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fotográfico, incluindo fotocópia, xcrocópia ou gravação, sem autorizuçuo prévia do editor. Exceptua-sc
a transcrição ric curtos passagens para efeitos de apresentação, cr/dca ou discussão das ideias c opiniões
contidas no livro. Esta excepção nuo pode, porém, ser interpretada como permitindo a transcrição dc
textos cm recolhas ontológicas ou similares, da qual possa resultar prejufzo para o interesse pela obra.
Os infractores são passíveis dc procedimento judicial.
AMÉRICO A. TAIPA DE CARVALHO
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica fPnrfni
DE
Jurisprudência e Legisprudência
Princípio da aplicação da lei penal favorável
Crimes e Contra-Ordenações
Alteração do tipo legal de crime
O caso julgado e a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável
Normas processuais penais materiais
Presunção de inocência, prisão preventiva e indemnização
Coimbra Editora
2008
4
C omposição e impressão
oimbra Editora, Limitada
Junho de 2008
o à Dinha, minha mulher
o à Mónica e à Andrea, minhas filhas'
o à Mariana, à Rita e ao André, meus netos
INTRODUÇÃO
Págs.
I. Legisprudência e Jurisprudência 33
Págs.
2. O princípio da legalidade nas Declarações dos direitos huma-
nos e nas Constituições 44
3. A necessidade da perspectiva material jurídico-constitucional
e político-crimmal 45
1." PARTE
O PRINCÍPIO D A APLICAÇÃO
DA LEI PENAL FAVORÁVEL
1.° CAPÍTULO
A PROIBIÇÃO D A RETROACTIVIDADE
D A LEI PENAL DESFAVORÁVEL
(CRP, ART. 29.°, N. os 1-1 ;n PARTE, 3-1." PARTE,
4 - 1 ° PARTE; CP, ARTS. 1.°, N.° 1, E 2.°, N.° 1)
Págs.
I. Caracterização Sumária do Estado Absoluto, sob os Aspectos
Jurídico-Político e Jurídíco-Penal 91
1. Razão de ordem 98
2. À fundamentação jurídico-política acresce a perspectiva polí-
tico-criminal 99
3. A prevenção geral de intimidação (a pena como «coacção psi-
cológica» — FEUERBACH) 99
4. A Escola Clássica ( K A N T e HEGEL) e o princípio da culpa
como fundamento da proibição da retroactividade 100
5. A ultima ratio comum à ratio jurídico-política e à ratio polí-
tico-criminal da irretroactividade: a dignidade da pessoa indi-
vidual 100
6. A persistência da ratio jurídico-política e as oscilações histó-
ricas da ratio político-criminal — A Escola Positiva, dadas a
negação da «culpabilidade» e a desvalorização da «preven-
ção geral», teria levado à negação prática da proibição da
retroactividade, se não fosse a consciência jurídico-política... 103
7. Conclusão: a ratio política de segurança jurídica individual
contra a arbitrariedade punitiva constituiu, constitui e consti-
tuirá um impedimento à subversão do princípio da irretroac-
tividade desfavorável, subversão a que certas e conjunturais
concepções político-criminais poderiam conduzir 105
8. HENRIQUES DA SILVA como exemplo de discernimento jurí-
dico-político e jurídico-penal: apesar da sua adesão à «socio-
logia criminal», manteve-se consciente dos riscos que, para
os direitos individuais, adviriam da renúncia às exigências do
princípio da legalidade penal e, por isso, manteve-se fiel à
proibição da retroactividade in peitts ; 105
9. Crítica da «pena relativamente indeterminada» cuja matriz
ideológica político-criminal se situa no positivismo crimino-
lógico dos fins do séc. xix 108
10. Crítica de uma posição de BELEZA DOS SANTOS, que, em 1 9 3 0 ,
defendia a aplicação da lei em vigor no momento do julga-
mento, mesmo que desfavorável 112
Págs.
2. O critério unilateral da conduta: razões essencias e razões
suplementares 113
3. Os problemas — e respectiva resolução — das condutas típi-
cas «duradouras» (crimes permanentes, crimes habituais, cri-
mes de omissão); ainda os casos do crime continuado, da
comparticipação e da «actio libera in causa» 117
4. As propostas para o caso de a L.N. ser uma lex severior 119
5. A solução imposta jurídico-política e político-criminalmente:
deve aplicar-se a lei antiga, a não ser que a totalidade dos pres-
supostos da lei nova se tenham verificado na vigência desta... 120
2.° CAPÍTULO
A IMPOSIÇÃO D A RETROACTIVIDADE
DA LEI PENAL FAVORÁVEL
(CRP, ART. 29.°, N.D 4-2." PARTE;
CP, ART. 2.°, N.DS 2 E 4, CPP, ART. 371 .°-A)
Pãgs.
JEL, Estado-de-Direito Material; Concepção Preventivo-Etica da
Responsabilidade Penal; Constituição da República Portuguesa
(Aits. I.0,. 18.° e 29.°, N.° 4-2." Parte); Imposição da Retroacti-
vidade da Lei Penal Favorável 134
3." CAPÍTULO
Págs.
6. Referência às posições de B E L E Z A DOS S A N T O S e de
E D U A R D O CORREIA 148
1. Actualidade 198
2. Complexidade: exemplificação 199
3. Relevância jurídico-prática 207
22 Sucessão de Leis Penais
Págs.
B) Pressupostos da questão 208
Pngs.
bb) A tese de que há sempre uma verdadeira
relação de identidade normativo-típica entre
a L A . (geral) e a L.N. (especial), donde a
afirmação da persistência da punibilidade
(JAKOBS, PADOVANI)... Deve ser recusada,
pois contraria os princípios jurídico-políticos
e político-criminais que o regime da sucessão
de leis penais tem que respeitar 222
Págs.
2. Aplicabilidade 244
3. Razões da aplicação da lei intermédia mais favorável 245
4. Conclusão 256
1. Noção 256
2. Pressupostos da caracterização de uma lei penal como lei tem-
porária: situação de emergência e calendarização do termo de
vigência.
Referência aos problemas suscitados pelas leis penais em
branco e sua resolução 256
3. Crítica da corrente distinção doutrinal entre leis temporárias em
sentido restrito e leis de emergência 259
4. O regime especial da lei temporária (CP, art, 2.", n.° 3) não
é uiriá excepção — que seria inconstitucional — ao princípio
da retroactividade da lei penal favorável. — Referência às
leis penais económicas 260
5. A lei temporária pode ser uma lex severior 262
6. Hipóteses de verdadeira sucessão de leis pedais temporárias 267
Págs.
2. Aplicação retroactiva da lei posterior mais favorável 270
3. A ratio jurídlco-política da proibição da retroactividade des-
favorável 271
4. Aplicação do princípio da lei mais favorável às medidas de
segurança não privativas da liberdade para imputáveis 274
4.° CAPÍTULO
Págs.
gado penal com o princípio da retroactividade da lex mitior,
— A clareza e a consistência da argumentação de LUCIANO DE
CASTRO 280
7. Os argumentos de HENRIQUES DA S I L V A contra a excepção do
caso julgado à retroactividade da lei penal mais favorável.... 283
8. BELEZA DOS SANTOS e a denúncia da concepção «fetichista» do
caso julgado penal 283
Págs,
— como Fonte de Injustiça Material Relativa e de Desigual-
dades Evitáveis na Aplicação da Lei Penal Mais Favorável... 296
2." PARTE
1." CAPÍTULO
A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEI PENAL
FAVORÁVEL À SUCESSÃO DE NORMAS PROCESSUAIS
PENAIS MATERIAIS (JURISDICIONAIS, PROCESSUAIS
E DE EXECUÇÃO DA PENA)
Págs.
2. A mesma doutrina e jurisprudência afirmavam o princípio da
aplicação imediata (tempus regit actum) para as normas juris-
dicionais, processuais e de execução das penas 347
3. A consciência jurídico-política e político-criminal vai, pro-
gressivamente, pondo em causa a doutrina tradicional 348
4. Remissão para a prescrição do procedimento criminal. 349
5. A distinção estrutural e funcional entre o direito e processo
penais e o direito e processo civis 350
Págs.
3, A conclusão referida, no número anterior, é corroborada pela
doutrina jurídico-constitucional 365
2.° CAPÍTULO
3.° CAPÍTULO
Págs,
II. Crítica da Atribuição de Natureza Exclusivamente Processual 387
4.° CAPÍTULO
Págs.
2. A inconstitucionalidade da prisão preventiva «ope Iegis» 420
3. O prazo limite da prisão preventiva é absoluto. Assim, a
libertação não pode ficar dependente da prestação de caução.
De igual modo, é inconstitucional estabelecer a prisão pre-
ventiva como alternativa à não prestação de caução, quando tal
resulta da incapacidade económica do arguido em prestá-la 423
BIBLIOGRAFIA 433
INTRODUÇÃO
I. Legisprudência e Jurisprudência
o preceito legal quer abranger como autores apenas aqueles que levam a cabo a
acção através da sua própria pessoa, não através de outrem», e dando como exem-
plos os «arts. 165." e 166.": só quem pratica, por si mesmo, o acto sexual incrimi-
nado pode ser considerado autor».
Observe-se, porém, que este Autor, na 2." edição, de 2007, págs. 305, 771
e seg., 852 e seg„ atenuou muito a sua posição, parecendo reconhecer a inconsis-
tência dogmática e, sobretudo, a ausência de legitimação político-criminal para o tra-
tamento especial destes acriticamente assumidos (por muitos autores) e ditos "crimes
de mão própria" — tratamento que tem tanto de especial como de injustificado.
42 Sucessão de Leis Penais
224; K R E Y (n. 4); RODRIGUEZ MOURULLO, Derecho Penal P.G., Madrid: Civitas
(1977) 9: o princípio da legalidade penal nas suas quatro exigências é «consubstancial
ao Estado-de-Direito»; J. CEREIO M I R , Curso de Derecho Penal Espaiíol — P.G., I,
Madrid: Tecnos (1976), 156: «... um dos pilares fundamentais do direito penal libe-
ral e utn expoente do Estado-de-Direito»,
( 6 ) MEZGER apud C . N E V E S , Direito Penal... (n. 5 ) , 1 0 3 .
(7) Constituição de Maryland (1776), arts. 14 e 15; Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão (1789), art. 8.°; Declaração Universal dos Direitos do
Homem (1948), art. 11°; Convenção Europeia dos Direitos Humanos (1950), art. 7 °
(8) Constituição da República Portuguesa, art. 29°; Constituição da Alema-
nha Federal (Grundgesetz), art. 103-il; Constituição Espanhola, art. 2 5 . ° - l C o n s -
tituição Italiana, art. 25°
(3) Assim, Código Penal Português de 1982, arts. 1° e 2 ° — Lê-se na «Acta
da 2." sessão da comissão revisora do Anteprojecto da Parte Geral», in BMJ, 140
(1964), 272: O princípio da legalidade penal «é uma pedra angular de todo o Código
Penal e fica bem, portanto, à cabeça deste».
— Quanto à data (designação), entendo que é mais correcto designar o CP
vigente por Código Penal de 1983, pois que foi em 1 de Janeiro de 1983 que ele
entrou em vigor e é esta data que deve ser considerada decisiva. Também o CP ale-
mão vigente é designado por Código de 1975 por ter entrado em vigor em 1
de Janeiro de 1975, apesar de a lei que o aprovou ter sido publicada em 2 de Março
de 1974. Todavia, passo a designá-lo por CP de 1982, apenas para evitar confusões,
uma vez que ele é quase sempre referido por CP de 1982.
CAVALEIRO DE FERREIRA (n. 5), 87: «É no princípio da legalidade, que encima
os princípios regedores do Direito Penal, que se verifica mais expressivamente a defesa
do homem concreto e dos direitos que ao homem em si mesmo se reportam».
— Código Penal Alemão (StGB) de 1975, §§ 1 e 2.
— Código Penal Suíço (apesar de datar de 1937), art. 2.
Introdução 45
( I0 ) Assim, entre outros, G.-A. MANGAKIS, «Uber die Y/irksamkeit des Satzes»
nulla poena sine lege», in ZStW (1969), 997-9 e 1006.
— Se nos tivéssemos contentado com um simples reconhecimento formal,
não atendendo à sua verdadeira ratio material, então as medidas de segurança ainda
não estariam sujeitas aos princípios da legalidade e da jurisdicionalidade (CRP,
art. 29.°, e CP, arts. l.°-2. e 2.°-l.).
46 Sucessão de Leis Penais
vância das questões práticas levantadas pela aplicação da lei penal no tempo e
salientam a necessidade de um debate sobre a verdadeira ratio das disposições cons-
titucionais sobre esta matéria.
(13) Referimo-nos à inexistência de uma como que teoria geral e não à abor-
dagem isolada de alguns aspectos do problema, pois que, como veremos na altura
própria, algumas dimensões desta complexa questão têm sido estudadas.
( w ) No âmbito processual penal, o problema tem-se limitado, praticamente, aos
prazos de prescrição do procedimento criminal.
48 Sucessão de Leis Penais
(19) «Do regime penal do cheque sem provisão (Decreto-Lei n.° 454/91, de 28
de Dezembro)», in DJ (1991), 173-197.
(P) «Do regime penal...» (1991), 197.
0») Y. 1° Parte, 3.D cap., m, C, 1.
P ) V. 1.° Parte, 3." cap., HL.
52 Sucessão de Leis Penais
cheque, como crime de cujo tipo legal não fazia parte o resultado
«prejuízo patrimonial», sendo o não pagamento do valor titulado no
cheque pura condição objectiva da punibilidade, eis uma realidade afir-
mada e reafirmada por todos os tribunais, tanto pelos de primeira
instância como pelas Relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça,
mesmo depois do Dec.-Lei n.° 400/82, mas realidade que, depois da
entrada em vigor do Dec.-Lei n.° 454/91, o acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, de 16 de Abril de 1992 f37), vem renegar, quando
afirma: «O certo é que, logo, e — insista-se — sobretudo depois da
intervenção do Dec.-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, o crime de
emissão de cheque sem provisão não pode deixar de ser encarado
como delito contra o património, como delito de dano e como delito
de resultado».
Como comentário, apenas há que dizer que este acórdão carece
de honestidade intelectual ou de memória, pois que — independen-
temente do facto de só a partir do Dec.-Lei n.° 454/91 o crime de
emissão de cheque sem provisão ter passado a ser um crime contra
o património e de resultado — é mais do que evidente que sempre
a jurisprudência anterior ao Dec.-Lei n.° 454/91 considerou este crime
como contra a confiança social na circulação do cheque, e como
sendo irrelevante a existência, ou não, do prejuízo do tomador. Que
o STJ dissesse que a jurisprudência andou enganada durante tantos
anos, vá que não vá; mas que venha negar a evidência da realidade
dos factos, isto é que é inaceitável. Até parece que o STJ estava a
decidir o primeiro caso de emissão de cheque sem provisão depois
da entrada em vigor do Dec.-Lei n.° 400/82!...
Se o acórdão do STJ, de 16 de Abril de 1992, para evitar a
conclusão da despenalização, seguiu o caminho da negação da rea-
lidade jurisprudencial, já o acórdão do STJ, de 7 de Maio de 1992,
e o assento («acórdão de jurisprudência obrigatória») n.° 6/93, de 27
de Janeiro de 1993 (3S), adoptaram — com o mesmo objectivo prá-
0») Cf., p. e., Ac. do STJ, de 5-1-1995, ili CJ - Ac. da STJ, 1995-1, p. 165 ss.;
Ac. da RC, de 6-4-1995, in CJ, 1995-ra, p. 59 ss.
66 Sucessão de Leis Penais
C°) Prova que não é necessária para a configuração do homicídio como homi-
cídio por negligência (simples), pois que, mesmo que não fosse feita esta prova, o
agente só podia ser punido por homicídio por negligência (simples); a punição por
homicídio por negligência grosseira ou grave é que pressupunha e exigia a prova de
que o condutor era habitualmente imprudente.
Introdução 67
à pena, uma vez que a estabelecida pelo n.° 1 do art. 136.° do Código
Penal de 1982 é mais favorável ( 41 ), seria esta a que devia ser apli-
cada (42).
Esta jurídico-penalmente inaceitável qualificação retroactiva do
facto (acidente de viação mortal devido a excesso de velocidade ou
manobra perigosa) como homicídio por negligência grosseira, quando
a lei do momento da prática da conduta o configurava apenas como
homicídio por negligência (simples), resulta da circunstância de os tri-
bunais, também de forma jurídico-penalmente inadmissível, se terem
esquecido de que nunca se pode afastar da sucessão de leis penais e
da consequente ponderação de qual delas é concretamente a mais
favorável precisamente a lei do tempus delicti. Pois que esta é aquela
que, em rigor, define o ilícito e a correspondente culpa, e que só
por razões político-criminais é que poderá vir a não ser aplicada,
quando uma lei penal posterior descriminalizar o facto ou estabele-
cer uma pena mais leve. Portanto, a lei do tempus delicti, a não
haver uma descriminalização da conduta, nunca pode deixar de entrar
na ponderação das leis que se sucedem no tempo.
A jurisprudência (43), embora reconhecendo que o art. 136° do
Código Penal de 1982 só passou a vigorar, para os acidentes de via-
ção mortais, a partir de 1 de Outubro de 1994 (44), acaba, nas suas
revogada a lei especial, tenha lugar a aplicação da lei geral, no pressuposto de que a
conduta em causa preencha todos os elementos de um determinado tipo nela previsto».
Acórdão da RC, de 6-4-95: «Assim e perante o estatuído no artigo 2.°, n.° 2,
do Código Penal, a factualidade, que ficou provada em audiência de julgamento, só
poderá caracterizar-se como criminosa se merecer esta qualificação pela lei penal geral
(Código Penal) que, com a revogação da lei especial (Código da Estrada anterior),
assumira pois a plenitude da sua vigência anteriormente restringida por esta dispo-
sição ou lei'especial».
Introdução 69
(W-B) -yer análise deste acórdão em TAIPA DE CARVALHO, O Crime ... (cit. na
n. 44-A), p. 100 ss.
O 54 " 0 ) Ver análise deste acórdão em TAIPA DE CARVALHO, O Crime ...'(cit. na
n. 44-A), p. 63 ss.
74 Sucessão de Leis Penais
penais». — Ora, se fazem parte do tipo legal (se são elementos típi-
cos) e se são um pressuposto para. que a conduta ilícita possa ser cri-
minalmente punível, então a consequência não pode deixar de ser a
da despenalização criminal de todas as condutas que se tenham con-
sumado antes da entrada em vigor da lei que veio acrescentar esta con-
dição, que, obviamente, não se verificou nessas condutas. E, despe-
nalizadas essas condutas, no exacto momento em que entrou em vigor
a lei que acrescentou à condição, não pode, sob pena de inconstitu-
cionalidade por aplicação retroactiva desfavorável, vir o tribunal res-
suscitar, isto é, recriminalizar essa conduta. Tal seria, para além de
inconstitucional, estar a converter uma condição objectiva de punibi-
lidade numa condição de prosseguibilidade ou de procedibilidade.
Mas foi, precisamente, isto o que o Acórdão fez: transformou aquilo
que ele- próprio considerou uma condição objectiva de punibilidade
numa condição de procedibilidade. Eis, em resumo, uma nítida con-
tradição entre o fundamento e a conclusão-consequência.
(44-F) Ver TAIPA DE CARVALHO, O Crime ... (cit. na n. 44-A), p. 111 ss.
82 Sucessão de Leis Penais
(44-G) Ver TAIPA DE CARVALHO, O Crime ... (cit. na n. 44-A), p. 123 ss.
Introdução 83
pudessem considerar mais conseguidos que os arts. 5.° e 6.° do Código Penal
de 1886; 3 ° — a única novidade, quanto ao conteúdo, foi a inclusão da dis-
posição relativa às «leis temporárias».
Já tem interesse a apreciação dos arts. l."-l. e 2." do código actual.
E sobre estes penso o seguinte: -1.° — se houve um aperfeiçoamento relativa-
mente ao texto dos arts. 1 ° e 3." do Anteprojecto e do Projecto, parece-me
que, em relação aos arts. 5.° e 6 ° do Código Penal de 1886, não hquve melho-
ria significativa nem na forma nem no conteúdo, excepção feita, quanto ao
conteúdo, à inclusão das medidas de segurança e das leis temporárias; 2 ° — não
há razão para não ter incluído num mesmo artigo o disposto nos arts, l.°-l.
e 2. e 2.°; 3.° — o n.° 3 deste art. 2." deveria vir depois do disposto no n.° 4,
pois que a sistematização actua] pode induzir no erro de se pensar que as «leis
temporárias» só podem ser fundamentadoras da responsabilidade penal (crimi-
nalizadoras), quando, na verdade — e para tal já chamava a atenção SIDÓNIO
RITO, na discussão do Anteprojecto — também podem ser apenas agravantes
da responsabilidade penal, sem perderem, contudo, esse carácter de «lei tem-
porária»; 4.° — o texto é prolixo e, à primeira vista, parece contemplar somente
alguns aspectos do problema da alteração temporal da existência e das condi-
ções da responsabilidade penal, quando, na realidade, estão em causa, neste
art. 2.°, outros aspectos, como o da alteração da constituição do tipo legal (47)
e o da alteração das condições (pressupostos) adicionais da responsabilidade
penal (p. e., queixa, prescrição) (4B).
49
F.-CHRISTIAN SCHROEDER ( ) critica a § 2 StGB (artigo do CP alemão-
-federal correspondente ao nosso art. 2°) pela sua falta de clareza, rigor e sim-
plicidade. Esta crítica é, em minha opinião, aplicável ao nosso art. 2.°
Desde logo, contesta SCHROEDER a designação alemã «zeitliche Geltungs-
bereich», isto é, âmbito de vigência temporal, propondo como mais rigorosa a
expressão «Ãnderung der Rechtslage», o que significa alteração da situação jurí-
dico-penal decorrente da entrada em vigor de uma nova lei.
Critica, ainda, a falta de clareza e de rigor da mencionada disposição alemã.
Como exemplar, apresenta o Autor a redacção do § 81 do StGB da ex-RDA.
Vale a pena transcrever este § 81 do Código Penal da extinta República Demo-
crática Alemã, entrado em vigor em 1968:
«(1) Um facto é punido segundo a lei vigente no momento da sua prática.
(2) Leis, que fundamentam ou agravam a responsabilidade penal, não
valem para factos que foram praticados antes da sua entrada em vigor.
3. Certo que houve, mesmo num tal contexto, leis que estabe-
leceram a eficácia só para o futuro (5S); mas não é menos verdade que
tais leis visaram, normalmente, limitar o arbítrio judicial que não o
legislativo. Outra força e objectivo não podiam ter, pois que o poder
político — o rei — estava acima das suas próprias leis, não podendo
por elas ser vinculado.
A insegurança jurídica individual era, deste modo, permanente.
Assim, K R E Y (5S) escreve: o princípio da legalidade penal, até aos fins
do séc. XVIII, tem algo, mas muito pouco, a ver com o princípio «nullum cri-
(®) In H . SECCO ( n . 5 8 ) , 1 5 2 .
(61) Já, em 1786, Pasehoal José MELLO FREIRE tinha apresentado um pro-
jecto de código criminal, inspirado nos princípios da filosofia política e penal ilu-
minista, defendidos por MONTESQUIEU e BECCARIA:
Pode ler-se, com interesse, a Introdução ao (projecto) Código Criminal inten-
tado pela Rainha D. Maria I, 3." ed., Coimbra: Imprensa da Universidade (1844),
xvn-xxxi.
(62) Commentario ao Codigo Penal Portuguez, t. 1, Lisboa: Morando
(1853), 169.
1." Capítulo — A proibição da retroactividade 95
lei penal se pode fundamentar também na separação dos poderes. Este prin-
cípio, que visa também impedir a interferência do legislador na actividade
jurisdicional, seria parcialmente frustrado pela retroactividade da lei desfa-
vorável.
Ora é provável que, nas primórdios da afirmação do'Estado de Direito, o
princípio da separação dos poderes tenha desempenhado um papel importante
na proibição da retroactividade da lei penal, independentemente de a lei nova
ser desfavorável ou favorável.
Todavia, o que não será rigorosamente exacto é referir a separação dos
poderes apenas à proibição da retroactividade da lex severior, uma vez que
esse mesmo princípio e raciocínio levaria, da mesma forma, à proibição da
retroactividade da lex mitior, o que, praticamente desde os princípios do séc. xix,
não aconteceu. Já o paradigmático código penal napoleónico de 1810, art. 4.°,
consagrava a retroactividade da lei penal favorável.
Não se pode, ainda, esquecer que sempre o poder político-legislativo pôde
interferir na actividade judicial, através das medidas de clemência, concreta-
mente através da amnistia.
Diga-se, por fim, que CASTANHEIRA N E V E S acaba por reconhecer que «o sen-
tido comum de garantia que vai associado à não retroactividade criminal tem a
ver sobretudo com a intenção do ius puniendi estadual em ordem a impedir a
incriminação persecutória ou o «arbítrio ex post» nesse domínio».
dos fins das penas e do direito criminal em geral», «o que tem a ver com o actual
neo-iluminismo de recusa de sentidos ético-axiológicos na incriminação, a favor
de uma sua apenas racional funcionalização social, e não menos com o cepti-
cismo que atinge inclusive o princípio da culpa, em que esta se vê relegada
para um sentido que deixa de a referir a um fundamento ético e a reduz tão-sd
a um pragmático limite de punição num quadro de prevenção». «Será sempre
precária a eficácia preventiva'do direito penal se ele não for sustentado pela ética
social e a esta não remeter» ( 70 ).
Tal não significa que oprincípio tenha uma efectiva vigência em muitos
dos Estados, apesar da sua consagração formal.
Eclipses formais do princípio da legalidade e, portanto, do seu corolário
da irretroactividade desfavorável, houve-os no nacional-socialismo e no estali-
nismo C75).
Já inteiramente diferente foi a disposição do n.° 10 da «Proclamação do
Conselho de Controle» das Forças Aliadas, que estabeleceu a punibilidade
retroactiva dos crimes de guerra, dos crimes contra a paz e contra a humanidade
— disposição retomada pela «Convenção Europeia dos Direitos do Homem»
(art. 7.°-2.) —, pois que se tratava, no geral, de factos puníveis pela consciên-
cia universal e mesmo, o que é mais decisivo, pelo direito dos Estados a que
pertenciam os acusados, não sendo a ordem do superior hierárquico causa de
exclusão do crime.
Refira-se, por fim, que a proibição da retroactividade desfavorável não
foi desrespeitada pela legislação com valor constitucional saída do «Movimento
das Forças Armadas». Na verdade, a Lei n." 3/75 apenas atribuiu à «Junta de
Salvação Nacional» a «competência para promover o julgamento dos responsáveis
políticos do regime anterior, que, no desempenho das suas funções, comete-
ram crimes políticos ou comuns previstos e punidos por lei ao tempo vigente»
(art. 10.°-10.).
C75) V., entre outros, PAGLIARO, «Legge Penale nel Tempo», in ED, XXIH,
Strafrecht A.T. 1, Heidelberg: Muller ( 3 9 8 3 ) , 149-50.
1 0 6 3 - 4 ; MAURACH-ZIPF,
104 1." Parte — O princípio da aplicação
C7) Pode afiimar-se que, neste aspecto, há grandes semelhanças entre a posi-
ção do nosso HENRIQUES DA SILVA e do alemão, seu contemporâneo, FRANZ von Liszr
— cf. infra, nota 123; cf. supra, n.° 6 da secção u deste 1° cap.
•Cs) Sociologia... (n. 66), 154-7.
1." Capítulo — A proibição da retroactividade 107
das leis mais suaves_ pódem. _também servir para defender a das leis mais
severas.
a) A lei penal não deve retroagir, diz a escola classica; o criminoso tem j
o direito de ser julgã3õ~pelã"l"éÍ~do tempo em que cometteu o delicto; e um direito |
adquirido, que tem de ser respeitado. • '
Mas, responde FLORIAN, esse pretendido direito é inconciliável na esphera • -. •
do jus penale rigoroso. --' >»• -
O único direito que o criminoso pode ter é ser julgado pelas leis do seu país. •
Aquellè pretendido direito... se é de interesse publico... também não é de
menos interesse social a retroactividade em toda a sua amplitude.
Aqui quem periga é o próprio princípio que dá origem às leis penaes: a con-
veniência e a utilidade sociaes. E deste modo, os clássicos attendem especial-
mente aos .direitos dos indivíduos, esquecendo-se dgs_djreitos_da_s.ocie.dade;
encaram a questão de um modo unilateral.
b) Outro argumento invocado contra a retroactividade absoluta consiste '
na probabilidade de, existindo ella, o legislador por meio de_uma_lei que cria
novas incriminações ou aggrava as existentes, poder fazer perseguições a quem j *—
lhe a^ouwr, - árbitmmmente.. . • \
Responde FLORIAN: Que o perigo invocado e que se pretende evitar não é s, L ,,•...,..
exclusivo da theoria da absoluta retroactividade; com egual critério se poderia -„•<:• > i
prescrever qualquer lei nova que viesse prejudicar adversarios que ainda nao tives- : v- '•
sem delinquido.» (!) — O leitor, tal como eu, deve ter-se quedado interrogativo 'ç<lt
1
e admirado, da mesma forma que H . DA S I L V A , O qual, logo de imediato, inter- ''"'"''"' "'"
vém, contraditando: «Esta observação de FLORIAN não é procedente como facil-
mente se vê. Os adversarios nestas condições podiam evitar facilmente a per-
seguição», não praticando o facto respectivo.
Acrescenta FLORIAN: — Que, se a retroactividade absoluta pôde dar lugar
a perseguição por parte do legislador, como objectam os clássicos, também
a retroactividade da lei penál mais favorável pode dar logar ao vicio opposto:
— o favoritismo.»
Mas FLORIAN, tal como os mais radicais defensores do positivisno crimi-
nológico, sente que a perspectiva preventivo-geral da pena também constitui
um obstáculo à retroactividade da lei penal e, por isso, também tenta, numa lógica
de respeito pela sua exclusiva natureza defensista e preventivo-especial da pena,
argumentar contra a teoria da coacção psicológica de FEUERBACH.
Continuemos o retrato da Escola Positiva tão bem conseguido por HEN-
RIQUES DA S I L V A .
<cc) Ha outra objecção contra a absoluta retroactividade, que é: — appli-
car-se ao delinquente uma lei mais severa, posterior ao seu facto, é injustificá-
V
vel porque o criminoso ainda não soffreu a acção dessa lei, e a coacção psy- ' ~
chologica foi regulada pela lei antigà; ora podemos suppor que', se o augmento . _
do rigor existisse ao tempo do crime, o criminoso não o commeteria.
'•'•V >.!; t
108 1." Parte — O princípio da aplicação
(BO-A) Direito Penal - Pane Geral, tomo I, Coimbra Editora (2007), 105.
112 1." Parte — O princípio da aplicação
(si) Lições de Direito Penal — coligidas por Belmiro Pereira, Coimbra: Neves
(1930), 124-5.
Análoga posição secundarizadora da ratio originária e perene do princípio da
proibição da retroactividade desfavorável é revelada, quando trata das «leis inter-
médias» — Cf. infra, 3." cap,, v.
— Parece, assim, não ser inteiramente exacta — pelo menos no tocante à pri-
meira fase da sua docência — a afirmação de EDUARDO CORREIA (n. 5 ) , 1 2 5 : se
PAULO MERÊA combateu o positivismo, «a BELEZA DOS SANTOS havia, depois, de ficar
a dever-se o mais decisivo esforço para superar totalmente, no que às ciências res-
peita, os quadros do pensamento positivista».
(B2) Assim, RODRIGUEZ MOURULLO (n. 5 ) , 1 2 5 ; PAGLTARO (n. 7 5 ) , 1 0 7 4 ; ENZO
Musco, «Coscienza dell'illecito, colpevolezza ed irretroattívità», in RIDPP, xxv
( 1 9 8 2 ) , 7 9 4 : «para uma correcta aplicação do princípio da irretroactividade e da
sua ratio de garantia é de fundamental importância a determinação do momento do
cometimento do crime»; SCHROEDER (n. 4 9 ) , 7 8 7 , onde considera o «tenipus delicti»
(Tatzeit) como questão Moral .da matéria da irrectroactividáde in peius, acrescentando
que a importância do «tempus delicti» ainda por ninguém foi devidamente investi-
gada. — Nota: embora haja razão nesta afirmação de SCHROEDER, há, todavia, que
não esquecer que ele escreveu isto em 1979 e que, por outro lado, como alemão que
é, referir-se-á quase só, senão mesmo exclusivamente, à doutrina alemã...
1." Capítula — A proibição da retroactividade 113
Por exemplo, seria diferente o critério estabelecido no art. 3.° — e que, neste
momento, nos ocupa — do critério consagrado no art. 119." (prescrição do pro-
cedimento criminal).
Escreve CAVALEIRO DE FERREIRA (84): «Em conclusão, o conceito de tem-
pus delicti tem natureza teleológica; é um conceito normativo que só parcialmente
coincide com a realidade natural. É fixado em função dos fins próprios do
instituto em que essa fixação interessa».
Afirma, por sua vez, PAGLIARO (B5): «Os estudiosos mais recentes tem
salientado, porém, que o problema do tempus commissi delicti não tem sido
equacionado de modo correcto. Os diversos institutos que fazerii referência
ao tempo do crime têm disciplina diferente e exigências distintas. Não se
pode determinar um tempo do delito que seja válido para todos os institutos
penais» ( 86 ).
— Veremos, na 2." Parte, 1.° cap,, iv, 6. e 7., que não são exactas estas
afirmações.
Eis a razão por que pode afkmar-se que a disposição contida no art. 3°
era dispensável, o que não quer dizer que a sua inclusão no novo C. Penal seja
incorrecta. O CP 1886 era omisso quanto a este tempus delicti; todavia, dou-
trina e jurisprudência foram unânimes — como não podia deixar de ser — na
adopção do critério unilateral que o CP 1982 (8B) veio expressamente consagrar.
No sentido da dispensabilidade de tal disposição, C O B O D E L R O S A L e
89
V I V E S A N T Ó N ( ) vão mesmo ao ponto de considerarem a correspondente
norma do direito espanhol (art. 7.° da P.L.O.C.P. e art. 6.° da Proposta de 1983)
como «absolutamente supérflua». Todavia, o novo Código Penal espanhol
de 1995, art, 7 ° , consagrou expressamente o momento da conduta como tem-
pus delicti.
— Ao aspecto da natureza aleatória do resultado fez referência o Autor
do Anteprojecto do novo Código Penal. Assim, na discussão sobre o art. 4.°
(no Código, art. 3 ° ) , respondendo à questão levantada por Guardado Lopes
— questão que consistia em saber se o art. 4.° pretendia estabelecer «uma regra
geral para determinar, em todos os casos, o tempo do delito, ou se o princípio
nele contido vale apenas para a hipótese prevista no artigo anterior [corres-
pondente ao art. 2 ° do Código]» — argumentava: «a norma do art. 4.° procura
valer para todos os casos, e não só em relação ao artigo anterior. A sua justi-
flcação, com este âmbito geral, reside em que o momento do evento, do resul-
tado é aleatório; em direito penal, o que interessa é a vontade manifestada,
porque é esse o momento relevante, para a retribuição, para a perigosidade,
etc. Por isso, a doutrina nele contida deve valer, em princípio, para todos os
problemas e para" todos os efeitos» ( 90 ).
Como breve comentário a esta argumentação, cabe dizer o seguinte: trata-se
de uma fundamentação, em certa medida, superficial, pois que não salienta a
perene e irrenunciável ratio de garantia política da irretroactividade in malam
partem ( s l ) e da necessariamente consequente fixação do tempus delicti no
momento da conduta. Na verdade, mesmo que, por mera hipótese, o resultado
não fosse aleatório, sempre o tempus delicti, para este efeito da não retroacti-
vidade da lex severior, teria de ser p momento da conduta.
Um outro exemplo de uma imperfeita fundamentação da constitucionalmente
necessária coincidência do «tempus delicti» com o «tempus actionis» é-nos
dado por M A U R A C H - Z I P F ( 92 ), quando apenas invocam, como razão da escolha
do momento da conduta, a circunstância de o resultado só muito limitadamente
depender do agente.
De modo que, se só uma parte dos crimes cuja duração se prolonga no tempo foi
realizada sob a vigência da lei nova mais grave, só essa parte pode ser julgada de
acordo com ela. Pode suceder que essa parte baste paia decidir, por exemplo, a habi-
tualidade (v. g., no caso das violências previstas e punidas no artigo 153 do novo
Código — correspondente aos maus tratos «previstos no CP português, art. 152°, antes
dã revisão de 2007 —, desde que, a partir da entrada em vigor deste, tenha sido pra-
ticado um suficiente número de acções). Pode, todavia, suceder que isso não seja
assim. No exemplo apresentado, pode imaginar-se um caso em que um dos actos
de violência tenha sido praticado antes da entrada em vigor do novo Código e ape-
nas dois, depois: nesta hipótese, a pena do artigo 153, mais grave que a do 425 do
Código anterior, não se aplicaria. Com critério análogo há que operar nos demais
casos de crimes cuja duração se prolonga no tempo: para aplicar as consequências
punitivas da lei nova mais grave, é preciso que a totalidade dos actos que constituem
o seu pressuposto, se realize na vigência da nova lei».
(101) Uma vez que um só empréstimo usurário (ou mesmo dois) não confi-
gura «habitualidade» típica, aplicar a L.N. mais grave seria aplicá-la retroactiva-
mente, pois que o respectivo pressuposto criminal não se verificou na vigência desta
lei. — A revisão de 1995 substituiu a agravante «habitualidade» pela agravante
«modo de vida». O que se diz, nesta nota, não significa que eu considere equiva-
lentes os conceitos «habitualidade» e «modo de vida». Penso que este é mais exi-
gente do que aquele e, por isto, haverá muitas hipóteses que, antes da entrada em
vigor do CP revisto, eram usuras qualificadas e que, depois da entrada em vigor da
revisão de 1995, passaram, retroactivamente, a ser tratadas como usura simples.
Cf. infra, 1Parte, tu.
Assim, R . MOURULLO (n. 5), 127-8; ROSAL-ANTÓN (n. 86), 181-2.
122 1." Parte — O princípio da aplicação
são constituiria uma conduta adoptada depois da entrada em vigor da lei cri-
minalizadora,
(I0S) Assim, KREY (n. 4), 2: «A história de cada uma das exigências do prin-
cípio da legalidade é uma exigência do discurso intelectual, pois permite descobrir
a verdadeira ratio e o âmbito de vigência do princípio, o que sem essa investigação
histórica dificilmente se conseguirá, jjpis os institutos jurídicos não são quadros
sem história [«.Rechtsinstitute sind Keme Gebilde ohne Geschichte»].
(10S) Cf. supra, 1° cap., u.
(I07) Neste sentido permanece válida e adequada a célebre expressão de
von Liszr, segundo a qual o princípio da legalidade penai e, portanto, a proibição
da retroactividade desfavorável é a «magna charta do delinquente». — Veja-se,
sobre o sentido originário e actual da expressão, C. ROXIN, «Franz von Liszt y la con-
cepción politicocriminal dei Proyecto Alternativo», in Problemas Básicos dei Dere-
cho Penal, trad. por LuzóN PENA, Madrid: Reus (1976), 59.
126 1." Parte — O princípio da aplicação
quente. Protege... não a colectividade, mas sim o indivíduo que se rebela contra
ela. Garante-lhe o direito de ser castigado... só se se verificarem os pressupostos
legais e só dentro dos limites legais.., O Direito Penal é a infranqueável barreira
da política criminal»,
( I23 ) O cuidado que LISZT teve em não sacrificar as garantias individuais afir- '
madas pelo Estado de Direito Liberal e consubstanciadas no princípio «nullum
crimen», faz-nos lembrar o cuidado que o nosso HENRIQUES DA SILVA também teve
— cf. supra, 1 ° cap., IH, 8 —, apesar da sua adesão a muitas das posições da
Escola Positiva italiana.
132 1." Parte — O princípio da aplicação
parece ter entendido o legislador penal de 1982 que, no art. 2.°, não
as menciona como excepções.
("9) V . SCHROEDER ( n . 4 9 ) , 7 8 9 - 9 0 .
3." Capítulo — Princípio da Lei Penal mais favorável 141
(ii8) Como é sabido,.o art. 6." do CP.1886 referia-se tanto aos crimes como
às contravenções; logo, a considerar-se que o art. 2." do CP 1982 se reporta exclu-
sivamente às sanções penais criminais, tem de se reter como vigente o art. 6° do CP
1886 para as sanções penais contravencionais, por força dos arts. 6°, 1.-1° parte, e 7°
do Dec.-Lei n.° 400/82, que aprovou o Código Penal de 1982.
(149) Cf. supra, 6,1 deste cap.
3." Capítulo — Princípio da Lei Penal mais favorável 147
(151) Cf. infra, v deste 3.° cap., constituindo já este exemplo uma indica-
ção ou mesmo um argumento favorável à ponderação diferenciada e contrário à tese
maioritária da teoria unitária, alternativa ou seja da ponderação em bloco.
(1M) Havendo, ainda, que ter em conta que o prazo de prescrição da pena con-
travencional é nitidamente mais curto que o da pena criminal (cf. CP 1886, art 126.°,
§ 3.°, e CP actual, art. 122°, 1., d)).
3." Capítulo — Princípio da Lei Penal mais favorável 149
Foi o que aconteceu com o Dec.-Lei n." 349-B/83, de 30 de Julho, que con-
verteu várias infracções penais (crimes e contravenções) de natureza monetária,
financeira e cambial em contra-ordenações. — Diga-se, contudo, que o Acór-
dão n.° 56/84, de 12 de Junho, do Tribunal Constitucional (16°) acolheu, atra-
vés de uma fundamentação contraditória — contraditória em si mesma e con-
(16°) Na 3,a Parte da 2." ed., analisámos este acórdão, a propósito da deter-
minação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei penal.
3." Capítulo — Princípio da Lei Penal mais favorável 153
Se, pelo contrário, a lei, que converte a infracção penal era con-
tra-ordenação, estabelecer, por disposição transitória (151), a sua efi-
cácia retroactiva, no sentido de tornar extensivo o seu regime e as coi-
mas respectivas aos factos praticados na vigência da lei antiga
(evitando, assim, a impunidade geral dos factos ainda não julgados),
podem não levantar-se, mas também poderão surgir problemas de
constitucionalidade da norma transitória. — Embora tais problemas
não façam parte integrante do presente estudo, há, todavia, que aler-
tar para dois pontos importantes.
Primeiro: a eventual inconstitucionalidade da atribuição de efi-
cácia retroactiva, quando as sanções, apesar de não terem natureza
penal (coima e sanções acessórias), se traduzirem num prejuízo (sacri-
fício) paia o infractor maior do que aquele que lhe adviria da apli-
( 16i ) Repare-se que uma tal disposição legal, na medida em que contraria o
princípio geral da irretroactividade das leis sobre contra-ordenações consagrado na
lèi-quadro destas infracções (Dec.-Lei n." 433182, art. 3.°), carece de autorização legis-
lativa, sob pena de inconstitucionalidade (orgânica). — Acrescente-se, porém, que,
no caso de «conversão», parece-me evidente que tal autorização já era indispensá-
vel, também pelo facto de tal diploma versar sobre penas, embora no sentido da des-
penalização.
154 1." Parte — O princípio da aplicação
(168) Entre outros estudos, pode ver-se EDUARDO CORREIA, «Direito Penal e
Direito, de Mera Ordenação Social», in BFDUC, XLIX ( 1 9 7 3 ) , 2 5 7 - 2 8 1 ; FIGUEIREDO
DIAS/COSTA ANDRADE, Problemática Geral das Infracções Antieconómicas, Lis-
boa ( 1 9 7 7 ) -r sep. do BMJ, 2 6 2 ; COSTA ANDRADE, «Contributo para o Conceito de
Contra-Ordenação (a experiência alemã», in RDE, 6 / 7 ( 1 9 8 0 / 8 1 ) ; JOSE FARIA
COSTA, « A Importância da Recorrência no Pensamento Jurídico. Um Exemplo: a Dis-
tinção entre Ilícito Penal e o Ilícito de Mera Ordenação Social», in RDE, 9 ( 1 9 8 3 )
— existe separata,
n
162 1." Parte — O princípio da aplicação
nando para o futuro, ainda por outro lado, a categoria das contra-
venções e substituindo-a pela categoria não penal das contra-orde-
nações...» — itálico meu.
Não pode deixar de concluir-se que, quanto à responsabilidade
penal, uma lei que «converte» uma. infracção penal (crime ou con-
travenção) numa contra-ordenação é uma lei despenalizadora e que,
enquanto tal, se aplica retroactivamente. Não se trata, pois, de runa
verdadeira sucessão de leis penais, não intervindo, assim, o princípio
da lex mitior (CP 1982, art. 2.°-4., e CP 1886, art. 6.°-2.a), mas.o prin-
cípio da lei despenalizadora, isto é, extintiva da responsabilidade
penal (CP 1982, art. 2.°-2., e CP 1886, art. 6.°-l.n e 3.a) (171).
são de leis penais, está, como já o temos referido, muito aquém do nosso direito.
3° — Há um salto ilógico, quando estes Autores dizem que a solução, que defende
a aplicação da lei mais favorável, «deve
seguramente defender-se para o caso em que a lei nova mantém a incriminação de
uma conduta concreta embora sob um novo ponto de vista político-criminal», apre-
sentando o exemplo da violação que «era perspectivado, até 1995, como crime con-
tra os fundamentos ético-sociais da vida social, enquanto a Reforma (de 1995) passa
a perspectivá-lo como crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima».
Este exemplo, que é apresentado para tentar demonstrar a manutenção da punibili-
dade, não tem nada que ver com a questão presente que é aquela em que o facto,
que era considerado crime pela lei antiga, passou a ser considerado contra-ordenação
pela lei nova; ora, no exemplo apresentado, o facto era considerado crime (mesmo
que, por força-da sua localização sistemática, fosse correcto considerá-lo como
crime contra a sociedade) e continuou a ser. considerado crime (contra a pessoa),
4." — Da leitura dos Autores parece resultar uma inaceitável (e contraditória com
a doutrina que FIGUEIREDO D I A S , como já o vimos, tem afirmado) conclusão: a de
que, dentro do chamado «direito público sancionatório», a distinção entre infracção
criminal, infracção contra-ordenacional e infracção disciplinar seria apenas uma dis-
tinção de mais e menos, isto é, uma diferença gradual e não material.
(» 2 ) Cf., p. e„ Ac. da RP, de 20-5-1980.
3." Capítulo — Princípio da Lei Penal mais favorável 165
expôs a doutrina conecta: «A coima não é uma multa mais branda... A con-
tra-ordenação não tem natureza penal, é algo de diferente, como o são o ilícito
disciplinar, administrativo ou civil... Estamos em planos e mundos diferen-
tes: o direito de mera ordenação social é autónomo e distinto do direito penal,
como se salienta no preâmbulo do Dec.-Lei n.° 433/82».
Mais errónea, ainda, a doutrina do Ac. do STJ, de 26-11-1986, quando
afirma: a conversão de crime (estava em causa o descaminho de mercadorias
de importação ou exportação não proibidas) em contra-ordenação é um problema
de aplicação da lei mais favorável (CP, art, 2.°-4.); «esta degradação de dois
crimes [referia-se a dois tipos de descaminho] noutras tantas contra-ordenações,
já aponta no sentido de tomar a lei nova como mais favorável... Ê óbvio que
esta convolação cabe nos poderes dos tribunais judiciais [?!], aliás como o
refere expressamente o art. 77.°-l. do Dec.-Lei n.° 433/82, de 27 de Outu-
bro».
Comentário: 1 ° - inadmissível confusão entre L.N. despenalizadora
(no caso, também descriminalizadora) — CP 1982, art. 2.°-2. — e L.N. somente
com pena mais favorável (lex mitior) — CP 1982, art. 2.°-4.; 2.° — falta de
rigor técnico-jurídico, com desconhecimento da própria ratio elementar do
princípio da «separação dos poderes», quando confunde alteração legislativa
na qualificação jurídica de um facto (qualificado pela LA. como crime, pela
LN. como contra-ordenação) com a figura jurídico-processual da convola-
ção (alteração, no decurso do processo, do juízo de subsunção feito na «Acusa-
ção», no «Despacho de Pronúncia» ou no «Julgamento» — CPP então vigente,
arts. 447.°, 4 4 8 ° e 495°) de uma infracção noutra diferente, com base na
mesma lei.
Mas terão adquirido, por força da equiparação-conversão em contra-
-ordenação (Dec.-Lei n.° 232/79, art. l.°-3.), relevância jurídico-contra-ordena-
cional, isto é, converteram-se retroactivamente em contra-ordenações, com a
consequente aplicabilidade das novas e diferentes sanções, as denominadas coi-
mas a aplicar pelos tribunais ou pelas autoridades administrativas, nos termos
do art. 31° do mesmo diploma? — Para começar a resposta, penso que, em rigor,
não se deve falar em «conversão retroactiva», mas sim de aplicação retroactiva
de uma lei que qualifica, para o futuro, determinados factos — que, realmente,
até ao momento da sua entrada em vigor, eram considerados infracções penais —
como contra-ordenações. Agora, então, há que dizer se sim ou não esta lei
das contra-ordenações teve ou não eficácia retroactiva.
A resposta não é fácil, pois que o legislador elaborou um preâmbulo e um
articulado legal que parecem envolver-se em contradição. Vejamos: se, por
um lado, parece resultar do preâmbulo — «...considera-se conveniente sub-
meter, desde já, ao regime deste decreto-lei as contravenções e transgressões pre-
vistas na legislação vigente...» — e, o que mais releva, do n." 3 do art. 1°, dizia,
parece resultar a decisão de aplicar retroactivamente a lei às condutas anterio-
3." Capítulo — Princípio da Lei Penal mais favorável 167
res ao seu início de vigência, já, por outro lado, o art 2.", n." 2, vem lançar a
dúvida, ao afirmar: «O mesmo [i. é, o disposto no n.° 1 do mesmo artigo: «Só
será sancionado como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de
coima por lei anterior ao momento da sua prática.»] valerá para as transgressões,
contravenções... a que se «refere o n.° 3 do artigo anterior. Ora," como é evi-
dente, os factos em causa não eram, no momento em que foram praticados,
sancionados como contra-ordenação e passíveis de coima. Então, a conclusão
poderia ter de ser a de que os factos qualificados como contravenção no «tem-
pus delicti», perderam, não apenas a relevância jurídico-penal (a extinção
desta 6 inquestionável, pois que imposta pelo princípio da eficácia retroactiva
da lei despenalizadora: CRP 1976, art. 29°, 4.-2.° parte; CP 1886, art. 6.°, 1."
e 3.") ( I75 ), mas também toda e qualquer relevância jurídica. É que, na dúvida
razoável, não poderia deixar de seguir-se o princípio gera] da irretroactividade
da lei constitutiva de responsabilidade contra-ordenacional (Dec.-Lei n.° 232/79,
arts. 2.°-l. e 3.°-l.).
Neste momento, contudo, poderá o leitor interpelar-me, perguntando: mas
que interessa, agora em 2008, estar a discutir questões que — bem ou mal —
foram ultrapassadas pela corrida do tempo? — Responderei que, quanto mais não
seja, haverá sempre o interesse pedagógico de alertar para futuras e análogas
situações.
2.° — Problemas relativos às contra-ordenações (as tais condutas que
eram qualificadas de contravenções até 28 de Julho de 1979, mas que, a partir
do Dec.-Lei n.D 232/79, passaram a contra-ordenações) cometidas entre 29
de Julho e 5 de Outubro de 1979. Alegando dúvidas sobre a constitucionali-
dade (orgânica, devida à inexistência de autorização legislativa) dos n.05 3 e 4
do Dec.-Lei n.° 232/79, e referindo dificuldades práticas na aplicação destes
normativos, o Dec.-Lei n." 411-A179, de 1 de Outubro, revogou (também sem
autorização legislativa...) os referidos n.as 3 e 4.
Há que ver quais as consequências jurídicas desta revogação de uma
norma que tinha despenalizado (não esquecer que o n.° 3, que nos ocupa, entrou
em vigor em 29 de Julho) várias condutas e que, simultaneamente, passou a con-
figurá-las como contra-ordenações.
Diga-se, desde já, que as suspeitas de inconstitucionalidade, invocadas
no preâmbulo do Dec.-Lei n.° 411-A/79 a propósito do n.° 3 do Dec.-Lei
n.D 232/79, também, em meu entender, recaem sobre este mesmo Dec.-Lei
ti." 411-AI79: tanto um quanto o outro legislaram sobre matéria penal — o pri-
meiro, despenalizando; o segundo, repenalizando —, para o que careciam de
autorização legislativa (CRP 1976, arts, 167.°-e) e 168.°) que, de facto, não
tiveram ( l7S ).
Todavia, o que é certo é que, até hoje, não foi declarada a inconstitucio-
nalidade nem de um nem de outro.
Escrevi repenalizando apenas porque este tem sido o entendimento juris-
prudencial. Por outro lado, também — quanto eu saiba — a doutrina não
chegou a debruçar-se sobre este problema de grande importância prática.
O Tribunal Constitucional, por sua vez, não foi, segundo penso, chamado a
intervir.
Mas, analisando bem o problema à luz (que não se deve tentar ofuscar)
do princípio da legalidade penal na sua salutar exigência de certeza legisla-
tiva ao serviço da segurança individual, penso que o Dec.-Lei n." 411-A/79
não repenalizou o que tinha sido despenalizado pelo Dec.-Lei n.° 232/79,
art. l.°-3., mas sim «descontra-ordènacionalizou», isto é, extinguiu mesmo a pró-
pria responsabilidade por ilícito de mera ordenação social. Quero dizer: se, num
primeiro momento (29-7-1979:1.V. do Dec.-Lei n.° 232/79, art. l.°-3.), as con-
dutas em causa deixaram de ser contravenções e passaram a ser cúntra-
-ordenações, num segundo momento (6-10-1979:1.V. do Dec.-Lei n.° 411-A/79),
esses factos perderam toda e qualquer relevância jurídica, perdendo também
a natureza de contra-ordenações. Logo: p Dec.-Lei n.a 411-A/79 não repe-
nalizou.
Em minha opinião, o que se passou, em rigor jurídico-penal que se
impõe — e que não pode ser escamoteado para evitar que sobre o legislador
caia, justamente, a imputação do odioso da incompetência ou da negligên-
cia — foi semelhante ao que aconteceu com o Dec.-Lei n." 356-A183, de 2
de Setembro, que, embora inadvertidamente, pura e simplesmente revogou o
Dec.-Lei n.° 349-B/83, de 30 de Julho (que tinha despenalizado certas infrac-
ções de natureza cambial, ao converter as correspondentes condutas em con-
tra-ordenações, tal como, no nosso caso, o tinha feito o Dec.-Lei n." 232/79,
art. l."-3.).
Tanto um (o Dec.-Lei n." 411-AJ79) como o outro (o Dec.-Lei n," 356-A/83)
apenas se limitaram a revogar uma lei (num caso, os n.°s 3 e 4 do art. 1.° do
Dec.-Lei n.° 232/79; no outro, o Dec.-Lei n.° 349-B/83) que tinha convertido
infracções penais em contra-ordenações (sabemos que o Dec.-Lei ri.° 349-B/83
também manteve crimes como crimes, alterando somente a pena, mas isto não
interessa para o nosso caso). Foi só isto o que ambas as leis fizeram e foi
este, portanto, o único efeito jurídico-legal produzido, embora, tanto num caso
como no outro, a intenção do legislador provavelmente, ou mesmo com certeza,
tivesse sido outra: repristinar (e diga-se, para espanto, que o legislador terá,
porventura, pensado numa repristinação ex time, isto é, é capaz de lhe ter pas-
sado pela cabeça que, revogando a lei revogatória — nos casos, aquela que
converteu infracções penais em contra-ordenações, tendo o legislador se esque-
cido de inserir nesta uma disposição que fizesse retroagir a responsabilidade con-
tra-ordenacional, ou, se não se esqueceu, tendo receio de uma eventual decla-
ração da inconstitucionalidade de uma tal disposição —, tudo se passaria, no
mundo do jurídico-penal, como se nunca tivesse existido a lei revogatória, isto
é, aquela que converteu infracções penais em contra-ordenações (?!...)).
Evidentemente que assim não aconteceu e, no caso do Dec.-Lei n," 356-AJ83
— o mesmo se devendo afirmar para o Dec.-Lei n.° 411-A179 —, há motivo para
dizer que, passe a expressão, «a emenda foi pior que o soneto», uma vez que,
se as condutas tinham deixado pela lei anterior (agora revogada) de ser infrac-
ções penais, agora, com a pura e simples revogação da lei contra-ordenacional
(o decreto-lei .que converteu a infracção penal em lícito de mera ordenação
social), as condutas respectivas pura e simplesmente deixaram de ter qualquer
relevância jurídica: não só não voltaram a ser infracção penal como deixaram
mesmo de ser contra-ordenação. E, quando o legislador despertou do equívoco
em que se enredou ao, apressadamente, aprovar o Dec.-Lei ti." 356-A/83 e
tomou consciência de que os princípios do Estado-de-Direito, constitucionalmente
consagrados, não são apenas para serem proclamados ao sabor das conveniên-
cias políticas e pragmáticas, mas são para se cumprir na prática legislativa,
veio tentar resolver — agora de forma juridicamente correcta — a situação de
vazio legislativo sancionatório criada, aprovando o Dec.-Lei n.° 396/83, de 29
de Outubro, cuja função, expressa no texto legal (artigo único), foi a reposição
«em vigor de toda a legislação revogada pelo Decreto-Lei n.° 349-B/83, de 30
de Julho». — O T.C., chamado a pronuneiar-se sobre a constitucionalidade do
Dec.-Lei n." 349-B/83, decidiu-se, correctamente, pela declaração de incons-
titucionalidade (caducidade da autorização legislativa) mas, inadmissivelmente,
decidiu mal quanto à delimitação dos efeitos da declaração de inconstituciona-
lidade.
Em conclusão: ê meu entender que também o Dec.-Lei n.° 411-A/79 não
repristimou a legislação revogada pelo Dec.-Lei n.° 232/79.
Que aconteceu, juridicamente, às infracções de mera ordenação social
cometidas entre 29 de Julho e 5 de Outubro de 1979? — A resposta não pode
deixar de ser a seguinte: perderam toda a relevância jurídica, deixaram de ser
ilícitas. Na verdade, a pura e simples revogação do n." 3 do art. 1." do Dec.-Lei
n.° 232/79 pelo artigo único do Dec.-Lei n.° 411-A/79 fez com que as respec-
tivas condutas deixassem de estar sujeitas ao regime das contra-ordenações,
170 1." Parte — O princípio da aplicação
ponsabilização penal, a tese — válida para outros ramos do direito (178) onde se
decidem conflitos de interesses das partes, como é o caso do direito civil e
mesmo do direito administrativo tout court, isto é, não sancionatório, ramos
do direito em que, p. e., o tribunal não pode recusar-se a decidir com fundamento
em que não existe lei para aquele caso, tendo, como se sabe, de integrar a
lacuna legislativa (CC, arts. 8.°-l. e 10.°) — de que o princípio consagrado no
n.° 4. do art. 7 ° do Código Civil («A revogação da lei revogatória não importa
o renascimento da lei que esta revogara») constitui uma mera presunção rela-
tiva, podendo, como tal, ser afastada, se o intérprete-aplicador entender que foi
intenção do legislador a repristinação da norma.
A exigência de certeza na fundamentação da responsabilidade penal não
pode ficar dependente de auscultações da vontade do legislador, de considera-
ções de (ir)razoabilidade do legislador, da necessidade de recorrer à leitura dos
preâmbulos, etc. Nãoí Uma norma penal revogada é uma norma inexistente;
só mediante o articulado legal pode voltar, ex novo, a ser lei, a ser direito
penal vigente, a ser fonte de responsabilidade penal.
Ora como tal não aconteceu — o art. único do Dec.-Lei n.° 411-A/79
reza apenas: «são. revogados os n.0! 3 e 4 do artigo 1,° do Decreto-Lei n.° 232/79,
de 24 de Julho» —, deve concluir-se que as normas sobre contravenções puní-
veis com multa revogadas em 29 de Julho de 1979 permaneceram ou perma-
necem revogadas até ao dia em que uma lei, respectivamente, as tenha vindo
ou venha a repor em vigor ou a, autónoma e singularmente, descrever e san-
cionar como contra-ordenação, crime ou contravenção.
— Mas mesmo que se entendesse que o Dec.-Lei n." 411-A179 ressus-
citou as normas penais revogadas pelo n.° 3 do art. 1° do Dec.-Lei n.° 232/79
— o que, como demonstrei, é de contestar —, ainda assim, não se poderia
considerar arrumado o problema.
Na verdade, se o Dec.-Lei n.° 232/79, ao despenalizar as condutas a que
se refere o n.° 3 do art. 1.°, estava ferido de inconstitucionalidade (CRP 1976,
arts. l67.°-ej e 168°), não menos ferido estava o Dec.-Lei n.° 4U-A179, ao
repenalizar, isto é, ao (re)converter em infracções penais (contravenções) con-
dutas que (já) não o eram (CRP 1976, art. 167 °-c) e e)), sem a devida autori-
zação legislativa (CRP 1976, art. 168.°). Não pode, de forma alguma, menos-
prezar-se três aspectos decisivos no sentido da inconstitucionalidade (orgânica)
deste Dec.-Lei n." 411-A/79; a lei que (re)converte uma contra-ordenação em
Para uma crítica adequada dos três argumentos (literal, histórico e teleo-
lógico) do T.C., veja-se a contra-argumentação do Conselheiro V I T A L MOREIRA,
na sua declaração de voto. — Pena foi que V I T A L M O R E I R A não tivesse extraído
da sua argumentação a lógica conclusão de que a jurisprudência do T.C. era
eirada. Talvez que, como ele sugere, tenha sido levado a aceitar tal interpre-
tação pelo facto de pensar que tal questão estava a caminho de perder inte-
resse, tendo em conta que as «sentenças de morte das contravenções» por parte
do legislador ordinário eram tantas que jamais o Governo criaria qualquer con-
travenção. — A realidade foi diferente...
3." — Embora pensasse que o termo «penas» da al. c) compreende tanto
as penas criminais como as contravencionais, quer sejam de prisão ou multa,
pode, contudo, sem violação das garantias fundamentais do cidadão, aceitar-se
que o referido termo se referia somente às penas criminais. O que já constituía
grave violação dessas garantias fundamentais era só incluir na reserva da al. b)
(«liberdades») as penas contravencionais de prisão, considerando o Governo
competente para estabelecer penas contravencionais de multa. Não podia secun-
darizar-se o facto de a condenação em multa — seja por crime seja por con-
travenção — ter de ser feita em alternativa com prisão.
— Sobre a lei-quadro das contravenções, acrescente-se que seria absurdo
no mínimo estranho, reservar à A.R. a competência para definir o regime geral
das contra-ordenações e não fazer o mesmo relativamente ao regime geral das
contravenções.
Aos que questionavam por que é que, então, o legislador constituinte
de 1982 o não fez relativamente às contravenções, quando é certo que o fez rela-
tivamente às contra-ordenações (CRP 1982, art. 168°, 1., d)), respondi que tal
se deveu ao facto de tal se entender inútil, na medida em que, como já salien-
támos, a doutrina maioritariamente e o legislador (nos «preâmbulos» de várias
leis), desde 1979, vir, repetidamente, declarando que a figura jurídico-penal
das contravenções era uma espécie em vias de extinção. Assim, correlativamente
à afirmação da figura das contra-ordenações, verificou-se a negação (ao nível das
intenções) das contravenções.
Digamos que, se o primeiro argumento poderia ser discutível, já me pare-
ceram absolutamente inquestionáveis os dois seguintes; donde a consequência
jurídica icrecusável de que o Dec.-Lei n." 411-AI79 era inconstitucional. Só com
autorização legislativa, o Governo podia legislar em matéria penal com a enorme
amplitude com que o fez neste Dec.-Lei.
Note-se que o Dec.-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, em nada interferia
com este problema: constituiu, e constitui, uma pura lei-quadro dos ilícitos de
mera ordenação social. Por outro lado, o Dec.-Lei n.° 400/82, de 23 de Setem-
bro — que aprovou o Código Penal vigente —, também em nada contende com
o problema, pois que no seu art. 7 ° salvaguardou da revogação do CP 1886 todas
as normas, neste contidas, referentes ao regime geral (lei-quadro) das contra-
174 1." Parte — O princípio da aplicação
venções (p. e., arts. 3.°, 6.°, 25.°, 123.°) e às singulares infracções penais
contravencionais especificadas (descritas e sancionadas) no CP 1886 (p. e.,
art. 185,°-§ 3°), que, obviamente, ainda não tivessem sido revogadas.
Em resumo: o único diploma legal que poderá ter tentado repor em vigor
as normas sobre contravenções, revogadas pelo Dec.-Lei n.° 232/79, art. l.°-3.,
foi o Dec.-Lei n." 411-Â/79. Todavia, mesmo que esta possa ter sido a inten-
ção do legislador ( 182 ), em matéria de fundamentação da responsabilidade penal,
a presunção legal de não repristinação das normas fundamentadoras desta res-
ponsabilidade só poderá ser ilidida por uma expressa e formal norma jurí-
dico-penal. Ora, como vimos, tal não aconteceu.
Mas, mesmo que se entenda — o que, repito, contesto, pois tal entendi-
mento afrontaria, violaria o princípio da legalidade penal no seu postulado de
certeza jurídica na criação de responsabilidade penal — que houve repristinação,
ergue-se, então, o problema da inconstitucionalidade do Dec.-Lei n." 411-AI79,
tal como da do n.° 3 do art. 1." do Dec.-Lei n.° 232179. Ambos legislaram,
embora em sentidos contrapostos (revogação-despenalização-este; repristina-
ção-repenalização-aquele), sobre o regime geral das contravenções sancioná-
veis com pena de multa.
Parece-me evidente, face à CRP 1916, que, se o n.° 3 do art. 1." do
Dec.-Lei n.° 232/79 carecia — e, como já disse, carecia, pois tratou-se, não de
revogar uma ou outra norma contravencional, mas sim de revogar em bloco
todo o regime geral (processual e sancionatório) das contravenções sancionáveis
com multa, retirando-lhes a sua dignidade penal e, portanto, extinguindo a res-
ponsabilidade penal de um conjunto indeterminado de condutas (CRP 1976,
arts. 167Se) e 168.°) — de autorização legislativa, também, e mesmo por maio-
ria de razão, o Dec.-Lei n." 41 l-A/79 é inconstitucional, visto que só mediante
uma autorização legislativa — que não teve —, poderia fazer (re)entrar em
vigor todo esse mesmo conjunto de normas fundamentadoras e processadoras de
responsabilidade penal ( !83 ).
Por tudo isto, o Dec.-Lei n.° 41]-A/79 não apenas violou a alínea e)
— («Definição de... penas...» — como também a alínea c) — «... liberdades...»
(não se pode menosprezar o então e ainda vigente art. 123." do CP 1886: a
condenação por contravenção punível com multa tem de conter a alternativa em
prisão) — do art. 167,° da CRP 1976.
Fica-nos, em conclusão final, o seguinte cenário: ou se aceitava que o
Dec.-Lei n.° 411-AJ79 não repôs em vigor as normas contravencionais revoga-
das pelo Dec.-Lei n." 232/79, art. l.°-3., continuando a aplicar-se normas ine-
xistentes; ou, aceitando-se que o Dec.-Lei n.° 411-A/79 repristinou ex nunc
(isto é, a partir da sua entrada em vigor: 6 de Outubro de 1979) as normas
contravencionais revogadas pelo anterior Dec.-Lei n.° 232/79 — tese que, como
expliquei, eu contesto — então, permanecia actual e com interesse jurídico-prático
relevante o problema da inconstitucionalidade do Dec.-Lei n.° 411-A/79 e, tam-
bém, do n.° 3 do art. 1.° do Dec.-Lei n.° 232/79.
Diga-se que o acolhimento da tese de que o Dec.-Lei n.° 411-A/79 não
repristinou as normas contravencionais (com a inevitável consequência de que,
a partir de é de Outubro de 1979, as respectivas condutas perderam relevância
jurídica) tornava também, como é evidente, de interesse jurídico o problema da
inconstitucionalidade.
Quanto aos efeitos da declaração da inconstitucionalidade, diga-se, desde
já, o seguinte: vencendo — como deveria vencer — a tese da não repristinação,
o Tribunal Constitucional — no respeito dos princípios fundamentais da segu-
rança jurídica individual, que constituem a ratio da proibição da retroactivi-
dade da lei penal desfavorável (neste caso, penalizadora) — deveria estabelecer
a repristinação das normas penais contravencionais apenas ex nunc, isto é, a par-
tir do dia seguinte ao da publicação, no Diário da República, da declaração
de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, baseando-se no n.° 4. do
art. 282.° da CRP; já, no caso de aderir à criticável tese da repristinação das nor-
mas contravencionais por força do Dec.-Lei n.D 411-A/79, então poderia esta-
belecer a repristinação das normas contravencionais ex tunc (29 de Julho
de 1979), de acordo com o princípio geral contido no n.° 1 do art. 2 8 2 °
da CRP 1982, uma vez que tendo-se já extinguido, por cumprimento ou por pres-
crição, a responsabilidade decorrente das condutas praticadas entre 29 de Julho
e 5 de Outubro de 1979 — a declaração de inconstitucionalidade, com efeitos
ex tunc não surpreende, não afectava a segurança jurídica.
Feita esta observação histórica (que não deixa de ter algum inte-
resse para a nossa questão actual), vejamos, então, como resolveu o
Legislador de 2006 a dita conversão das contravenções e trans-
gressões em contra-ordenações.
ção?». E, imediatamente a seguir, afirma: «Esta última tese tem sido defendida maio-
ritariamente em várias situações que envolveram a substituição de crimes (ou con-
travenções) por contra-ordenações»; e, acto contínuo, diz que esta tese «assenta
numa contradição: por um lado, pressupõe a aplicação ao direito de mera ordena-
ção social das regras essenciais que disciplinam a aplicação no tempo da lei penal
— proibição de retroactividade in pejus; prescrição de retroactividade in melius —,
aplicação que, na verdade, ê expressamente imposta pelo artigo 3 ° do Regime do
Ilícito de Mera Ordenação Social (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27
de Outubro); por outro lado, ignota que esta comunhão deregimeresulta,obviamente,
de estarem em causa dois ramos do direito sancionatório público contíguos, par-
cialmente subordinados aos mesmos princípios, constitucionais (no plano material e
de fonna implícita, por força do artigo 18.°, n. 2; no plano processual e de forma
explícita, por força do artigo 32°, n.° 10, da Constituição).».
— Como creio já o ter demonstrado, esta suposta (por Rui Pereira) contra-
dição não existe. Desde logo, porque os defensores desta tese (em qiie me incluo)
não dizem nada que o direito de "mera" .ordenação social está, em matéria de apli-
cação da lei no tempo, sujeita aos mesmos princípios do direito penal; portanto, a
contradição resulta más é de uma suposição (que não corresponde à realidade) deste
Autor. Em segundo lugar, parece que, para Rut PEREIRA — embora tião o diga —
não há uma distinção qualitativa ou material entre direito penal e direito cje mera orde-
nação social. Mas, defenda ou não uma diferença material entre estes dois ramos
do direito público sancionatório, o que é inequívoco é que o regime substantivo e
processual destes dois sectores jurídicos é claramente diferente, não só no plano do
direito ordinário como também no constitucional (penso que não terá sido por mero
lapso que o art. 29° da CRP não se refere às contra-ordenações ...). Não quero com
isto dizer que o dito "direito de mera ordenação social" é um direito de "bagatelas"
sociais; e tanto assim é que eu, no meu livro Direito Penal — Questões Fundamentais,
2003, p. 157 ss., critico, por inadequada à relevância de muitos dos valores ou bens
jurídicos protegidos por este ramo do direito sancionatório, a utilização do qualifi-
cativo mera. Em conclusão, a minha posição é clara: no nosso ordenamento jurí-
dico vigente, há uma diferença material entre o direito penal e o direito de "mera"
ordenação social — diferentemente da posição de Rui PEREIRA, que, no mínimo,
parece ambígua; diferentemente do que este Autor afirma, a posição que ele critica
— e que eu, como vários outros (doutrina e jurisprudência), defendo — não pres-
supõe a aplicação ao direito de "mera" ordenação social das mesmas regras que
regem a aplicação da lei penal no tempo; sendo, como este Autor diz — o que eu
não contesta —, o direito penal e o direito de mera ordenação social «ramos do direito
sancionatório público contíguos», não acha que o qualificativo (rectius, depreciativo)
mera é desapropriado?
Não querendo, de modo nenhum, cansar o leitor, devo, porém, dizer que, pelo
menos para mim, os seguintes cinco parágrafos literários apresentam-nos uma grande
confusão ou mistura entre tribunais e autoridades administrativas, entre processo
penal e processo contra-ordenacional, ficando-se com a sensação de que, afinal,
direito penal e direito de ordenação social é "farinha do mesmo saco".
Depois de tudo isto, vejamos qual a conclusão que o Autor tira como sendo
a única e evidente: «A posição exposta é a única que assegura que o Estado de
direito não permite "amnistias" fraudulentas, não aprovadas democraticamente
segundo o método imposto pela Constituição.»! E esclarece, advertindo: «Frise-se
ainda que o entendimento contrário obsta a que o legislador possa transformar um
crime em contra-ordenação sem abrir a referida brecha sancionatória. Nenhuma
solução legislativa (ressalvada uma revisão constitucional) logra evitar a ilegítima
"amnistia" que tal entendimento postula, por ocasião da conversão de um crime
em contra-ordenação.»!...
— Já o dissemos: é evidente que, se o Legislador for competente e prudente,
não há nada "brechas sancionatórias" ou "amnistias ilegítimas".
Rui Pereira termina este apartado, dedicado ao que designa por "sucessão de
regimes", criticando a posição [digamo-lo, correcto, como, em texto, procurei demons-
trar] que o Supremo Tribunal de Justiça (no Acórdão de 9 de Maio de 2002 — pro-
cesso 02P628) tomou nesta questão da lei que "converte" um crime em contra-
-ordenação, escrevendo: «É certo que uma norma transitória clarificaria, nestes casos,
o regime a aplicar no caso de sucessão de leis. Todavia, tal norma não pode ser
necessária nos termos adiantados pelo Supremo Tribunal de Justiça, que, na verdade,
envolvem uma contradição: se não há sucessão de leis, a nova lei não pode pretender
aplicar-se retroactivamente, sob pena de violação do próprio artigo 2." da Constituição:
a ideia de Estado de direito democrático é incompatível com a atribuição de eficá-
cia retroactiva a uma lei que cria um novo ilícito; essa eficácia retroactiva só é
possível por haver uma verdadeira sucessão de leis e se impor a aplicabilidade
retroactiva do regime mais favorável.».
— Mas quem disse que não há sucessão de leis?! Resposta: nem o disse o STJ,
nem o digo eu ou aqueles que defendem a posição que foi adoptada pelo Supremo.
Ê claro que há uma sucessão de leis-, a lei (antiga) penal que qualificava o facto x
186 1." Parte — O princípio da aplicação
(no caso concreto, o consumo de droga) como crime; e a lei (nova) que veio qua-
lificar o mesmo facto x como contra-ordenação. Ninguém está a falar da situação
em que o facto x não era considerado crime, nem contra-ordenação, e, em determinada
data, entrou em vigor uma lei a qualificâ-lo como contra-ordenação; pois que é evi-
dente que seria inconstitucional atribuir eficácia retroactiva a esta lei, visto que,
embora não seja uma lei penal, não deixa de ser uma lei punitiva e, portanto, res-
tritiva de direitos fundamentais.
O que é necessário — e que está longe de existir tanto nesta transcrição como
nas anteriores — é clareza e precisão, fi necessário, por exemplo, separar a suces-
são de leis punitivas de diferente natureza (lei penal/lei contra-ordenacional, ou
vice-versa) da sucessão de leis penais (lei penal/lei penal).
(183-D) g e e s t e fosse, em matéria de punição, o ponto fundamental, então tería-
mos de acolher a tese da Escola Clássica (cfr., supra, 1capítulo, IH, 8, e 2.° capí-
tulo, I, 3) que, a partir da sua radical concepção ético-jurídica e ético-retributiva da
norma punitiva e da sanção, defendia que a única lei que devia ser sempre aplicada
é a que estava em vigor no momento em que a conduta ilícita foi praticada.
(183-E) Exemplo este a que FIGUEIREDO D I A S (Direito Penal, Parte Geral, I,
Coimbra Editora, 2007, p. 200 s.) atribui um efeito arrasador da posição que eu
supostamente — pois que, como já o demonstrei, nunca defendi a iiretroactividade
(absoluta) da lei que converta um crime em contra-ordenação — defenderia, dizendo
(apesar do parco desenvolvimento que a esta importante questão prática dedica):
«o exemplo demonstra por si só que o ponto de vista correcto é o de qúe o facto
que deixou de ser crime e passou a contra-ordenação deve continuar a merecer san-
ção contra-ordenacional». — A expressão «deve continuar» não é correcta, pois
pressupõe que a conduta, no momento em que foi praticada, era considerada con-
tra-ordenação, quando, obviamente, configurava mas é crime. Logo, em vez de
«deve continuar a merecer sanção contra-ordenacional», deve dizer-se: deve passar
a merecer sanção contra-ordenacional.
que vai na direcção da que ele defende nesta matéria, parece-me oportuno dizer
algumas palavras sobre o que CRISTINA MONTEIRO escreveu.
A primeira observação a fazer é a de que, enquanto FIGUEIREDO D I A S escreve
que «A questão, como facilmente se intui, constitui verdadeiramente problema de
direito contra-ordenacional e não penal — pois, com a descriminalização, a conduta
deixou de ter relevância penal» [itálico meu], já, diferentemente, CRISTINA MONTEIRO
defende a estranha posição de que uma lei, que converte em contra-ordenação uma
conduta até aí qualificada como crime, é uma lei descriminalizadora, mas não des-
penalizadora, acrescentando (diferentemente do que diz Figueiredo Dias) que, numa
tal hipótese, se deve aplicar o n.° 4 do art. 2 ° do Código Penal!...
Vejamos, então, a estranha posição defendida por CRISTINA MONTEIRO.
Logo após ter, correctamente, considerado que a Lei n.° 30/2000 descrimina-
lizou o consumo de drogas, ao revogar o art. 40.° do Dec.-Lei n.° 15/93, escreve o
seguinte: «Para que as coisas fiquem claras, definamos conceitos: há descriminali-
zação quando uma lei nova deixa de incriminar certos factos previstos numa lei
anterior. O que antes era crime deixa agora de o ser.». — Observação: nisto,
parece que estamos todos de acordo.
Mas, acto contínuo, e no contexto de um sistema punitivo integrado apenas por
crimes, contra-ordenações e ilícitos disciplinares públicos (excluídas, portanto, as con-
travenções), afirma, para que as coisas fiquem bem claras — como começou por
salientar — o seguinte: «A despenalização dá-se nos casos em que uma lei nova con-
tínua a considerar uma conduta como crime, mas submete-a a uma punição mais leve
do que aquela que resultava da lei anterior.». — Observação: com isto é que eu
(e penso que a generalidade da doutrina e da jurisprudência) não posso, de forma
alguma, estar de acordo. Sem quaisquer delongas, basta objectar, perguntando: se
a lei nova continua a considerar o facto como crime, como é que é possível, que sen-
tido tem dizer-se que houve despenalização?! Que magia possibilitará a convivên-
cia, a compatibilização destas três categorias, destas três afirmações: continua crime,
foi despenalizado e continua a ser punido (embora mais levemente)? Se continua
crime, que nome é que se há-de dar à sanção a aplicar-lhe?... Será que o Código
Penal (depois do afastamento das contravenções) não é sinónimo de Código Cri-
minal?... Embora logo a primeira disposição do Código Penal (art. 1°, n.° 1) fosse
desnecessária (pois parece evidente que crime implica pena, e pena pressupõe crime),
não vamos dizer que tal disposição "mente", quando proclama: «Só pode ser punido
criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao
momento da sua prática.». Análoga implicação biunívoca é estabelecida pelo Regime
Geral das Contra-ordenações, que, logo no art. 1 afirma: «Constitui contra-orde-
nação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine
uma coima.».
E, depois de mal definido o conceito de despenalização e da "tentativa" da sua
autonomização face ao conceito de descriminalização, entra em contradição, quando,
a seguir, escreve: «A degradação de um crime em contra-ordenação insere-se na pri-
188 1 ° Parte — O princípio da aplicação
Uma última palavra para dizer o seguinte: todos ou, pelo menos,
a maior parte destes problemas poderiam ser resolvidos com a inclu-
são, no Regime Geral das Contra-Ordenações (.Decreto-Lei
n.° 433182), de um art. 3."-A, que, na linha do que já disse em
comentário à Decisão do Tribunal de Vila do'Conde, estabelecesse
o regime aplicável à conversão de um crime numa contra-ordenação
e vice-versa.
De tudo isto (que, diga-se, pouco tem que ver com os argu-
mentos invocados pelo Tribunal de Vila do Conde, os quais o Tribunal
Constitucional tinha obrigação de refutar) resulta, segundo o enten-
dimento do Tribunal Constitucional, que «há-de concluir-se que o
tratamento que lhe deve ser conferido há-de ser o correspondente às
contra-ordenações» — conclusão que "esquece que o n.° 1 do
artigo 20° da Lei n.° 25/2006 (cuja disposição é exactamente igual
à do n.° 1 do artigo 36° da Lei n.° 30/2006, de 11 de Julho) manda
aplicar o «regime que concretamente se mostrar mais favorável ao
agente», o que pressupõe e significa que, para o legislador ordinário,
até pode ser o regime penal.
C) Contra-Ordenação -» Crime
Exemplifiquemos:
a) A L.N. suprime o elemento típico «que constituam perigo
para a saúde» que constava da L.A. que descrevia, assim, o tipo
legal: «a venda de bens impróprios para consumo, que constituam
perigo para a saúde» será punida... — Tendo A praticado o facto
previsto na L.A. e na vigência desta, pergunta-se se o facto de
A continua a ser punível pela L.N., i. é, se há entre as duas leis uma
verdadeira sucessão, caso em que intervirá a aplicação da lex mitior
(CP, art. 2.°-4.). — Como é evidente, a resposta é afirmativa.
b) A L.N. altera o tipo legal de crime de aborto, baixando a
idade do feto de 4 para 3 meses. — Supondo que B interrompeu, na
vigência da LA., uma gravidez de 5 meses, e que vem a ser julgado
(189) Não pode esquecer-se que o facto de também ter havido alteração do pre-
ceito sancionatório não pode afectar a metodologia da resolução. Assim, a pri-
meira fase continua a passar pela resolução da questão prévia, que consiste em
decidir se se está perante uma lei nova descriminalizadora ou criminalizadora (ou:
desqualificadora ou desprivilegiante) ou perante uma verdadeira sucessão de leis
penais. Só nesta segunda hipótese é que se colocará, numa segunda fase, o problema
da lei mais favorável de entre a LA. è a L.N.
202 1 ° Parte — O princípio da aplicação
0?°) Na R.FA., a modificação, operada pelo novo CP (SlGB, § 250 I) das cir-
cunstâncias do tipo legal de roubo qualificado (Schewerer Raub) deu origem a um
relativamente amplo debate doutrinal sobre esta matéria da sucessão de leis penais
que alteram a constituição do tipo legal. A tais posições me referirei.
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 203
(191) No exemplo, aparece a L.N. como tendo entrado em vigor antes do trân-
sito em julgado; diga-se, porém, que o problema se colocaria, mesmo que já tivesse
ocorrido o caso julgado, desde que ainda não se tivessem extinguido todas as con-
sequências penais derivadas da condenação.
(192) E de sucessão de leis penais que, hic et nunc, curamos, e não da «con-
versão» de uma infracção penal numa contra-ordenação ou vice-versa. Para estas
hipóteses, v. B e C da secção anterior (n).
204 1 ° Parte — O princípio da aplicação
poítanto, uma sucessão de leis penais stricto sensu (195) — com a con-
sequente aplicação da lex mitior —, continuariam a afirmar a aplicação
da L.N., isto é, continuariam a valorar, retroactivamente, como típica
uma circunstância que, no momento do facto, o não era?
Não parece abusivo pensar que a posição destes Autores visa
impedir a impunidade de certos factos que seria absurdo não
punir (196). Mas este absurdo já não existe e, portanto, não parece
necessário constranger, por pouco que seja, os princípios e as ratio-
nes jurídico-políticas e político-criminais — valorando, retroactiva-
mente, como típica uma circunstância que o não era —, quando o
dilema já não é entre impunidade (despenalização) e punição (con-
tinuação da punibilidade) mas entre pena mais leve e pena mais
pesada.
— dimensão que este Autor afirma necessária ao lado da formal —, sempre que as
circunstâncias especializadoras (não tipicamente relevantes no momento do facto) já
fossem, na vigência da E.A., circunstâncias relevantes para a determinação da pena
concreta. — Penso que tal posição — que cai no desvio dogmático jurídico-penal
já cometido pelo BGH (na decisão de 1 0 - 7 - 1 9 7 5 , que foi vivamente criticada por Tie-
demann — cf. infra, nota 206) quando este menosprezou a distinção entre circuns-
tâncias típicas qualificadores e circunstâncias gerais — é de rejeitar.
(WS) PADOVANI ( n . 1 6 3 ) , 1 3 7 3 - 7 .
(196) CF. JAKOBS (n. 1 0 3 ) , 8 6 . —
Reconheço que esta hipótese da passagem
de crime de perigo abstracto a crime de perigo concreto poderá ser uma das que pode-
rão constituir uma excepção à orientação por mim defendida na subseção D desta
secção nr.
206 1 ° Parte — O princípio da aplicação
(197) Seria esta uma das hipóteses em que, provavelmente, também JAKOBS
— apesar da sua tese da persistência da punibilidade, quando a L.N. é uma lex
specialis faee à L.A. (lei do momento do facto) — defenderia a despenalização da
conduta de F, apelando ao facto de à identidade formal entre a L.N. e a L.Á. não
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 207
corresponder a também, segundo ele, necessária identidade material, uma vez que
o objectivo da LM., isto é, da circunstância limitadora da punibilidade (a utilização
do hospital, para a prática do aborto) — Regelungszweck — é diferente do único
objectivo da L.A.: o desta era apenas proteger a vida intra-uterina; o da L.N. é,
para além da garantia quanto à idade do feto, o de proteger a vida da grávida.
— Diga-se, de passagem, que os princípios referidos em texto conduzem à
mesma solução, sem ter de recorrer a um critério tão difuso e gerador de incerte-
zas como é o da identidade material.
(198) Não referi o n,° 2 do art. 2.° do CP, embora, inequivocamente, esta
hipótese de despenalização — como qualquer outra — seja pela ratio dele abrangida.
Acontece que mais uma vez se confirma a crítica que fizemos à imperfeita redac-
ção deste artigo. — V. supra, 1." Parte, n.D 1.
208 1 ° Parte — O princípio da aplicação
B) Pressupostos da questão:
que cabe à lei penal, função que tem como corolários, nomeada-
mente, a proibição da retroactividade penal desfavorável e a deter-
minabilidade da conduta (proibida ou imposta) sancionada penal-
mente; potencia situações de injustiça relativa, na medida em que,
p, e., na passagem de tipo legal de crime de perigo abstracto- a tipo
legal de crime de perigo concreto, se a L.N. entra em vigor depois
do julgamento da matéria de facto, a decisão de extinção da res-
ponsabilidade penal (despenalização) ou de aplicação da lex mitior
dependerá do facto aleatório de se ter provado ou não uma circuns-
tância que, no momento da discussão da questão-de-facto, não era
ainda considerada elemento constitutivo do tipo legal mas que, pos-
teriormente, o veio a ser f205); finalmente, um tal critério, que esquece
a dimensão normativa do tipo legal, impediria a extinção da res-
ponsabilidade penal mesmo em relação a factos concretos cuja des-
penalização, por força da L.N., corresponde às mais elementares exi-
gências de justiça e de política criminais (20S).
ficação da circunstância «armado» visava proteger, era o mesmo que visava prote-
ger a anterior tipificação da circunstância «na via pública»: em ambos os tipos
visar-se-ia a tutela da liberdade da vítima do roubo; já, posteriormente, decidiu-se
pela desqualificação retroactiva do roubo na via pública — respondendo o respec-
tivo infractor por roubo simples —, pois considerou o BGH que (afinal) a ratio da
agravação do roubo na via pública não era tutelar a liberdade da vítima do roubo mas,
sim, a paz do caminho, a paz pública.
(™) TIEDEMANN ( n . 2 0 2 ) ; MOHRBOTTER ( n . 1 3 0 ) , 9 2 3 s s . ; M A U R A C H / Z I P F
(n. 71), 154; JESCHECK, Lehrbuch des Strafrechts A.T., Berlin: Duncker y Humblot
(1978), 110, nota 37.
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 213
(2») «Vaga valoração» (vage Wertung) é como JAKOBS (nota 103, p. 86) qua-
lifica este indefinido critério da Kontinutat des Unrechtstyps.
— Na verdade, este critério — dominante pelo menos até fins da década
de 70 mas que, a partir desta altura, começa a perder terreno, como veremos — deu
origem às mais «radicais discordâncias interpretativas». — Cf. K. MOHRBOTTER,
«Einige Bemerkungen zum Verhaltnis von Form und Stoff bei der Ãnderung stra-
frechdicher Rechtssãtze», in JZ ( 1 9 7 7 ) , 5 3 ss.; E . TRÕNDLE, in Strafgesetzbuch — LK
( 1 9 7 8 ) , 7 9 - 8 0 ; SCHROEDER (n. 4 9 ) , 7 9 4 - 5 ; ESER in SCHÕNKE/SCHRODER, Strafge-
setzbuch ( 1 9 8 5 ) , 4 7 .
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 215
P18) Isto não significa — ao contrário do que FIGUEIREDO DIAS (cf. trabalho
referido, supra, nota 27) parece sugerir — que eu recuse a despenalização retroac-
tiva, quando há uma indiscutível alteração do bem jurídico, apesar da manutenção
integral da factualidade típica. O que eu recuso é que se possa, nesta matéria, atri-
buir relevância à alteração do legislador sobre a.mais correcta qualificação-siste-
matização do bem jurídico.
Assim, no exemplo-escola, apresentado por FIGUEIREDO DIAS, é claro que — se
não se tratar de uma lei temporária — se a razão da proibição de circular acima
de X Kms. era o repouso dos doentes, e se a razão posterior é a segurança rodo-
viária, houve despenalização das anteriores condutas.
Acrescente-se, porém, que a recusa deste critério do bem jurídico, devido à sua
fluidez e vaguidade, está patente, quando lemos a seguinte passagem de FIGUEI-
REDO DIAS/COSTA ANDRADE (Direito Penal, 1996, p. 189): «Esta última solução
[a da manutenção da punibilidade] deve seguramente defender-se para o caso em que
a lei nova mantém a incriminação de uma conduta concreta embora sob um novo
ponto de vista polCtico-criminal, mesmo que ele se traduza numa modificação do bem
Jurídico'protegido. V. g., o crime de violação era perspectivado, até 1995, como crime
contra os fundamentos éúco-sociais da vida social, enquanto a Reforma [de 1995]
passa a perspectivá-lo como crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da
vítima e consequentemente como um crime contra a pessoa. Deve concordar-se
sem esforço que esta transformação tem atrás de si uma modificação do próprio
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 217
F O JAKOBS ( n . 1 0 3 ) , 8 6 .
C 238 ) PADOVANI ( n . 1 6 3 ) , 1 3 7 6 - 7 .
p 39 ) Quanto ao exemplo apresentado em f), 2, A, desta sec. m penso que
JAKOBS, apelando ao que ele designa por Regelungszweck, não afirmaria tal identi-
dade e, assim, defenderia a despenalização do facto praticado pelo F. — Cf. supra,
nota 197.
Mas já defenderia tal identidade (negando, portanto, a despenalização) nos
exemplos apresentados em bb) e cc) e), 2, A. desta sec. HL — Cf. supra, nota 194.
(24°) Quanto a PADOVANI (n. 1 6 3 ) , 1 3 7 6 - 7 , a falta de sensibilidade polí-
tico-criminal — que fez com que ele tivesse ficado indiferente às razões da rec-
troactividade da lei penal favorável (veja-se o que diz em p. 1 3 7 8 ) , preooupando-se
apenas com a iiretroactividade penal desfavorável (irretroactividade que acaba por
não respeitar integralmente, pois aceita como normal a valoração retroactiva como
típica de circunstância que o não era) — levá-lo-ia, porventura, à aceitação do
absurdo da manutenção da punibilidade do próprio F.
224 1 ° Parte — O princípio da aplicação
D) Orientação proposta:
P41) Evidentemente, que não pretendo dizer que todos estes princípios seriam
afectados simultaneamente. Assim, p. e., enquanto na afirmação da punibilidade do E
(exemplo em bbj, e), 2, A, desta sec. ni), seriam desrespeitados o princípio da proi-
bição da retroactividade penal desfavorável (o valorar retroactivamente como típica
circunstância que o não era) e a função orientadora da norma penal (se no momento
do facto existisse a L.N., E poderia não ter vendido os bens com susceptibilidade de
prejudicar a saúde, já que poderia ter optado por vender apenas os bens que, embora
impróprios para consumo, todavia ele sabia que não prejudicariam a saúde); já, na
afirmação da punibilidade de F seria violado o princípio da indispensabilidade da pena
(dada a desnecessidade de prevenção geral e especial), entre outros.
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 225
concluir-se-á que todas elas são de recusar, dada a sua falta de objec-
tividade e, consequentemente, a incerteza e insegurança que geram.
Fica, portanto, como a mais adequada à resolução do problema
da sucessão de leis penais, que alteram a constituição do tipo legal,
a teoria a que se poderá chamar de teoria ou critério da continuidade
normativo-típica.
p 50 ) Eis o que aconteceu com o Dec.-Lei n.° 454/91, de 28-12. Esta L.N.
acrescentou ao tipo legal da «emissão de cheque sem provisão» um elemento indis-
cutivelmente não contido na IÍA. É, portanto, uma lei especial. E o erro sobre este
elemento novo (prejuízo patrimonial) exclui o dolo. Logo, neste caso, à redução da
punibilidade em abstracto corresponde a despenalização das concretas e anteriores
emissões de cheque sem provisão.
— Cf. o que escrevi em Introdução, VI, 1.
Esta solução da despenalização afirma-se, independentemente de o crime, con-
figurado na L.A., devesse ser considerado como crime de perigo ou de dano; perigo
ou dano relativamente ao bem jurídico «confiança social na circulação do che-
que»...
230 1 ° Parte — O princípio da aplicação
P51) V. a apreciação crítica que fizemos na 2." parte de aa) e bb), b), 3, C,
desta sec. m.
p 52 ) Cf. supra, bb), e), 2, A, desta sec. m. — Ver, contudo, nota 196.
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 231
rias». Penso que esta designação alternativa «intermediárias» não é conecta. Esta
designação poderá ser adequada para urna diferente categoria de normas, precisamente
aquelas que, na teoria geral do direito, se incluem no chamado «direito transitó-
rio». Estas, diferentemente do que se passa com as leis intermédias, é que têm por
objectivo estabelecer a passagem, a transição do direito antigo para.o direito novo...;
só em relação a estas é que o adjectivo «intermediária» é adequado, não em rela-
ção às leis que estamos a tratar (as leis «intermédias»).
Cf. supra, 1." cap., iv.
(264-A) FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal (cit. na nota 183-E), p. 204, escreve, refe-
rindo-se à definição de lei penal intermédia, «mas [que] já não vigoravam ao tempo
da apreciação judicial deste [facto]». — Pelo que, em texto, digo, considero imper-
feita e mesmo incorrecta esta fixação do termo ad quem da vigência da "lei penal inter-
média". Pois, o momento relevante é o do trânsito em julgado da sentença.
C265) Lei ou leis intermédias, pois, como é evidente, pode haver mais que
uma lei intermédia.
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 245
(273) Assim, entre muitos outros, PUIG PENA (n. 109), 184-5; R . MOURULLO
( n . 5 ) , 1 4 0 ; CEREJO M I R ( n . 5 ) , 1 8 3 ; COBÓ D E L R O S A I / V I V E S ANTON ( n . 8 6 ) , 1 7 6 - 7 ;
Derecho Penal — P.G. (1996), 151: a decisão
F . M U N O Z C O N D E M . GARCÍA A R Á N ,
compete ao Tribunal, permitindo, contudo, o art. 2.2 do CP espanhol que o arguido
«seja ouvido em caso de dúvida sobre a lei [concretamente] mais favorável»; VIVES
A N T O N , Comentários al Código Penal de 1995, l (1996), 50: «Para estes casos de
dúvida, o preceito prevê, acertadamente, a audiência do réu».
248 1 ° Parte — O princípio da aplicação
Exemplifiquemos:
Vejamos:
No 1." exemplo, a ponderação unitária ou global das leis (Alter-
nativitãt der Gesetze, na designação alemã) vinculava o tribunal a ter
de optar ou pela aplicação de uma pena principal mais grave ou pela
aplicação de uma pena principal menos grave mas acrescida de uma
pena acessória. Ora, como parece evidente, nenhuma das alternati-
250 1 ° Parte — O princípio da aplicação
é mais favorável que a LN.; já, quanto à pena, é óbvio que teria de
ser aplicada a LN. No segundo caso, aplicar-se-á a LN., quanto ao
prazo de prescrição; quanto à pena, aplicar-se á a LA.
0 5.° exemplo verificou-se, precisamente, na alteração legislativa
operada pela Revisão do Código Penal de 1995, relativamente ao
crime de maus tratos a cônjuge. Ora, como é, hoje, evidente, aos
maus tratos cometidos, antes da entrada em vigor da LN., aplica-se,
quanto à componente dos pressupostos processuais, a lei nova, porque
mais favorável, e, quanto à componente da pena principal, aplica-se
a lei antiga, pois que é mais favorável.
c) É, pois, de recusar a doutrina dominante, mais exactamente,
a afirmação dominante — pois que não tem sido fundamentada mas
quase se pode dizer que apenas tem sido repetida — segundo a qual
a ponderação tem de ser unitária ou global.
O STJ, na motivação da Assento publicado em 17 de Março
de 1989, defendeu a posição tradicional, ou seja a ponderação global
e a correspondente aplicação em bloco de uma das leis em confronto.
Convém, para terminar, demonstrar a fragilidade dos argumen-
tos invocados pelo STJ.
(2S9) Cf. EDUARDO CORREIA (n. 5), 155; KARL HEINZ KUNERT, «Zur Riick-
wirkung des milderen Steuerstrafgesestzes», in NStZ (1982), 277; PER MAZUREK
(n. 207), 233-4; RUDOLPHI (n. 217), anot. 8 ao § 2.; ESER (n. 214), anot. 23 ao § 2.;
PAGLIARO (n. 75), 1070; R. MOURULLO (n. 5), 136. — Sobre os riscos da utilização
de leis penais em branco (riscos de violação do princípio da legalidade e, assim, de
enfraquecimento das garantias individuais) e sobre a consequente necessidade-exi-
gência de evitar, ao máximo, tal utilização ver M . A . LOPES ROCHA, « A função de
garantia da lei penal e a técnica legislativa», in Legislação {cadernos de ciência
de legislação), 1993, p. 25 ss.; J. CORDOBA RODA, «Principio de legalidad penal y
Constitución», in Gedãchtnisschrift fiir Armin Kaufinann, 1989, p. 79 ss.
(2S0) Assim, JESCHECK (n. 5), 188.
(291) Assim, EDUARDO CORREIA (n. 5 ) , 1 5 5 .
P 2 ) Strafrecht (n. 103), 83-4.
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 259
emergência, tal não significa que seja irrelevante a existência ou não da situa-
ção fáctica de anormalidade. Já o dissemos: tal situação de emergência é
conditio sine qua non da legitimidade constitucional da lei temporária,
devendo, por conseguinte, considerar-se como uma exigência implícita no regime
especial consagrado no referido n.° 3 do art. 2.° do Código Penal.
Imprecisa e equivocamente, dizia o Anteprojecto, art. 3 ° , n.° 1, 2." parte:
«O disposto [refere-se à 1." parte que estabelecia a retroactividade da lei des-
criminalizadora] não tem aplicação, quando a lei penal vale por um determi-
nado espaço de tempo çju para um certo estado de coisas, e o facto que a
viola foi praticado dentro do período de tempo ou durante a situação por ela
prevista» ,(256).
(29a) Assim, p. e., VIVES ANTON (n. 2 9 9 ) , 5 1 : no caso das leis temporárias, «não
se verifica o fundamento justificativo da retroactividade da lei posterior mais favo-
rável, isto é, a ausência de necessidade de pena».
C 299 ) Assim, p. e., CAVALEIRO DE FERREIRA (n. 5 ) , 1 1 6 ; ' EDUARDO CORREIA
(n. 5 ) , 1 5 6 ; M. LOPES ROCHA, «Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço»,
in JDC ( 1 9 9 3 ) , 9 5 - 8 ; RUDOLPHI (n. 2 1 7 ) , anot. 1 4 ao § 2 . ; JAKOBS (n. 1 0 3 ) , 8 1 - 2 ;
JESCHECK (n. 5 ) , 1 8 8 ; MuSoz CONDE (n. 5 ) , 1 9 3 . VIVES ANTON (Comentários al
Código Penal de 1995,1996, p. 51): «No exemplo apresentado, pressupõe-se que a
sanção pelo desperdício de água visa tutelar o uso adequado desse bem num período
de escassez e, portanto, a Iesividade da conduta sancionada não é valorada de modo
distinto pelo legislador quando, desaparecida a referida escassez, deixa de cas-
tigá-la»;
No mesmo sentido, FIGUEIREDO DIAS/COSTA ANDRADE (Direito Penal, 1 9 9 6 ,
p. 193): «A razão que justifica o afastamento da aplicação da lei mais favorável reside
em que a modificação legal se operou em função não de uma alteração da concep-
ção legislativa — esta é sempre a mesma —, mas unicamente de uma alteração
das circunstâncias fácticas que deram base à lei». — Nota: sendo correcta esta fun-
damentação (e por isto a invoco), não pode, porém, deixar de se registar a contra-
dição existente entre esta (correcta) fundamentação (do regime especial, mas não
excepcional...) e a qualificação das leis temporárias como excepção (ad princípio da
aplicação da lei penal favorável).
262 1 ° Parte — O princípio da aplicação
(3oo-D) Direito Penal (cit. na nota 183-E), p. 113 ss. No mesmo sentido, o meu
Direito Penal, vol. I (cit. na nota 71), p. 60 ss.
264 1 ° Parte — O princípio da aplicação
(300-N) Que vem dizer-nos que, ocorrida uma determinada situação de emer-
gência ou anormalidade, o facto z, a partir do dia x e até ao dia y, passa a consti-
tuir crime; ou — o que vem, materialmente, a dar no mesmo — que vem dizer-nos
que, enquanto durar determinada situação de emergência ou anormalidade, esse
facto z constitui crime.
— Por tudo o que já, em texto, disse, e pelo que acabo de exemplificar, con-
sidero artificial a distinção que alguns autores (sem apresentarem qualquer funda-
mentação substancial) pretendem estabelecer entre "leis temporárias em sentido
estrito" e "leis temporárias em sentido amplo" (como é o caso de Figueiredo Dias),
ou entre "leis temporárias" e "leis de emergência" (como é o caso de Faria Costa).
A lei temporária pressupõe, necessariamente, uma situação de emergência ou
anormalidade e, portanto, é, necessariamente, uma lei de emergência; da mesma
forma que uma lei de emergência é, necessariamente, uma lei temporária, pois que
a sua existência termina, quando cessar a situação de emergência ou anormalidade
(situação que, pela natureza das coisas, é, obviamente, temporária ou transitória,
por longa que seja a sua duração) que motivou e legitimou, político-criminalmente
e constitucionalmente, a sua criação.
São razões de certeza e de garantia jurídico-penal do cidadão que aconselham
— e até exigem — que o legislador estabeleça, ao criar a lei de emergência, o seu
termo de vigência. E, no caso de não ser possível, à partida, saber qual irá ser a dura-
ção da situação de emergência ou anormalidade, mesmo assim o legislador deve indi-
car o termo de vigência. Pois, no caso de, quando se aproximar este termo, a situa-
ção de emergência ou anormalidade ainda se mantiver, o legislador pode determinar
a prorrogação da vigência da lei pelo tempo que entender necessário.
(3M-0) Veja-se, por exemplo, o que se tem passado com o "crime de abuso de
confiança fiscal". Com razão e saudável ironia, as sucessivas alterações deste tipo
legal de crime levaram Costa Andrade e Susana Sousa a apelidá-lo de crime irre-
quieto, num artigo publicado na RPCC, 2007, p. 53 ss., cujo título é «As Meta-
morfoses e Desventuras de um Crime (Abuso de Confiança Fiscal) Irrequieto».
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 267
não significa que elas deixem de estar sujeitas, quanto à sua sucessão, ao princí-
pio geral da aplicação da lei penal favorável. Digamos que essa transitoriedade,
essa mutabilidade das leis penais económicas constitui uma situação, uma realidade
normal, tendo, portanto, o conflito temporal destas leis de ser resolvido pelo
critério jurídico-político e político-criminal da aplicação da lei penal favorável.
Este dinamismo das leis penais económicas resulta quer das normais muta-
ções económicas quer das alterações das concepções político-económicas dos titu-
lares político-legislativos e político-administrativos ( 301 )
Factos que, segundo uma determinada concepção político-económica,
merecerão a qualificação de crime, já segundo uma diferente visão polí-
tico-económica não a merecerão. Assim, diferentemente do que se passa com
as leis temporárias, a alteração das leis penais económicas resulta, muitas vezes,
da modificação da concepção político-económica.
Por outro lado, a mutabilidade da situação económica é um dado normal
das sociedades actuais. Não pode, portanto, tal mutabilidade ser considerada
como algo de anormal, como situação de emergência, situação que, como vimos,
é condição necessária, embora não suficiente, da lei temporária.
A conclusão não pode deixar de ser a de que o princípio da retroactividade
da lei penal favorável (despenalizadora ou lex mitior) aplica-se à sucessão de leis
penais económicas.
Tal não significa, como é evidente, que as leis penais económicas não
possam revestir a natureza e o regime especial de leis temporárias. É claro
que podem, mas desde que o duplo pressuposto, já analisado para as leis penais
em geral, seja respeitado: existência de uma situação de emergência económica
— que não pode confundir-se com ai natural mutabilidade da vida económica —
e pré-fixação do tenno de vigência da lei que assume e se legitima nessa situa-
ção de emergência. Não se verificando, cumulativamente, este duplo requi-
sito, aplicar-se-á o princípio da retroactividade da lei penal favorável (CRP,
art. 29°, 4.-2.°parte; CP, art. 2.°, 2. e 4.).
7. Refira-se, por outro lado, que também pode haver uma ver-
dadeira sucessão de leis penais temporárias, com a consequente
aplicação da lei temporária mais favorável (302). Pode configurar-se
o seguinte exemplo: foi publicada, em 14 de Junho de 2005, uma
lei que agravou as penas de fogo posto em matas e florestas de 2
a 10 anos de prisão para 15 a 30 anos de prisão, estabelecendo,
ainda, que o condenado não poderia beneficiar da liberdade condi-
cional; imediatamente acusada de terrorismo penal, a referida lei
temporária — que tinha pré-fixado o seu termo de vigência em 30
de Setembro de 2005 — foi revogada e substituída por uma nova lei
temporária que iniciou a sua vigência em 25 de Julho e que, tal
como a revogada, terminava a sua vigência em 30 de Setembro
de 2005, lei esta que reduziu a pena para prisão de 5 a 15 anos e
extinguiu a impossibilidade da libertação condicional.
Sendo certo que tanto uma quanto a outra foram aprovadas para
tentar fazer face ao anormal surto de incêndios florestais, surgido
logo em princípios de Junho e com suspeitas de origem criminosa,
pergunta-se se aos crimes de fogo posto florestal, cometidos entre 19
de Junho de 2005 — data da entrada em vigor da primeira lei tem-
porária — e 24 de Julho do mesmo ano — pois a segunda lei tem-
porária entrou em vigor em 25 de Julho — deverá ser aplicada a
primeira ou a segunda lei temporária. — A resposta não poçle deixar
de ser a seguinte: apesar de se tratar de leis temporárias, há entre estas
duas leis uma verdadeira relação de sucessão, pois que há identidade
da situação fáctica assumida por ambas as leis e determinante do
regime especial destas, aplicando-se, portanto, retroactivamente, aos
referidos crimes a lei temporária mais favorável.
Ambas visaram a mesma situação de emergência, tendo havido
apenas uma alteração da concepção político-criminal: mesmo tendo
(302) Assim, entre outros, SIDÓNIO RITO, Actas... (n. 9), 131; Muííoz CONDE
( n . 5 ) , 1 9 3 ; CEREJO M m ( n . 5 ) , 185-6.
3." Capítulo '— Princípio da Lei Penal mais favorável 269
Tennina-se, referindo que não deve confundir-se lei temporária com lei que,
indeterminada no seu termo de vigência e visando uma situação normal, descreve
circunstâncias que somente se verificam em certos períodos ou, por outras pala-
vras, só é aplicável a factos praticados durante o tempo ou a situação previstos
na lei e que se repetem ciclicamente ( 303 ).
Exemplos: lei que estabeleça uma agravação da pena para o crime de fogo
posto em floresta, quando praticado entre 1 de junho e 30 de Setembro. Trata-se.
de um crime de fogo posto em floresta, agravado (qualificado) em função de uma
circunstância — o período estival — que se repete todos os anos. Apesar de
normal — pois que, infalivelmente, se renova em cada ano —, esta circunstância
estival justifica a agravação da responsabilidade penal.
O mesmo se passa, p. e., com o ilícito penal eleitoral: os respectivos ilí-
citos só podem ocorrer em períodos eleitorais.
Estas leis estão, pois, sujeitas ao princípio da aplicação da lei penal favo-
rável.
í308) Código Penal Português, 5." ed., Coimbra: Almedina (1980), anot. 6.
a. ao art. 6 ° do CP 1886. Diga-se que, actualmente (cf. Código Penal Português,
8." ed., 1995, p. 181), M A I A GONÇALVES já regista a doutrina correcta, reconhe-
cendo, implicitamente, que tal doutrina, se já antes da CRP de 1976 era defensável,
então a partir da Constituição tomou-se de imposição constitucional.
(3D3) Direito Criminal, I (n. 5), 163.
(309-A) Medida de Segurança de Internamento e Facto de Inimputável em
Razão de Anomalia Psíquica, Coimbra Editora, 2002, p. 183.
(309-B) D;reit0 penai («t. n a nota 183-E), p. 196.
3." Capítulo — Princípio da Lei Penal mais favorável 273
Sobre esta posição, não tenho senão que transcrever aquilo que já expus
no meu livro Direito Penal (cit. na nota 71), p. 110 s. Solicito, desde já, a com-
preensão do leitor para a adaptação do texto que, directamente, visa criticar o
disposto no art. 30.°-2 da Constituição, e o art. 92.a-3 do Código Penal, que aca-
bam por permitir medidas de segurança privativas da liberdade perpétuas, atra-
vés-de sucessivas prorrogações por períodos de 2 anos.
Nesse local, escrevi: «quando terminado o período "normal" [período,
que, para o fim que,- aqui, nos interessa, é o período estabelecido pela lei vigente
no momento da prática do facto ilícito típico], da medida de segurança, se se
mantiver a perigosidade criminal [perigosidade que se baseia num juízo de.
prognose psiquiátrica que, naturalmente, tem sempre uma dose de falibilidade,
ao que acresce a existência de variados fármacos com potencialidades neutra-
lizadoras dessa perigosidade], pode haver necessidade, em nome da defesa
social, de manter o internamento do inimputável; só que, já não através da
prorrogação sucessiva da medida de segurança'[no caso, agora em questão, nãò
através da aplicação da medida de segurança mais longa prevista na lei poste-
rior à prática do facto ilícito típico], mas sim através de um internamento com-
pulsivo, com base na Lei de Saúde Mental (Lei n.° 36/98, de 24 de Julho).
Portanto, uma medida não criminál, mas administrativa, embora, evidentemente,
por decisão judicial, suportada pela avaliação clínica de, pelo menos, dois psi-
quiatras, nos termos da referida Lei de Saúde Mental.».
Só mais uma palavra: não deixa de ser estranho que Maria João Antunes
aceite e defenda esta infracção às exigências do princípio da legalidade (que, tanto
o art. 29." da CRP como o art. 2." do CP estendem também às medidas de
segurança), mesmo que — ao que parece — estejam em causa ilícitos típicos
não muito graves. Com efeito, escreve a Autora: «a medida de segurança não
é aplicável se o facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática
deixar de o ser, por uma nova lei o eliminar do número das infracções, ainda
que haja decisão transitada em julgado; [mas] a medida de segurança a aplicar,
em concreto, determina-se pela lei vigente no momento da decisão». Em ter-
mos práticos, isto significa que, para esta Autora, a motivação do "entorse" ao
princípio da legalidade não é a preocupação social com a grande perigosidade
criminal de certos inimputáveis; pois que, mesmo estando em causa factos que
até podem ser descriminalizados Gogo, parece que é, doutrinalmente, irrele-
vante que a perigosidade criminal se refira a homicídios ou violações, ou
somente a furtos), ainda assim entende que a lei posterior à prática do ilícito
típico, que estabeleça uma medida de segurança mais grave, deve ser retroac-
tivamente aplicada — pois é de aplicação retroactiva que se trata. Ora, isto avo-
luma, ainda mais, a minha estranheza!
As razões de garantia do cidadão (seja imputável ou inimputável), funda-
mentadoras da consagração do princípio da legalidade são completamente incom-
patíveis com a aplicação de uma medida de segurança mais gravosa do que
18
274 1 ° Parte — O princípio da aplicação
aquela que estava prevista na lei vigente ao tempo da prática do ilícito típico pra-
ticado pelo inimputável.
As críticas, que, no texto transcrito há pouco, dirigi contra o disposto no
art. 30.°-2 da Constituição e no art. 92.°-3 do Código Penal, aplicam-se, por maio-
ria de razão, à posição defendida por Maria João Antunes. Ou seja: se o dis-
posto nestes artigos e números da CRP e do CP (possibilidade de sucessivas e
ilimitadas prorrogações de medidas de segurança, que não deixam de ser con-
sequências jurídico-criminais) parecem lesar princípios do Estado de Direito, já
a posição desta Autora parece-me claramente inconstitucional, porque violadora
do disposto na CRP, art. 29°, n. 4. Pois que me parece improcedente — tendo
na devida conta a garantia política que também assiste ao cidadão inimputável —
a tentativa de separar temporalmente os dois pressupostos da aplicação das
medidas de segurança.
C310) Penso que o interesse público e a prevenção especial não podem justi-
ficar por si a restrição de direitosflmdamentaisem que a «interdição de profissões»
se traduz. Tal interdição relativamente a imputáveis, deve assentar na censurabilidade
da perigosidade do infractor sob pena de instrumentalização da pessoa deste.
Não é pela simples mudança de nome (passagem do nome pena ao nome
medida de segurança) que tal interdição passará a ser, ético-juridicamente e polí-
tico-criminalmente, justificada.
— Para uma critica à desnecessidade político-criminal e artificialidade da con-
sagração de medidas de segurança não privativas da liberdade aplicáveis a imputá-
veis, ver o meu Direito Penal, vol. I (cit. na nota 71), p. 102 ss.
4.° CAPÍTULO
O CASO JULGADO PENAL E A APLICAÇÃO
RETROACTIVA DA LEI PENAL MAIS FAVORÁVEL
(CRP, ARTS. 29.°,N° 4-2." PARTE, 18°, N.° 2-2.a PARTE,
282.°, N.° 3, E 13.°, N.° l-2. a PARTE; CP, ART. 2.°,
N.° 4-2.a PARTE; CPP, ART. 371.°-A)
mais grave. § único: se, ao tempo da sentença, o facto não for pela
lei qualificado como crime, posto que o fosse pelas leis que existiam
ao tempo em que foi commettido, nenhuma pena será applicada».
Comentário: embora este artigo não refira expressamente o caso
julgado, a doutrina e a jurisprudência de então sempre entenderam
que este artigo estabelecia como limite à retroactividade, quer da lex
mitior quer da lei descriminalizadora, o trânsito em julgado da sentença
condenatória,
P 11 ) Itálico meu.
P 22 ) Cedência que, constituindo uma inovação face ao art. 70° do CP 1852
foi acolhida na excepção 1." do CP 1886.
P 23 ) In RU, n.° 902 (1885), 274.
P 24 ) Relativamente à evolução operada no direito espanhol, anóte-se que,
enquanto nos Códigos espanhóis de 1848 e de 1850, o caso julgado constituía um
limite à retroactividade da lei penal favorável, utilizando sintomaticamente, a
4 ° Capítulo — O caso julgado e a lei mais favorável 281
expressão «santidade do caso julgado», já, a partir do Código de 1870 (art. 23.°,
cotxespondente ao art. 24." do Código Penal de 1944, o qual, após várias revisões,
foi substituído pelo actual Código Penal de 1995), ficou definitivamente consagrada
a aplicação retroactiva da lex mitior mesmo que já haja caso julgado. Assim, o
vigente Código Penal espanhol de 1995, que transferiu esta matéria da «aplicação
da lei penal no tempo» para o art. 2°, continua a proclamar no n.° 2 deste art. 2.°:
«As leis penais, que favoreçam o réu, terão efeito retroactivo, mesmo que ao
entrarem em vigor já haja sentença firme e o sujeito esteja a cumprir a conde-
nação».
C325) Cf. infra, 4, II deste 4." cap.
282 1 ° Parte — O princípio da aplicação
certos réus mas não a uma classe inteira de criminosos, além de que
neste caso não se trata de favor, mas de justiça» (327).
uma lei por força da qual tem de ser modificada, o que há afazer
é reformá-la, levantando o incidente na respectiva execução...
A intangibilidade do caso julgado tem de ceder, quando a aplicação
da lei a isso obriga».
4. O STJ não tem, pois, razão, quando declara (342) que «a intan-
gibilidade do caso julgado é princípio constitucional em vigor»; erra,
í347) Neste sentido e sobre ainda outros aspectos da diferença material entre
caso julgado penal e caso julgado civil, J . LOBO MOUTINHO (n. 3 4 0 ) , 1 0 8 .
C348) Como já o referimos (cf. supra, p. 147 s., o legislador, através do
Dec.-Lei n.° 244/95, de 14-9, aboliu o limite do caso julgado à aplicação retroactiva
de uma lei contra-ordenacional mais favorável (Dec.-Lei n.° 433/82, art. 3°, n.° 2,
parte final: «e já executada»).
4 ° Capítulo — O caso julgado e a lei mais favorável 291
aplicação retroactiva da lex mitior (37Z), pode, ainda, cora acerto e legi-
timidade, referir-se, per abundantiam, o argumento de que tal excep-
ção contraria o princípio constitucional da igualdade perante a lei
(CRP, art. 13.", 1.-2
Antes de analisarmos a referida inconstitucionalidade por violação
do princípio constitucional da igualdade, recapitulemos, em síntese
conclusiva, a demonstração, já feita, da inconstitucionalidade da
parte final do n.° 4 do art. 2° do Código Penal.
Este limite estabelecido pelo legislador ordinário vem restringir
o âmbito de uma norma constitucional protectora dos direitos fun-
damentais, máxime da liberdade (CRP, art. 29.°, 4.-2 f ) , norma esta
que é a expressão directa e coerente, na questão da sucessão de leis
penais, de uma outra norma (CRP, art. 18.", 2.-2 f ) que consagra o
princípio constitucional fundamental — com incidência evidente na
determinação da lei penal a aplicar — de que «as restrições dos
direitos, liberdades e garantias» devem «limitar-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente pro-
tegidos» C373). Ora impor um limite à aplicação retroactiva de uma
lei que considera como necessária e suficiente, para a defesa dos
«bens jurídicos», uma pena mais leve (p. e.: 6 meses a 2 anos de pri-
são em vez dos 3 a 6 anos de prisão , da lei antiga ou pena de 50
a 100 dias-multa em substituição da pena de prisão até 1 ano) sig-
nifica restringir, desnecessariamente, um direito fundamental. Logo,
é irrefutável a afirmação da inconstitucionalidade deste limite do
caso julgado que — creio já ter demonstrado (374) — não tem a
mínima base constitucional.
Para além de violar, directamente, o mandato constitucional de
aplicação retroactiva da lex mitior e, ainda, o princípio constitucio-
nal do «mínimo indispensável» na restrição dos direitos fundamen-
tais (restrição de que a pena é uma concretização), o limite do caso
julgado penal afronta, directamente, o princípio constitucional de que
(p1) Ver infra, E) deste 4." cap., a crítica à posição contrária de FIGUEIREDO
D I A S / C O S T A ANDRADE.
P13) Cf., por todos, o desenvolvimento, supra, 2° cap., in. •
P74) A demonstração acabou de ser produzida em A) e B) deste 4 ° cap.
298 1 ° Parte — O princípio da aplicação
Quanto ao direito alemão, há que dizer que, tal como noutros aspectos
da sucessão de leis penais ( 39S ), ele não constitui exemplo a seguir. Basta pen-
sar no seguinte: 1 ° — a Lei Fundamental alemã não consagra a retroactivi-
dade da lei penal favorável; 2.° — antes do Código Penal de 1975, a doutrina
ainda discutia se o limite à aplicação retroactiva da lex mitior era a decisão da
1." instância ou da última instância e, hoje, ainda se discute se é o momento da
decisão da última instância ÇEntscheidung) ou o momento do trânsito em julgado
{Rechtskrafty, 3 ° — aquilo que os nossos Autores da 2. 1 met. do séc. xix já qua-
lificavam de processo ínvio, inadequado, hipócrita e revelador da «má cons-
ciência» da justiça penal — apelar ao perdão para compensar a injustiça rela-
tiva derivada do caso julgado — é o. expediente com que, ainda hoje, se contenta
grande parte da doutrina alemã (nur der Gnademveg). Talvez que isto se deva
àquilo que MOHRBOTTER ( 39s ) denuncia: o caso julgado não tem sido questionado
na Alemanha; tem sido assumido como um dogma.
— Aproveite-se o ensejo para fazer uma breve crítica ao artigo de LOPES
ROCHA ( 397 ) quanto ao problema do limite do caso julgado penal.
D) Considerações Processuais
uma lei de amnistia, pois que, também aqui, a moldura penal, dentro da qual tem
de ser fixada a nova pena concreta, é alterada.
Se, porém, a L.N. altera o tipo legal, então, como já vimos ( 410 ), a acti-
vidade processual a desenvolver pode ter de ser mais complexa.
(4I2) Cf., por todos, o que escrevi, supra, na parte final da secção n do 3." cap.
Aí se critica que a actual redacção da parte final do n.° 2 do art. 3." do Dec.-Lei
n.° 433/82 tenha passado «do oito ao oitenta», ou seja que não apenas tenha sido eli-
minada a ressalva do caso julgado contra-ordenacional relativamente à aplicação
retroactiva das sanções acessórias (de natureza pessoal) mais favoráveis — altera-
ção legal esta correcta e de louvar —, mas também relativamente à sanção princi-
pal, a coima (de natureza patrimonial) — alteração esta incorrecta.
4 ° Capítulo — O caso julgado e a lei mais favorável 311
Com efeito:
1.° — As considerações, que desenvolvi, formam uma argumentação
baseada em princípios constitucionais, jurídico-penais e político-criminais, como
o da máxima restrição da pena, princípios que não devem servir apenas, para
declarações introdutórias mas sim para serem concretizados nos diferentes
«locais» do sistema penal. A argumentação, que desenvolvi, não é, pois, um
qualquer «requisitório».
2 ° — Referem os citados Autores que «também a lei fundamental [e têm
em vista o art. 29.°-4., última parte, da CRP] tem, na sua interpretação, de ser
submetida a uma cláusula de razoabilidade» e — tendo em atenção o que ime-
diatamente a seguir escrevem («e não seria obviamente razoável pensar que a
totalidade das condenações penais cuja execução ou cujos efeitos se mantêm teria
de ser reformada todas as vezes que uma lei nova viesse atenuar a responsabi-
lidade penal») — reconduzem esta exigência de razoabilidade ao facto de a
eliminação da ressalva do caso julgado implicar um acréscimo muito acentuado
de trabalho judicial.
— Contra esta objecção, há que recordar que esse aumento de trabalho não
será tão grande como os Autores referidos parecem fazer crer ( 4!8 ) e que as razões
e princípios político-criminais e de justiça relativa valem bem esse acréscimo de
trabalho ( 419 ).
3.° — Dizem, de seguida e em continuação do acabado de transcrever, o
seguinte: «isso serià seguramente razão bastante para que nenhum legislador
jamais se dispusesse a levar a cabo uma reforma do CP!».
— Contra esta afirmação e exclamação, há que dizer o seguinte: o direito
penal espanhol mantém, desde o CP de 1870 até ao actual CP de 1995, de
forma ininterrupta, a retroactividade da lex mellior mesmo que já tenha transi-
tado em julgado a sentença condenatória, sem que tal plena retroactividade
tenha inibido o legislador penal do Estado vizinho de fazer as amplas reformas
penais que, ao longo destes 125 anos, entendeu necessárias (assim, CP de 1928,
CP de 1932, CP de 1944, Revisão de 1963, Reforma de 1973, Revisão de 1983
e Revisão de 1989).
Entre vários outros países da América Latina, também o Código Penal
do Brasil (de 1940, mas cuja Parte Geral foi actualizada em 1984) estabelece,
no art. 2.°, §' único, que «A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o
agente, aplica-se aos factos anteriores, ainda que decididos por sentença con-
( 4la ) Cf. notas 398 e 399. Ver, neste sentido, o n.° 8 ("O direito comparado
revela que a retroactividade da lex mitior não levanta dificuldades insuperáveis nem
impede a reforma .do direito penal") da Declaração de Voto de José de Sousa e
Brito, anexa ao Acórdão n.° 644/98 do Tribunal Constitucional.
(419) cf. SBcções u e ia deste 4.° cap.
314 1 ° Parte — O princípio da aplicação
(421) Cf. nota 12, texto a que corresponde a nota 49, nota 82, nota 99, nota 306.
(428) cf. texto a que corresponde a nota 111 e segs.
(«9) Direito Penal,., (n. 417), 186.
318 1 ° Parte — O princípio da aplicação
(42B-A) Conferindo o que está escrito em I., D), 3. deste 4.° Capítulo, vê-se que
alterei a minha posição quanto aos efeitos da aplicação retroactiva da lei mais favo-
rável sobre a pena de multa aplicada por sentença já transitada em julgado.
320 1 ° Parte — O princípio da aplicação
2. Foi a Lei n.° 48/2007 (que entrou em vigor no mesmo dia que
a Lei n.° 59/2007:15.09.2007) que, efectivamente, eliminou o incons-
titucional obstáculo do caso julgado à aplicação retroactiva da lei
penal mais favorável.
• Na verdade, o novo art. 371."-A do Código de Processo Penal
(artigo que tem a epígrafe: Abertura da audiência para aplicação
retroactiva da lei penal mais favorável) estabelece que, «Se, após o
trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a exe-
cução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o conde-
nado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja
aplicado o novo regime.».
A conclusão inequívoca é esta: a partir de 15 de Setembro
de 2007, o caso julgado de sentença condenatória deixou de impe-
dir a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável.
Esta eliminação da ressalva do caso julgado penal ao princípio
da retroactividade da lex mitior está de acordo e era mesmo exigida
4." Capítulo — O caso julgado e a lei mais favorável-. 325
3. Há, pelo menos, ainda uma outra razão contra a plena apli-
cação retroactiva da lei nova que altere directamente as penas de
substituição, ou que determine indirectamente a sua aplicação em
consequência da redução da pena principal (429~F); esta razão é a
necessidade de respeitar o princípio da igualdade.
Talvez que o melhor caminho para compreendermos este argu-
mento contra a extensão do âmbito da retroactividade às penas de
substituição seja o de atentarmos nos poucos (poucos, para já ...)
casos que os Tribunais das Relações já tiveram que decidir.
Confrontemos a Decisão do Tribunal da Relação de Guima-
rães, proferida no Acórdão de 10 de Dezembro de 2007 (processo
n.° 2361/07-1), com a Decisão do Tribunal da Relação do Porto, pro-
ferida no Ácórdão de 23 de Janeiro de 2008 (processo n.° 0747167).
1 - [•"]
2 - [ . . . ]
3 - [...]
4 — Quando as disposições penais vigentes no momento da
prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis pos-
teriores, é sempre, aplicado o regime que concretamente se mostrar
mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por
sentença transitada em julgado.
(429"M) Contradição em que, entre muitos outros, não incorrem Gomes Cano-
tilho e Vital Moreira, CRP — Constituição da República Portuguesa anotada, 1,2007,
anotação VH ao art. 29°. Assim, estes Autores vêem, precisamente na excepção pre-
vista, no art. 282.°/3, para o caso julgado penal (e punitivo não penal: contra-orde-
nacional e disciplinar), um argumento a favor da retroactividade da lex mitior,
mesmo que já tenha transitado em julgado a sentença condenatória.
Escrevem: «Se é proibida a aplicação retroactiva da lei penal desfavorável, já
é obrigatória a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (n.° 4, 2." parte).
Se o legislador [...] passa a puni-la [a conduta] menos severamente, então essa
nova valoração legislativa deve aproveitar a todos [...]. ». «[...] devendo notar-se
que, quando a Constituição manda respeitar os casos'julgados nos casos de decla-
ração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, admite uma excepção exactamente
para a lei penal (ou equiparada) mais favorável. De facto, não faz sentido que
alguém continue a cumprir uma pena por um crime que, entretanto, [...] passou a
ser punido com pena mais leve.».
(429-N) Cf., neste 4 ° Cap., I, B).
(429-0) CRP, art. 29°, n.° 5: «Ninguém pode ser julgado mais que uma vez pela
prática do mesmo crime.».
— CEDH, art. 6 ° ("Direito a um processo equitativo"), n.° 1: «Qualquer pes-
soa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num
prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual
decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil,
quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria criminal dirigida contra
ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proi-
bido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a
bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade
democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das par-
4." Capítulo — O caso julgado e a lei mais favorável - .343
tes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tri-
bunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial
para os interesses da justiça.».
— Protocolo n.° 7 à CEDH, art. 4.° ("Direito a não ser julgado ou punido mais
de uma vez"): «1. Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdi-
ções do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou
condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal
desse Estado.
2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo,
nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou
recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem
afectar o resultado do julgamento.».
Como observação final, é caso para, mais uma vez, perguntar e exclamar: em
que é que estas disposições impedem a aplicação retroactiva da lex mitior, mesmo
que já tenha ocorrido o trânsito em-julgado da sentença condenatória?! — A resposta,
como é manifestamente evidente, ê a seguinte: nada impedem; uma coisa não tem
nada que ver com a outra.
E deve acrescentar-se o seguinte: contrariamente ao que Paulo de Albuquerque
afirma, os Acórdãos do Tribunal Europeu, que este Autor refere (p. ex., casos Gra-
dinger vs Áustria, Nikitmi vs Rússia, Assenidze VJ Geórgia, Salov vs Ucrânia) como
obstando à aplicação retroactiva da lex mitior, quando já tiver ocorrido o trânsito
em julgado da sentença condenatória, não têm, realmente, nada que ver com a ques-
tão da cedência do caso julgado penal à retroactividade da lei nova mais favorável.
Aliás, logo à primeira vista, parecia evidente que tais Acórdãos do Tribunal
Europeu não poderiam dizer aquilo que Paulo de Albuquerque diz que dizem, bas-
tando para tanto pensar na função da CEDH e do respectivo Tribunal, que foi, e é,
a de "protecção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais". Como é que
alguém ia recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por ter sido
"favorecido" com a aplicação, ao seu caso, de uma lei que lhe veio diminuir a
pena?!...; e como é que uma Convenção e respectivos Protocolos — que visam a pro-
tecção dos direitos e liberdades individuais, através da exigência de um processo justo,
da proibição da dupla punição pelo mesmo facto, etc. — iam proibir que, em maté-
rias de punição (nomeadamente, penal, mas também contra-ordenacional ou disci-
plinar), se aplicasse a lei mais favorável, mesmo que já tivesse transitado em julgado
a sentença condenatória?!...
(429-P) Cf., neste 4.° Cap., I, A) e B).
344 1 ° Parte — O princípio da aplicação
fMS) c f , supra, p. e., texto a que corresponde a nota 49; nota 99; nota 306.
í 447 ) Tratado de Derecho Penal — trad. esp. —, v. H, 615.
C448) Le Condizioni... (n. 284), 133-4.
C*49) Le Condizioni... (n. 284), 242.
( 4 5 D ) E D U A R D O CORREIA (n. 5), 162: defendendo a aplicação imediata da L.N.
sobre prazos de prescrição do procedimento criminal ou da pena, termina, dizendo:
«De resto não há, aqui, qualquer direito adquirido pelo delinquente».
M A I A GONÇALVES (n. 3 0 8 ) , anot. 6 ao art. 6 ° do CP 1 8 8 6 : «Como regra, as
1." Capítulo — Normas processuais penais materiais 357
de punibilidade não ser posta para favorecer o réu, não impede que
a situação que objectivamente dela resulta seja uma situação mais
favorável para o transgressor da norma penal». E prosseguia: se a
L.N. entende só dever punir sub conditione, é evidente que passa a
faltar a razão para punir o facto, quando não se verificar a condição.
Não devo deixar passar o momento, sem registar e salientar
que, muito antes desta válida contra-argumentação de ALIMENA, já o
nosso criterioso HENRIQUES DA SILVA ( 451 ) chamava a atenção para a
necessidade de distinguir entre o que eu designei de normas proces-
suais penais materiais e normas processuais penais formais. Obser-
vou este Autor: «As leis formularias [processuais] podem envolver fre-
quentemente offensa de direitos, e, sempre que possa haver offensa
de direitos fixados à sombra da lei, é substantiva a lei formularia e
não deve appliçar-se retroactivamente, por implicar com os direitos
dos cidadãos.
É preciso não confundir as leis formularias propriamente ditas
com as relativas aos direitos individuaes. Estas têm um carácter
constitucional, sendo exemplos deste caso as disposições dos §§ 7.°,
8.°, 11.° e 16.° do art. 145.° da Carta».
Fechado este parêntesis sobre as razoáveis posições de HENRIQUES
DA SILVA e de ALIMENA, desnecessário é multiplicarmos, aqui, indi-
cações de Autores estrangeiros que têm defendido — rectius, afirmado
mas não fundamentado — a acrítica posição (ainda, há não muito,
maioritária) que tenho vindo a refutar. Refira-se apenas, a título de
exemplo, a posição de JESCHECK (452): «A proibição da retroactividade
( 453 ) Maioritária mas rotineira, pois que se tem limitado a repetir a afirmação
tradicional, sem qualquer estorço de íiindamentação, como se de evidência se tratasse.
(«") 11 Diritto... (n. 129), 90.
C 55 ) «La "Natura" delle Norme sulle Prove», in Scrítti Dedicati ad Alles-
sandro Roselli, i, Milano: Giuffrè (1971), 431-42.
1." Capítulo — Normas processuais penais materiais 359
— Não terá sido por mero acaso que o Congresso da Associação Inter-
nacional de Direito Penal, realizado em Berlim, em 1935, haja proclamado
que «Uma nova regulamentação relativa à execução das penas, quer ela sua-
vize ou agrave a execução, deve ser aplicada mesmo às pessoas cuja execução
já tenha sido ordenada, a menos que esta regulamentação disponha diferente-
mente».
L E V A S S E U R , Autor de onde extraí esta transcrição (Opinions..., 248-nota 126),
afirma, a pág. 252 — o que suponho ninguém, hoje, contestar —, o seguinte:
«Os exemplos históricos demonstram que as modificações no regime de execução
das penas redundam, muitas vezes, numa substituição da pena prevista pela lei
ou pronunciada pelo juiz».
Adequada e historicamente consciente é também a distinção referida por
C A V A L E I R O D E F E R R E I R A , no seu já referido Direito Penal Português de 1 9 8 1 ,
onde, a pág. 128, escreve: «Relativamente às leis sobre execução das penas
há que distinguir. Quando elas se reportam à essência das penas, os princípios
aplicáveis são os que ficam expostos [irrectroactividade da lei desfavorável;
retroactividade da lei favorável]. Se respeitam às modalidades administrativas
de execução da pena são de aplicação imediata. Mas não deve alterar-se, atra-
vés de tais modalidades, a substância da pena, porque seria alteração da própria
pena por regulamentação administrativa».
Em conclusão: as normas que concretizam a estrutura ou grandes linhas
do regime disciplinar penitenciário (p. e., regime de isolamento, .a assistência
social, religiosa ou médica, a obrigação ou não do trabalho e respectiva remu-
neração) estão sujeitas .ao princípio da proibição da retroactividade desfavorá-
vel e da aplicação retroactiva favorável. Assim, e apenas a título de exemplo,
estão sujeitas a este princípio de aplicação da lei mais favorável, apesar de
inseridas no CPP, normas como as dos arts. 474.°-l„ 488.°-3., 489.°-2.
Tem, portanto, de considerar-se inteiramente ultrapassada — até porque é
inconstitucional — a resposta que E D U A R D O C O R R E I A deu à pergunta de G U A R -
D A D O L O P E S («Actas...», in BMJ, 141,136): «se não seria bom pôr em evidência
que as disposições legais que regulam a execução da pena são de aplicação
imediata». A resposta foi a seguinte: «Quanto ao problema posto pelo Dr. Guar-
dado Lopes, ele tem, efectivamente, toda a razão de ser e deve decidir-se, como
preconizou, pelo princípio da aplicação imediata».
que proíbem a «reformado in pejus» não tem natureza substantiva, apesar de per-
mitirem a modificação da pena.
Por isso, não há que equacionar a aplicação da lei mais favorável para utili-
zação do Cód. Proc. Penal actual, na parte referente à regulamentação da proibição
da reformatio in pejus, em processos instaurados antes da sua entrada em vigor».
C64) «Opinions...» (n. 134), 190.
1." Capítulo — Normas processuais penais materiais 363
C168) Direito Processual Penal (n. 434). — Itálico do Autor a partir de «não
contrarie,..».
366 2," Parte — A sucessão de leis
(486) Cf. nota 463, onde se contempla a hipótese inversa (a L.N. proíbe a
reformatio in pejus), sendo, portanto, aplicável, retroactivamente, a L.N.
C 8 7 ) LEVASSEUR (n. 1 3 4 ) , 2 4 6 , diz que o momento decisivo é o do trânsito em
julgado da sentença, no tocante à liberdade condicional.
— O meu comentário: é de recusar inteiramente, como se justifica no texto,
esta posição. Como já referi (cf. supra, texto a que corresponde a nota 134), o
trabalho de LEVASSEUR, embora tenha o mérito de levantar problemas que têm sido
tabu e embora contenha alguns aspectos positivos, revela uma total e inadmissível
ausência de fundamentação jurídico-constitucional e político-criminal. Esta falta
de perspectiva político-criminal levou o mesmo Autor a considerar a liberdade con-
dicional como um «favop> (!) — cf. ob. cit. (n. 134), 246.
— É, por estas razões, desnecessária uma disposição como a constante do
Dec.-Lei n.° 48/95 (que aprovou a Revisão de 1995), art. 12." («O disposto no n.° 4
do artigo 61." apenas se aplica às penas por crimes cometidos após a entrada em vigor
do Código Penal»), ou como a que constava da Proposta de Lei 80/vn, de Abril
de 1997, que pretendia uma nova revisão do CP de 1982 revisto em 1995, «Expo-
sição de Motivos» («Todavia, este novo regime dos arts. 61.°, n.° 5, e 62°, n.° 3),
apenas será aplicável às penas por crimes cometidos após a sua entrada em vigor,
de acordo, com uma regra idêntica à consagrada no artigo 12.° do Decreto-Lei
n.° 48/95, de 15 de Março»), É desnecessária, pois assim teria necessariamente de
ser; é que, tratando-se de normas que dificultam a liberdade condicional, elas nunca
poderiam, sob pena de inconstitucionalidade, aplicár-se retroactivamente (i. é, apli-
car-se aos condenados por crimes cometidos antes da sua entrada em vigor).
Esta preocupação do legislador ordinário é reveladora do receio que este tem
de que a jurisprudência ainda não tenha interiorizado que estas, como normas pro-
cessuais penais materiais que o são, estão necessariamente submetidas ao princípio
penal geral da aplicação da lei penal mais favorável.
E de esperar que a jurisprudência assim o entenda. E que, na ausência de uma
disposição como esta, não vá para uma absurda interpretação a contrario.
374 2," Parte — A sucessão de leis
Exemplificação:
C91) Anote-se, todavia, que antes do CPP 1987, havia o processo de ausen-
tes; assim, o réu, apesar de ievel, era julgado e, eventualmente, condenado (CPP 1929,
art. 571."). Todavia, como era natural, a sentença não transitava em julgado,
enquanto o réu não comparecesse; comparecendo, acontecia que o réu poderia reque-
rer novo julgamento ou recorrer. Serve isto para dizer o seguinte: foi o legislador
de então incoerente ao estabelecer que, proferida a condenação do réu revel, a par-
tir desta começava a correr a prescrição da pena (CPP 1929, art. 585.°; CP 1886,
após revisão de 1972, art. 126.°, § 4.°), pois que, mantendo-se aberto o processo, só
de prescrição do procedimento criminal se poderia tratar. — Já, então, correcta-
mente, afirmava Luis O S Ó R I O , Notas ao Código Penal Português, Coimbra: França
e Arménio (1923), em nota ao art. 125." do CP 1886: «É o trânsito em julgado da
sentença o marco que delimita a prescrição da acção da prescrição da pena».
1
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1
2.° CAPÍTULO
(493) Tão inverosímil que, apesar de o CP 1886, no art. 125.°, § 4.°, não se
referir expressamente â consumação material sempre foi entendido que o termo a quo
não podia deixar de ser o momento do resultado. Isto vem ainda reforçar que este
problema nada tem a ver com o probléma da determinação do critério da lei com-
petente.
No caso do termo a quo, a razão da sua fixação no momento da consumação
material é a de impedir o absurdo de situações em que o procedimento criminal
pudesse prescrever antes de o respectivo crime se ter materialmente consumado;
isto não tem nada a ver com a ratio de garantia política que determina e é inerente
ao tempus delicti. Além da necessidade de evitar as referidas situações que, em certa
medida, seriam absurdas, funciona ainda em favor da fixação do termo a quo no
momento do resultado — ou no caso das situações especiais referidas no n.° 2 do
art. 119.° do Código Penal, nos momentos aí referidos — a ratio político-criminal
da prescrição, razão que os Antigos costumavam traduzir nas seguintes palavras: a
prescrição é o reconhecimento jurídico da força natural do decurso do tempo que
enfraquece a memória dos factos, que anula o interesse repressivo, que faz desa-
parecer a necessidade do exemplo. — Ora, só depois de produzido o resultado é que
estes fenómenos se desenvolvem.
382 2," Parte — A sucessão de leis
25
386 2," Parte — A sucessão de leis
(504) jjá ainda que não esquecer que o próprio legislador se serve, por vezes,
destas figuras como técnica (instrumento ou meio, como se prefira) de «descrimi-
nalização de facto». Fazendo depender o processo penal por certo crime de apre-
sentação da queixa ou da acusação particular, o legislador sabe — e é isso que,
muitas vezes, pretende — que, em muitos casos, tal vai equivaler a uma não pena-
lização do agente, pois as estatísticas lhe indicam que muitos dos crimes, cujo pro-
cedimento depende de queixa, não chegam a ser julgados precisamente pela não
apresentação da queixa. — Cf., p. e., FIGUEIREDO D I Á S / C O S T A A N D R A D E (n. 218), 420.
Como se vê, este é mais um aspecto que vem reforçar — se de reforço hou-
vesse necessidade — a tese de que estes institutos não são puramente processuais,
mas sim, processuais penais materiais e, como tal, condicionando a responsabilidade
penal, estão sujeitos ao princípio da aplicação da lei mais favorável,
— Sobre as múltiplas razões da consagração das figuras da queixa e da acusação
particular, ver, ainda, FIGUEIREDO D I A S (n. 4 9 6 ) , 6 6 6 - 8 .
3." Capítulo — Queixa e acusação particular 389
(art. 29.°, n.° 4, da CRP e o art. 2.°, n.° 4, do CP) e ainda o princí-
pio da igualdade (art. 13.° da CRP).».
— De tudo o que já demonstrámos resulta que não é verdade o
que se lê no acórdão. Pois: a consideração jurídico-penal da queixa
como "mera" condição de procedibilidade (e não como condição de
procedibilidade è de prosseguibilidade) — com a consequência da afir-
mação da manutenção da legitimidade do Ministério Público para
prosseguir, naturalmente, com os processos já iniciados — não impede
a aplicação retroactiva da lei nova mais favorável (que converteu o
crime de público em semi-público) e, portanto, não trata desigualmente
os agentes cujos processos ainda se não tenham iniciado e aqueles
cujos processos já se tenham iniciado. Tanto uns como Os outros
podem beneficiar da aplicação retroactiva da lei nova: relativamente
aos primeiros, basta que o ofendido não apresente queixa; quanto
aos segundos, basta que o ofendido "desista da queixa", isto é, que
manifeste a suá vontade em que seja extinto o processo iniciado.
— Apreciação:
Poderá parecer, à primeira vista, que, após a entrada em vigor,
em 15 de Setembro de 2007, do novo art. 371.°-A do CPP — que
passou a estabelecer a aplicação retroactiva da lei nova mais favo-
rável, mesmo que já tenha transitado em julgado a sentença conde-
natória —, deixou de ter interesse prático a análise destes acórdãos
do Tribunal Constitucional. — Penso, todavia, que há interesse em
reflectir um pouco em três aspectos destes acórdãos.
Um dos pontos a xeferir e criticar é o da incorrecção jurídica da
terminologia utilizada. Na verdade, é incorrecto falar-se em apre-
sentação de queixa e desistência de queixa (sem colocar tais expres-
sões entre aspas), quando a lei em vigor, desde o início até ao termo
do processo (até ao trânsito em julgado da sentença condenatória), qua-
lificava o facto como crime público. Pois que, juridicamente, o que
houve foi uma participação ou denúncia, e não uma queixa stricto
sensu, pois esta é uma condição de procedibilidade, condição que
não existia, uma vez que o crime, então, era público. E, inexistindo,
em sentido jurídico, queixa, não é juridicamente possível a desis-
tência de queixa. O que acabo de dizer não significa, obviamente,
que não possam ou não devam utilizar-se estas expressões; mas, sim,
que devem ser colocadas entre aspas.
O segundo aspecto a considerar tem que ver com o enquadra-
mento jurídico-penal da retroactividade da lei que converte em semi-
público um crime público. E a questão é a seguinte: o fundamento
da aplicação retroactiva desta lei está no n.° 2 ou no n.° 4 do art. 2.°
do Código Penal?
404 2," Parte — A sucessão de leis
tal não era exigido —, cumprir esse ónus, no prazo indicado na lei
antiga, mas contado a partir do início da vigência da lei nova. É esta,
aliás, a via proposta pelo representante do Ministério Público junto
do Tribunal Constitucional, quando afirma que esta lhe parece "razoá-
vel e adequada, em termos de operar um justo equilíbrio entre os
princípios constitucionais da aplicação retroactiva dà lei mais favo-
rável ao arguido e da confiança [...] que não pode deixar de ser
considerado ao valorar a situação ou posição do ofendido, "sur-
preendido" no decurso do processo criminal pela alteração legislativa
que modificou a natureza do crime cometido". Seria absurdo, além
de praticamente impossível, obrigar o ofendido a retroceder no tempo
e a apresentar uma queixa num prazo que a lei estabelecia para cri-
mes de outra natureza, a fim de impedir a extinção do procedimento
criminal. O ofendido não contava, nem tinha razoavelmente motivos
para contar, com a alteração legislativa. Logo, não estava sujeito a
qualquer prazo para desencadear o exercício da acção penal.».
Creio esta argumentação inteiramente correcta e constitucional-
mente harmoniosa. Quero fazer, todavia, um reparo, que não tem que
ver com a concreta questão em análise, mas, sim e ainda, com a
minha tese da chamada "ponderação diferenciada" e contra a tese
da jurisprudência de que a ponderação entre as leis sucessivas deve
ser global. Diferentemente do que se lê, no acórdão, a passagem
de crime público a semi-público não significa, necessariamente, uma
"desvalorização" do respectivo bem jurídico, embora, na maioria dos
casos, as duas coisas andem de "braço dado". Assim, basta recordar
que a Revisão Penal de 1995, apesar de ter passado o crime de maus
tratos entre cônjuges de público a semi-público, elevou a pena de
até três anos para até cinco anos de prisão. Donde se conclui que a
conversão deste crime em semi-público não significou, de modo
algum, uma desvalorização do respectivo bem jurídico.
contra a qual foi exercido o direito de queixa (CP, art. 116.°, n.° 2).
Portanto, havendo oposição, o processo prosseguirá, podendo vir a ter-
minar na condenação penal do arguido-opositor que impediu, por
decisão própria, a extinção do procedimento criminal.
Embora a consagração legal da figura da oposição à desistência
se fundamente no eventual justo interesse de o arguido mostrar a
sua inocência ( 511 ), ela, a oposição, acaba por impedir a extinção do
processo e, consequentemente, a possibilidade da extinção pura e
simples da (eventual) responsabilidade penal. Logo, a oposição cons-
titui um impedimento à extinção da eventual responsabilização penal,
extinção que, via extinção do procedimento, ocorreria por força da
desistência.
Mas as formas como o legislador resolve o conflito de interes-
ses (o interesse do arguido na extinção do processo versus o even-
tual interesse do mesmo arguido em mostrar a sua inocência) — ou
dá prevalência ao critério do arguido, assegurando-lhe o direito de opo-
sição à desistência, ou impõe o seu critério de não deixar na depen-
dência da vontade do arguido a prossecução de um processo crimi-
nal com a possibilidade de lhe vir a ser aplicada uma pena, não lhe
atribuindo o direito de oposição — não pode fazer esquecer que,
sob o aspecto que ora nos importa, deve sempre ser considerada
como lei penal mais favorável aquela que exclui o direito de oposi-
ção à desistência.
Donde a conclusão seguinte, num caso de sucessão de leis
penais: se a L.A. prevê o diíeito de oposição e a LJST. o exclui, apli-
car-se-á (retroactivamente) a L.N., pois que esta vem criar uma pos-
sibilidade de pura e simples extinção do procedimento criminal, via
desistência do ofendido; se a L.A. exclui o direito de oposição e
a L.N. o prevê, aplicar-se-á a L.A. (a lei vigente no "tempo do
delito"), só podendo aplicar-se a L.N. relativamente aos factos pra-
ticados depois da sua entrada em vigor, uma vez que, sob o ponto de
vista da responsabilização penal, esta é menos favorável.
tese claramente violadora da CRP, art. 32°, n." 2 («Todo o arguido se presume ino-
cente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação»). Com efeito, o STJ
diz o seguinte: «O Tribunal Constitucional não vai proferir directamente uma deci-
são sobre a natureza da prisão a que o arguido está sujeito, circunscrevendo a sua
competência a verificar a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma que Ibe é sub-
metida». E, logo de seguida, vai o STJ alcandorar-se a "super-legislador" e a
"tutor" dos interesses do arguido, pelo facto de ocupar o topo da hierarquia dos
tribunais, "doutrinando" deste modo: «Por outro lado, e sem prejuízo da compe-
tência própria do Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão
superior da hierarquia dos tribunais judiciais (art. 212°, n.° 1, da CRP), compe-
tindo-lhe definir em última instância a situação dos agentes de infracções criminais.
E assim se compreende que, no interesse dos próprios arguidos, aqui termine para
eles, com a decisão condenatória, o regime de prisão preventiva e se inicie o cum-
primento da pena, mesmo que tal decisão não transite em julgado [?!], em conse-
quência de recurso para o Tribunal Constitucional. .Esta é a doutrina que inequi-
vocamente [?1] se retira das disposições combinadas do art. 212.°, n.° 1, da CRP, e
do art. 28°, n.° 3, al. a), da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, constante da Lei
n.° 38/87, de 23-12».
E, depois disto, imediatamente conclui, indeferindo o requerimento, não, sem
antes, deixar de observar: «Não havendo, pois, neste aspecto, razões que justifi-
quem a alteração da corrente dominante [será?!] no Supremo Tribunal de Justiça, tem
de ser indeferido o requerimento do arguido».
(519) Ver GIULIO ILLUMINATI, «Presunzione d'innocenza e uso delia carcera-
zione preventiva come sanzione atípica», RIDPP (1978), 956 ss.
( H 0 ) Há que evitar que a justiça penal se transforme em instrumento nas
mãos do poder económico e/ou do poder político, pois, tal acontecendo, as garan-
tias fundamentais reduzir-se-ão a algo de meramente formal. — Sobre este ponto
essencial, ver GIULIO ILLUMINATI (n. 5 1 9 ) , 9 1 9 ss.
( 521 ) Concepção esta que, na Itália, parece ter estado na origem de um aumento
dos prazos parcelares, à medida que o processo se ia aproximando do seu termo
(ex., maior o prazo entre a condenação em 1instância e a condenação com trân-
4." Capítulo — Prisão preventiva 415
dentemente que não: ele, legislador ordinário bem sabe — por vezes
não sabe, mas é presumido saber, não podendo a sua eventual igno-
rância isentar o juiz do cumprimento do princípio constitucional da
aplicação retroactiva das normas processuais penais materiais favo-
ráveis ( 527 ) — que a sua lei, porque mais favorável (ao arguido,
claro; não aos tribunais) tem de ser aplicada aos arguidos-presos pre-
ventivamente.
Expectativas do tribunal? — também é evidente que não: se o
legislador entende que o novo prazo da prisão preventiva é o razoá-
vel, em função da gravidade do tipo legal de crime em questão e da
correspondente complexidade processual, é este que se tem de aplicar
retroactivamente («imediatamente») às prisões preventivas em curso.
Se, porventura, as expectativas do tribunal se baseavam na rela-
ção que ele, tribunal, estabelecia entre o tempo durante o qual podia
manter preso o arguido e a dinâmica a imprimir ao processo, então
tais expectativas não só não são legítimas, mas são mesmo ilegítimas.
Ilegítimas, pois que: são mesmo inconstitucionais — CRP, art. 32°,
n.° 2, estabelece a correcta e justa relação entre a presunção da
inocência do arguido (l. a parte) e a exigência de julgamento defini-
tivo «no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa»
(2.a parte), o que, valendo para o caso de arguido não preso, por
maioria de razão se impõe, estando preso o arguido — e revelam uma
distorção da função processual da prisão preventiva. Esta distorção
teleológica é, mesmo sob o critério constitucional, ilegítima, uma
vez que, como dizemos já de seguida, atenta contra o referido prin-
cípio da presunção de inocência e contra o princípio-base constitu-
cional da dignidade da pessoa humana, na medida em que as tais
expectativas se traduzem numa instrumentalização da pessoa do
arguido-preso.
Mesmo que não seja o caso reprovável de expectativas ilegítimas,
o certo é que nunca há quaisquer expectativas que possam impedir
a aplicação «imediata» (retroactiva) da LN. que reduza os prazos
da prisão.
I
5 ° — Por último, há que ter presente que uma L.N. que encurte
o prazo de prescrição do procedimento criminal se aplica retroacti-
vamente aos prazos em curso ( 528 ), o que, em certos casos, significa
a extinção imediata da responsabilidade penal por mais grave que
seja o crime em questão. — Que razão há para impedir que uma L.N.
que encurta o prázo da prisão preventiva se aplique ao arguido-preso,
mesmo que tal aplicação determine a sua imediata libertação provi-
sória? — Nenhuma; pode mesmo afirmar-se que, aqui, se deve apli-
car mesmo por maioria de razões: l .a — diferentemente da prescri-
ção, aqui não se trata de extinguir a responsabilidade penal pelos
eventuais crimes cometidos, mas apenas de aguardar, em liber-
dade ( 529 ), a condenação ou a absolvição definitiva; 2." — a prisão
preventiva constitui — nada disto se passando na prescrição —, nas
adequadas palavras de MUNOZ CONDE ( 530 ), «a mais grave intromis-
são que pode exercer o poder estatal na esfera da liberdade do indi-
víduo, sem que medeie uma sentença judicial firme, com fundamento
em crime que a justifique» ( 531 ).
(532) RIDPP ( 1 9 8 1 ) , 4 4 3 - 4 .
( 533 ) Sobre a prisão preventiva era geral (função, pressupostos, excepcionali-
dade, subsidiariedade, etc.), V. J. CASTRO E SOUSA, «Os Meios de Coacção no Novo
Código de Processo Penal», in JDPP, Coimbra: Almedina ( 1 9 8 8 ) , 1 4 9 - 6 3 ; ODETE
MARIA DE OLIVEIRA, « A S Medidas de Coacção no Novo Código de Processo Penal»,
in JDPP citadas, 1 6 5 - 1 9 0 ; A N T Ó N I O BARREIROS (n. 4 5 8 ) , 5 2 7 - 8 1 e 5 9 1 - 6 ; G I L
M O R E I R A DOS S A N T O S , Noções de Processo Penal, Porto: Oiro do Dia ( 1 9 8 7 ) ,
2 5 7 s s . ; CAVALEIRO DE FERREIRA ( n . 1 1 ) , 1." v . , 2 3 7 - 7 4 ; E D U A R D O CORREIA, La
Détention Avant Jugement.
( 534 ) «La Sentenza n. 15 dei 1982 delia Corte Costituzionale...», in RIDPP,
XXV (1982), 1220. Quanto às implicações do princípio da presunção da inocência
do arguido sobre a configuração da prisão preventiva cf., também, GREVI, Liberta
Personale deli'Imputado e Costituzione, Milano (1976), 37 ss.
4." Capítulo — Prisão preventiva 419
(535) GIULIO ILLUMINATI (n. 519), 922 ss., refere-se à «crise do processo e à
utilização dos institutos processuais como meios de controle social», considerando
que, entre os vários factores desta perigosa (para o Estado-de-Direito e para a pes-
soa humana que o legitima) tendência, está «a discricionariedade decisória do juiz,
nem sempre insensível aos desígnios políticos do poden> e «a pouca sensibilidade
da consciência social relativamente ao princípio da presunção da inocência do
arguido»; insensibilidade que, além de não deixar de ter algumas consequências
nas decisões do poder político, faz com que o arguido, especialmente quando é pre-
ventivamente preso, seja tido pela opinião comum como um verdadeiro criminoso,
«sem que se tenha consciência da substancial iniquidade» de uma tal atitude. Assim,
conclui o Autor que «A defesa dos princípios garantísticos torna-se, hoje mais que
nunca, uma actualidade urgente. Especialmente no momento em que à objectiva dis-
função da administração da justiça se responde invocando o «processo forte».
(536) «Profili di Disciplina delia Liberta Personale nelPItalia degli Anni Set-
tanta», in La Liberta Personale, Torino; E. Torinese (1977), 222 e 239-41. — Itá-
lico meu. Cf., ainda, LEOPOLDO E L I A , «Premessa», in La Liberta... acabada de
citar, xvm: «Inegavelmente é muito perigoso, em tema de liberdade, toriiar «con-
juntural» a interpretação e efectivação da Constituição».
420 2," Parte — A sucessão de leis
objecto de imposição automática. Tal aplicação ope legis violaria como em texto
se comprova, de igual modo — embora com efeitos no arguido menos graves — o
princípio da presunção de inocência do arguido e, fosse qual fosse a sua motivação,
constituiria uma instrumentalização da pessoa do arguido.
O princípio geral é o da liberdade provisória sem qualquer condição, salvo a
exigência compreensível do «termo de identidade e residência» (CPP, art. 196.").
(»!) De tudo o que escrevi até ao momento, creio não haver lugar para qual-
quer dúvida sobre á inconstitucionalidade da prisão preventiva ope legis, isto é,
obrigatória. É, inequivocamente, inconstitucional.
Cf. G O M E S C A N O T I L H O / V I T A L M O R E I R A (n. 333), 1 . ° v„ anot. IVao art. 28°;
I. TAVARES DE A L M E I D A , A Precaridade da Prisão Preventiva e os Delitos Incau-
cionáveis — sep. dá ROA (SetiDez. — 1982).
422 2," Parte — A sucessão de leis
(543) Cf. CPP, art. 197.°, n.° 2. Não se entenda que a substituição referida
nesta disposição só é possível quando estiver em causa crime punível com pena de
prisão. Como digo em texto, tal entendimento é errado, podendo mesmo levar a deci-
sões inconstitucionais.
424 2," Parte — A sucessão de leis
í
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