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Na sessão seguinte, contou que tinha sonhado que eu tinha passado seu caso para outra
pessoa e, por isso, ele estava sendo atendido pela minha assistente psicóloga que era mais bonita;
Ela cuidava bem dele, talvez até melhor do que eu, e tinha até cuidados maternais. Sentia-se
abandonado por mim, mas sabia que não era verdade pois, de vez em quando, eu abria a porta
para olhar.
Interpretei no sentido de que ele sentia que eu já permitia que ele ficasse com minha mulher
e ele retrucou que preferia outra interpretação, a de que minha assistente também era eu,
representando uma parte mais afetiva; por isso era mulher.
Depois disse que as sessões estavam uma loucura, que não pareciam capítulos de um livro e
sim livros diferentes entre si, que, apesar disso, estava melhor.
Paulo tentava me mostrar suas mudanças no relacionamento afetivo comigo e meu
afastamento (livros diferentes). Sem entender, interpretei que já podia desejar, mas não podia
transar com minha psicóloga porque sentia que eu ainda estava vigiando.
Eu não me aproximava, mas Paulo continuou mostrando que estava mais aberto, mais
afetivo, pois, a seguir, falou de suas poesias, que são bonitas e que escrevia sem pensar mas que
não escrevia mais; só escreveu até os dezenove anos.
Ofuscado por uma teoria edipiana em que tentava encaixá-lo, nem lembrei que ele tinha
ficado órfão de pai nesta idade e disse-lhe: "Como criança pode ser produtivo, como adulto não
pode porque só existe um pai; além disso, escrever um livro é ter um filho com minha
psicóloga”.
Ele respondeu meio irritado, meio insistente: (como quem diz: "Decide logo"): “Afinal, eu
tenho problemas com papai ou com mamãe?”.
Acho que essa "sacudida" conseguiu me abrir os olhos, finalmente, e eu falei: "Você tem
problemas por me ver dividido, uma parte masculina, um pai egoísta, dono da verdade,
professoral, e uma parte feminina, compreensiva e afetuosa". Ele respondeu: "Eu também estou
dividido: gosto que você me force, me incentive, porque isso me dá ânimo mas quando não
consigo, sinto que estou sendo violentado; aí prefiro você compreensivo me aceitando como
sou... é gostoso... mas então penso que, se ficar nisso, eu vou querer ser criança para sempre”.
Paulo mostra que está em um conflito tremendo; no relacionamento com figura masculina,
autoritária, sente-se violentado e violento e, ao procurar refugiar-se no relacionamento com
figura feminina afetiva, sente-se aceito e contido, mas aí teme o retorno à situação simbiótica
onde é dependente e sempre criança.
Essa divisão do analista em dois, geralmente um homem mais "duro" e uma mulher mais
"afetiva", não é incomum.
Sabe-se que o bebê trabalha inicialmente com objetos parciais (mãe boa e mãe má) e, com
sua evolução, integra esses objetos parciais em um objeto total (mãe com características boas e
más). Vejamos o que nos diz Melanie Klein, (1945): "Quando Richard tornou-se capaz, durante
a análise, de se defrontar com o fato psicológico de que o seu objeto amado era também o seu
objeto odiado e que a mãe azul-clara, a rainha com a coroa, estava ligada, em sua mente, ao
pássaro horroroso com o bico, ele pôde estabelecer seu amor pela mãe com mais segurança (...)
e suas experiências felizes com a mãe não foram mais mantidas tão separadas das suas
experiências de frustração (...). Sempre que ele podia se permitir unir os dois aspectos da mãe,
isto implicava na atenuação do aspecto mau pelo bom".
CONCLUSÃO
Consultemos os escritos de Hanna Segal: "Tanto para o menino quanto para a menina, o
primeiro objeto de desejo é o seio da mãe, sendo o pai percebido inicialmente como rival. (...)
À medida que o desenvolvimento prossegue, o objetivo genital se torna predominante e,
com sua predominância, a escolha entre os pais flutua cada vez menos; escolhe-se entre os pais,
de modo mais definitivo e duradouro, o do sexo oposto como objeto de desejos libidinais,
enquanto rivalidade e identificação aumentam em relação ao do mesmo sexo.
As fantasias do menino centram-se na relação sexual com a mãe e nos medos de castração;
as da menina centram-se na relação sexual com o pai e na ansiedade em relação a ataques de sua
mãe". (Segal, H., 1964)1.
M. Klein já tinha escrito que: "O bom seio internalizado forma uma parte vital do ego e sua
preservação torna-se uma necessidade imperativa. A introjeção desse primeiro objeto amado
está, portanto, ligado aos processos engendrados pelo instinto de vida. O bom seio internalizado
e o mau seio devorador formam o núcleo do superego, em seus bons e maus aspectos; são os
representantes no ego da luta entre os instintos de vida e de morte." (Klein, M., 1952).
Freud coloca que o Superego é o herdeiro do complexo de Édipo; simplificando, forma-se
pela introjeção das figuras parentais; Klein coloca que o núcleo do superego é formado pela
internalização do seio bom e do mau seio.
Em vários escritos, Freud mostra não desconhecer e, pelo contrário, aceitar o que M. Klein
desenvolve. Por exemplo, em "O Ego e o Id" temos: "Os efeitos das primeiras identificações
efetuadas na mais primitiva infância serão gerais e duradouros. Em idade muito precoce, o
menininho desenvolve uma catexia objetal pela mãe, originalmente relacionada ao seio
materno, e que é o protótipo de uma escolha de objeto segundo o modelo anaclítico".
Freud continua: "Pareceria, portanto, que em ambos os sexos, a força relativa das
disposições sexuais masculina e femininas é o que determina se o desfecho da situação edipiana
será uma identificação com o pai ou com a mãe. Fica-se com a impressão de que de modo algum
o complexo de Édipo simples é a sua forma mais comum; representa antes uma simplificação ou
esquematização que é, sem dúvida, freqüentemente justificada para fins práticos. Um estudo
mais aprofundado revela o complexo de Édipo mais complexo, o qual é dúplice, positivo e
negativo. Isto equivale a dizer que um menino não tem simplesmente uma atitude ambivalente
para com o pai e uma escolha objetal afetuosa pela mãe, mas que, ao mesmo tempo, também se
comporta como uma menina e apresenta uma atitude afetuosa feminina para com o pai e um
1
Se entendermos a perda do pênis como uma metáfora que representa a perda das potencialidades, podemos
pensar que, tanto o menino quanto a menina, temem serem castrados pela figura parental do mesmo sexo.
ciúme e uma hostilidade correspondente em relação à mãe”. (Freud, S., 1923).
Repensando a experiência da relação e o conceito de que o complexo de Édipo é um
triângulo formado pelo bebê, a mãe (relação primária) e o pai — o outro (realidade externa),
conjeturo um modelo em que o complexo de Édipo permanece um triângulo, mas formado pelo
bebê e seu amor e ódio à mãe, respectivamente mãe boa e mãe má em termos kleinianos, isto é,
seio bom e seio mau. Estas duas posturas — amor e ódio — formariam o triângulo: o bebê, a
mãe boa e a mãe má. Quando o bebê cresce e passa a ter condições de começar a trabalhar com
essa situação, podemos imaginar que a menina projetaria a mãe boa e a colocaria no pai —
formando o triângulo: menina, mãe má e pai bom — e o menino projetaria a mãe má, colocando-
a no pai e formando outro triângulo: o menino, a mãe boa e o pai mau. Como diz Hanna Segal,
embora em outro contexto: "No meu entendimento, para preservar uma relação tolerável com o
seio, o bebê cinde e projeta os aspectos maus, tanto do seio quanto de si mesmo, e cria uma
terceira figura má. O pênis do pai é um continente ideal para tais projeções". (Segal, H., 1989).
Os casos de Édipo invertido ou os casos de Édipo complexo, citados por Freud, poderiam
ser explicados por mecanismos semelhantes. Os casos em que não se observa material edipiano
clássico seriam de mentes mais regredidas que se mantém numa relação dual, com a figura da
mãe funcionando como objeto parcial.
Usando o conceito freudiano de compulsão à repetição, podemos dizer que o bebê forma um
padrão inicial de reação com o seio e o não-seio e esse padrão passa a ser usado em suas relações
posteriores com as figuras parentais e quaisquer outros objetos da realidade externa.
Este modelo serve para explicar a evolução do Édipo, nos dois sexos, praticamente da
mesma maneira, não necessitando dos mecanismos, a meu ver imperfeitos, de outros modelos.
Serve também para explicar porque mentes mais regredidas não apresentam material
edipiano clássico.
RESUMO
Este é um trabalho clínico cujo material sugeriu ao autor um modelo edípico onde o
triângulo é formado originalmente pelo bebê, seio-bom e seio-mau, isto é, bebê, mãe-boa e mãe-
má.
Na sequência dessa relação, para preservar a figura da mãe, o bebê cinde e projeta os
aspectos maus, seus e da mãe; o continente mais adequado para essa projeção — para os dois
sexos, ao que parece — é o pênis do pai.
À medida que o objetivo genital se torna predominante, a mãe-boa é projetada na figura
parental do sexo oposto e a mãe-má, na figura parental do mesmo sexo.
Na clínica, este modelo pode ser inferido na transferência, nas situações em que o analista
representa alternada ou simultaneamente ambos os pais.
Freud e diversos autores kleinianos são citados em uma tentativa de mostrar que essa
hipótese já se encontra implícita e, às vezes, quase explícita, em alguns de seus escritos.
Usando o conceito freudiano de compulsão à repetição, podemos dizer que o bebê forma um
padrão de reação inicial com o seio e o não-seio e esse padrão passa a ser usado em sua relação
com as figuras parentais e quaisquer outros objetos da realidade exterior.
O que leva o autor a preferir este modelo é que ele serve para explicar a evolução do Édipo,
nos dois sexos, da mesma maneira, e também serve para explicar porque mentes mais regredidas
não apresentam material edipiano clássico.
BIBLIOGRAFIA
1. CHASSEGUET-SMIRGEL, J., 1964 - Sexualidade Feminina, Artes Médica, Porto Alegre, 1988.
2. FREUD, S. (1923) O ego e o id. In Ed. Standard Brasileira, vol. XIX, Rio de Janeiro: Imago
Editora.
3. _________ (1931b) Sexualidade feminina. In Ed. Standard Brasileira, vol. XXI, Rio de
Janeiro: Imago Editora.
4. KLEIN, Melanie (1945) O complexo de Édipo â luz das primeiras ansiedades. In: ___.
Contribuições a Psicanálise, São Paulo, Ed. Mestre Jou, 1970.
5. ——————— (1952) As origens da transferência. In: Obras completas, VI, Buenos Aires,
Editora Paidós, 1976.
7. PETOT, Jean-Michel (1979) Melanie Klein I, São Paulo; Editora Perspectiva, 1987.
8. SEGAL, Hanna (1964) Introdução à obra de Melanie Klein, Rio de Janeiro, Imago Editora,
1975, pgs. 124/125.