
produzidos pela obstrução total ou momentânea do fluxo de ar pela cavidade oral - gerando
ruído, seja por fricção ou por mudança de timbre provocada pela movimentação do véu
palatino -e pela saída do ar através das fossas nasais; podemos concluir que a falta deles
produz uma emissão mais homogênea, com maior presença de sons abertos e, em
consequência disto, com uma tonicidade mais enfraquecida. Estes elementos estão associados
ao modelo passionalizado.
Observamos como expressões de estilo: a escolha do andamento, a conservação
da linha melódica do canto e a escolha da estrutura formal.

3. Desafinado (Antônio Carlos Jobim/ Newton Mendonça)

Composta por Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça, a música foi gravada
pelo cantor João Gilberto, no LP “Chega de saudade” (Odeon, Rio de Janeiro, 1985) 117. Com
arranjos de Tom Jobim e produção de Aloysio de Oliveira, o disco é considerado o marco
inaugural da bossa nova.

117
Uma curiosidade sobre o evento: “Desafinado levou treze takes para ser gravada por João Gilberto, no dia 10
de novembro de 1958. Isto apesar de Tom ter simplificado ainda mais o arranjo, para evitar os pegas entre o
cantor e a orquestra” (MIDANI apud CASTRO, 1990 p.209-210).
121

Segundo Mello et. Severiano (1998):

A primeira gravação de bossa nova foi lançada em fevereiro de 59, já mostrava tudo
o que a bossa nova oferecia de inovador e revolucionário: o canto intimista, a letra
sintética, despojada, o emprego de acordes alterados e, sobretudo, um extraordinário
jogo rítmico entre o violão, a bateria e a voz do cantor. Responsável por este jogo
rítmico, seu intérprete, João Gilberto, assumia assim de imediato um papel
destacado no trio -completado pelo compositor Tom Jobim e o poeta Vinicius de
Moraes- que, criando a bossa nova, alteraria de forma irreversível o curso de nossa
música popular (MELLO et. SEVERIANO, 1998, p.27).

As críticas ao estilo, feitas pela imprensa, segundo Cravo Albin (2003), tiveram
como alvo a figura do cantor baiano “a quem os comentaristas acusavam de desafinado, de
antimusical e de muitos defeitos mais” (CRAVO ALBIN, 2003, p.218). O mesmo autor
comenta, ainda, que foi em resposta a estas críticas que Jobim e Mendonça compuseram
“Desafinado” e “Samba de uma nota só”, sendo que a letra da primeira "estava na medida
certa para a resposta de João Gilberto aos seus críticos" (id, ibid.).
Castro (1990), por sua parte, sustenta que a composição da música foi inspirada
“na incompetência dos cantores da noite carioca, como Lélio Gonçalves”, que eventualmente
Tom e Newton tinham que acompanhar. Esta “cruel inspiração” incentivaria aos músicos a
“escrever[em] um samba que parecesse uma defesa dos desafinados, mas tão complicado e
cheio de alçapões dissonantes que, ao ser cantado por um deles, iria deixá-lo em apuros”
(CASTRO, 1990, p.205).
A composição ganhou, tempos depois, uma introdução com letra de Ronaldo
Bôscoli, inicialmente “sem crédito” segundo Castro (ibid.), que a partir de 1981 “ganharia
visibilidade”(MONTEIRO, 2007, p.02) .

Letra da introdução referida:

1 Quando eu vou cantar você não deixa

2 E sempre vem a mesma queixa

3 Diz que eu desafino, que eu não sei cantar

4 Você é tão bonita

5 Mas tua beleza

6 Também pode se enganar


122

Figura 28 - Introdução: compassos 3 a 6, versos 1 e 2. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos


Jobim e Newton Mendonça (versão de Gene Lees do arranjo de Tom Jobim em Fá Maior).

Figura 29 - Introdução: compassos 7 a 9, versos 3 e 4. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos


Jobim e Newton Mendonça (versão de Gene Lees do arranjo de Tom Jobim em Fá Maior).
123

Figura 30 - Introdução: compassos 10 e 11, versos 5 e 6. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos


Jobim e Newton Mendonça (versão de Gene Lees do arranjo de Tom Jobim em Fá Maior).

Desconhecida ou rejeitada pelos intérpretes, “essa seção da letra sob um ponto de


vista estrutural, apresenta de fato boas razões para ser omitida, razões essas que podem ser
sintetizadas por sua falta de coesão estilística com o restante da composição” (MONTEIRO,
2007, p.02).
“Desafinado” foi considerada uma das músicas mais representativas do
movimento bossa nova, conhecida mundialmente e gravada inúmeras vezes. A versão que a
posicionou definitivamente no panorama internacional foi a de Stan Getz e Charlie Byrd para
o disco “Jazz Samba” (1962). O LP vendeu um milhão de cópias em dezoito meses.

O lendário álbum foi lançado no dia 20 de abril de 1962, menos de três meses depois
de gravado (13 de fevereiro) na Igreja Unitária de Todas as Almas (All Souls
Church), em Washington D.C. Seis das suas sete faixas foram registradas num único
take, numa única manhã estendida até as duas horas da tarde, conforme recorda
Deppenschmidt. Stan Getz apanhou o avião de volta para Nova Iorque à noite, sem
ter a mínima ideia de que aquele seria “um dos mais influentes álbuns de jazz de
todos os tempos”118.

118
Informação disponível em: <http://www.jb.com.br/jazz/noticias/2012/04/28/meio-seculo-de-jazz-samba>
Acesso em 06 de agosto de 2015.
124

Em novembro de 1962, o histórico Concerto no Carnegie Hall de Nova York da


turma da bossa nova foi anunciado no cartaz do evento como Bossa Nova - New Braziliam
Jazz.

Letra:

1 Se você disser que eu desafino, amor

2 Saiba que isto em mim provoca imensa dor

3 Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu

4 Eu possuo apenas o que Deus me deu

5 Se você insiste em classificar

6 Meu comportamento de anti-musical

7 Eu mesmo mentindo devo argumentar

8 Que isto é Bossa Nova, que isto é muito natural

9 O que você não sabe nem sequer pressente

10 É que os desafinados também têm um coração

11 Fotografei você na minha Rolley-Flex

12 Revelou-se a sua enorme ingratidão

13 Só não poderá falar assim do meu amor

14 Este é o maior que você pode encontrar viu?

15 Você com a sua música esqueceu o principal

16 Que no peito dos desafinados

17 No fundo do peito bate calado

18 Que no peito dos desafinados também bate um coração

4.3.1 Sobre a canção

Versão analisada: Desafinado - faixa 1, lado B do LP Chega de saudade, gravado em 1959, no


125

Rio de Janeiro (Brasil), pela Odeon. Com arranjo de Antônio Carlos Jobim, interpretação de
João Gilberto e produção de Aloysio de Oliveira.

Andamento: 82 bpm

Tonalidade: E

Tessitura: 15 semitons

Instrumentação: Flauta, trombone, voz, violão, 4 violinos, violoncelo, contrabaixo, coro e


bateria 119
Estrutura formal: introdução de 3 compassos, parte A de 16 compassos, parte A’ de 16
compassos, parte B de 16 compassos e parte A” de 20 compassos.

“Desafinado” apresenta um modelo de integração entre melodia e letra de tipo


passional figurativizado. A expansão constante da melodia pelo campo da tessitura, somada à
presença de saltos intervalares longos e ao tipo de fraseado rítmico-melódico nos indicam o
caráter passionalizado da composição. Os movimentos de transposição melódica, com
mudanças de centros tonais observados na estrutura formal da canção reafirmam o modelo.
Estimamos que a figurativização se manifesta na integração entre o que está sendo
dito no discurso linguístico e o modo como fala a melodia.
De acordo com a análise semiótica de Monteiro (2007) sobre a composição, “o
sujeito da enunciação representado por um 'eu' que instalado em um aqui e agora enunciativo
é debreado120 sanciona negativamente a competência, em termos de sensibilidade emocional,
de um anti-sujeito que sancionara negativamente sua competência em termos de
sensibilidade musical” [grifos nossos] (MONTEIRO, 2007, p.04). No plano profundo, o
autor reconhece as categorias semânticas natureza x cultura presentes no plano discursivo por
dois percursos temáticos recorrentes: “o do ouvido – associado à cultura – e o do coração –
relacionado à natureza” [grifos do autor] (id, ibid.).
No nosso trabalho adotaremos as categorias semânticas naturalidade x
conhecimento musica: o sujeito encontra-se em disjunção com o objeto - o valor “afinação” - ,

119
Segundo a partitura original do arranjo de “Desafinado”, manuscrita a lápis por Antônio Carlos Jobim.
Material obtido e emprestado pelo Prof. Renato Vasconcellos (Departamento de Música da UNB). O piano
consta na grade da partitura mas não se encontra presente no fonograma.
120
“Debrear é construir o simulacro de realidade, e de enunciação, no texto” (Fiorin 2002, p. 46)
126

e em conjunção com o valor “naturalidade”. O antagonista, ou anti-sujeito, por sua vez, está
em conjunção com o objeto de valor “afinação” e, portanto, com o objeto de valor
“conhecimento musical”.
Os sentidos configurados pela letra são compatíveis com a condução melódica. O
sujeito, na primeira pessoa, se dirige ao anti-sujeito expressando, através da letra, as relações
de disjunção com os objetos de valor desejados: se você disser que eu desafino, amor, saiba
que isto em mim provoca imensa dor. Na melodia, estes conteúdos são reafirmados mediante
saltos descendentes de terça maior e sexta maior, que concluem, respectivamente, na décima
primeira aumentada do acorde dominante F#7 (#11) e no quinto grau bemol do acorde
subdominante (G#m7b5). Estas notas dissonantes da harmonia empregadas na melodia são
utilizadas na composição de forma irônica - em concordância com os sentidos do texto -,
demonstrando que o “eu da enunciação” possui uma versatilidade vocal que lhe permite
interpretar a complexa melodia.
Vale dizer que o sentimento de dor provocado pela disjunção do enunciador com
o valor afinação é manifestado mediante as descontinuidades melódicas provocadas pelos
saltos intervalares da melodia. A ratificação deste sentimento de dor é expressa por intermédio
de um tonema descendente asseverativo.

Figura 31 - Parte A: compassos 1 a 8 , versos 1 e 2. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim e


Newton Mendonça.

O sujeito possui o papel actancial do querer/fazer e do não saber/fazer - Eu possuo


apenas o que deus me deu -, que contrasta com o poder/ser e o poder/fazer do anti-sujeito, o
que o frustra: se você disser que eu desafino, amor / saiba que isto em mim provoca imensa
127

dor.
O anti-sujeito possui o saber e poder/fazer, que o definem como um sujeito
realizado - só privilegiados têm ouvido igual ao seu -, mas é ameaçado pela força da
naturalidade do sujeito que tenta bloquear ou anular: se você insiste em classificar/ meu
comportamento de anti-musical /eu, mesmo mentindo, devo argumentar / que isto é bossa
nova / que isto é muito natural.
No diagrama da figura 32 podemos observar a permanência dos elementos
passionais da melodia, demonstrados pelas oscilações musicais, no campo da tessitura, dos
movimentos disjuntos, produzidos por saltos intervalares ascendentes e descendentes - de 7ª
M, 4ª J, 4ª Aum., 3ª M e 3ª m - e pelos movimentos conjuntos dos graus imediatos.
Chamamos a atenção para o emprego dos saltos intervalares mais complexos quando a letra,
na voz do sujeito da enunciação, refere-se de maneira irônica à conjunção do anti-sujeito com
o objeto de valor “afinação” e a sua própria conjunção com o objeto de valor “naturalidade”.

Figura 32 - Parte A: compassos 8 a 16 , versos 3 e 4. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim


e Newton Mendonça.

Novamente são observados, no esquema da figura 33, saltos intervalares


sustentados por harmonias que apresentam algum tipo de dissonância nas notas de chegada.
Esta tensividade melódica se compatibiliza com certos termos da letra, que remetem a dois
tipos de julgamentos negativos provenientes do anti-sujeito: a ação insistente em “classificar”
e a rotulação das capacidades do sujeito de “antimusical”.
128

Figura 33 - Parte A’: compassos 17 a 24 , versos 5 e 6. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos


Jobim e Newton Mendonça

Uma mudança de centro tonal é verificada no começo do compasso 28, sendo


compatível com o começo da argumentação do “eu” enunciativo a respeito da sua conjunção
com o valor “naturalidade”: que isto é bossa nova/ que isto é muito natural. O centro tonal
passa a se desenvolver sobre a tonalidade de Sol # Maior, a melodia se concentra na região
médio-grave da tessitura e predominam os movimentos melódicos de frequência reduzida.
Estes elementos tematizados coincidem com o pequeno trecho onde o discurso linguístico
evidencia uma breve euforia.

Figura 34 - Parte A’: compassos 24 a 31, versos 7 e 8. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim
e Newton Mendonça.
129

O percurso melódico continua se desenvolvendo no centro tonal de Sol # Maior,


prosseguindo com a argumentação do enunciador, que dessa vez vai propor, na letra, a
associação do valor disfórico (-) desafinado com o valor eufórico (+) sensibilidade.
Os elementos musicais ilustrativos das figuras desafinado (-) e sensibilidade (+)
se observam no percurso melódico através de duas condutas: A primeira fundada no
sentimento de falta, que se expande pelo campo da tessitura em direção ao agudo ao longo de
10 semitons, propondo um percurso vertical de busca lenta. A segunda, que altera
abruptamente o movimento melódico anterior, é formada por um salto intervalar descendente
de 6ª M que orienta um novo motivo com características modais, fundado no sentimento
passional de conjunção com a sensibilidade, construído harmonicamente sobre a progressão
dos acordes de G#m7, G#m(b6), A#m7(b5), A7/E .

Figura 35 - Parte B: compassos 31 a 39, versos 9 e 10. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim
e Newton Mendonça.

A partir do compasso 39, o centro tonal transfere-se para Si M. A melodia grifada


na figura 36 com um círculo repete, com exatidão, o modelo melódico observado nos
compassos 31 ao 34 da figura 35, transposto três semitons em direção ao agudo.
A respeito da letra, nesse trecho, Castro (1990) comenta:

“Desafinado” era uma galhofa só, música e letra, principalmente o verso que mais
lhes arrancou risos [referindo-se a Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça]
quando Tom o propôs: “Fotografei você na minha Rolley-Flex”, numa referência à
fabulosa câmara alemã 6x6, com visor indireto- o máximo para a época (CASTRO,
1990, p.205).
130

A Rolley-Flex na letra representa o status de classe do “eu” narrativo, que por ter
acesso a ela pode registrar metaforicamente a “ingratidão” do anti-sujeito. Esta figura
atribuída ao “tu” como valor negativo coloca o enunciador em um lugar de vantagem, que é
representado no segmento através de rasgos melódicos mais eufóricos, já que livre de tensões
produzidas por saltos intervalares longos e dissonâncias.

Figura 36 - Parte B: compassos 39 a 46, versos 11 e 12. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos
Jobim e Newton Mendonça.

O regresso da melodia ao centro tonal de Mi Maior ocorre no compasso 46,


mantendo-se ela nesta tonalidade até o final da composição. Conforme já observamos na
figura 33, nos compassos 17 a 22, que expõem melodia idêntica, os saltos intervalares longos
propõem notas de chegada dissonantes em lugares onde a letra destaca figuras importantes do
discurso, criando tensão: só não poderá falar assim do meu amor (+) este é o maior que você
pode encontrar viu? (+).

Figura 37 - Parte A”: compassos 46 a 53, versos 13 e 14. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos
Jobim e Newton Mendonça.

Os movimentos descendentes da melodia, formados por motivos de quatro notas


131

que se desenvolvem em progressão escalar, predominam no percurso melódico da figura 38. A


direção ao grave torna asseverativo o discurso linguístico, deixando claro o estatuto
veredictório do enunciado: você com sua música esqueceu o principal. O tonema ascendente
no final do segmento estabelece a continuidade da argumentação do enunciador, que será
concluída entre os compassos 57 e 64 das figuras 39 e 40.

Figura 38 - Parte A”: compassos 53 a 57, versos 15. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim e
Newton Mendonça.

A argumentação do enunciador no final da obra desloca o apelo persuasivo para a


esfera dos valores afetivos, fazendo com que o valor disfórico desafinado seja justificado pela
associação com o valor eufórico sensibilidade. A trajetória de busca é encurtada em função
desta associação, delimitando sua extensão em 5 semitons (descontando o salto intervalar de
5ª J grifado na figura 39, que se apresenta avulso e sem função estrutural no trecho analisado).
Desprovido de tensões, o percurso tende a se encurtar, produzindo uma aceleração
no plano extenso, o que torna mais fluido e dinâmico o discurso do sujeito dirigido ao anti-
sujeito.
132

Figura 39 - Parte A”: compassos 57 a 61, versos 16 e 17. Composição “Desafinado”m de Antônio Carlos
Jobim e Newton Mendonça.

Figura 40 - Parte A”: compassos 61 a 64, verso 18. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim e
Newton Mendonça.

4.3.2 Análise do comportamento vocal. Aluna 4

Versão analisada: Desafinado

Andamento: 82bpm

Tonalidade: D

Tessitura: 18 semitons

Instrumentação: violão e voz

Estrutura formal: parte A de 16 compassos, parte A’ de 16 compassos, parte B de 16


compassos e parte A” de 20 compassos, que se repete duas vezes.
133

A performance vocal da aluna 4 apresenta uma clara e marcante articulação


rítmica, com ênfase nos ataques consonantais e nos recortes relacionados com a silabação no
discurso linguístico. A pronúncia do português brasileiro respeita, de modo geral, os sons
africados, fricativos e nasalizados. Por vezes, o abaixamento do véu palatino, que produz a
emissão dos sons nasalizados, é utilizado para a emissão de outros sons, identificando-se um
leve efeito de hiper-nasalidade, como podemos perceber no começo da performance, na
interpretação do texto se você disser.
O chiado do sotaque carioca se evidencia na pronúncia das palavras isto,
privilegiados, Deus, mesmo, desafinados, este, esquecer, os; e, assim, reforça no canto o
efeito local de tonicidade acentuada121.

A importância atribuída aos ataques rítmicos repercute na escolha dos componentes


fonológicos da face linguística, dando prioridade às consoantes que funcionam como
interruptoras de sonoridade. A concentração de tensividade do parâmetro duração
corresponde, nesse caso, a uma redução da permanência vocálica, efeito produzido
pela disseminação ágil dos acentos, e, consequentemente, a uma valorização das
células rítmicas enquanto portadoras de pulsação e estímulos somáticos (TATIT,
1995, p. 192).

Sem a presença de seções instrumentais ou solos vocais, a voz cantada adquire


centralidade ao longo de toda a obra.
A tessitura utilizada, na tonalidade escolhida, reforça o registro próximo à fala. A
cantora propõe, através da mudança de algumas notas da melodia, a ampliação do campo da
frequência em direção ao grave, de dois semitons em relação à tessitura da versão original.
Podemos observar nas sílabas entre círculos da figura 41 a maneira como é
substituído o movimento melódico ascendente gradativo no começo do verso 2 (da versão
original) - saiba que isto em mim - , por um movimento melódico descendente, formado por
notas repetidas e um salto, o qual adiciona a nota Fá#2 no grave. Este procedimento, que
acrescenta dois saltos intervalares consecutivos de 5a justa descendente e 6a menor
ascendente produz, no trecho em questão, um efeito de aceleração tensiva ao mesmo tempo
em que expõe uma versatilidade vocal da cantora, em conjunção com a resposta irônica do
sujeito ao anti-sujeito.

121
Ver quadro da página 66.
134

Figura 41 - Parte A: compassos 1 a 8, versos 1 e 2. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim e


Newton Mendonça.

No trecho exposto na figura 42, a melodia original é valorizada na interpretação, que


respeita os movimentos melódicos propostos na composição. O destaque da palavra
“privilegiados”, produzido pela ação da silabação do texto, traduz a ironia retórica de
desqualificação do anti- sujeito.

Figura 42 - Parte A: compassos 8 a 16 , versos 3 e 4. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim


e Newton Mendonça.

Na figura 43, os recursos melódicos empregados nas notas correspondentes às


sílabas grifadas em negrito - “meu comportamento” - , apontadas nos círculos, repetem o
padrão melódico exposto na parte A: “saiba que isto em mim”.
A interpretação do texto /se você / insiste em clas- si- fi –car / meu
comportamento de anti musical / estabelece inflexões que estão em concordância com uma
intenção enunciativa: Na pronúncia da palavra você se destaca o prolongamento da vogal ê ,
135

seguido de pausa. O destaque desta palavra, resultante do procedimento referido, e a sucessiva


parada ressaltam, na enunciação, a sensação de cansanço do sujeito diante da sentença
recorrente do anti-sujeito. A voz continua criando sentidos com a silabação da palavra
classificar, recurso que auxilia à intérprete na condução de uma mensagem irônica.
Um pequeno portamento vocal, seguido de um salto intervalar de 6a menor (na
versão original o salto é de 7ª menor) que alcança a nota aguda expondo uma emissão
diferenciada e coberta, destaca-se no verso grifado: meu comportamento de anti musical.
A curva do canto continua revelando essas descontinuidades melódicas,
observando-se, no final do compasso 24, um salto intervalar descendente de 6a Maior que
culmina nas duas ultimas sílabas da palavra anti-musical, com uma afinação que se mostra
oscilante.

Figura 43 - Parte A’: compassos 17 a 24 , versos 5 e 6. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim
e Newton Mendonça.

Entendemos que a intérprete, através das enunciações entoativas, produz


impressões que se compatibilizam com os elos de melodia e letra presentes no trecho
ilustrado. O portamento vocal enfatiza a frase que está sendo dita pelo sujeito da enunciação,
referindo-se ao seu “próprio” comportamento antimusical. O salto intervalar de 6a Maior
descendente, emitido com oscilações na afinação, expressa a musicalidade que está sendo
posta em xeque pelo “tu” da enunciação.
Outros elementos merecedores de destaque aparecem no diagrama da figura 44:
No começo da argumentação presente na letra - eu mesmo mentindo / devo argumentar -, a
cantora emprega uma emissão homogênea, com dinâmica forte e isenta de vibrato e
prolongamentos vocálicos, com presença de recortes silábicos, o que provoca uma
136

descontinuidade no discurso, de modo a chamar a atenção ao que está sendo dito e sublinhado
(recurso figurativizado-tematizado). Já quando expressa o argumento pelo viés emocional, em
conjunção com o objeto-valor naturalidade, tomado como elemento positivo - que isto é
bossa nova /que isto é muito natural -, a dinâmica decresce de forma abrupta e se mantém,
durante todo o trecho, a homogeneidade da emissão - de tipo fluida -, obtida pela manutenção
da continuidade do fluxo de ar e pela articulação legato do fraseado, elementos que
identificamos com o modelo de integração passional: "O prolongamento das durações tem
como corolário a desaceleração rítmica e o abrandamento da pulsação, substituindo os efeitos
somáticos por efeitos psíquicos ligados a conteúdos afetivos" (TATIT, 1995b, pp.192-193).

Figura 44 - Parte A’: compassos 24 a 31, versos 7 e 8. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim
e Newton Mendonça.

A intérprete dá continuidade à argumentação desenvolvendo no canto os


elementos passionalizados já apresentados, modificando a melodia que acompanha o texto
/nem se quer pressente/, substituindo os saltos intervalares descendente e ascendente de 4a
justa da versão original por quatro notas repetidas. Este recurso estabiliza melodicamente o
fragmento, concedendo mais relevância à letra, enfatizada de maneira a revelar uma intenção
irônica.
A melodia original que acompanha o texto /o que você não sabe nem sequer
pressente/ é que os desafinados também têm um coração/está construída sobre uma harmonia
sustentada sobre os graus III Maior 7+, IIIm6, VIm7b5 e um acorde substituto do V7 (b9).
O violão, na versão analisada, reproduz esta sequência harmônica sobre a
tonalidade de Ré maior, enquanto o canto realiza o percurso melódico sobre a base de outra
137

sequência harmônica na mesma tonalidade.


A progressão original é a seguinte: F#7M / F#m6 / Bm7/F# / Bb7(#9) /F. No
acorde destacado em negrito, a cantora interpreta a nota la # em substituição da nota original
la, que corresponde à primeira sílaba da palavra também.

Figura 45 - Parte B: compassos 31 a 39, versos 9 e 10. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos
Jobim e Newton Mendonça.

Vale destacar que muitas versões desta música reproduzem o mesmo erro em
relação à original, já que encontramos alterações nas partituras publicadas. Um dos exemplos
que citaremos é a partitura publicada no The Real book, editada no ano de 1975, que ilustra a
melodia e harmonia do trecho analisado com algumas mudanças, que grifamos a seguir:

Figura 46 - Parte B: compassos 36 a 39, versos 9 e 10. Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim
e Newton Mendonça. Partitura Real book.

Supomos que a cantora pode ter sido influenciada por esta referência, já que,
conforme observamos na análise do compasso 23 da parte A’, o salto intervalar interpretado é
138

de 6ª m, como na partitura, e não de 7ª menor, presente na versão original.

Figura 47 - Parte A’: compassos 17 a 24 , versos 5 e 6 Composição “Desafinado”, de Antônio Carlos Jobim
e Newton Mendonça. Partitura do The Real book (1975).

Os compassos 39 ao 46, correspondentes aos versos 11 e 12, são interpretados


com melodia idêntica à original. A voz se expressa em uma dinâmica mais forte e com um
corpo mais associado aos conteúdos eufóricos, o que provoca, neste segmento, uma sensação
de aceleração.
Do compasso 33 ao final da primeira parte, a melodia se apresenta, igualmente,
idêntica à versão original. Notamos a ausência da melodia no compasso 53, na palavra /viu?/.
Uma articulação rítmica mais silábica e com redução de permanência vocálica é
retomada no canto a partir do compasso 43, nos versos 13, 14, 15,16, 17, e 18, privilegiando a
progressão horizontal e favorecendo o continuum melódico. A disseminação ágil dos acentos
do discurso rítmico, somado à utilização das consoantes e dos sons nasalizados como
interruptores de sonoridade proporcionam elementos tematizados ao canto, que fecham a
primeira parte da interpretação.
Na segunda parte, que é a repetição da estrutura formal da primeira, evidencia-se
uma maior valorização da interpretação pessoal através da invenção de fraseados (diversos da
linha rítmica e das acentuações do discurso linguístico presentes na versão original). Esta
culmina com um vocalize com duração de um compasso, onde a cantora utiliza uma emissão
leve, produzida em sub-registro de cabeça, na região médio-aguda da voz.
139

4.3.3 Conclusões

Pela escolha da tonalidade, andamento, tipo de emissão e articulação rítmica


podemos concluir que a interpretação da aluna 4, da música “Desafinado”, tem predomínio de
elementos tematizados figurativizados. Mostra, assim, uma identificação com a estética do
canto falado de João Gilberto.
Os recursos vocais associados ao modelo passionalizado aparecem em menor
escala: prolongações vocálicas, vibratos, nível de tensão vocal expresso em uma emissão que
privilegia a exploração da região aguda da tessitura, mudança de registros, entre outros.
Predominam, no entanto, as conjunções e disjunções do sujeito da enunciação ao longo da
performance.
Os componentes fóricos da voz são revelados, principalmente, por mudanças de
dinâmica.
Os movimentos de aceleração e desaceleração temporal são produzidos por
modificações na articulação rítmica.
O emprego da fala no canto aplaca os conteúdos passionalizados da melodia,
enfatizando a presença do texto na enunciação cantada.
O componente timbrístico da voz, equilibrado ao longo da interpretação, reforça a
ideia da presença constante do sujeito da enunciação no enunciado, criando no ouvinte um
sentido de cumplicidade com o que está sendo dito e interpretado.
A qualidade emotiva da voz nesta interpretação pertence à categoria tematizada
figurativizada.

4.4 Samba de uma nota só (Antônio Carlos Jobim/ Newton Mendonça)

Composta no ano de 1959 por Antônio Carlos Jobim em parceria com Newton
Mendonça, este samba “conta uma historinha romântica e ingênua, cujo grande mérito está
em sua original e requintada combinação versos/música” (MELLO et. SEVERIANO, 1998,
p.41).
Segundo Cravo Albin (2003), assim como “Desafinado” foi composta em resposta
às críticas maldosas dos comentaristas a respeito do uso das melodias dissonantes que faziam
os cantores parecerem desafinados e anti-musicais, “Samba de uma nota só” ironiza as críticas
de que o novo gênero seria” carente de variação musical” (CRAVO ALBIM, 2003, p.218).
140

Quando foi gravado por João Gilberto, em abril de 1960 (meses depois da
gravação do conjunto Farroupilha), “a Bossa Nova já tinha se tornado uma mania nacional”
(CASTRO, 1990, p. 256). Dentre as inúmeras gravações que a canção teve, citamos os artistas
brasileiros Sílvia Teles, Baden Powel, Os Cariocas e a o próprio compositor, Tom Jobim, no
LP The composer of Desafinado, realizada em maio de 1963, em Nova York. Uma das
gravações mais reconhecidas internacionalmente foi registrada no LP de bossa nova Jazz
Samba (Getz / Byrd / Jobim), de 1962, ganhadora de um prêmio Grammy e do primeiro lugar
no Billboard 200, em 1963122:

“Samba de uma nota só” é muito gravado no exterior, com o título de “One Note
samba”, principalmente por músicos de jazz (Coleman Hawkins, Dizzy Gillespie,
Count Basie, Erroll Garner). Nada disso, porém, seria presenciado por Newton
Mendonça, que morreria de um enfarte fulminante aos 33 anos, em 11/11/1960
(MELLO et. SEVERIANO, 1998, p.41).

Letra

1 Eis aqui este sambinha feito numa nota só.

2 Outras notas vão entrar, mas a base é uma só.

3 Esta outra é consequência do que acabo de dizer.

4 Como eu sou a consequência inevitável de você.

5 Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada,

6 Ou quase nada.

7 Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada,

8 Não deu em nada.

9 E voltei pra minha nota como eu volto pra você.

10 Vou cantar com uma nota como eu gosto de você.

11 E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó.

122
Billboard 200 é uma lista dos álbuns e LPS mais vendidos nos Estados Unidos, publicada semanalmente na
revista Billboard e frequentemente usada para medir a popularidade de um artista ou conjunto. Fonte:
<http://wikipedia.com> Acesso em 19 de agosto de 2015.
141

12 Fica sempre sem nenhuma, fique numa nota só.

O modelo de integração de melodia e letra, nesta composição, se conforma da


seguinte maneira: uma parte “A” regida predominantemente pela tematização e uma parte “B”
na qual a passionalização se enuncia com mais veemência.

4.4.1 Sobre a canção

Versão analisada: Samba de uma nota só - faixa 1, lado A do LP “João Gilberto O


amor o sorriso e a flor”, gravado entre 1959 e 1960, no Rio de Janeiro, e lançado em 1960
pela Odeon. Com produção de Antônio Carlos Jobim, interpretação de João Gilberto e direção
de Aloysio De Oliveira.

Andamento: 84 bpm

Tonalidade: A

Tessitura: 19 semitons

Instrumentação: Flauta, trombone, voz, violão, 4 violinos, violoncelo, contrabaixo, coro e


bateria
Estrutura formal: Parte A de 16 compassos, Parte B de 8 compassos e parte A’ de 16
compassos.

O eixo de significação da composição está regido, predominantemente, pela


relação entre os componentes melódicos e harmônicos.

Deve-se ressaltar o equilíbrio que coloca a melodia de uma única nota nos
momentos harmônicos mais complexos, e a harmonia mais simples nos momentos
onde a execução vocal é mais complicada (SANTOS, 2010, p.89).

Esta relação provoca uma dissociação entre o que é ouvido na melodia e


significado na letra, que o campo harmônico vem trazer para esse dizer melódico e
linguístico. Considerando, como coloca Medaglia (apud SANTOS, 2010, p.89), que o texto e
a melodia nesta composição “se auto comentam” e que o campo harmônico evidencia uma
contradição de sentidos em relação a estes, reforça-se a ironia que esta música representa no
142

contexto de críticas à Bossa Nova123. Assim, pode-se inferir, como aponta Cravo Albim
(2003), que a canção possua conotações semânticas idênticas às da composição “Desafinado”,
no sentido de responder às críticas através dos sentidos da composição:

De fato, a Bossa Nova não foi aclamada por todo o mundo. Uma tempestade de
críticas maldosas começou a ser levantada contra João Gilberto, a quem os
comentaristas tradicionalistas acusavam de desafinado, de antimusical e de muitos
defeitos mais. Em resposta, Tom fez com Newton Mendonça duas composições;
“Desafinado” e “Samba de uma nota só”- acidentalmente ou não, os dois inovadores
aderiam a uma tradição de polêmicas musicais de requintado sabor no cancioneiro
brasileiro. A letra de “Desafinado” estava na medida certa para a resposta de João
Gilberto aos críticos ”Se você insiste em classificar / meu comportamento de
antimusical / Eu mesmo mentindo devo argumentar / que isto é bossa nova, isto é
muito natural”... Já em “Samba de uma nota só”, havia um quase deboche em
relação aos que apontavam o novo gênero como carente de variação musical: “Eis
aqui este sambinha / Feito numa nota só / Outras notas vão entrar / Mas a base é uma
só”. E concluía na segunda parte da música: “Tanta gente existe por aí que fala tanto
/ E não diz nada ou quase nada” [grifos do autor](CRAVO ALBIM, 2003, p.218) .

Iniciando a análise, observamos que a parte A se constitui da repetição melódica


de duas notas. A primeira aparece nos quatro motivos rítmicos iniciais, que se prolongam do
compasso 1 ao 8, onde o texto diz: Eis aqui este sambinha / feito numa nota só / outras notas
vão entrar / mas a base é uma só. A variação harmônica faz com que a nota, no entanto, mude
de função, o que provoca alteração na escuta.

Figura 48 - Parte A: compassos 1 a 8, versos 1 e 2. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.

123
De que o estilo seria carente de variação musical.
143

A segunda nota, que aparece a uma distância de 4ª J ascendente da nota anterior,


se repete do compasso 8 ao 12, através de dois motivos rítmicos sucessivos, acompanhando o
texto Esta outra é consequência / do que acabo de dizer.
A parte A termina com o regresso da nota inicial, que também se repete através de
dois motivos rítmicos enlaçados que culminam no compasso 16: como eu sou a consequência
inevitável de você.

Figura 49- Parte A: compassos 8 a 16, versos 3 e 4. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.

Musicalmente, esta seção enfatiza motivos rítmicos que se repetem com pequenas
variantes, sustentados por uma progressão harmônica que se desenvolve em forma
descendente cromática, constituída por acordes dominantes substitutos que se encadeiam de
forma engenhosa, utilizando uma cadência típica do jazz [II-V7-I] (SANTOS, 2010, p.88).
O contexto melódico e a recorrência de motivos rítmicos caracterizam-se por
enaltecerem as qualidades da repetição de “uma nota só”, reforçando a letra. Esta forma
hegemônica da melodia, que se manifesta no nível extenso da parte “A”da composição com
uma tendência à continuidade, valoriza a redução das durações, por meio de ataques
consonantais e acentos vocálicos.
Na parte B, em contraste com o observado na melodia da parte A, o percurso
melódico de busca amplia em 19 semitons a extensão da melodia. Este, formado por dois
tipos de movimentos escalares, um ascendente e outro descendente, se sustenta numa
progressão harmônica sobre os graus II-V7- I da tonalidade de Si bemol Maior (figura50) e,
logo em seguida sobre a tonalidade de Lá bemol Maior (figura 51).
144

Compostos por colcheias - figuras rítmicas desdobradas -, os movimentos


melódicos citados imprimem um efeito de aceleração no discurso, que é estabilizado pela
mediação de dois motivos formados por uma semínima pontuada e uma colcheia, coincidentes
com a palavra grifada em negrito: Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada /
ou quase nada / Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada / não deu em
nada. O nada referido na letra é enfatizado pela composição melódica de um tonema
descendente asseverativo. Novamente, os conteúdos textuais se combinam com os a melodia,
opondo-se tensivamente à condução harmônica. A melodia - que se expande por 14 semitons
no campo da frequência - e a letra - que reflete sobre a disjunção dos sujeitos que não
conseguem “poder dizer”, mesmo falando demais - são associadas aos conteúdos
passionalizados, enquanto a condução harmônica - que realiza duas progressões de II-V7-I em
direção aos centros tonais Do Maior e Si bemol Maior, respectivamente enfatiza, por um lado,
a sensação de distensão e, por outro, um refreamento de velocidade, com a consequente
sensação de desaceleração rítmica do trecho, elementos mais compatibilizados com o regime
tematizado.

Figura 50 - Parte B: compassos 17 a 20, versos 5 e 6. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.
145

Figura 51 - Parte B: compassos 21 a 24, versos 7 e 8. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.

Retomam-se os elementos melódicos empregados na parte “A”, com outro texto.


O processo vertical de ocupação da tessitura é revertido para o desenvolvimento horizontal,
onde os conteúdos eufóricos da letra se evidenciam através da conjunção do sujeito da
enunciação com os objetos “minha nota” e “você”: E voltei pra minha nota como eu volto pra
você / vou cantar com a minha nota como eu gosto de você.
A previsibilidade melódica se revela como um recurso de memorização para o
ouvinte, já que reforça os elementos tematizados associados ao gênero samba.

Figura 52 - Parte A’: compassos 24 a 31, versos 9 e 10. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.

Os últimos compassos da composição, visualizados na figura 53, utilizam os


mesmos elementos melódicos tematizados expostos na figura 49, que ilustra a parte A. No
146

plano do conteúdo, a letra se finaliza em forma de conselho: E quem quer todas as notas ré mi
fá sol lá si dó / fica sempre sem nenhuma fique numa nota só.

Figura 53- Parte A’: compassos 31 a 38, versos 11 e 12. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.

4.4.2 Análise do comportamento vocal. Aluna 5

Versão analisada: Samba de uma nota só

Andamento: 90 bpm

Tonalidade: G

Tessitura: 19 semitons

Instrumentação: violão e voz

Estrutura formal: Introdução de 16 compassos, parte A de 16 compassos, parte B de 8


compassos, parte A’ de 16 compassos, solo vocal sobre Parte B, parte A’.

O andamento, que se inicia em 90 bpm, apresenta uma aceleração ao longo da


interpretação, oscilando de 90 a 92 bpm.
A voz, desde o início, se manifesta no campo médio da tessitura. O tipo de
emissão frontal, desenvolvida através de uma fonação fluída em registro médio ou glótico, se
mantém constante ao longo da interpretação, apresentando variações locais concomitantes
com os conteúdos tensivos da composição.
Na articulação rítmica não se evidencia o uso de vibrato nem de prolongações
vocálicas. Os acentos e os ataques consonantais são mais frequentes, demonstrando uma
tendência, da intérprete, à reprodução dos motivos rítmicos presentes na composição original.
147

A continuidade do canto é reforçada pela escolha do andamento mais rápido e


pelos processos de aceleração detectados ao longo da interpretação.
No começo da parte A, na interpretação da primeira frase, a cantora utiliza uma
emissão frontalizada, fonação fluída, com presença de soprosidade e dinâmica piano, recursos
que tornam o canto mais intimista, enfatizando os conteúdos fóricos da letra, que
ironicamente fazem referência, em diminutivo, à composição: um “sambinha feito com uma
nota só”.
A letra dessa canção é uma crítica e uma resposta àqueles que diziam que a bossa
nova trazia melodias muito simplificadas, transformando o samba em
sambinhas...Trata-se de uma ironia, pois demonstra como, através da evolução
harmônica dentro da composição, uma mesma nota pode ter reconfigurada sua
sonoridade. Nisso também é possível perceber a estreita e vital relação estabelecida
entre melodia e harmonia (MACHADO, em entrevista a Paola Cecilia Albano,
2016).

A dinâmica vai crescendo na medida em que o texto se desenvolve, chegando a


atingir, na última sílaba da palavra disser, a intensidade máxima da parte A, que identificamos
como um mezzo forte.
A voz retoma a intimidade empregada no início da interpretação quando a letra, no final da
parte A, através de uma debreagem enunciativa, expõe o desejo de proximidade do
enunciador com o você da enunciação. Este procedimento, somado à alteração da nota que
vinha compondo o percurso melódico, na palavra inevitável, transforma a melodia linear em
uma outra que manifesta maior carga tensiva nas frequências pela adição de saltos
intervalares, destacando a intenção da cantora de produzir descontinuidade melódica local, em
concordância com os conteúdos da letra: como eu sou a consequência inevitável de você.
148

Figura 54- Parte A: compassos 8 a 16, versos 3 e 4. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.
149

Figura 55 - Parte A: compassos 1 ao 16. Imagem do sinal. Seccionada e analisada no editor de áudio, que
demonstra nos versos 1 ao 8 da composição “Samba de uma nota só”, de Antônio Carlos Jobim e Newton
Mendonça, as mudanças dinâmicas, cujos picos mais altos de volume se visualizam na terceira frase da
parte A nas líneas verticais que atravessam o gráfico.

Na parte B, onde os elementos passionalizados da canção se apresentam com mais veemência,


a voz entra em concordância com os elos de melodia e letra, perdendo força e sonoridade em
um percurso em direção ao grave. Percebemos que o canto que se desenvolve na tessitura que
vai de um dó4 a um mi bemol 3, expõe um timbre com maior presença de harmônicos agudos
e emissão fluída, em sub-registro médio (grifada nas figuras 56 e 57, em itálico). Por outro
lado, aquele que se desenvolve a partir de um ré3 até um sol2 (grifado nas figuras 56 e 57, em
negrito) perde presença sonora por apresentar uma fonação mais soprosa, com permanência
da voz no sub-registro médio ou glótico, revelando a ausência dos harmônicos graves. Estes
elementos técnicos, resultantes da distensão das cordas vocais, produzem um efeito de
diminuição eufórica, compatíveis com os efeitos produzidos pela gradação descendente da
melodia e com os conteúdos disfóricos da letra. Podemos dizer, assim, que na parte B o canto
traduz os conteúdos passionais da composição.

Figura 56- Parte B: compassos 17 a 20, versos 5 e 6. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.
150

Figura 57- Parte B: compassos 21 a 24, versos 7 e 8. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.

Na parte A’, a voz apresenta certa aceleração, as respirações se detectam mais


agitadas, a dinâmica mezzo forte se torna constante e a emissão fluída com timbre mais
metalizado se compatibilizam com um enunciador que, na primeira pessoa, instaura um
discurso de conjunção com os valores eufóricos, presentes na composição.

Figura 58- Parte A': compassos 25 a 33, versos 9 e 10. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.
151

Figura 59- Parte A': compassos 33 a 41, versos 11 e 12. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio
Carlos Jobim e Newton Mendonça.

No intermezzo, com base na parte B, se destaca um solo vocal que explora 15 semitons da
tessitura na região média e médio-grave. Constituído por frases rítmicas curtas, integradas por
saltos intervalares de diferentes alturas - apoiados em figurações rítmicas breves -, o contorno
melódico é dinamizado. A articulação rítmica neste trecho valoriza os ataques, concordantes
com os tempos fortes nos primeiros dois compassos e com os contratempos nos dois últimos.
As consoantes utilizadas para a silabação do improviso são, na sua maioria, de tipo oclusivas-
surdas (P, T) e sonoras (B, D)-, onde o ar encontra um obstáculo total à sua passagem
favorecendo, de um lado, os ataques consonantais e, de outro, os acentos vocálicos. Estes
recursos, somados à redução das durações e aos procedimentos de reiteração manifestam uma
tendência do improviso à tematização.

Figura 60- Intermezzo, compassos 25 a 32. Composição “Samba de uma nota só”, de Antônio Carlos Jobim
e Newton Mendonça.
152

4.4.3 Conclusões

A qualidade emotiva identificada na interpretação vocal da cantora 5 é de tipo


tematizada. Modalizado pelo /fazer/, o canto evidencia maior carga tensiva nas acentuações
dos motivos rítmicos presentes na composição e nos recortes silábicos das palavras. A
homogeneidade do timbre - favorecida pela escolha da tonalidade, que ressalta a tessitura
média da voz da cantora -, a ausência de vibrato - que enfatiza o componente rítmico da
composição - e a opção pelo andamento veloz do pulso dão continuidade ao fluxo do canto,
privilegiando a sua progressão horizontal. Estes elementos, presentes na estética do canto na
Bossa Nova, se integram aos componentes disfóricos da voz, manifestados em forma local na
interpretação por meio de mudanças no tipo de fonação, decorrentes dos eventos tensivos da
canção.

CAPÍTULO 5

QUALIDADE EMOTIVA E SIGNIFICAÇÃO.

RELAÇÃO DAS ANÁLISES


153

5. RELAÇÃO DAS ANÁLISES


O presente capítulo tem como objetivo integrar os elementos encontrados nas
diferentes performances vocais que compõem a amostra, a fim de verificar a relação integral
do processo de análise. Nos debruçaremos, mais especificamente, na descrição dos elementos
identificados no plano global e no plano local, na tensividade do sotaque espanhol argentino
observado na amostra, e na relação das performances analisadas com os referenciais vocais de
João Gilberto na canção popular, em síntese com as considerações finais do trabalho.

5.1 Plano global

A partir da análise da perfomance em canção popular brasileira de cinco alunos


argentinos, pertencentes ao curso de Bacharelado em Música Popular da Faculdade de Artes
da Universidade Nacional de Cuyo, podemos afirmar, em concordância com Machado (2012),
que “a interpretação pode evidenciar ou mesmo atenuar o projeto de integração entre melodia
e letra presentes na composição” (MACHADO, 2012, p.153).
Observamos que, mesmo sendo os cantores falantes de outra língua e tendo
evidenciado diferentes tipos e graus de predominância de sotaques, eles conseguem enxergar
os conteúdos inscritos na composição e construir significados, na interpretação, que estão em
concordância com os mesmos.
Os elementos forma, andamento, melodia, harmonia e tessitura, de maneira geral,
apresentaram, nas interpretações analisadas, proximidade com aqueles encontrados nas
versões originais das canções, o que nos leva a afirmar que deva existir uma associação entre
os padrões de gênero da BN e a metodologia de ensino na universidade argentina.
O acréscimo dos solos nas interpretações dos alunos 2, 4 e 5, compostos de
elementos musicais oriundos do jazz - motivos cromáticos, padrões rítmicos e tipos de escalas
características, evidenciam uma relação conceitual da bossa nova com o estilo.
Na relação análise cancional/qualidade emotiva podemos observar que um
percentual da amostra foi capaz de combinar os elementos da voz e do canto com os elos de
melodia e letra presentes nas composições, sendo que um percentual menor revelou novos
elos através da performance vocal.
154

Quadro 6. Descrição comparativa dos elementos observados no nível global e sua relação com a análise
cancional e a qualidade emotiva identificada.

Estrutura formal Andamento


Alun original Melodia Harmonia Sotaque Solos vocais Integração entre Qualidade
original
e da versão melodia e letra emotiva
os e estrutura formal da versão

1 A, A’, A” 76bpm Igual à Igual à Acentua Ausentes Composição Passional


original original do Passional
A, A’, A” 85bpm

2 Int, A, A’, Inter, coda 68bpm Igual à Igual à Acentua Presentes


Int,A,A’,Inter,A’,coda 67bpm original original do na Composição Passional
introdução Passional
Figurativiza
e no Tematizada
da
intermezz
o

3
Int, A, A’,Inter,coda 68bpm Igual à Igual à Acentua Ausentes Composição Passional
original original do
Passional
A, A’,Inter,A’,coda 57bpm

4 A, A”, B, A” 82pbm Com Igual à Leve Presente Composição Tematizada


Passional
A, A’, B, A” coda 82bpm mudan- original na Coda Figurativiza
Figurativizada
ças da

5
A, B, A’ 84bpm Com Igual à Leve Presente Composição Tematizada
mudan- original no Tematizada
A, B, A’, B, A’ 90bpm Passional
ças intermezz
o
155

5.2 Plano Local

Observamos que os dois alunos (1 e 3) que revelam qualidade emotiva


passionalizada na sua performance evidenciaram presença de vibrato de final de frase,
articulação rítmica com ênfase em prolongamentos vocálicos, entoação com predomínio do
canto sobre a fala, sotaque acentuado, emissão frontal e timbre com preponderância de
harmônicos agudos. Em ambos os casos, o uso de diferentes sub-registros vocais conferiram
nuanças tímbricas que provocaram descontinuidades no canto, compatibilizadas com os
elementos fóricos e juntivos presentes na composição.
O aluno 2, cuja qualidade emotiva identificamos como passional figurativizada,
compartilha de alguns elementos passionalizados, porém de forma menos enfática: o
predomínio do canto sobre a fala, o sotaque acentuado, articulação rítmica com prolongações
vocálicas, utilização de diferentes registro e sub-registros vocais (nos solos vocais) e o
andamento lento. Notamos aqui que a emissão mediana em fonação soprosa confere à
interpretação a associação com os elementos tímbricos e articulatórios da fala, que sustentam
a sensação da voz que fala por trás da voz que canta.
Os alunos que apresentaram incidência de qualidade emotiva tematizada (alunas 4
e 5) manifestaram uma articulação rítmica enfocada nos ataques consonantais e um sotaque
leve. A ausência total de vibrato e a homogeneidade do timbre, resultante da não transposição
de sub-registros vocais e do predomínio de um tipo de harmônico, resultaram num canto em
consonância com os conteúdos emissivos da categoria apontada.
Os elementos figurativizados desenvolvidos nas performances vocais dos alunos 2
e 4, apresentados como complementares às categorias passional e tematizada,
respectivamente, evidenciam-se na utilização dos elementos da fala no canto: ritmo,
acentuação e silabação da letra, por um lado; inflexões entoativas da fala, associadas ao
emprego de diferentes tipos de tonemas, por outro; e tessitura do canto próxima à fala.
156

Quadro 7. Descrição comparativa dos elementos observados no nível local e sua relação com as análises.

Alunos Emissão124 Articulação Entoação Vibrato Região Sub- Tessitura Timbre


vocal registros vocal
Rítmica explorada vocais estendida
utilizados

Aluna 1 Frontal Durações Predomínio Atenuado Região Peito Nenhuma Predomínio


vocálicas do canto médio-
Metalizada lento grave e Médio Harmônicos
média (glótico) agudos
Fonação de registro
Fluida modal Cabeça
finalização

Aluno 2 Mediana Durações Alterna Ausente Região Predomínio


vocálicas e médio- Peito
Fonação Ataques Canto/Fala grave, 6 semitons Harmônicos
Soprosa consonantais média e graves
Falsete
aguda na região
registro aguda
modal e
elevado

Aluno 3 Frontal Durações Predomínio Atenuado Região Peito Nenhuma Predomínio


vocálicas do canto médio
Fonação lento grave, Falsete Harmônicos
Fluída média e agudos
de aguda
registro
finalização modal e
elevado

Aluna 4 Mediana Ataques Predomínio Ausente Região Médio 2 semitons na Predomínio


consonantais da fala média (glótico) região grave
Levemente registro Harmônicos
nasalizada modal graves

Fonação
Fluida

Aluna 5 Frontal Ataques Alterna Ausente Região Médio Nenhuma Predomínio


consonantais média (glótico)
Fonação Canto/Fala registro Harmônicos
modal agudos
Fluída-
soprosa

124
Incluímos a categoria emissão neste quadro por considerarmos que, embora esta pertença ao nível global, aqui
colocada permite que visualizemos melhor a sua relação com os demais parâmetros a serem analisados de
maneira comparativa.
157

5.3 Sotaque e significação

Através das análises das performances vocais, observamos a manifestação de


diferentes tipos de sotaque espanhol argentino. Estas tipologias foram categorizadas, no
presente trabalho, de maneira a apontarem para a incidência, em maior ou menor grau, na
pronúncia do português brasileiro cantado, dos sons nasais, nasalizados e fricativos sonoros.
Na amostra utilizada, os únicos sons que foram respeitados integralmente foram os africados.
Desta maneira, chamamos de sotaque acentuado às pronuncias que evidenciaram
uma prevalência da sonoridade oral, pela ausência da pronúncia das vogais nasais [ã], [ẽ], [õ],
[ĩ] e [ũ] e da nasalização das vogais anteriores às consoantes nasais [m] e [n] Do mesmo
modo, notamos uma pronúncia inacabada das consoantes [j] e [z] que conformam os sons
fricativos sonoros [] e [z], manifestadas pelo emprego de fontes friccionais125, porém sem
evidência de vibração das pregas vocais durante a emissão transformando, na interpretação,
estes sons em fricativos surdos [ʃ]e [s] (exemplos de palavras analisadas: vejo, janeiro,
fazer, dizer, etc.). A consoante fricativa labiodental sonora [v] foi substituída, em geral, pela
oclusiva bilabial sonora [b] (exemplos de palavras analisadas: vejo. você, vai, violão, vê-se,
corcovado, vida e velha).
As performances vocais que evidenciaram um maior conhecimento do português
brasileiro demonstraram, na interpretação, o que chamamos de sotaque leve, aquele que
respeita, de maneira geral, a pronúncia dos sons fricativos sonoros, africados, nasais e
nasalizados.
Relacionamos os dois tipos de sotaque atendendo aos índices de passionalização e
tematização, observados nas categorias emissão, articulação rítmica e entoação. Assim, o
sotaque intenso apresentou uma emissão que variou de fluida a soprosa, um timbre com maior
índice de homogeneidade, uma articulação rítmica mais enfocada nas durações vocálicas e
uma entoação com predomínio do canto sobre a fala. O sotaque leve apresentou um tipo de
fonação que variou de fluido a enrijecido126, uma emissão com maior variedade tímbrica, uma
articulação rítmica enfocada numa maior presença das sonoridades consonantais e uma
entoação na qual se percebeu maior presença da fala.

125
Segundo Belau et. Pontes (2009), a produção dos diferentes sons de uma língua se dá pelo uso de dois tipos
de fonte: a glótica e as friccionais. A fonte primeira é a principal produtora de som, sendo ativada pela vibração
das pregas vocais. As segundas são as principais produtoras de ruído, sendo ativadas pelo estreitamento das
cavidades acima da laringe, que geram a fricção do ar.
126
Cf. tipos de fonação na página 82.
158

O sotaque acentuado foi observado nos cantores 1, 2 e 3 e o sotaque leve nos


cantores 4 e 5.
Notamos, porém, nos alunos 2, 4 e 5, que a aproximação dos sons do idioma,
realizada por meio de uma emissão e um timbre associados ao registro da fala, atenuaram os
elementos do canto, favorecendo a materialização do enunciador através da presença da voz
no discurso, fato que, somado a uma maior expressão dos sentidos semânticos da letra,
evidenciou gestos vocais com presença auxiliar de elementos figurativizados.
A análise das categorias do sotaque adicionou aos elementos da voz e do canto
detectados através dos níveis da voz, novos significados tensivos, que determinaram, em
conjunto daqueles, a qualidade emotiva vocal. Considerando-se que a metodologia de trabalho
proposta por Machado (2007, 2012) não havia sido, ainda, utilizada para a observação de
cantores estrangeiros interpretando música popular brasileira, consideramos que uma pesquisa
mais aprofundada neste campo possibilitaria uma melhor adaptação do modelo para as
análises de amostras similares.

5.3 Aspectos acústicos do sotaque espanhol/argentino e sua relação com a dicção


articulatória, a articulação rítmica do canto, os parâmetros de emissão vocal e a
entoação, na conformação da qualidade emotiva da voz.

Comprovamos, por meio da análise, que os elementos identificados no sotaque


espanhol/argentino exerceram influência sobre a dicção articulatória do canto ao apresentar
tonicidades acentuadas ou enfraquecidas127 dos sons fricativos sonoros, nasais, nasalizados e
africados do idioma português brasileiro, tomados como referencia para a categorização deste
parâmetro. Por sua vez, esta dicção articulatória gerou um impacto na articulação rítmica do
canto, pondo em evidência elementos da pronuncia que enfatizaram os prolongamentos
vocais, ataques consonantais e acentos vocálicos.
A emissão apresentou índices de homogeneidade ou variação tímbrica, atendendo
à permanência ou alternância na utilização dos diferentes espaços do trato vocal. Os níveis de
intensidade e frequência dos fonemas128 do idioma português observados foram reafirmados
ou reformulados através das inflexões da pronuncia.
A configuração do trato vocal, detectada através da análise perceptiva, pôde
mostrar também modificações no tipo de fonação como consequência do estreitamento e/ou
127
Chamamos de tonicidade acentuada aquela que aguça as características acústicas do som do fonema, e
como tonicidade enfraquecida, aquela que se afasta das mesmas.
128
Menor unidade sonora do sistema fonológico de uma língua.
159

alongamento dos espaços do filtro129, tanto em sentido vertical como horizontal, provocando
variações de velocidade do fluxo do ar e pressão subglótica, derivando em diferentes níveis de
adução das pregas vocais. Finalmente, a conjunção destes parâmetros evidenciou o
predomínio do canto e/ou da fala na entoação, reafirmando índices de dominância de
elementos passionalizados, tematizados ou figurativizados na qualidade emotiva.

Quadro 8. Relação do sotaque espanhol/argentino com outros elementos da voz e do canto, na


conformação da qualidade emotiva da voz.

5.4 Relação das análises com os referenciais vocais de João Gilberto na canção
popular brasileira.

129
A teoria Fonte Filtro descreve a glote como a fonte de um sinal rico em harmônicos e o trato vocal
como o filtro desses harmônicos (FANT, 1970).
160

Tomando como referência os trabalhos de Campos (1968), Mammi (1992), Garcia


(1999), e Machado (2012), elencamos os elementos interpretativos relacionados aos
referenciais vocais de João Gilberto na Bossa Nova, com a intenção de apontar, nas
performances analisadas, para uma possível identificação com estes padrões de gênero.

Quadro 9. Relação das análises com os referenciais do canto bossanovista.

Áreas Referenciais do canto na Bossa Aluno 1 Aluno 2 Aluno 3 Aluna 4 Aluna 5


Nova

MELODIA Realce da estrutura melódica e AUSENTE PRESENTE AUSENTE PRESENTE PRESENTE


do verso, sem mudanças de
dinâmica e sem utilização de
vibrato. 130

Articulação rítmica que


valoriza a continuidade do
ART. fraseado através da vinculação AUSENTE PRESENTE AUSENTE PRESENTE PRESENTE
das frases musicais com com com com
respirações quase respirações respirações respirações
RÍTMICA imperceptíveis, dinâmica perceptíveis perceptíveis perceptíveis
homogênea.

ART. Articulação frouxa do canto, AUSENTE PRESENTE AUSENTE PRESENTE PRESENTE


com defasagem rítmica
RÍTMICA contínua, que mantém uma
ligação forte com as inflexões
da língua falada 131.

ART. Suspensão temporal dos AUSENTE PRESENTE AUSENTE PRESENTE PRESENTE


tempos fortes do compasso132.
RÍTMICA

Canto do tipo introspectivo,


com dinâmica homogênea, que
DINÂMICA cria uma intimidade e AUSENTE PRESENTE AUSENTE PRESENTE PRESENTE
cumplicidade do intérprete
com o ouvinte.

Homogeneidade e equilíbrio
tímbrico, resultado de uma voz
TIMBRE com predomínio de atuação AUSENTE PRESENTE AUSENTE PRESENTE PRESENTE
numa faixa da tessitura no canto com
próxima ao registro da fala. texto,
ausente na
introdução e
solo vocal

130
Mammi, 1992, p.67.
131
Ibidem.
132
Ibidem.
161

CONSIDERAÇÕES FINAIS
162

Considerações finais

Conforme manifestamos na introdução do trabalho, o aprofundamento nos


modelos da Semiótica da Canção aplicada à canção popular brasileira e nos Níveis da Voz e
Qualidades Emotivas da Voz orientados para a análise do canto midiatizado constituíram o
ponto de partida para a criação de um novo caminho de conhecimento, norteado pela
compreensão dos aspectos semióticos detectados nas canções e interpretações vocais.
A prática da percepção e enumeração dos elementos presentes no plano de
conteúdo e no plano de expressão de uma canção, unidos à identificação dos diferentes tipos
de integração entre ambos, possibilitaram um aperfeiçoamento na escuta e um melhor
desempenho no processo de análise.
A observação da voz e do canto através dos Níveis da voz favoreceu a atualização
e o acréscimo de conhecimentos ao campo da fisiologia, da técnica e da interpretação vocal,
ao mesmo tempo em que possibilitou um maior desenvolvimento da escuta e da
discriminação destes parâmetros na identificação da Qualidade Emotiva da Voz, derivada da
abordagem do gesto vocal no contexto cancional.
A classificação tensiva que denominamos como sotaque espanhol argentino,
incorporada neste trabalho, foi desenvolvida com a intenção de adequar os modelos de análise
à amostra. Esta necessita, no entanto, ser aprofundada em futuras pesquisas, a fim de facilitar
uma melhor compreensão da incidência do tipo de pronúncia na conformação do gesto vocal
do cantor.
Ao longo do desenvolvimento da dissertação, constatamos que nosso enfoque
inicial sobre a observação do canto, em sua relação com as linguagens de gênero e estilo do
repertório de música popular latino-americana, foi ampliado, uma vez comprovado que o
comportamento vocal, além de adquirir significados pela concordância ou não com os padrões
de gênero e de estilo que caracterizam uma obra, pode gerar significados através das
manifestações dos estados fóricos e juntivos expressos na voz, já que a interpretação vocal
possui funções que vão além da reprodução e expressão dos conteúdos intrínsecos de uma
canção, muitas vezes ressignificando-os. O conglomerado de sentidos presentes nos
elementos constitutivos da voz e do canto possibilita a construção de uma identidade vocal,
que moldará através do modo de dizer, o dito, criando o cantor uma personalidade artística e
performática com a qual o público poderá se identificar em maior ou menor medida, o que
possibilitará, ou não, o seu reconhecimento perante a cena musical de sua época.
163

Em resposta às perguntas deixadas em aberto no primeiro capítulo (cf. p.48) -


Mas, como seriam abordadas questões específicas de gênero dentro da instituição? Como
faria o professor para ensinar o canto com kenco como técnica, sem antes ter pesquisado e
desenvolvido tal habilidade? Poderia um cantor referenciar-se como intérprete, diante dos
modelos instituídos em cada estilo musical, se não possui a experiência com os mesmos e
desconhece as possibilidades do seu próprio instrumento? -, entendemos que o ensino de um
modelo vocal ancorado em uma estética de gênero estancaria, tanto o comportamento vocal,
quanto o gênero. Acreditamos, no entanto, que uma observação exaustiva dos elementos
constitutivos da obra, como andamento, articulação rítmica, emissão, timbre e registro, a
serem detectados em diferentes interpretações da mesma, serve de auxílio para o
conhecimento das características do universo sonoro a que a canção pertence. Do mesmo
modo, um aprofundamento no conhecimento, pelo cantor, das capacidades naturais, técnicas e
interpretativas da própria voz promoveriam, tanto a procura por novos recursos, quanto a
possibilidade de gerar sentidos nas suas interpretações.
Esperamos, enfim, que nossa pesquisa possa contribuir para a ampliação da
reflexão acerca da interpretação vocal na música popular latino-americana, servindo de
referência a outros trabalhos, pesquisadores, docentes, alunos e músicos. Esperamos, ainda,
contribuir para o diálogo entre os campos de investigação em canto na Argentina e no Brasil.
164

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2016.
169

ANEXOS OU APÊNDICES

Anexo A: Disco com as faixas analisadas

A1- “Samba do avião” (Antônio Carlos Jobim) Aluna 1.Versão piano e voz.

A2- “Corcovado” (Antônio Carlos Jobim /Vinicius de Moraes) Aluno 2. Versão violão
e voz.

A3- “Corcovado” (Antônio Carlos Jobim /Vinicius de Moraes) Aluno 3. Versão piano
e voz.

A4-“Desafinado” (Antônio Carlos Jobim / Newton Mendonça) Aluna 4. Versão violão


e voz.

A5-“Samba de uma nota só” (Antônio Carlos Jobim / Newton Mendonça) Aluna 5.
Versão violão e voz.

Anexo B: Entrevista ao Professor Leopoldo Martí 02-04-2014.

B1- Gravação em suporte áudio mp3, 19,46m.

B2- Entrevista transcrita

Professor Leopoldo Martí (LM): Antes que nada quiero corregirte, que yo no he sido
director de la Licenciatura de Música Popular sino que fui coordinador, primero del proyecto
de creación y después, cuando se crea, fui coordinador hasta el año 2009 (si mal no recuerdo).

Paola Ceclia Albano (PCA): ¿Como profesor de las disciplinas de música erudita de la FAD
– Uncuyo ¿Cuándo y cómo advirtió la necesidad de los alumnos, músicos y artistas de
Mendoza por una formación académica en música popular?

LM: Yo creo, que esto se fue evidenciando a través del tiempo, de distintas maneras. Yo soy
profesor desde el año 1990 y siempre fue una necesidad, digamos… había una marcada
predilección de muchos músicos, de su actividad profesional, vinculadas a las músicas
populares; y en la Escuela de Música no había un espacio, entonces, era notoria una demanda.
El primer acercamiento se produjo en el año 2000, cuando se crea una materia “Música
170

Popular”. Fue una propuesta que yo hice en su momento a la Secretaría Académica de la


Facultad de Artes y Diseño de crear una asignatura: “Música Popular I”. Después se agregó
un segundo año, exclusivamente para los estudiantes del Profesorado de Grado Universitario
en Música, esto es, los futuros maestros o profesores de música. Esto fue, el primer
acercamiento, como digo, y de hecho muchos músicos independientes y de Mendoza que
estaban vinculados a la música popular y que querían tener una formación académica, se
inscribían en esta carrera y tenían allí un vínculo inicial con la música popular, al menos en
esta orientación que le dimos y que yo particularmente le di, que es vinculada a la música de
raíz folklórica argentina y latinoamericana, (reitero, esto como parte de la formación de los
alumnos del profesorado de grado universitario en música).

Luego creamos en el año 2002 una cátedra abierta de música popular, bueno esto ya surge
como iniciativa complementaria,…esto tiene que ver con la segunda pregunta.

PCA: ¿Cómo surgió la “Cátedra Abierta de Música Popular” en la Escuela de Música de la


UNCUYO? ¿En qué consistió la misma y a qué público fue dirigida? ¿Cómo se integró a las
carreras existentes en aquella época dentro de la Facultad de Artes y Diseño?

LM: Bueno… esto lo creamos en el año 2002 luego de esta primera etapa de creación de una
cátedra dentro de la carrera de profesorado. Sin dudas, poco a poco fue creciendo el interés en
las músicas populares, fueron demostrando cada vez más interés… entonces es como que el
terreno estaba fértil para poder seguir avanzando en ese sentido, en la incorporación de la
música popular o las músicas populares en el ámbito de nuestra universidad. Así que creamos
una Cátedra Abierta, el modelo de cátedra que ya existía en nuestra universidad y en nuestra
facultad también: una cátedra abierta de teatro, que en su momento la dirigía el Profesor
Ernesto Suarez, que es un destacado maestro de teatro, de aquí de Mendoza. Esta propuesta
no era de índole especialmente académica, a pesar de su título, sino que era una actividad de
Extensión Universitaria, la podía cursar cualquier estudiante, incluso cualquier persona que no
fuera alumno regular de la universidad y de hecho, mayoritariamente, empezaron a participar
personas que no pertenecían a nuestra facultad.

La forma en que se organizó fue… propusimos durante el año 2002 todo un ciclo que tenía
cuatro módulos, estos módulos consistían en una charla a cargo de un músico popular de aquí
de la región. Cada una de estas charlas estaban relacionadas a un género en particular y las
agrupábamos cada cuatro, es decir el módulo de cuatro charlas de músicos del folklore de la
171

región de cuyo, cuatro charlas para el segundo módulo sobre tango, cuatro charlas para el
tercer módulo sobre jazz, y finalmente las cuatro últimas sobre género rock. De estos cuatro
módulos el primero y el último fueron los más masivos, de asistencia masiva,…de hecho las
primeras charlas fueron en el auditorio de la Escuela de Música en calle Lavalle 373 y el
último módul (el de rock) tuvimos que hacerlo en el hall de la escuela, porque era mucha la
gente que asistía. La primera charla la dio el maestro Santiago Bértiz, el destacado compositor
guitarrista, lutier de aquí de Mendoza, que vive aún, que tiene más de 90 años es una figura
realmente de mucho reconocimiento y un gran valor por su actividad y además por la
importancia de su actividad en la historia de la música de la región. Músico que tocó en los
conjuntos de los destacados nombres de la música folklórica de aquí de cuyo, como Hilario
Cuadros, como Los Trovadores de Cuyo, como Antonio Tormo y Félix Dardo Palorma. Con
Tito Francia formó el recordado dúo de guitarras… en fin… así que, una gran personalidad…
de alguna manera emblemática, él fue quien inició esta Cátedra Abierta en el año 2002. Todo
esto se continuó en el año 2003, para lo cual, ya comenzamos a trabajar en el proyecto de
creación de la carrera.

El vínculo que había con las demás carreras existentes estaba dado en que participaban
también, obviamente, muchos estudiantes de distintas carreras, porque sucede que en muchos
casos los músicos que estudiaban una Licenciatura… supongamos en instrumento,
(obviamente clásico) o en Dirección Coral o en cualquiera de las otras carreras: Teorías
Musicales…en fin…, estaban muy interesados en esta temática de las músicas populares.
Recordemos que en nuestro país en el año 2001 surgió una crisis muy grande, una crisis no
solamente económico-social, sino que también cultural y por esos años, es decir, en el año
2002, 2003 empezó a haber un marcado interés por las expresiones culturales regionales,
nacionales y latinoamericanas. Esto también se evidencia con la manifestación política en
diferentes países entre ellos la Argentina, por la valoración de lo latino-americano. Además
nuestra universidad y particularmente nuestra facultad, también siguió un poco esa línea y
empezaron de alguna manera a crearse distintos ámbitos y proyectos vinculados a lo “Latino
Americano”.

Se creó una carrera de Posgrado de Arte latinoamericano, se creó una cátedra de Diseño
Latinoamericano, muchos proyectos de investigación…digamos… hacia la temática de lo
latinoamericano, el Teatro Popular también latino-americano. Se creó también una Maestría
en Interpretación de Música Latino-americana del Siglo XX, digamos, que todo iba
172

encaminado hacia ello y bueno…en ese sentido, la música popular era un elemento más hacia
esa política.

PCA: ¿Cuál fue la respuesta de la comunidad a la Cátedra Abierta de Música Popular?


¿Cómo surge el I Encuentro de Música Popular Mendoza 2003?

LM: La respuesta de la comunidad fue muy buena, como digo, cuando la convocatoria era
para los géneros vinculados al folklore regional cuyano y en algunos casos actividades que
hicimos con músicos de reconocimiento nacional como Los Hermanos Ávalos y también
músicos latinoamericanos como José Carbajal (el uruguayo). Bueno… un montón de gente
que fue participando en diferentes momentos, y por otro lado, el tema del rock marcó también
otro momento de gran participación. En ese sentido, El Encuentro de Música Popular surge
como una idea de, por un lado potenciar lo que veníamos realizando, es decir la participación
de músicos que daban cátedras para músicos independientes y para estudiantes incluso
docentes de nuestra universidad, de nuestra facultad. Eso, de alguna manera permitió que
concentráramos en unos días, casi una semana, una serie de actividades académicas, artísticas
de extensión etc. en ese primer encuentro que se hizo en octubre del año 2003. Paralelamente
a ello, ese encuentro nos permitía potenciar lo que veníamos trabajando desde el año
anterior… paralelamente al desarrollo de la Cátedra Abierta, que era la creación de una
Carrera de Música Popular.

PCA: ¿Cuál fue el impacto causado por el I Encuentro de Música Popular y que incidencia
tuvo sobre la apertura de la carrera?

LM: El impacto fue muy bueno, en ese sentido casi sin proponernos tuvimos un gran eco en
la prensa: tanto en la prensa escrita, oral como en distintos medios; no solamente en la región
sino en distintos medios nacionales. Y bueno…realmente eso fue muy importante porque la
gente primero sabia de la existencia de este proyecto y por otro lado consideramos importante
ir generando una expectativa sobre la llegada de la música popular al ámbito universitario, ya
no como una actividad extracurricular para la extensión, sino como una actividad netamente
y troncalmente académica. Así, que en ese sentido, el impacto causado para el público en
general fue muy bueno. Por otro lado a los efectos de que nuestra carrera tuviera una buena
recepción en las autoridades que evaluaban el proyecto (tanto en la facultad como en la
universidad) fue muy bueno porque la opinión que fueron vertiendo los participantes en ese
primer encuentro música popular, alentaba a todas las autoridades e instituciones a que
173

finalmente se abriera este espacio. Recordemos allí participo el Chango Farías Gómez, Juan
Falú, Jorge Marziali, Juan Lázaro Méndolas, Luna Monti, Juan Quinteros, Marcelino
Azaguate y un montón de músicos de gran prestigio regional, nacional incluso internacional.

PCA: En el programa de la carrera se propone para cada orientación en instrumento, durante


los cuatro años, dos materias troncales: Técnica e Interpretación. ¿Cuál fue el fundamento
para escoger dos disciplinas diferenciadas? ¿Qué perfil docente se esperaba encontrar en un
aspirante a profesor de interpretación y cuál en un aspirante a profesor de técnica de
instrumento, hace diez años con la creación de la carrera?

LM: Inicialmente, esta fue una propuesta que hizo el Decano en ese momento en nuestra
Facultad el Maestro Lars Nilsson, quien es un destacado flautista de formación clásica. Él, es
nacido en Suecia. Estudió en su país, se especializó en diferentes países de Europa: Alemania
Francia y luego vino a la Argentina, particularmente a Mendoza donde desarrolló una
actividad académica muy importante haciéndose cargo de la cátedra de flauta. Participó en la
Orquesta Sinfónica de la Universidad Nacional de Cuyo y también en el quinteto de vientos
de la universidad. Desarrolló una actividad de corte académico, clásico (entre comillas) muy
importante y paralelamente fue uno de los miembros fundadores del grupo MARKAMA que es
un grupo de música folklórica andina y que fue creado en la década del 70 y que tuvo una
gran repercusión no solamente en la región sino que también en el país y en distintos países
latinoamericanos. Entonces… el conocimiento de él de ambas corrientes musicales tanto de la
clásica, académica como de la popular también, le permitió tener una visión muy positiva de
este proyecto. Él procuraba que en las carreras existentes en la Escuela de Música de la
universidad no se produjera un distanciamiento con el nuevo proyecto, sino que de alguna
manera, buscaba la forma de poder articular la participación de distintos docentes en la carrera
con la intención, justamente, de que participaran activamente no solamente los especialistas
en la músicas populares sino también profesores de las distintas asignaturas que se
consideraban que debieran estar que no eran necesariamente vinculados e la música popular ,
sino materias de formación general o incluso en algunos casos complementaria. Y él fue el de
la idea ,de que, para el estudio de la especialidad o la orientación instrumental, incluyendo el
canto obviamente, los estudiantes tuvieran un profesor de la técnica de ese instrumento que
iba a estar dada por los profesores de esos instrumentos, es decir…por ejemplo …en la
orientación guitarra el estudio de la técnica la materia se llama Instrumento, que la dá y de
hecho la daba, los profesores titulares de la cátedra de guitarra , que son los que enseñan en la
174

carrera clásica. Aquí especialmente lo que iban a hacer es enseñar los fundamentos de la
técnica clásica para los estudiantes de música popular. Por otro lado el Profesor de
Interpretación le permitía al estudiante la posibilidad de desarrollar sus cualidades…

Digamos…. en función de su conocimiento en los géneros musicales y todo lo que


tiene que ver, específicamente, con la interpretación. De esta manera el alumno tiene dos
profesores específicamente para su instrumento: uno que le enseña la técnica y otro que le
permite desarrollar los aspectos vinculados a los lenguajes, a los estilos, a las corrientes etc.
Esto nos parecía importante, era una cosa bastante novedosa, que de hecho al principio costó
articular entre los docentes que participaban en el proyecto, sobre todo porque
específicamente en algunos casos la enseñanza de la técnica estaba muy vinculada a ciertos
géneros y ciertos estilos de la música clásica de herencia europea, entonces se producía ahí un
problema porque esa técnica o el desarrollo de aspectos técnicos vinculados a esas música
europeas, no eran compatibles con el desarrollo de las propuestas de interpretación en
géneros y lenguajes de raíz folklórica latinoamericana. Por poner un ejemplo que era más
evidente por ejemplo en el canto…ciertos aspectos técnicos que se suponían vinculados a la
técnica del canto para un lenguaje netamente lírico del canto de tradición europea clásica se
lo consideraba incompatible con la enseñanza de los cantos tradicionales del noroeste
argentino que son cantos con caja. Cantos, si se quiere, rústicos donde de alguna manera la
colocación de la voz supone el desarrollo de algunas cuestiones técnicas bastante
particulares… en fin… yo no soy un especialista en el tema, pero sin duda, se produce al
menos una cierta tensión en el planteo. Por suerte eso poco a poco se ha ido
puliendo….procurando desarrollar una técnica que realmente sirva para todos, y obviamente,
después el profesor de interpretación, es el que tiene que desarrollar aspectos más específicos
en cada uno de los géneros… bueno, espero haber sido claro en ese sentido.

Ah…antes de que me olvide, para que no queden descolgadas algunas cositas… puedo
dar un ejemplo en mi especialidad de la cual sí puedo hablar con más conocimiento y de
experiencia. En el caso de la orientación guitarra, el estudio de la técnica clásica o de base
clásica (que es la que se enseña en esta materia instrumento para los estudiantes de música
popular que eligieron la guitarra como orientación), por ejemplo, hay una serie de técnicas
netamente populares como son los rasguidos. El rasguido de la guitarra, que de alguna
manera es de herencia europea, en Latinoamérica constituye una impronta fundamental. El
rasguido podemos decir que es un poco el alma de los géneros de raíz folklórica, no solo en
175

Argentina sino en muchos países latinoamericanos. Eso, los profesores de técnica no lo saben,
no lo conocen, no lo enseñan. Por lo tanto, es responsabilidad del Profesor de Interpretación
enseñar la técnica de los rasguidos en los distintos géneros, tanto de la música argentina como
latinoamericana. En mi caso yo doy Interpretación I, entonces les enseño los rasguidos que
tienen que ver con los géneros de primer año., esto es rasguidos de chacarera, zamba,
carnavalito, cueca,… en fin. En los años siguientes se les enseña los rasguidos de las música
argentinas y luego también de las músicas latinoamericanas.

PCA: El plan de estudios de la Licenciatura en Música Popular propone como perfil de


egresado, un profesional formado para: Interpretar en diversos géneros y estilos de la música
popular argentina y latinoamericana de raíz folklórica. ¿La carrera está orientada hacia una
metodología de enseñanza basada en el estudio de géneros y estilos?

LM: Si, en principio podemos decir que sí. En esta primera etapa la carrera fue organizada de
una manera que luego se vio que no era la mejor y que se espera en algún momento poder
cambiar, que es por regiones. Es decir, nuestro primer año y nuestro segundo año se dedican a
la música argentina el tercer año se dedica a la música de los países limítrofes de Argentina y
finalmente en cuarto año el resto de los países latinoamericanos. Si bien es cierto que lo
vamos haciendo con una concepción geográfica o geopolítica, en sí, lo vamos estudiando por
géneros es decir, una vez que reconocemos ciertas regiones folklóricas en el país y luego en
los países que abarca el proyecto, se empiezan a trabajar a través de géneros. Así por ejemplo
los géneros del canto con caja como pueden ser el género de la baguala y el género de la
vidala. Luego los géneros danzarios como la chacarera donde hay mucho otros géneros que
forman parte de ese complejo como algunos de los que mencione recién, la zamba, la cueca,
el bailecito, el escondido, el gato, etc., etc. No todos, porque hay muchos géneros que se
desprendieron de ese árbol genealógico que son muy similares, entonces la idea, es que cada
estudiante al menos en la materias que yo tengo a mi cargo tengan las herramientas suficientes
para poder después estudiar los demás, que no les resulte difícil una vez que estudiaron la
chacarera, poder estudiar un género como puede ser el escondido o como la huella o el
triunfo, etc. Y si sobre los estilo si, en verdad el desarrollo o digamos la historia de la música
popular ha ido dando en nuestro país el desarrollo de propuesta que a lo largo del tiempo han
conformado estilos muy particulares, a veces los estilos son asociados a nombres en particular
como decir un estilo Hilario Cuadros o un estilo el Cuchi Leguizamón, o un estilo Palorma o
un estilo Gardeliano etc. Allí hablamos en particular, como ciertos autores, cultores,
176

interpretes o arregladores, en fin, tomaron algunos géneros y le dieron una impronta


particular. Entonces se estudia el género en primera instancia y luego como ese género fue
tratado a través distintas corrientes estilísticas.

PCA: ¿Qué impacto, a su criterio, tiene actualmente la carrera de Música Popular en la


cultura local, nacional e internacional? Cuál es la función social que están ejerciendo
actualmente los alumnos y egresados de la misma?

LM: Primero no se hizo un estudio sistemático sobre esto, ni tampoco asistemático. Si


podemos decir el conocimiento que nosotros tenemos a través del contacto con distintos
músicos, con los cuales estamos vinculados en distintos lugares, y después obviamente con la
presencia de los alumnos que participan en la carrera. Hay un dato que es muy importante que
es, por un lado los estudiantes que cursan regularmente nuestra carrera son de procedencia de
distintos lugares del país. Si bien, esto fue muy fuerte en los primero años en estos los últimos
años se ha ido reduciendo ya que casi mayoritariamente los alumnos son procedentes de la
provincia de Mendoza. Tenemos alumno de San Luis, San Juan, San Luis, La rioja, Córdova,
Tucumán, Catamarca, Salta, Jujuy, Santa Fe, Entre Ríos, Corrientes, Buenos Aires capital y
provincia, Neuquén, Rio Negro. También alumnos de otros países de nuestro vecino país
Chile, también alumnos de Uruguay Bolivia y actualmente tenemos alumnos también de
Colombia, Ecuador y alumnos de intercambio de Brasil mismo.

A nivel general la carrera ha ido cumpliendo al menos algunas de las misiones que
pensamos. Los estudiantes, no solamente los egresados, porque de hecho la carrera no tiene
tantos egresados (es decir los alumnos que están en tercero y cuarto año) vienen realizando
una actividad artística relevante en los medio tanto aquí en el gran Mendoza como en el resto
de la provincia e incluso en otras provincias, como bien lo sabemos. Están desarrollando
actividades de producción, muchos de ellos han dirigido proyectos importantes como las
fiestas de la vendimia que son proyectos culturales de gran relevancia en el ámbito provincial.
La fiesta de la vendimia es la gran fiesta de la cultura y del trabajo que se desarrollo en al
menos 18 departamentos y luego una fiesta que tiene ya repercusión nacional. Nuestros
estudiantes participan en algunos casos haciendo, como digo, la dirección musical,
componiendo arreglando, tocando. En ese sentido es relevante la actividad y por otro lado
también la participación de estudiantes en distintos festivales. En el festival de Cosquín, que
es el festival más grande de la música latinoamericana en el mundo, en este momento bajo
critica, por motivos que no vienen al caso, participan nuestros estudiantes. Algunos de ellos
177

han obtenido importantes premios y distinciones. El hecho que los premien, para nosotros,
como generadores de este proyecto y como profesores, nos llena de orgullo y de alegría.

Y en otros casos algunos de nuestros egresados que están desarrollando una actividad
muy relevante en Buenos Aires y en otros lugares de Latinoamérica. Bueno… como el caso
también tuyo…Paola. Esto no es solamente importante como la actividad de cada uno, como
individuo, en sí misma, sino el hecho de llevar de alguna manera esta impronta de estudiantes
desde la primera carrera de música popular en una universidad nacional en Argentina a otros
ámbitos.

PCA: Respecto a investigación en música popular latinoamericana, ¿se observan avances, a


su criterio, desde la creación de la carrera? ¿Cuáles?

LM: Si totalmente. Nuestra universidad y nuestra Facultad de Artes en particular, tiene dos
ámbitos de investigación, uno interno es decir propio de la facultad de artes y diseño a través
de proyectos de investigación que son anuales y luego ya en el ámbito de nuestra universidad
a través de la Secretaria de Ciencia Técnica y Posgrado de nuestra rectorado en proyecto que
son bianuales. En los últimos años ha habido cada vez mas proyecto vinculados a la música
popular y con la participación de docentes y alumnos de nuestra carrera. Y por otro lado
también se están desarrollando distintos tipo de actividades de investigación y académicas en
los cuales la opinión de quienes participamos en la carrera va siendo tomada cada vez más en
cuenta. Bueno también la publicación de artículos en revistas en libros etc. va siendo cada vez
más participativa en relación a nuestros alumnos y docentes.

PCA: A diez años del inicio de la carrera ¿Cómo evalúa el camino recorrido, cuáles son las
expectativas para el futuro?

LM: El camino recorrido yo lo evalúo muy positivo porque era una necesidad muy grande.
Yo creo que los primeros atisbos de vincular la música popular a la universidad data de los
años ’70. En ese momento, el gran fervor que había por ‘lo latinoamericano’ desde distintas
miradas no solamente desde la música allí comenzó y fue detenido por la dictadura militar del
‘76. Muchos de los protagonistas y de las personalidades, investigadores, intelectuales
estuvieron desaparecidos, exiliados o prohibidos durante el tiempo que duró la dictadura, así
que esto se retoma en la década del 80 con el retorno a la democracia y recién a fines de los
90 y principios del 2000 es donde se empieza a abrir este camino, así que en ese sentido
178

haciendo una retrospectiva un análisis un poco más amplio es un hecho muy destacado la
creación de la carrera.

Por otro lado muchas cosas por corregir. Cuando se cumplió la primera cohorte, los
primeros 4 años se hizo una evaluación en la cual participamos no solamente los profesores
sino también los estudiantes regulares de nuestra carrera aportando cosas para corregir para
mejorar Se creó un expediente en el cual se propuso una serie de cambios, que apuntan a
mejorar la carrera .Algunos pequeños detalles poco a poco se han ido modificando porque no
son sustanciales no suponen la modificación del plan de la carrera sino más que nada tiene
que ver con el plan de cada uno de los profesores, y cada uno de los profesores sobre lo que
está planteado en el proyecto va pudiendo cambiar algunos detalles de esa evaluación que se
hizo en el año 2008. Y las expectativas para el futuro bueno creo que son buenas cada vez
vamos viendo que sin proponerlo se van articulando algunos criterios del trabajo de los
docentes. Una de las autocriticas o criticas que podemos hacer proponer una articulación una
o dos veces en el caño para compartir algunos criterios experiencias y que eso se vuelque en
mejoras para el desarrollo de la carrera en función de los objetivos planteados en general y en
algunos casos en mas particular o específicos. Pero de todos modos la música de raíz
folklórica argentina y latinoamericana es cada vez más relevante en el ámbito de nuestra
provincia, en la región de cuyo, en el país tiene que ver con un proceso de recuperación de la
identidad una comprensión de la identidad como el conjunto de identidades que hacen a un
individuo y una sociedad esto es evidente, tanto en las políticas educativas cuanto en las
políticas culturales y llevadas a un plano de política general en todos los ámbitos, así que me
parece que la carrera abastece de alguna manera el conocimiento saberes experiencias que van
en ese sentido así que las expectativas son muy buenas, siempre las falencias tienen que ver
con problemas de infraestructura y presupuesto, nuestra carrera tendría que tener una mayor
planta docente que permita que cada uno de los que trabajamos podamos formar equipos de
cátedras , por ahora las cátedras son unipersonales y en su mayoría no son cargos efectivos
sino que año a año se renuevan automáticamente , son interinos , y eso creo una cierta
inestabilidad que si bien es cierto que estamos acostumbrados, sería otra cosa si fueran cargos
efectivos .Los cargos efectivos que hay son muy pocos. La conformación de equipos de
cátedra permitiría una mayor variación de miradas me parece que es muy saludable y
necesario para la formación de todo músico y esto no sucede en nuestro caso
fundamentalmente porque no hay presupuesto para poder llamar a concurso a profesores
179

adjuntos asociados jefes de trabajos prácticos etc. en cuanto a infraestructura no existe el


equipamiento que se necesitaría, pero bueno, seamos optimistas.

PCA: ¿Cuáles cree son las ofertas de pos-graduación orientadas a los egresados de la
licenciatura?

LM: Por ahora, específicamente, no las hay. Es una de las demandas específicas vinculadas a
la música popular. Por lo pronto lo que hay si en nuestra facultad por un lado la Maestría en
Arte latinoamericano y después en otras universidades, en Córdova, en Buenos Aires en La
plata hay ofertas de posgrado para egresados de grado universitario. Pero creo de la misma
manera que nuestra universidad en argentina han ido creando espacios y carreras sobre
música popular entonces creo yo que en algún momento se va a pontear carreras de posgrado
para que los egresados tengan la posibilidad de seguir capacitándose y creando y generando
ámbitos para la investigación para la propia actividad artística de mayor nivel y de mayor
proyección a nivel nacional e internacional. Bueno, espero haber sido claro y bueno…
seguimos ahí. Me pareció la manera más sencilla que ponerme a escribir se me hacía mucho
rollo además estoy con la cabeza medio cansada por otras cuestiones y tengo que pensar
mucho y escribir y sintetizar se me hace como un rollo. Bueno… nada más, realmente te
agradezco muchísimo por lo que estás haciendo por nuestra carrera en Brasil.

Anexo B3: Entrevista Polo Martí. Depoimento escrito.

PCA: Teniendo en cuenta que hay dos tipos de inserción de la música popular en el ámbito
académico: como modalidad o como curso específico. ¿Como fue concebida la Licenciatura
em Música Popular de FAD-UNCUYO?

LM: Nuestra carrera es la primera carrera universitaria como Licenciatura en Música Popular.
La de Villa María (Córdoba) es una Licenciatura en Composición, con orientación en MP.
Pero además, la nuestra tiene como campo de trabajo en la MP de raíz folklórica argentina y
latinoamericana. Es decir, es una carrera que parte y enfoca a la música popular, y el recorte
está en la especificidad de lo argentino y latinoamericano.
PCA: ¿Por qué convinieron en utilizar el término “música de raíz folklórica argentina y
latinoamericana” en el marco del proyecto de creación de la Licenciatura en Música Popular
(FAD-UNCUYO)?
LM: En el marco del proyecto de creación de la Lic. en MP convenimos en utilizar el término
180

“música de raíz folklórica argentina y latinoamericana”, para que de esa manera podamos:
1. Evitar discusiones anacrónicas sobre el concepto de ‘lo folklórico’.

2. Albergar un abanico amplio de creaciones y recreaciones a partir del concepto


de la “raíz folklórica”, en una gama que se acerque neta y claramente a lo “tradicional” y que
también posibilite nuevas “miradas”, inclusive de la llamada “vanguardia”. Y sobre esto
convenido no hubo necesidad de aclarar de qué se trata la música “de raíz folklórica”, porque
todos hemos comprendido cuál es la música que se cristalizó como “tradicional” y sobre qué
aspectos se sustentan en términos específicamente musicales, y comprender, reconocer y
apreciar cómo esos aspectos pudieron tener vigencia y permanencia e incorporar e innovar en
otros. Por otro lado no hemos querido (y esto creo que no fue hablado ni explicitado) entrar en
cuestiones cercanas a la “biología musical” (inventé un término!?), para llegar a discriminar
tan meticulosamente esos aspectos que cristalizaron lo “tradicional”, porque tampoco son
parámetros fijos e inmóviles. Pongo algún ejemplo:

• Yupanqui rasguea la zamba o la chacarera diferente a los Hnos. Díaz o a los


Hnos. Ábalos, y todos se consideran “tradicionales”.

• En aspectos melódicos y armónicos, Nolo Tejón o Palorma utilizan distintos


materiales que Hilario Cuadros, son considerados “tradicionales” en la música cuyana.

Habría muchos ejemplos más en diversas regiones y culturas latinoamericanas. Eso


nos sirvió para poder incluir ese abanico de material de trabajo, y luego expresado en
compositores, arregladores, intérpretes, repertorios, etc., etc.

Para que te quede claro, dentro de la música de raíz folklórica incluimos tanto lo
anónimo, tradicional como la obra de autor. Justamente las primeras 'obras de autor', como los
Chazarreta, los Yupanqui, Díaz, etc., son inspiradas en lo anónimo y se confunden con ellas, y
desde ahí poco a poco empieza a abrirse ese abanico.
181

ANEXO C: Consentimentos de participação na pesquisa

Consentimentos de participação. Aluna 1.

Eu, Gabriela Mariana Fernández, nacionalidade argentina, 30 anos de idade, estado


civil Solteira profissão cantora e professora de canto DNI 30.768.083 endereço San Martín
750 Ciudad, Junín, Mendoza. estou sendo convidado a participar de um estudo denominado
“Análise da Performance Vocal em Canção Popular Brasileira dos alunos do Bacharelado em
Música Popular (Orientação Canto) da FAD, UNCUYO – Mendoza/AR” cujos objetivos e
justificativas são: analisar aspectos da performance vocal, em Canção Popular Brasileira, de
cinco alunos argentinos, por meio de um estudo de caso sobre a prática interpretativa em
canto popular de cinco obras de Tom Jobim, representativas da Bossa Nova.
A minha participação no referido estudo será no sentido de prestar minha voz ao
serviço de uma gravação de estúdio da música “Samba do avião” composição de Antônio
Carlos Jobim, a realizar-se no estúdio de gravação do Professor Nicolás Diez, pianista
acompanhante da disciplina “Interpretação Canto III” do Bacharelado em Música Popular
latino-americana da Faculdade de Artes e Design da Uncuyo, Mendoza - Argentina
Fui alertada de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais
como:que a gravação realizada seja objeto de análise e possa ser exposta em congressos e
afines como objeto de estudo; e , assim mesmo, que possa ser convidada com objeto da
pesquisa para realizar interpretação ao vivo da música, e depoimentos sobre a pesquisa.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou qualquer
outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será mantido em sigilo.
Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa,
não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo.
Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são a Profa. Paola Cecília Albano,
Instituto de Artes da Universidade de Campinas, São Paulo, Brasil, Facultad de Artes y
Diseño de la Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza- Argentina e com ela poderei manter
contato pelos telefones (55) 11951356814 e o email paolaalbano@gmail.com.
É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o
livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
conseqüências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação.
182

Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e


compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor
econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.

Mendoza 24 de agosto de 2015.

Nome e assinatura do sujeito da pesquisa

Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(responsáveis)


183

Consentimentos de participação. Aluno 2.


184
185

Consentimentos de participação. Aluno 3

Eu, Diego Fabián Guiñazú, nacionalidade argentino, 33 anos de idade, estado civil
Solteiro , profissão cantor e professor de canto DNI 29.190.839, endereço Barrio Jardín Norte
MA C17, Los Barriales, Junín, Mendoza, Argentina, estou sendo convidado a participar de
um estudo denominado “Análise da Performance Vocal em Canção Popular Brasileira
dos alunos do Bacharelado em Música Popular (Orientação Canto) da FAD, UNCUYO
– Mendoza/AR” cujos objetivos e justificativas são: analisar aspectos da performance vocal,
em Canção Popular Brasileira, de cinco alunos argentinos, por meio de um estudo de caso
sobre a prática interpretativa em canto popular de cinco obras de Tom Jobim, representativas
da Bossa Nova.
A minha participação no referido estudo será no sentido de prestar minha voz ao
serviço de uma gravação de estúdio da música “Corcovado” composição de Antônio Carlos
Jobim, a realizar-se no estúdio de gravação do Professor Nicolás Diez, pianista acompanhante
da disciplina “Interpretação Canto III” do Bacharelado em Música Popular latino-americana
da Faculdade de Artes e Design da Uncuyo, Mendoza - Argentina
Fui alertado de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais
como:que a gravação realizada seja objeto de análise e possa ser exposta em congressos e
afines como objeto de estudo; e , assim mesmo, que possa ser convidada com objeto da
pesquisa para realizar interpretação ao vivo da música, e depoimentos sobre a pesquisa.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou qualquer
outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será mantido em sigilo.
Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa,
não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo.

Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são a Profa. Paola Cecília Albano,
Instituto de Artes da Universidade de Campinas, São Paulo, Brasil, Facultad de Artes y
Diseño de la Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza- Argentina e com ela poderei manter
contato pelos telefones (55) 11951356814 e o email paolaalbano@gmail.com.

É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre


acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
conseqüências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação.
186

Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e


compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor
econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.

Mendoza, 24 de agosto de 2015.

Nome e assinatura do sujeito da pesquisa

Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(responsáveis)

.
187

Consentimentos de participação. Aluna 4.

Eu, María Lilen Graziosi nacionalidade argentina, 30 anos de idade, estado civil
Solteira, profissão cantora e professora de canto DNI 31.551.933, endereço Tiburcio Benegas
1528, Ciudad de Mendoza, estou sendo convidado a participar de um estudo denominado
“Análise da Performance Vocal em Canção Popular Brasileira dos alunos do Bacharelado em
Música Popular (Orientação Canto) da FAD, UNCUYO – Mendoza/AR” cujos objetivos e
justificativas são: analisar aspectos da performance vocal, em Canção Popular Brasileira, de
cinco alunos argentinos, por meio de um estudo de caso sobre a prática interpretativa em
canto popular de cinco obras de Tom Jobim, representativas da Bossa Nova.
A minha participação no referido estudo será no sentido de prestar minha voz ao
serviço de uma gravação de estúdio da música “Desafinado” composição de Antônio Carlos
Jobim e Newton Mendonça, a realizar-se no estúdio de gravação do técnico de som Víctor
Silione, Mendoza - Argentina
Fui alertada de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais
como: que a gravação realizada seja objeto de análise e possa ser exposta em congressos e
afines como objeto de estudo; e , assim mesmo, que possa ser convidada com objeto da
pesquisa para realizar interpretação ao vivo da música, e depoimentos sobre a pesquisa.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou qualquer
outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será mantido em sigilo.
Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa,
não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo.
Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são a Profa. Paola Cecília Albano,
Instituto de Artes da Universidade de Campinas, São Paulo, Brasil, Facultad de Artes y
Diseño de la Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza- Argentina e com ela poderei manter
contato pelos telefones (55) 11951356814 e o email paolaalbano@gmail.com.
É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre
acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
consequências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação.
Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e
compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
188

consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor


econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.

Mendoza 24 de agosto de 2015.

Nome e assinatura do sujeito da pesquisa

Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(responsáveis)


189

Consentimentos de participação. Aluna 5.

Eu, Irene Soledad Betania Agüero, nacionalidade argentina, 29 anos de idade, estado
civil solteira, profissão cantora e professora de canto, DNI 32.315.681, endereço calle
O`briens 377, San José, Guaymallén, Mendoza, estou sendo convidado a participar de um
estudo denominado “Análise da Performance Vocal em Canção Popular Brasileira dos
alunos do Bacharelado em Música Popular (Orientação Canto) da FAD, UNCUYO –
Mendoza/AR” cujos objetivos e justificativas são: analisar aspectos da performance vocal,
em Canção Popular Brasileira, de cinco alunos argentinos, por meio de um estudo de caso
sobre a prática interpretativa em canto popular de cinco obras de Tom Jobim, representativas
da Bossa Nova.
A minha participação no referido estudo será no sentido de prestar minha voz ao
serviço de uma gravação de estúdio da música “Samba de uma nota só” composição de
Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça, a realizar-se no estúdio de gravação do técnico de
som Víctor Silione, Mendoza - Argentina
Fui alertada de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais
como:que a gravação realizada seja objeto de análise e possa ser exposta em congressos e
afines como objeto de estudo; e , assim mesmo, que possa ser convidada com objeto da
pesquisa para realizar interpretação ao vivo da música, e depoimentos sobre a pesquisa.
Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou qualquer
outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será mantido em sigilo.
Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa,
não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo.
Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são a Profa. Paola Cecília Albano,
Instituto de Artes da Universidade de Campinas, São Paulo, Brasil, Facultad de Artes y
Diseño de la Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza- Argentina e com ela poderei manter
contato pelos telefones (55) 11951356814 e o email paolaalbano@gmail.com.
É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o
livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
conseqüências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação.
Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e
compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
190

consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor


econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.

Mendoza 24 de agosto de 2015.

Nome e assinatura do sujeito da pesquisa

Irene Soledad Betania Agüero


DNI. 32315681

Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(responsáveis)


191

Consentimentos de participação. Professor Leopoldo Martí, entrevista.

Eu, Leopoldo Guillermo Martí, nacionalidade argentina, 54 anos de idade, estado civil
casado, profissão Profesor Nacional de Música, DNI 13.876.958, endereço Las Petunias 792,
ciudad de Mendoza, Argentina, estou sendo convidado a participar de um estudo denominado
“Análise da Performance Vocal em Canção Popular Brasileira dos alunos do
Bacharelado em Música Popular (Orientação Canto) da FAD, UNCUYO –
Mendoza/AR” cujos objetivos e justificativas são: analisar aspectos da performance vocal,
em Canção Popular Brasileira, de cinco alunos argentinos, por meio de um estudo de caso
sobre a prática interpretativa em canto popular de cinco obras de Tom Jobim, representativas
da Bossa Nova.
A minha participação no referido estudo será no sentido de prestar meu depoimento
em entrevista ao serviço da formulação do primeiro capítulo da Dissertação de Mestrado da
Profa. Paola Cecilia Albano.
Fui alertado de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tais
como:que meu depoimento possa ser exposta em congressos e afines como objeto de estudo; e
, assim mesmo, que possa ser convidado com objeto da pesquisa para realizar depoimentos
sobre a pesquisa.
Estou ciente de que meu nome será citado e tenho lido e aceitado o depoimento escrito
no trabalho citado.
Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu
consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa,
não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo.

Os pesquisadores envolvidos com o referido projeto são a Profa. Paola Cecília Albano,
Instituto de Artes da Universidade de Campinas, São Paulo, Brasil, Facultad de Artes y
Diseño de la Universidad Nacional de Cuyo, Mendoza- Argentina e com ela poderei manter
contato pelos telefones (55) 11951356814 e o email paolaalbano@gmail.com.

É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre


acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
conseqüências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação.

Enfim, tendo sido orientado quanto ao teor de todo o aqui mencionado e


compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
192

consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor


econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.

Mendoza 24 de agosto de 2015.

Prof. Leopoldo G. Martí


DNI 13.876.958
Profesor Titular de Música Popular I y II
Facultad de Artes y Diseño (UNCuyo)

Nome e assinatura do sujeito da pesquisa

Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador(es) responsável(responsáveis)

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