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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA


DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS

MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO MOREIRA

IMPASSES NA CONSTRUÇÃO DE UM TERRITÓRIO DE REFORMA AGRÁRIA: o


assentamento rural Dona Antônia, PB

JOÃO PESSOA/PB
2009
2

MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO MOREIRA

IMPASSES NA CONSTRUÇÃO DE UM TERRITÓRIO DE REFORMA AGRÁRIA: o


assentamento rural Dona Antônia, PB

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em


Geografia, do Centro de Ciências Exatas e da Natureza
(CCEN), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
em cumprimento às exigências da disciplina Pesquisa
Geográfica, como requisito parcial para a obtenção do
titulo de Bacharel em Geografia.

Orientador (a): Profª. Drª. Maria Franco Garcia

JOÃO PESSOA/PB
2009
3

M838i Moreira, Maria da Conceição Monteiro.

Impasses na construção de um território de reforma agrária: o assentamento rural


Dona Antônia, PB / Maria da Conceição Monteiro Moreira. - - João Pessoa: [s. n.],
2009.
85 f.: il.
Orientadora: Maria Franco Garcia.

Monografia (Graduação) – UFPB/CCEN.

1. Geografia humana. 2. Assentamentos rurais. 3. Questão


agrária.
4

MARIA DA CONCEIÇÃO MONTEIRO MOREIRA

IMPASSES NA CONSTRUÇÃO DE UM TERRITÓRIO DE REFORMA AGRÁRIA: o


assentamento rural Dona Antônia, PB

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em


Geografia, do Centro de Ciências Exatas e da Natureza
(CCEN), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
em cumprimento às exigências da disciplina Pesquisa
Geográfica, como requisito parcial para a obtenção do
titulo de Bacharel em Geografia.

Aprovado em: ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Profª. Drª. Maria Franco Garcia
Orientadora

_________________________________________________
Silvânia Félix de lima
Mestranda em geografia PPGG/UFPB

_________________________________________________
Profª. Msc. Ana Glória Cornélia Madruga
Examinadora
5

Dedico este trabalho aos meus


pais, Rodrigo e a todos os meus
amigos por toda a compreensão
durante a realização de mais um
projeto em minha vida.
AGRADECIMENTOS
6

Meus sinceros agradecimentos...

...agradeço primeiramente a Deus por estar sempre presente em minha vida;


...a toda minha família que sempre ofereceu seu apoio durante toda minha vida;
...a minha orientadora Prof. Dr. Maria Franco Garcia, por toda sua paciência que foi de
essencial importância para a realização deste trabalho;
...à professora Ana Glória Cornélia Madruga e a mestranda Silvânia Félix, por aceitarem
participar da banca;
...à Juliana e principalmente a Silvânia, por toda a ajuda durante o processo de construção da
pesquisa;
...ao pessoal do Assentamento Dona Antônia que em razão das entrevistas muito contribuiu
para o desenvolvimento da pesquisa;
...a Prof.ª Valéria que apesar da distância, sempre esteve presente através do seu
carinho e atenção;
...e a Elvira pelo seu trabalho junto à coordenação, sempre ajudando os alunos e
desempenhando seu papel com muita eficiência;
...as minhas queridas amigas “poias” do curso Tatiana, Aline e principalmente a
Simone por toda sua paciência e atenção, com as quais compartilhei momentos inesquecíveis;
...aos meus queridos amigos Junior, Rômulo, Jefferson e Fagner;
...a minha amigas Janina, Sâmia e Taize pela ajuda, sempre;
...A Rosa, que sempre me ajudaram nos momentos de maior desespero, durante a
construção da Monografia;
...e principalmente a Rodrigo por todo seu amor, compreensão e ajuda durante o
decorrer da pesquisa e principalmente pela sua motivação nos momentos mais difíceis nesta
pesquisa e na minha vida.
... e o agradecimento especial aos meus pais, Guaraci e Geraldo, pois sem eles eu nada
seria.

RESUMO
7

Este presente trabalho parte do princípio de que a agricultura camponesa não faz parte da
prioridade do Governo brasileiro, e que a conquista da terra garantida pelos assentamentos
rurais representam apenas uma das etapas a ser vencida pelos camponeses, para que assim os
mesmos possam garantir a sustentabilidade da família dignamente. O objetivo deste trabalho
consiste em identificar quais são os fatores externos e internos que motivam o
desenvolvimento de um assentamento, tendo como base a experiência do Assentamento de
Reforma Agrária Dona Antônia, antiga Fazenda Tabatinga/Jacumã. Assim, através do
diagnóstico realizado na área de estudo notamos um alto grau de satisfação por parte dos
moradores do Assentamento através do entusiasmo dos entrevistados em descrever a
felicidade de ter a casa própria, e ter a terra para plantar sem a necessidade de continuarem
sendo explorados pelos latifundiários e um ponto de insatisfação diagnosticado foi à falta de
recursos, por não existir meio de transporte para levar os camponeses diretamente para as
feiras, e por ainda existir a figura do atravessador, dificultando assim a obtenção de um lucro
justo pela produção.

Palavras chaves: Dona Antônia – Assentamentos Rurais – Questão Agrária.

ABSTRACT
8

This present work has left of the judgment of that agriculture peasant is not part of the priority
of the Brazilian Government, and that the conquest of the land guaranteed for the agricultural
nestings represents only one of the stages to be won by the peasants, so that thus the same
ones can guarantee the support of the family worthy. The objective of this work consists of
identifying which is the external and internal factors that motivate the development of a
nesting, having as base the experience of the Nesting of the Agrarian Reformation Dona
Antônia, old Tabatinga/Jacumã Farm. Thus, through I diagnosis it carried through in the study
area we notice one high degree of satisfaction on the part of the inhabitants of the Nesting,
through the enthusiasm of the interviewed ones in describing the happiness to have the proper
house, and to have the land to plant without being subject to more than nobody not to be of
same itself, and a point of diagnosised insatisfação was to the lack of resources, for not
existing half of transport to take the peasants directly for the fairs, and for still existing the
figure of the profiteer, thus making it difficult the attainment of a profit just for the
production.

Words Keys: Dona Antônia - Agricultural Nestings - Agrarian Question.

LISTA DE FIGURAS
9

Figura 01 Casas do Assentamento Dona Antônia 32


Figura 02 Escola de Ensino Fundamental Reginaldo C. Sales 33
Figura 03 Associação dos Trabalhadores do Assentamento Dona Antônia 36
Figura 04 Parcela que trabalha com irrigação 37
Figura 05 Parcela que não trabalha com irrigação 38
Figura 06 Ocupação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra no 46
sertão do Estado de Pernambuco, ligados à Comissão Pastoral da
Terra (CPT) em 18/05/2009.
10

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 A evolução do índice de GINI 47


Tabela 02 Estrutura fundiária brasileira em 1995 47
Tabela 03 Estrutura fundiária brasileira em 2003 48

LISTA DE QUADROS
11

Quadro 01 Número de ocupações e famílias em ocupações – Governo Lula 60


Quadro 02 Implantação de Assentamentos Rurais – Governo Lula – Brasil. 60
Quadro 03 Número de Assentamentos e Famílias – Brasil – 2005. 72

LISTA DE MAPAS
12

Mapa 01 Localização do assentamento Dona Antônia no Estado da Paraíba 19


Mapa 02 Localização do assentamento Dona Antônia na região do Conde, 25
2009
Mapa 03 Planta do assentamento Dona Antônia no Município do Conde/ PB, 2009 27
Mapa04 Concentração da violência contra trabalhadores rurais e camponeses 64
no Brasil
Mapa 05 Brasil - Geografia dos movimentos sócioterritoriais – 2000 – 2007. 69
Número de famílias em ocupações – por município
Mapa 06 Geografia dos assentamentos rurais – Número de projetos de 74
assentamentos
13

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 Percentual da faixa etária dos entrevistados, 2009 18


Gráfico 02 Percentual do sexo dos assentados entrevistados, 2009 18
Gráfico 03 Percentual de assentamentos rurais por região – Brasil, 2005 22
Gráfico 04 Percentual de assentados entrevistados segundo município de 29
origem, 2009
Gráfico 05 Percentual dos assentados entrevistados que consideram ter 30
adquirido melhores condições de vida após o assentamento, 2009
Gráfico 06 Percentual de famílias assentadas entrevistadas que participam da 31
Comissão Pastoral da Terra - CPT, 2009
Gráfico 07 Percentual do grau de escolaridade dos assentados entrevistados, 34
2009
Gráfico 08 Percentual da contratação de trabalhadores externos pelos assentados 39
entrevistados, 2009
Gráfico 09 Percentual das familiar das famílias assentadas entrevistadas 40
segundo renda familiar, 2009
Gráfico 10 Percentual das famílias entrevistadas que são beneficiadas pelo Bolsa 42
Família no assentamento, 2009
Gráfico 11 Percentual dos assentamentos rurais na Região Nordeste – 2005 49
Gráfico 12 Brasil – Número de Ocupações de Terra 1988 – 2004 55
Gráfico 13 Ocupação de terras – Número de Famílias 1988 – 2004 56

LISTA DE SIGLAS

WTABS LAVOURAS E TRABALHADORES AGRÍCOLAS DO BRASIL


MST MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA

INCRA INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO DE REFORMA


AGRÁRIA
PROALCOOL PROGRAMA NACIONAL DO ÁLCOOL
14

IBRA INSTITUTO BRASILEIRO DE REFORMA AGRÁRIA


INDA INSTITUTO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO
PNRA PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA
UDR UNIÃO DEMOCRÁTICA RURALISTA
CPI COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO
PT PARTIDO DOS TRABALHADORES
PSDB PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA
PMDB PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
LEPAN LABORATÓRIO DE ENSINO E PESQUISA EM ANÁLISE
ESPACIAL

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................ 16

CAPÍTULO 1: A CONQUISTA E A CONSOLIDAÇÃO DO


ASSENTAMENTO DONA ANTÔNIA......................................................... 21

1.1 OS ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA.............. 22


1.2 A LUTA PELA TERRA DO ASSENTAMENTO RURAL DE REFORMA
AGRÁRIA DONA ANTÔNIA.................................................... 23
15

1.3 O ASSOCIATIVISMO RURAL.................................................................. 34


1.4 PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO NO ASSENTAMENTO............ 37
1.5 RENDA DAS FAMÍLIAS E CRÉTIDOS OBTIDOS................................ 39

CAPÍTULO 2: NOTAS SOBRE A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA


E A SUA EXPRESSÃO NA PARAÍBA......................... 44
2.1 ORIGENS DA DESIGUALDADE SOCIAL NO CAMPO
BRASILEIRO..................................................................................................... 44
2.2 AS PROPOSTAS DOS GOVERNOS MILITARES PARA O CAMPO..... 50
2.3 AS PROPOSTAS DA REFORMA AGRÁRIA NA NOVA REPÚBLICA 53

CAPÍTULO 3: REFORMA AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA........ 62

3.1 A IGREJA CATÓLICA E A REFORMA AGRÁRIA................................ 67


3.2 A LUTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS.................................................. 70
3.3 TRANSFORMAÇÃO DO CAMPO BRASILEIRO.................................... 78

REFERÊNCIAS................................................................................................ 83

APÊNDICES..................................................................................................... 86

APÊNDICE – A: ROTEIRO DE ENTREVISTA A SER REALIZADA


COM COORDENADOR DA ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES.........
87
APÊNDICE – B: ENTREVISTA JUNTO COM O SR. PRESIDENTE
DA ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO ASSENTAMENTO
DONAANTÔNIA.............................................................................................. 88

APÊNDICE – C: QUESTIONÁRIO APLICADO ÁS FAMÍLIAS 99


ASSENTADAS (A PESSOA QUEM SE ENCONTRAVA NA
102
PARCELA)......
AANEXOS ........................................................................................................ 103

ANEXO A: LAUDO DE VISTORIA E AVALIAÇÃO DO IMÓVEL


“TABATINGA/JACUMÔ............................................................................

INTRODUÇÃO

A questão agrária brasileira ainda caracteriza-se pela alta concentração fundiária e de renda,
pelas baixas condições de vida de parte significativa das famílias trabalhadoras no campo e na cidade.
Contudo, a pressão social e os conflitos pela terra, pela aquisição e retorno a terra de que foram
expropriados, que estão em todo momento recolocando a Reforma Agrária no contexto das políticas
públicas. O resultado dessas pressões tem-se dado através da implantação de Assentamentos Rurais.
16

Porém, a posse da terra não é suficiente par se fazer Reforma Agrária, esta vai muito além da
implantação de Assentamentos Rurais. Está relacionada à aquisição de terra para se trabalhar, mas
também se refere ao bem-estar social, a condições satisfatórias de permanência e reprodução na terra.
No Brasil tem-se realizado uma política de assentamento de população no campo. Esses
assentamentos foram criados apenas como medidas governamentais com o objetivo de amenizar os
conflitos sociais referentes à concentração fundiária. Os Assentamentos hoje representam um meio de
aplicação das políticas públicas governamentais que buscam a criação de empregos e a repartição de
renda, por meio do acesso a terra e as políticas agrícolas, voltadas para o desenvolvimento do campo
brasileiro. Para Leite e Medeiros (1999):

A ausência de uma clara definição da política agrária pelas agências


governamentais fez com que a implementação de assentamentos rurais, na
grande maioria dos casos, tenha sido uma decorrência das contundentes
ações políticas dos trabalhadores rurais sem terra organizados pelos
movimentos sociais, e não por organismos governamentais. (p.115-118).

Ao formarem-se os assentamentos rurais não significa dizer que estes terão desenvolvimento,
pois os assentados contam com algumas dificuldades, principalmente no que se refere à infra-
estrutura, acesso aos sistemas de créditos, as tecnologias voltadas para o campo, as produções, aos
canais de comercialização.
Como resultado destes fatores os assentados estão expostos a vários tipos de problemas como:
ausência de qualificação profissional, comercialização da produção, ausência de tecnologias no
campo, altos custos da produção em contrapartida com os baixos preços oferecidos pelas culturas
produzidas, o que faz com que os assentamentos cumpram o papel de fornecedores da matéria-prima
barata para o abastecimento fora dos assentamentos.
O objetivo deste trabalho consiste em identificar, e analisar os fatores internos e externos que
determinam o desenvolvimento de um Assentamento, baseando-se na experiência do Assentamento de
Reforma Agrária Dona Antônia, antiga Fazenda Tabatinga/Jacumã no município do Conde, na
microrregião do Litoral Sul da Paraíba. Para isso, buscamos entender o processo da conquista e da
consolidação do assentamento e estudar as principais dificuldades existentes nos aspectos econômicos,
sociais e culturais e o reflexo desses fatores no desenvolvimento do assentamento estudado.
Para a realização desta pesquisa, foi necessária a leitura de obras como Bernardo; Martins;
Melo; Medeiros; Moreira; que discutem de maneiras diferentes a “questão agrária brasileira”, dando
ênfase às lutas pela conquista da terra e a configuração dos assentamentos rurais. As leituras foram
realizadas no decorrer do curso da graduação, principalmente no decorrer da pesquisa que serviram de
fundamentação teórica para o desenvolvimento da mesma. Também foram realizadas várias visitas ao
Assentamento Dona Antônia.
17

O levantamento bibliográfico foi feito tendo como base os seguidos temas: um breve resgate
histórico sobre o processo de colonização no Brasil e na Paraíba, a Estrutura Fundiária no Brasil,
Reforma Agrária, os Movimentos Sociais envolvendo a luta pela terra no campo, além das questões
relacionadas com os Assentamentos Rurais, entre outros. Esses levantamentos foram realizados junto à
Biblioteca Central da UFPB, à Biblioteca Setorial do Departamento de Geociências e à
Superintendência do INCRA, assim como na internet.
As visitas ao Assentamento Dona Antônia, foram realizadas nos dias 07 e 28 de fevereiro de
2009. Em decorrência das visitas ao local, foram realizadas entrevistas com a liderança do
assentamento e com as famílias assentadas. Foram entrevistadas cerca de 30 famílias, o que resulta
em 27% do total de 110 famílias pertencentes ao assentamento Dona Antônia.
A faixa etária dos entrevistados tem sua variação apresentada no Gráfico 01 (p.18), onde a
maioria dos entrevistados possui entre 30 e 50 anos. A presença de mulheres dentro do assentamento é
maior do que os dos homens. Durante a pesquisa foram entrevistadas 63,34% de pessoas do sexo
feminino e 36,66% do sexo masculino, Gráfico 02 (p.18).

Gráfico 01: Percentual da faixa etária dos assentados Gráfico 02: Percentual do sexo dos assentados
entrevistados, 2009. entrevistados, 2009.
18

Fonte: Trabalho de campo-2009 Fonte: Trabalho de campo-2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira Org. Maria da Conceição M. Moreira

As técnicas de coleta de dados constituíram-se de questionários (ver apêndice) e observação


empírica, com auxilio de mapas e levantamento fotográfico. Quanto à forma de abordagem dos dados
foram à seleção, classificação, organização, tabulação e estabelecimento de relações.
Possuindo uma área de 1.122,00 hectares, o assentamento Dona Antônia está localizado no
município do Conde - PB, inserido na microrregião do Litoral Paraibano constituída na faixa litorânea
que vai desde Mataraca nos limites do Rio Grande do Norte até Caaporã nos limites com Pernambuco.
No interior do Estado limita-se a oeste com as microrregiões Piemonte da Borborema e Agropastoril do
Baixo Paraíba, onde a mesma se distância aproximadamente 32 km da capital do estado, João Pessoa, e
45 Km da sede municipal cujo acesso se faz pela Rodovia Federal PB-08 como mostra o Mapa 01:

Fonte: VIANNA, Pedro Costa Guedes. LIMA, Valéria Raquel. SILVA, Jorge Flávio Cazé B. Costa. Diagnóstico
parcial dos recursos hídricos do Assentamento Dona Antônia - Conde - PB.
Mapa 01 – Localização do assentamento Dona Antônia no Estado da Paraíba.
19

Fonte: Lepan, 2009.


20

Quanto aos aspectos físicos do assentamento, mais precisamente clima, relevo, hidrografia solo
e vegetação, nos apoiamos nos resultados apresentados pelo Laudo de Vistoria e Avaliação realizado
pelo INCRA no ano de 1995 na localidade (ver anexo A). Desta forma, o clima da área do assentamento
foi classificado como sendo do tipo “3DTH”- Mediterrâneo Quente ou Nordestino Subseco com
temperaturas médias térmicas anuais em torno de 25 graus Centígrados.
Em se tratando do relevo, este está caracterizado como sendo suave ondulado, ondulado e forte
ondulado. A cobertura vegetal é remanescente de formações secundárias da floresta tropical,
subperenifólia (uma vegetação formadas por árvores sempre verdes, com caules delgados e detentora
de folhas largas), formações de transição e cerrados. Já em relação aos solos da região, o assentamento
está inserido numa área que apresenta o PV5- Associação de: Podzólico Vermelho Amarelo latossócico
textura média fase floresta subperenifólia relevo suave ondulado e Latosol Vermelho Amarelo
Distrófico textura média fase transição fase floresta subperifólia/cerrado relevo plano e podzól
Hidromórfico fase cerrado relevo plano.
Quanto aos recursos hídricos naturais encontramos ainda de acordo com o Laudo de Vistoria,
os riachos: Caboclo e Ferro e uma pequena parte do rio Gurugi existindo também a Lagoa Preta ou
Lagoa do Guilherme.
O trabalho está estruturado em três capítulos, além da introdução e das considerações finais: o
primeiro capítulo trata de um estudo sobre o Assentamento Rural de Reforma Agrária Dona Antônia
começando com uma caracterização da área de estudo, seguindo com a análise do processo de luta pela
terra que deu origem ao assentamento até a sua organização como um todo: moradias, educação e
saúde, formas de produção e sua comercialização.
O segundo capítulo traz um resgate histórico da questão agrária brasileira abrangendo as
origens da concentração fundiária, a atuação de alguns governos nesse processo dando ênfase ao
período que segue a partir da década de 1960, especialmente durante a ditadura militar, para entender
como se deu a questão agrária brasileira que é caracterizada por dois problemas principais:
concentração fundiária e luta pela terra.
O terceiro capítulo apresenta uma discussão relacionada ao processo de reforma agrária
brasileiro considerando a atuação dos movimentos sociais no campo, a atuação da igreja Católica a
partir da Comissão Pastoral da Terra (CPT) nesse processo de Reforma Agrária, assim como de
diversos movimentos sociais mediadores da luta pela terra.
21

1 A CONQUISTA E CONSOLIDAÇÃO DO ASSENTAMENTO DONA ANTÔNIA

Na geografia existem diferentes abordagens da concepção de território cada vertente teórica dá


ênfase a algum dos aspectos presentes no território, seja a sua dimensão econômica, política e ou
cultural, ou no entrelaçamento destes fatores, para apreender a dinâmica de um espaço que está sempre
em construção. Neste trabalho consideramos o Assentamento Rural de Reforma Agrária Dona Antônia
um território que se define e se limita a partir e por relações de poder, como a compreensão definida
por Souza (1995).
No assentamento consideramos as relações sócio-econômicas como elementos territoriais,
tanto em relação à disputa pela terra que originou o próprio assentamento, quanto em relação à
organização territorial a partir da sua formação. Para compreender como esse território se solidificou a
partir do processo inicial de formação que é a aquisição da terra pelos assentados, fizemos uma análise
das condições econômicas, e sociais atuais no assentamento.
Enfatizamos as questões territoriais tomando por base os agentes produtores deste território e
a disputa pela terra, já que o assentamento pode ser considerado uma etapa avançada na luta territorial
que já alcançou a sua materialidade, pois a terra conquistada permite a organização para a produção e
a possibilidade de sobrevivência para as famílias assentadas, Como coloca Saquet (2003):

O território se dá quando se manifesta e exerce-se qualquer tipo de poder, de


relações sociais. São as relações que dão o concreto ao abstrato, são as
relações que consubstanciam o poder. Toda relação social, econômica,
política e cultural é marcada pelo poder, porque são relações que os homens
mantêm entre si nos diferentes conflitos diários. (p. 24).

É a partir dessas relações representadas por Saquet (2003) que buscaremos analisar o
desenvolvimento do assentamento Dona Antônia considerando as relações dos assentados com os
órgãos governamentais, com o mercado e entre a comunidade assentada.
22

1.1 Os Assentamentos rurais de Reforma Agrária

Os assentamentos rurais são na maioria dos casos a da conquista da terra pelas famílias
trabalhadoras sem terras. Essa luta histórica se espalha por todas as regiões do Brasil e é mediada por
movimentos sociais, sindicatos e a própria Igreja Católica. No Gráfico 03 (p.22), podemos observar o
percentual de assentamentos rurais por região do território brasileiro:

Gráfico 03. Percentual de assentamentos rurais por região – Brasil, 2005.

Fonte: DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra


NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Banco de dados
de luta pela terra DATALUTA/NERA-FCT/UNESP – Presidente Prudente-SP
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

O gráfico 03 mostra a hegemonia da região Nordeste em relação ao percentual de


assentamentos por região, representando quase a metade do total de assentamentos criados no Brasil
até 2005. O assentamento Dona Antônia, objeto do nosso estudo, faz parte dessa realidade,
especificamente dos Projetos de Assentamentos implantados no estado da Paraíba. Segundo Carvalho
(1998) o assentamento rural é:

O conjunto de famílias de trabalhadores rurais vivendo e produzindo um


determinado imóvel rural, desapropriado ou adquirido pelo governo federal
(também pelos governos estaduais), com fim de cumprir as disposições
constitucionais e legais relativas à Reforma Agrária. (p. 4)

Para Silva e Moreira (1997 apud ÂNGELO, 2003),


23

Eles representam, no contexto da vida sócio econômica do Brasil, uma ação


concreta de colocar em prática a legislação que proíbe a presença de terras
improdutivas, vista a multidão de trabalhadores rurais sem terra ou com
pouca, vivendo em condições subumanas, seja no campo como moradores e
posseiros, seja nas pontas de ruas, engrossando os cinturões de miséria
urbana (p. 43).

Na visão de Medeiros (2001), a tendência é que os assentamentos bem sucedidos fortaleçam os


movimentos de luta pela terra, já que eles provaram ser eficientes, além de contribuir, colaborando
como as ocupações de terras e com os acampamentos situados tanto dentro dos assentamentos quanto
nas suas proximidades.
Esse fato pôde ser observado na área de estudo, onde antes da ocupação definitiva os
acampados do assentamento Dona Antônia já haviam ocupado a mesma Fazenda onde hoje formou-se o
assentamento e foram expulsos dela. Nesse momento os acampados receberam apoio do assentamento
vizinho (Gurugy II) que permitiu que esse grupo expulso acampasse em suas terras enquanto se
refaziam para organizar uma nova luta com uma nova ocupação, que resultou na ocupação definitiva e
consolidação do assentamento Dona Antônia. Entendemos que nesse momento, esse apoio entre as
famílias sem e com terra, contribuem com o fortalecimento da luta pela terra no Estado.

1.2 A luta pela terra do Assentamento Rural de Reforma Agrária Dona Antônia

Antes de 1996 o assentamento Dona Antônia era a Fazenda Tabatinga/Jacumã, localizada no


município do Conde – PB, microrregião do litoral paraibano, possuindo 1.122,00 há, segundo o Laudo
de Vistoria1 realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 1995.
Na área ocupada pela Fazenda eram desenvolvidas poucas culturas, entre elas um pequeno
plantio de coqueiral e outro de acerola. De acordo com a entrevista realizada com o Presidente da
Associação dos Trabalhadores do assentamento Dona Antônia, no dia 07 de fevereiro de 2009, o ex-
proprietário da terra, o Sr. Almir Correia Machado, não possuía interesse no desenvolvimento da terra e
a propriedade foi considerada improdutiva.

1
Porém no ato da vistoria foi excluída uma área medindo 150,1333 ha, já que a mesma foi considerada
imprópria para uso agrícola, pois para se produzir algum tipo de cultura nesta área os custos de investimentos
eram altos, tornando-se inviável. Laudo de Vistoria realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) em 1995.
24

Em novembro de 1995 várias famílias de trabalhadores rurais ocuparam as terras ociosas da


Fazenda organizados por lideranças comunitárias vinculadas a Comissão pastoral da Terra (CPT).
Segundo depoimentos recolhidos durante nosso trabalhado de campo:

“Dia 20 de novembro de 1995, foi a entrada minha e todas pessoas


na terra, formando acampamento. A gente foi pra terra em cima de um
caminhão tudo desmantelado. Tinha umas pessoas que juntavam a turma,
saía fazendo reuniões e mais reuniões foram reunindo a turma até que
chegou o dia 19 para o dia 20 que reuniu os pessoal todinho de Alhandra e
Conde e a gente já amanhecemo o dia já aqui.” (Presidente da Associação
de Trabalhadores Rurais do Dona Antônia 07/02/09).

O presidente ainda acrescenta:

“Quando a gente chegou, demorou uns dias fazendo barraco, aí


depois veio o primeiro despejo, depois nós ficamos num terreno de Gurugi
II, quando fomos despejados, mas ficamos trabalhando na terra, morando lá
e dormindo, tudo. Depois, em maio, no começo de maio a terra não foi
desapropriada, a gente continuamo lá, foi que o superintendente do
ministério Júlio César na época foi pra Brasília e então a gente vinhemo de
novo pra acapar no galpão da fazenda que era a sede velha na época, aí foi
onde houve o despejo, houve várias prisões, muita coisa, massacre, esses
negócio, mas no dia 24 de maio de 1996 a terra foi desapropriada.” .
(Presidente da Associação de Trabalhadores Rurais do Dona Antônia
07/02/09).
Segundo o depoimento acima do presidente da Associação dos Trabalhadores do Assentamento
Dona Antônia, muitos foram os conflitos na luta pela desapropriação das terras da Fazenda Tabatinga/
Jacumã para fins de Reforma Agrária, como a destruição de lavouras dos trabalhadores em dezembro
de 1995, e a detenção de quatro trabalhadores, e a queimada das palhoças dos posseiros. Após a
autoridade policial determinar a retirada imediata de todas as famílias que estavam na propriedade,
estas se dirigiram, como foi colocado anteriormente para o assentamento Gurugy II nas imediações do
atual assentamento Dona Antônia, onde permaneceram por alguns meses, sempre na tentativa da
reocupação do território.
A localização do assentamento na região pode ser verificada no Mapa 02, abaixo.
25

Mapa 02: Localização do assentamento Dona Antônia na região do Conde, 2009

Fonte: LEPAN, 2009.


26

A violência foi também uma constante durante o período da luta segundo o presidente da
associação dos assentados:

“Da polícia, com ordens deles lá, principalmente eles, era Tatiana
que era a ex-proprietária, ela ficava, ela conhecia todo mundo ali do
Gurugi, aquela turma ali do Gurugi ela conhecia tudo, aí aquele pessoal
que já tinha mais...começava a aprontar e era onde a polícia caía em cima”.
(Presidente da Associação de Trabalhadores Rurais do Dona Antônia
07/02/09).

Finalmente a Fazenda foi desapropriada para fins de Reforma Agrária em 24 de maio de 1996.
A imissão de posse foi em 21 de novembro de 1996, após cinco ações do despejo das famílias em 1996
criado o assentamento Dona Antonia, com 110 famílias assentadas em uma área de 1.122,00 há, hoje
cada família possui o lote da casa que é de 20x30m e o lote para produção de culturas que é de 5
hectares, o suficiente para produzir para o consumo próprio e o restante da produção destinada para a
comercialização. Como pode ser verificado através da planta do assentamento Dona Antônia, Mapa 03.
27

Mapa 03: Planta do assentamento Dona Antônia no Município do Conde/ PB, 2009

Fonte: LEPAN, 2009.

O nome do assentamento foi dado em homenagem à Dona Antônia, uma trabalhadora que
durante parte da sua vida foi escrava e que, já como mulher livre, participou do processo de construção
28

e luta do acampamento na Fazenda Tabatinga/Jacumã até a chegada no assentamento. Porém, Dona


Antônia faleceu os 117 anos em maio de 1996, poucos dias antes de sair à imissão da posse da terra
para as famílias acampadas.

“Dona Antônia que foi uma escrava que veio na luta junto com as
netas, bisnetas, tudo pra luta, mas em maio no mesmo ano de 1996 ela
morreu, aí por isso que Frei Anastácio junto com a turma da CPT... aí
conseguiram botar o nome dela de Assentamento Dona Antônia”.
(Presidente da Associação de Trabalhadores Rurais do Dona Antônia
07/02/09).

Como colocamos o assentamento Dona Antônia possui 110 lotes. Desde a sua criação em 1996
até hoje o número de famílias tem crescido. Há atualmente 150 famílias ao todo sendo que 40 delas
são de agregados, ou seja, familiares de segundo e terceiro grau ou mesmo sem grau de parentesco,
que passam a morar na casa de alguns assentados ou constroem suas moradias dentro dos lotes dos
assentados.
Durante a nossa pesquisa de campo, podemos constatar a origem das 27 famílias entrevistadas,
o que corresponde a 30% do total de famílias, estas famílias na sua maioria antes de fazerem parte do
assentamento pertenciam a municípios diferentes da localidade do assentamento, Gráfico 04 (p.29),
assim comprovamos o trabalho feito pela CPT, que foi o de recrutar pessoas para aderirem o
movimento de luta pela terra, a maioria dos assentados é de:

Gráfico 04: Percentual dos assentados entrevistados segundo município de origem, 2009.
29

Fonte: Trabalho de campo, 2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira

Os principais problemas enfrentados nos treze anos de existência do assentamento foram


segundo os assentados entrevistados: as dificuldades para manter a terra produzindo, já que faltam
recursos para isso; a inexistência de um posto médico que possa atender os assentados; a falta de uma
escola de ensino médio e de uma creche para as crianças; ausência de assistência financeira e técnica
de alguns órgãos como Prefeitura e Governo do Estado; a inexistência de transporte coletivo que
atenda às famílias assentadas; Problemas que provocam insatisfação nas famílias assentadas. De
acordo com os entrevistados, a vida após o assentamento melhorou para 93,33%. Apenas 6,67%
afirmaram que não, como mostra o Gráfico 05 (p.30):

Gráfico 05: Percentual dos assentados entrevistados que consideram ter adquirido
melhores condições de vida após o assentamento, 2009.
30

Fonte: Trabalho de campo, 2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira

Do exposto, verificamos que a grande maioria, quase a totalidade dos entrevistados,


consideram ter adquirido melhores condições de vida os motivos principais, alegados foram: terra,
trabalho e moradia. A terra, além de ser o meio de produção, a possibilidade de reprodução das
famílias assentadas. É a possibilidade de sobrevivência na terra, como os próprios assentados
confirmam, ao enfatizar que a aquisição da terra é a forma de quebrar com a dependência e exploração
à que estavam submetidos diante dos seus patrões e dos proprietários de terras, nas que trabalhavam
como meeiros, arrendatários, trabalhadores assalariados.
Também, representa abandonar a informalidade na qual muitos trabalhadores estavam
inseridos no meio urbano, como diaristas, pedreiros, ou empregados domésticos. Todos esses
trabalhadores de baixa remuneração, poucos valorizados e longe das qualificações para o trabalho no
campo. Dessa forma a conquista da terra e também a conquista do trabalho na terra, que incluindo a
moradia se tornam indispensáveis para a reprodução das famílias trabalhadoras rurais.
Sobre a mobilização de classe constatamos que existem muitas famílias que se engajavam na
Comissão Pastoral da Terra (CPT) para conquistar a terra. Hoje só 6,66% participam de algum
movimento ligado à luta pela terra no Brasil, como mostra o Gráfico 06 (p.31).

Gráfico 06: Percentual de famílias assentadas entrevistadas que participam da


Comissão Pastoral da Terra-CPT, 2009.
31

Fonte: Trabalho de campo, 2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira

Esses dados nos mostram que a participação em movimentos sociais pelas famílias desaparece
ao longo do tempo. No caso em estudo, desapareceu após a conquista do assentamento. Os poucos
assentados que ainda participam (6,66%) estão vinculados a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Mesmo assim a atuação destes assentados resume-se na busca de melhorias para o próprio
assentamento. A luta não é tomada como um objetivo maior, para a realização da Reforma agrária
como um todo, mas apenas ações isoladas onde cada grupo luta por um pedaço de terra para produzir.
A luta desses trabalhadores se transforma com a conquista da terra. As reivindicações são para
garantir a permanência na terra, pelo crédito, pela infra-estrutura, pela subsistência das famílias a
partir dos poucos recursos adquiridos.
As casas do assentamento Dona Antônia foram construídas por meio da associação do
assentamento. Cada família recebeu R$ 5.000,00 no ano de formação do assentamento, 1996. Esse
dinheiro ficou na posse da Associação para a compra do material de construção no mesmo local, para
assim conseguirem um desconto maior. Durante a construção das casas não houve nenhuma
padronização, cada um construiu da maneira que quis. As casas do assentamento não se localizam
dentro dos lotes, para produção mais sim em uma pequena agrovila, ou seja, as casas ficam longe das
parcelas de cultivo.

“Foi construído do jeito que a gente queria, porque o dinheiro tava


na conta da associação, era uma tabela da associação, pela associação
agora que a casa o caba construía do jeito que queria, o chalé, o que
32

quisesse fazer da casa fazia. Ele recebia o material, o dinheiro do pedreiro


ia recebendo, ia recebendo por partes, num pegou o dinheiro todo aqui não
desapropriada “. (Presidente da Associação de Trabalhadores Rurais do
Dona Antônia 07/02/09).

Figura 01: Casas do Assentamento Dona Antônia, construídas em 1996 com o dinheiro que foi
repassado para a Associação. As casas não são padronizadas, mais todas possuem água e iluminação
elétrica.
Fotografia: Maria da Conceição M. Moreira
Fonte: Trabalho de campo, fevereiro de 2009.

Dentro do assentamento 27 das 30 famílias entrevistadas realizaram alguma melhoria no lote,


essas melhorias foram apenas pequenos ajustes como: a pintura na casa, e o reboco das paredes.
Outros aumentaram, como por exemplo, a cozinha, o banheiro, um quarto a mais, fizeram calçadas,
terraços, acrescentaram uma área de serviço, alguns construíram garagem, e outros colocaram portas a
mais. Todas as casas possuem água e iluminação elétrica, porém os assentados reclamam da falta de
infra-estrutura
Em relação à educação, existe dentro o Assentamento Dona Antônia uma escola municipal:
“Escola Municipal de Ensino Fundamental Reginaldo C. de Sales”, que atende a alunos do ensino
fundamental. A partir do nível médio de ensino, os alunos têm que se deslocar até a cidade de Jacumã.
A participação das crianças na escola é relativamente alta, onde 70% das que moram nas casas dos
entrevistados estudavam. Dentre os motivos justificadores pelos assentados que não estudam se
destacaram: “por que não querem” ou “por que é muito longe”, esta última refere-se aos adolescentes
e adultos que teriam que se deslocar para outras comunidades.
33

Figura 02: Escola de Ensino Fundamental Reginaldo C. Sales, localizada dentro do


assentamento, criada para atender as crianças que residem no mesmo.
Fotografia: Maria da Conceição M. Moreira.
Fonte: Trabalho de campo, fevereiro de 2009.

No que diz respeito ao grau de escolaridade dos moradores das famílias entrevistadas
podemos constatar no Gráfico 07 (p.34) que 10% dos moradores não possuem instrução, 73,30% não
conseguiu terminar o ensino fundamental, 6,67% possui apenas o ensino fundamental completo,
3,34% terminou o ensino médio, e por último 6,69% possuem ensino superior. A maior parte dos
assentados possui baixa instrução, conseqüência disso é o impedimento do seu conhecimento sobre
seus direito e deveres, como também conhecimentos técnicos ou teóricos para assim lutar pela suas
necessidades individuais e do grupo.

Gráfico 07: Percentual do grau de escolaridade dos assentados entrevistados, 2009.


34

Fonte: Trabalho de campo, 2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira

Em relação à saúde o assentamento recebe a visita de uma médica na Associação de 15 em 15


dias, sendo este serviço disponibilizado pelo prefeito do município do Conde. Porém constatamos que
3,3% dos entrevistados não vão ao médico, 20% recorre ao atendimento que é disponibilizado na
Associação, 53% se dirigem ao Posto de Saúde de Jacumã, e 33% freqüentam o Posto de Saúde de
Jacumã e a Associação do Assentamento quando necessitam de atendimento médico.
Os moradores do assentamento se mostraram insatisfeitos com o atendimento médico dentro
do assentamento, já que faltam recursos para atender de forma adequada a população do mesmo.
Sendo assim os moradores se deslocam para o Posto de Saúde Jacumã, a localidade mais próxima para
os assentados, e em casos mais graves de saúde os moradores dirigem-se para João Pessoa/ PB, a
procura de atendimento médico no Hospital Universitário (HU), localizado no campus I da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

1.3 O associativismo rural

É fato que as organizações associativas representam uma importante opção para a viabilização
das famílias de trabalhadores rurais e camponeses. No entanto, de acordo com Lazzarotto (2000), para
que o associativismo tenha sucesso há uma gama de aspectos e pontos que precisam ser analisados e
observados, como as características dos associados e dos seus interesses, a participação ativa dos
membros nas atividades desenvolvidas pela associação e a forma e intensidade da operação.
Os trabalhadores rurais assentados para Lazzarotto (2000) fazem parte de um ambiente que
está em constante mudança, o que dificulta a reprodução econômica e social de suas unidades de
35

produção. Sendo assim, a união destes trabalhadores rurais dentro das organizações associativas
representa uma importante estratégia para assim enfrentarem as dificuldades que lhe são impostas no
dia a dia. O trabalho coletivo dentro dos assentamentos juntamente com o uso das práticas solidárias
ajuda na facilitação do processo produtivo, e ainda proporcionam um melhor relacionamento com o
mercado e com a sociedade na qual estão inseridos.
A Associação de acordo com Lazzarotto (2000) serve para reunir pessoas, como
objetivos comuns, superar as dificuldades do grupo e trazer benefícios. Uma associação
permite a construção de condições melhores e maiores para os seus sócios, não poderia ser
diferente com a Associação dos Trabalhadores do Assentamento Dona Antônia.
Dentro do assentamento encontramos a Associação dos Trabalhadores do
Assentamento Dona Antônia, que não possui caráter lucrativo, e não paga salário para os seus
dirigentes nem tão pouco para os associados. A Associação é formada, segundo informações o
presidente da associação, recolhidas no trabalho de campo, por 12 membros dos quais 6
encontram-se na ativa (na direção) e os outros 6 na suplência. Os cargos são: o de Presidente e
vice-presidente, o 1º secretario, o 2º secretario, o 1º tesoureiro, o 2º tesoureiro, o 3º conselho e
o 3º suplente.
A função da presidencia tem como principal objetivo reivindicar os direitos dos
associados junto ao poder público, como a requisição de crétido financeiro para o
assentamento, atendimento médico, melhorias na infra-estrutura, locais melhores para a
comercialização dos produtos cultivados no assentamento entre outros; o tesoureiro cuida das
finanças, e o secretario administra as reuniões.
A Associação realiza várias atividades, como a organização do atendimento médico
para os assentados quinzenalmente, disponibiliza as normas para a utilização de ferramentas e
maquinarias comuns, como o uso do trator e seus implementos. A mesma estabeleceu o
pagamento médio de R$ 50,00 por hora para os serviços do trator incluindo o combustível e
trabalho do tratorista, havendo uma redução de custo para quem é sócio.

“É uma associação sem fim lucrativo de caráter social. Ela não


paga remuneração a seus associados e nem tão pouco a seus dirigentes. Só
alguém que trabalha num trator, que faz um serviço assim, mais o
presidente, secretário, tesoureiro não tem remuneração.Pra usar o trator é,
o trator é aí da comunidade, e quem quer procurar o trator pra trabalhar,
quem é sócio, aquele que ta em dia tem um abatimento, e quem não é, é 50
reais +x, É pago pela hora não o dia”. (Presidente da Associação de
Trabalhadores Rurais do Dona Antônia 07/02/09).
36

Figura 03: Foto da Associação dos Trabalhadores do Assentamento Dona Antônia, onde
são feitas as reuniões dos moradores do assentado, onde ocorre o atendimento médico
fornecido pela Prefeitura do Conde, e onde também é possível locar o trator, para utilizá-
lo dentro do lote de produção.
Fotografia: Maria da Conceição M. Moreira
Fonte: Trabalho de campo, fevereiro de 2009

Foi constatado que a Associação se mantém graças ao lote comunitário de 12 hectares de


plantação de coco que existe no Assentamento. A comercialização auxilia na compra de materiais para
a utilização comunitária, como: carroça, trator e seus implementos, como mostra a fala do
entrevistado:

“a gente tem uma fonte de renda, com 12 hectares de coco, que a


cada 3 ou 4 meses ele deixa um bom lucro, então é como a associação vai se
mantendo e comprando seus materiais com recurso do próprio coqueiro:
essa carroça, trator, grade, tudo que tem aqui foi comprado com esse
dinheiro”. (Presidente da Associação de Trabalhadores Rurais do Dona
Antônia 07/02/09).

Um das funções de extrema importância exercida dentro da Associação são as reuniões dos
moradores do Assentamento, que ocorrem uma vez por semana onde são colocados em pauta os
assuntos de interesse dos assentados. A Associação como já foi colocado anteriormente possui a
função de lutar pelos interesses de seus associados, dando voz a todos e trazendo benefícios para os
mesmos.

1.4 A produção e comercialização no Assentamento


37

Dentro do Assentamento existe uma área comum, o lote comunitário, que possui 12 hectares
de terras utilizadas na plantação de coco. Já os lotes individuais detém 5 hectares de terras, são
utilizados para plantios de culturas de subsistência, como feijão, macaxeira, milho. Observamos que
em alguns lotes se utiliza a irrigação, apesar de 100% dos assentados entrevistados negarem esse fato,
como mostra as figuras 04 e 05:

Figura 04: Parcela que trabalha com irrigação; Vista parcial de um dos lotes localizado no
assentamento, onde ocorre através do gotejamento a irrigação da parcela.
Fotografia: Maria da Conceição M. Moreira
Fonte: Trabalho de campo, fevereiro de 2009.

Figura 05: Parcela que não trabalha com irrigação, vista parcial de outro lote, onde como pode ser
verificado não existe irrigação na parcela, dificultando assim o cultivo da produção.
Fotografia: Maria da Conceição M. Moreira
Fonte: Trabalho de campo, fevereiro de 2009
38

A produção agrícola no assentamento se caracteriza por em sua maioria de gêneros


alimentícios voltados para suprir as necessidades das famílias, por isso quantidade de produtos básicos
é direcionado para o consumo familiar. Os principais produtos cultivados nas parcelas e os mais
citados pelos entrevistados foram: 19,10% feijão, 13,48% inhame, e 21,34% macaxeira. Os principais
produtos desenvolvidos no assentamento foram: milho e batata com 7,14%, coco e caju ficaram com
5,6% e manga com 4,49%.
No decorrer da pesquisa procuramos verificar se os proprietários dos lotes empregavam
pessoas de fora do assentamento na produção ou não, resultado encontrado foi: 43,30% empregam
algum trabalhador diarista na produção e 56,70% não empregam ninguém na produção, elevando o
preço da produção e diminuindo a renda dos assentados, já que os produtos são comercializados por
baixos preços. Como pode ser verificado no Gráfico 08 (p.39):

Gráfico 08: Percentual da contratação de trabalhadores externos pelos assentados


entrevistados, 2009.

Fonte: Trabalho de campo, 2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira

Quanto à comercialização, a produção no assentamento é destinada: 30% para a EMATER,


3,66% para a feira agroecológica do Bessa, em João Pessoa, 43,33% é destinado para as feiras da
cidade de Jacumã, 3,33% e para a feira Agroecológica da UFPB, 6,66% para João Pessoa, nas feiras de
39

Oitizeiro e para Emater em João Pessoa. Dos produtores assentados, 16,66% dos entrevistados vendem
seus produtos para o atravessador o que dificulta a obtenção justa do lucro da produção.
A maior dificuldade para comercializar os alimentos produzidos pelos assentados é a
indisponibilidade de transporte para levá-los diretamente para as feiras, dependendo da atuação do
atravessador nas negociações de venda dos produtos, desenvolvidos no assentamento. Os assentados
sentem-se obrigados a vender os produtos ao atravessador por um valor muito inferior ao que seria
vendido ao consumidor final.

1.5 Renda das famílias e créditos obtidos

Quanto à renda das famílias, contando com a renda da produção dos lotes e das atividades
exercidas fora do assentamento os resultados que obtivemos foram: 56,66% das famílias alegaram
ganhar menos de um salário mínimo, 40% das famílias entrevistadas afirmaram que a renda familiar
encontra-se entre um a três salários mínimos, e 3,34% informaram que a renda familiar supera os três
salários mínimos. Como pode ser observado no Gráfico 09 (p.40):

Gráfico 09: Percentual das famílias assentadas entrevistadas segundo renda


familiar, 2009.

Fonte: Trabalho de campo, 2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira

A renda da maioria das famílias entrevistadas do assentamento é inferior a um salário mínimo,


o que dificulta a manutenção das famílias, sendo assim os moradores do assentamento procuram
outras maneiras de conseguirem uma fonte secundaria de renda, para manterem necessidades básicas
como: alimentação, energia, água e gás.
40

Já à renda média gerada no mês pela produção dos lotes, quando questionados pelos valores os
entrevistados responderam que 15,79% geram um lucro menor que um salário mínimo, 7,26%
asseguraram que lucram com a produção R$: 80,00, e 12,34% retiram de lucro da produção cerca de
R$: 200,00 reais, 8,89% afirmaram que retiram R$: 150,00 reais e não souberam responder 55,72%
dos entrevistados.
Quanto aos Programas Sociais pelos assentados, 53,33% dos moradores do assentamento
Dona Antônia são beneficiados pelo Bolsa Família que é um programa desenvolvido pelo Governo
Federal a partir do ano de 2003; como pode ser visto no Gráfico 10 (p.42). O Bolsa Família integra os
antigos programas sociais: Bolsa Escola, Auxílio Gás e Cartão Alimentação. De acordo com Paiva
(2007):
O programa Bolsa Família é a principal estratégia contemporânea do Brasil
que visa à diminuição da fome, da pobreza e da desigualdade social por meio
do investimento, a médio e longo prazo, no capital humano e atingi mais de
50, milhões de brasileiros. Destes, uma parcela significativa é composta de
indigentes (p. 13).

O programa tem como objetivo gerar alívio imediato da pobreza, proporcionando apoio aos
direitos básicos nas áreas da saúde e educação, já que para receber a ajuda do programa as famílias
devem cumprir com algumas determinações, a exemplo da freqüência mínima exigida de 85% para as
crianças e adolescente com idades entre 6 e 15 anos e de 75% para os adolescentes entre 16 e 17 anos,
do acompanhamento do cartão de vacinas das crianças menores que 7 anos de idade e do pré-natal das
mulheres gestantes, dentre outras exigências.
O objetivo de tal programa é auxiliar financeiramente as famílias carentes, exigindo a
condição de que estas famílias mantenham os filhos matriculados na escola e devidamente vacinados,
objetivando o desenvolvimento das famílias para que assim possam romper com o ciclo da pobreza.
O programa Bolsa Família fornece para cada família incluída no programa uma renda de R$
80, 00, valor igual a R$ 3,00 diários aproximadamente, que não passa de uma ajuda assistencialista do
governo. São mais ou menos oito milhões de pessoas no programa recebendo este valor.
Se estas pessoas fossem reaproveitadas para fazer qualquer serviço à sociedade, como frente
de trabalho para receber este dinheiro, o governo federal poderia fazer parceria com os governos
estaduais e municipais, fazendo mutirões para construir casas populares, obras de construção de
saneamento básico, pintura e reforma nos prédios públicos, fazer hortas comunitárias para
fornecimento nas creches e escolas municipais, poderiam trabalhar na conservação das calçadas,
jardinagem e paisagismo público, etc.
No assentamento pesquisado 53,34% dos moradores entrevistados, recebem este beneficio do
governo federal, com este valor recebido poderiam trabalhar três horas diárias regidos pela CLT, e
aqueles que recebessem o valor não estariam recebendo apenas uma ajuda assistencialista, e sim
recebendo dignamente em troca de um trabalho ou serviço à sociedade.
41

Gráfico 10: Percentual das famílias entrevistadas que são beneficiadas pelo Bolsa
Família no assentamento, 2009.

Fonte: Trabalho de campo, 2009


Org. Maria da Conceição M. Moreira

O presidente da associação dos trabalhadores do assentamento afirmou que de maneira


aleatória ocorrem alguns cursos de capacitação promovidos pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas (SEBRAE) sendo patrocinado pelo INCRA, porém estes cursos segundo o
42

entrevistado não apresentam utilidade, já que não existe mercado de trabalho para absorver esta mão
de obra qualificada.
De acordo com o presidente, existem vários projetos elaborados pelo INCRA e intermediados
pelo Banco do Nordeste. Alguns deles já foram postos em prática como o Projeto Cooperar que
resultou na instalação de energia elétrica no assentamento e perfuração de poços artesianos para o
abastecimento hídrico dos assentados.
Os dados levantados durante a nossa pesquisa de campo constatou a existência de muitas
dificuldades do cotidiano da vida no assentamento, fazendo com que a capacidade produtiva seja de
pequeno porte. É visível que a falta de alternativas para o transporte da produção, é um dos pontos a
ser vencido pelos produtores do assentamento.
A partir da organização territorial do assentamento Dona Antônia percebemos que há muitos
mecanismos responsáveis pela solidificação desse território que está se construindo diariamente e que
não resume-se apenas na aquisição da terra para trabalhar e viver, mas é uma busca constante dos
trabalhadores pela possibilidade de uma produção que corresponda as necessidades de subsistência
familiar e que possa a longo prazo proporcionar ao assentamento um desenvolvimento contínuo.
Essa busca é feita de forma individual e/ou coletiva no sentido de adquirir recursos financeiros
que permitam a aquisição de ferramentas básicas de produção, tanto equipamentos quanto a técnica de
produção em si, a partir do acompanhamento de profissionais enviados pelo INCRA para a promoção
de cursos de capacitação, além do estudo dos recursos naturais do assentamento para poderem adequar
as culturas. Essa contribuição por parte dos órgãos governamentais relacionados à Reforma Agrária,
especialmente o INCRA é essencial para que o assentamento possa ter um desenvolvimento e é isso
que impulsiona os assentados a buscarem ter essas orientações e recursos técnicos.
Não podemos afirmar que o assentamento teve um desenvolvimento considerável, porém
podemos perceber que as mudanças na vida dos assentados e a busca constante por melhorias é um
indício de que esses laços com a terra de trabalho pode se solidificar e se desenvolver apesar das
dificuldades encontradas para a aquisição dos mecanismos de produção. É uma luta constante no
território conquistado, agora não mais por terra, mas pelo desenvolvimento da vida na terra, pelo
acesso ao crédito, aos meios de produção e posteriormente pela justa comercialização sem que sejam
explorados.
Toda essa realidade constatada no assentamento Dona Antônia pode ser considerada uma
representação de questões semelhantes existentes no campo do estado da Paraíba, na região Nordeste e
até mesmo no país como um todo. O assentamento que foi formado a partir da luta pela terra, contra a
forte concentração fundiária, contribuindo para a democratização da propriedade da terra em um país
que tem como característica marcante a expropriação camponesa e a forte concentração fundiária é
apenas um exemplo de muitas outras lutas semelhantes distribuídas nas demais regiões do país.
A questão agrária atual que pode ser representada principalmente pela concentração fundiária e a
luta pela terra entre duas forças antagônicas tendo de um lado aquela que busca a terra para ostentação
43

de poder e reprodução do capital e aquela que busca a sobrevivência da unidade familiar. Isso não é
um fato recente, mas está relacionada a toda uma trajetória histórica da formação territorial do país
desde o período colonial, como mostraremos nos capítulos seguintes.
44

2 NOTAS SOBRE A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA E A SUA


EXPRESSÃO NA PARAÍBA

2.1 Origens da desigualdade social no campo brasileiro

A alta concentração de terras no Brasil atual tem as suas raízes históricas no processo de
formação do território brasileiro a partir da colonização da coroa portuguesa, no século XVI. Portugal
se viu obrigado, a ocupar o Brasil a partir de 1530 com medo de perdê-lo para os franceses, sendo
assim, buscou alternativas para a ocupação e para a exploração, no inicio de pau-brasil e posteriormente
de atividades agrícolas tropicais a gosto da burguesia européia, como pimenta, canela, frutas,
macaxeira, e a produção açucareira uma das mais lucrativas para Portugual.
Chiavenato (2004) mostra que no início da colonização as terras brasileiras foram divididas
em grandes extensões denominadas sesmarias, doadas pelo rei de Portugal a pessoas de sua confiança,
sob a condição de que só fosse doada a quantidade que os beneficiários pudessem cultivar, formando
suas lavouras num prazo de dois anos.
Dessa forma Strazzacappa (2006) acredita que o regime sesmarial não deu certo, pois as terras
não foram devidamente cultivadas, devido principalmente, a sua grande extensão territorial e a falta de
mão-de-obra. Dessa forma, as terras além de concentradas nas mãos de poucos proprietários,
permaneceram ociosas e culminaram com um certo abandono das atividades rurais. Para
STRAZZACAPPA (2006).

Como o regime de sesmaria não estava dando certo no Brasil, a saída


encontrada foi criar um sistema mais atraente que transferisse a árdua tarefa
de colonização à iniciativa particular – as capitanias hereditárias. Para tanto,
o Brasil da época bem menor que hoje, porque ainda prevalecia o Tratado de
Tordesilhas foi dividido em 15 imensos lotes, entregues, condicionalmente, a
doze donatários portugueses. Um só donatário, Pero Lopes de Souza, ficou
com três lotes, e seu irmão o capitão-mor Afonso de Souza com dois. (p. 26).

Para Strazzacappa (2006), os donatários sentiam-se donos absolutos das terras e valiam-se
delas apenas para fins de grandeza pessoal e ostentação de poder, estabelecendo um comportamento
autoritário, que passou para a história com o nome de coronelismo. Os donos das terras acabaram se
tornando os grandes coronéis. Juntando a lógica dos domínios sesmariais ao sistema de capitanias, as
elites agrárias se estabeleceram, mas estes sistemas fracassaram e a função social da terra ficou mais
uma vez longe de ser cumprida.
Na Paraíba não foi diferente, a desigualdade da propriedade fundiária que fez parte de um
longo processo teve suas raízes na produção do espaço desde o período colonial. A conquista efetiva do
atual território paraibano só foi realizada após cem anos do descobrimento do território brasileiro.
45

De acordo com Moreira (1997) a demora na ocupação do espaço onde hoje se localiza a
Paraíba se deve a resistência da população nativa que aqui residia, eram eles: índios da nação Tupi, que
se dividiam entre Potiguaras e Tabajaras, ao norte do rio Paraíba habitavam os Potiguaras e ao sul os
Tabajaras, os quais vieram da região do rio São Francisco.
Ainda segundo Moreira (1997) produção na Paraíba assim como no Brasil colonial sempre
esteve subordinada aos interesses do capital mercantil. Na Paraíba especialmente as sesmarias serviram
para a exploração de cana-de-açúcar no litoral paraibano e da pecuária no interior (posteriormente o
algodão).
O que vemos ainda nos dias atuais é a conseqüência desse processo histórico a concentração de
terras por parte das oligarquias rurais, sendo um fator preponderante que evita o acesso a terra para
trabalhadores rurais negando a eles o ingresso a uma área de plantio e/ou cultivo para seu próprio
consumo ou desenvolvimento.
Para Gonçalo (2001), a terra não deve ser considerada apenas como riqueza patrimonial, ao
contrário, a terra deve atender as necessidades da coletividade. A concentração fundiária neste país é
responsável pela má distribuição de terras e conseqüentemente de renda, a alteração desse modelo
democratizaria a posse e o uso da terra, trazendo alterações nas relações das classes dominantes.
Estas oligarquias são formadas por um pequeno número de famílias poderosas que detêm
sozinhas grandes áreas de terras, muitas vezes improdutivas mantidas com fim de especulação
imobiliária2, impedindo assim o desenvolvimento da terra e dos trabalhadores rurais. O processo
histórico brasileiro confirma este fato.
Na visão de Melo (2006), o resultado da concentração fundiária no país foi o aumento da
concentração da terra na “mão” de poucos, o banimento de milhares de famílias do campo, as quais se
destinaram as cidades e passaram a encorpar os movimentos sociais de luta por terra, como pode ser
visto na Figura 06. A estrutura fundiária do Brasil tem ainda como base a concentração da terra, a
exploração do trabalho independente do gênero, e a violência como forma de manter a ordem e a sua
permanência.

2
[...] uma forma pela qual os proprietários de terra recebem uma renda transferida dos outros setores produtivos
da economia, especialmente através de investimentos públicos na infra-estrutura e serviços urbanos[...].
CAMPOS FILHO, Candido Malta. Cidades brasileiras: seu controle ou o caos. 4 ed. São Paulo: Studio Nobel,
2001.
46

Figura 06: Ocupação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra no sertão do Estado de
Pernambuco, ligados à Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 18/05/09. Os trabalhadores rurais
reivindicaram ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) a vistoria e
desapropriação da área.
Fonte: http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=1662
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

O resultado desse processo histórico na estrutura agrária brasileira está marcado pela
concentração da terra dentro do território brasileiro, podemos verificar este fato através do índice de
Gini, que é uma medida de concentração ou de desigualdade freqüentemente utilizada para analisar a
distribuição de renda, e que também pode ser utilizada para aferir o grau de concentração de qualquer
distribuição estatística. Sendo assim, pode medir o grau de concentração de posse da terra em uma
determinada região.
De acordo com Melo (2006):

A distribuição da propriedade rural e da renda de um país é medida por um


índice estatístico denominado Índice de GINI, variando de zero (igualdade
absoluta) a um (concentração absoluta). O índice brasileiro é de 0,843,
bastante próximo a concentração fundiária absoluta. (p. 40).

A Tabela a seguir traz os dados do Índice de Gini, nas diferentes regiões do país e no Brasil:

Unidade Geográfica 1992 1998


Brasil 0,831 0,843
Norte 0,849 0,851
47

Nordeste 0,792 0,811


Sudeste 0,749 0,757
Sul 0,705 0,712
Centro-Oeste 0,811 0,81
Tabela 1- A evolução do índice de GINI
Fonte: Estatísticas cadastrais – (INCRA, [s.d], apud Mello 2006, p. 40).

Este padrão que visualizamos na tabela acima comprova que a concentração reflete diretamente
na distribuição de terra, a qual praticamente não acontece, já que o índice de concentração fundiária no
Brasil é de 0,843 bem próximo de 1 (concentração absoluta), ou seja o Brasil possui um dos índices mais
altos de concentração fundiária, que deste 1992 a 1998 só tem crescido. O Norte e o Nordeste do país,
também apresentam números bem próximos de 1 (concentração absoluta), são respectivamente 0,851 no
Norte e 0,811 Nordeste, resultado direto desse contraditório processo histórico.
Segundo Melo (2006) outra tabela pode mostrar a concentração de terras por hectares do ano
de 1995, onde os estabelecimentos com áreas de até 10.000 hectares somam 53%, detendo apenas 3% da
área cadastrada, comparando com os estabelecimentos que possuem área superior a 1.000 hectares
somando 1,1% do total, detendo 43,5% da área cadastrada.

Estratos de áreas Números de Estabelecimentos % Total de área %


(hectares)
Até 10 hectares 3.009.632 53,1 10.029.780 3,0
De 10 até 50 hectares 1.728.632 29,6 39.525.515 10,5
De 50 até 100 hectares 438.192 7,5 30.153.422 8,0
De 100 até 1.000 hectares 58.618 9,0 131.893.957 35,0
De 1.000 até 10.000 hectares 47.931 0,8 108.397.132 28,5
Acima de 10.000 hectares 2.174 0,03 56.287.168 15,0
Total 5.834.779 100,0 376.286.577 100,0
Tabela 2- Estrutura fundiária brasileira em 1995
Fonte: Censo Agropecuário do IBGE (1995 apud Melo, 2006, p.41)

Ainda de acordo com Melo (2006):

O Cadastro Nacional do Instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária


(INCRA) revela os mesmos graus de concentração. De acordo com esse
cadastro, 1,6% dos proprietários com imóveis acima de mil hectares detêm
46,8% da área total existente no País. As propriedades com área de até 10
hectares apresentam 32,9% do total de imóveis, mas possuem apenas 1,6% da
área total. (p. 41)

Estratos de área (ha) Nº de imóveis % Área total (ha) %


Menos de 10 1.409.752 32,90 6.638.598,60 1,60
10 a menos de 25 1.109.841 25,90 18.034.512,20 4,3
48

25 a menos de 100 1.179.173 27,5 57.747.897,80 13,8


100 a menos de 1.000 523.335 12,20 140.362.235,80 33,50
1000 e mais 68.381 1,60 195.673.396,40 46,80
Totais 4.290.482 100,0 418.456.640,80 100,0
Tabela 3 - Estrutura fundiária brasileira 2003
Fonte: Apuração Especial do SNCR-INCRA (2003 apud Melo 2006, p. 42)

Estes dados mostram como no Brasil os índices de concentração de terras são bastante
elevados, tendo como conseqüência a imensa desigualdade no acesso a terra, resultado do processo de
desenvolvimento agrário no país.
A concentração de terras no território brasileiro anda de mãos dadas com a improdutividade da
terra, isto quer dizer que no Brasil existem milhares de terras que não acatam as requisições mínimas de
produtividade as quais devem ser desapropriadas para fins de Reforma Agrária, assim como ocorreu
com a antiga fazenda Baraúna, localizada no município do Conde/PB, que foi substituída no ano de
1996, pelo assentamento Dona Antônia.
Essa realidade se reproduz a nível regional e estadual. Através deste processo constatamos o
início do latifúndio na Zona da Mata do nordeste do Brasil, que perdura até os dias atuais. Esta
concentração se intensificou ainda mais na década de 1960 com a modernização da agricultura,
impondo a nova lógica aos trabalhadores rurais: não basta ter apenas a posse da terra, pois só ela não
garante a sobrevivência das pequenas unidades produtivas, das famílias camponesas.
Na Paraíba não foi diferente do processo de colonização e ocupação do nordeste brasileiro. De
acordo com Moreira (1997) o espaço agrário paraibano está caracterizado pela alta concentração da
propriedade da terra, pela exploração da monocultura canavieira no litoral (destinada ao mercado
exterior) e pela pecuária extensiva no interior.
O predomínio da cana–de–açúcar na paisagem da Zona da Mata paraibana foi constante, do
início da colonização até os dias atuais, desenvolvendo-se inicialmente nas áreas de várzea, que
apresenta condições bastante favoráveis para o desenvolvimento deste tipo de cultura.
Ainda de acordo com Moreira (1997), o Agreste e o Sertão da Paraíba se dedicaram à
cotonicultura (cultura de algodão), desenvolvendo um papel importante no Estado, tanto na economia
local, como no processo de expansão populacional, na pecuária extensiva e na policultura. Deve-se
ressaltar que nos últimos anos o número de assentamentos com fins de Reforma Agrária no Nordeste e
na Paraíba tem crescido Gráfico 11 (p.49), em um ritmo considerável, modificando a paisagem de
algumas regiões onde antes predominava a cana-de-açúcar e a pecuária extensiva.

Gráfico 11: Percentual des assentamentos rurais na região Nordeste-2005.


49

Fonte: DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra


NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária. Banco de dados de
luta
pela terra DATALUTA/NERA-FCT/UNESP – Presidente Prudente-SP
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

A Paraíba encontra-se na sexta colocação no número de assentamentos como pode ser visto no
Gráfico 11 (p.49), com 7,91% o que importa em 227 assentamentos implantados em seu território,
ficando atrás apenas de Sergipe, com 4% que equivale 114 assentamentos e Alagoas, com 2,79% que
representa 80 assentamentos. É importante destacar que os estados do Ceará e Piauí encontram-se na
terceira posição com 12,55% cada, o que representa 359 Projetos de Assentamentos (PAs).
De acordo com Moreira (1997, p. 298 apud FETAG, 1982), “os proprietários expulsam os
moradores, arrendatários ou posseiros para plantar capim, cana-de-açúcar, abacaxi ou agave” (p. 6).
Dessa forma a atual estrutura fundiária paraibana e de todo o Brasil é conseqüência de todo este
processo histórico de ocupação do território.
Essa estrutura fundiária histórica segue as mesmas características nos anos 1990 com uma
intensificação da concentração fundiária durante o período de ditadura militar no país a partir da
manipulação da lei de terras por parte dos ditadores, além de uma redução da luta pela terra pelos
trabalhadores rurais sem-terra devido a repressão.

2.2 As propostas dos governos militares para o campo

Durante a Ditadura Militar no Brasil 1964/1985 o desenvolvimento do campo teve o incentivo


da concentração de terras. Os governos militares, Castelo Branco, Geisel, Costa e Silva, Médici e
50

Figueiredo, forneceram condições para o desenvolvimento de uma política agrícola voltada para as
grandes empresas, através de incentivos financeiros.
Segundo Melo (2001) no período da Ditadura brasileira o Estado manteve a questão agrária sob
o controle do poder centralizado, impedindo assim o acesso da terra para os camponeses, que
desejavam possuir uma propriedade familiar, mesmo contando com o projeto do Estatuto da Terra 3, que
propunha realização da Reforma Agrária. Este funcionou como estratégia do governo militar para
tranqüilizar os grandes proprietários de terras e os camponeses.
Na visão de Martins (1986), os grandes proprietários de terra foram os que apoiaram a
ditadura militar, o que eles pretendiam era impedir a realização da Reforma Agrária. A ditadura militar
foi implantada em 1964, com a participação de diversos setores da burguesia (dos banqueiros até os
industriais) a classe média foi nas ruas pedir pela ditadura militar. Os militares estavam divididos, os
mais brandos identificados com o capital principalmente os estrangeiros e os “linha dura”, mais
rígidos e mais firmes.
O governo militar nunca teve a intenção de fazer a Reforma Agrária, duas décadas se passaram
e apenas 170 desapropriações foram feitas, segundo Martins (1986) “quando só em 1981, houve mais
de 1.300 conflitos, envolvendo 1 milhão e 200 mil pessoas. O governo alega que distribui um milhão de
títulos de terras” (p.35). A concentração fundiária teve um enorme crescimento e os camponeses
conheceram o processo de expropriação das suas terras. Os proprietários de terra não aceitaram
nenhuma interferência nos sues direitos de propriedade o que consideravam absolutos.
Para Martins (1986), o Estatuto da Terra propunha a efetivação da Reforma Agrária brasileira
juntamente com o desenvolvimento da agricultura, após três décadas constatamos que a primeira meta
ficou apenas no papel e a segunda recebeu grande incentivo do governo, reforçando o desenvolvimento
capitalista ou empresarial da agricultura brasileira.
Segundo as idéias de Gonçalo (2001), o Estatuto da Terra serviu como instrumento ardiloso e
conflitante no que se refere às lutas sociais, desarticulando as disputas por terras. O Governo Militar
lançou a proposta de enviar os trabalhadores camponeses para espaços considerados vazios do nosso
território, como a Amazônia, porém esta tentativa não deu certo, o deslocamento dos trabalhadores para
outras regiões do território não ocorreu. O que aconteceu foi à aprovação de projetos pertencentes a
grandes empresários agrícolas, que foram beneficiados através de incentivos ficais.
O Estatuto da Terra não teve como objetivo redistribuir terra para aquelas pessoas que
trabalham nela, mais sim promover a expansão da agricultura empresarial. O governo militar alegou

3
Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução
da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola. LEI Nº 4.504, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1964.
51

que durante sua gestão distribuiu um milhão de títulos de terra, porém distribuir títulos não é o mesmo
que distribuir terras.
Segundo Martins (1986):

O estatuto de 1964 estabelece que o trabalhador que ocupar a terra devoluta


durante um ano tem preferência para adquiri-la. A lei 6.383, de 1976
(governo Geisel), estabelece que o posseiro que more na terra por um ano
faz jus à legitimação de cem hectares. O novo Estatuto, que os militares vão
oferecer de presente ao Dr. Trancredo Neves, estabelece que é preciso ocupar
a terra por três anos para adquirir o seu domínio legal (p. 35).

Ter a posse da terra já era difícil e ficou ainda mais difícil de consegui-la. O Estatuto da Terra
implementado pela Ditadura Militar, que deveria resolver o problema da terra, redistribuindo as terras
improdutivas dos grandes proprietários para os pequenos agricultores, como aconteceu em outros
países, fez justamente o contrário, foram beneficiados os grandes proprietários com 65% das terras e
os pequenos agricultores com 35% das terras, isto entre os anos de 1960 e 1970, já nas décadas entre
1970 e 1980 os grandes ficaram com 94% e os pequenos com 6%.
O Estatuto da terra não foi criado para beneficiar o pequeno agricultor, foi feito para reprimir
as lutas que vinham ocorrendo no campo deste o fim da Segunda Guerra Mundial evitando uma
possível vitória dos trabalhadores sobre os grandes proprietários de terras, distribuindo a aliança entre
os grandes capitalistas e grandes proprietários de terras.
Para Martins (1986) os idealistas do Estatuto da Terra tinham outras intenções,

Claro que os membros estavam querendo evitar outras coisas, estavam


querendo violentar todo o processo político em vários campos e
níveis, mas penso que, pelas indicações que hoje se tem, sobretudo a
respeito da repressão, o Estatuto estava fortemente motivado a
interferir na questão agrária e evitar que as populações rurais e os
trabalhadores rurais, camponeses e não camponeses, com a sua força
política, com a pressão que estavam fazem acabassem levando a uma
alteração no que se pode chamar, com toda a propriedade, de “pacto
de classes” que sustentava o Estado brasileiro (p. 58).

A principal finalidade do Estatuto era manter o controle e a administração das lutas pela terra,
o objetivo era resolver os problemas de ordem econômica do capital, os militares queriam um
instrumento que permitisse o fim das lutas. Depois de instalado o regime e verificando que a solução
não era tão difícil para eles, bastaria usar a repressão (muito utilizada no campo até os dias atuais), que
acabou resultando no esvaziamento das lutas no campo: muitos assassinatos, torturas, vários tipos de
barbaridades.
52

Forma-se uma política de colonização (feitas por empresas particulares), representada na


consagração da renda fundiária, base do processo de acumulação. Segundo Martins (1986, p. 65), “o
governo embarca numa política de empresarialização da agricultura de incentivos, de proliferação de
empresas rurais, sobre tudo das grandes empresas”.
Para Martins (1986), o Estado defende a propriedade capitalista, uma propriedade exploratória
que é a causa da expropriação que ocorre no campo, o desenraizamento de populações rurais, no
surgimento da miséria econômica moral e social, contrapondo a assim a Igreja passa a denunciar o
processo de desumanização do homem.
A única opção que os trabalhadores possuíam era, com o fim do regime militar, participar da
Nova Constituinte, influenciando na composição da mesma. Impedindo assim que um bem comum “a
terra” fosse sacrificada pelos interesses econômicos de uma minoria de latifundiários. De acordo com
Gonçalo (2001) “os governos militares utilizaram à bandeira da Reforma Agrária, via projetos de
colonização na promessa de solucionar os conflitos no campo, atendendo assim os interesses do
empresariado nacional e internacional” (p. 61).
Com constatamos o objetivo não era a Reforma Agrária e sim a colonização, conseqüência
deste fato foi a não resolução do problema. O Estado garantiu através das Forças Armadas, a
exploração da Região Amazônica por grandes grupos econômicos.
Nos anos de 1968 e 1970, os militares fundiram e aboliram o Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA) e para a substituição destes
foi criado o Instituto Brasileiro de Colonização de Reforma Agrária (INCRA) para estes erra necessário
colonizar a Amazônia para não entregá-la aos estrangeiros. A política de incentivos fiscais aos grandes
proprietários rurais em vários setores da agricultura proporcionou a alta concentração de terras e a
expropriação dos trabalhadores rurais. De acordo com Gonçalo (2001, p. 62 apud LOURENA, 1988):

A estrutura agrária concentrada viciosa, desde o tempo das Capitanias


Hereditárias, passando pelas ordenações do Rio de Janeiro, pela Lei de Seis
Marias, pela Lei de Terras de 1850, até hoje tem sido sempre conservado e
agravado, chegando-se a uma ampliação nos últimos 20 anos (p. 42).

Era de fundamental importância para o governo militar, desestruturar qualquer forma de


organização política dos trabalhadores rurais para assim manter sua política de reforma no campo
beneficiando os grandes produtores. A aplicação do estatuto da Terra funcionou como o fator
estratégico para esta manutenção.
53

Assim constatamos que a lógica do governo militar era a militarização da Questão Agrária,
mantendo o controle do estado sobre as disputas de terras e pelas terras devolutas 4, garantindo a
manutenção dos latifúndios existentes e a criação de inúmeros outros.

2.3 As propostas da reforma agrária na Nova República

Segundo Gonçalo (2001) na Nova República, durante o governo de José Sarney, o engenheiro
agrônomo José Gomes da Silva entregou uma nova proposta de Reforma Agrária para as lideranças
políticas, no jogo de forças a proposta inicial terminou totalmente modificada e em 10 de outubro de
1985 o então presidente Sarney assina o Decreto nº 91.766, aprovando o Plano Nacional de Reforma
Agrária (PNRA) com várias alterações do plano original, considerado progressista.
Ainda no ano de 1985 foi criada a União Democrática Ruralista (UDR) que organizava os
fazendeiros para pressionar o governo de Sarney contra a efetivação do PNRA (Plano Nacional de
Reforma Agrária). Ficou comprovada a limitação do PNRA durante a sua elaboração que teve doze
versões que deformou totalmente a primeira proposta apresentada por José Gomes da Silva no ano de
1985.
De acordo com Gonçalo (2001):

O Estado realizava apenas uma política de assentamentos para amenizar os


conflitos fundiários. No final do governo de Sarney, considerando as ações
dos movimentos sociais, somente 6% do PNRA foi executado. Nesse período
foram assentadas 84.852 famílias de 1,4 milhões previstas no plano (p.67).

Ainda segundo Gonçalo (2001), durante o período de elaboração da nova Constituição de 1988
ocorreu mais uma derrota para a luta da Reforma Agrária, o capítulo referente à Reforma Agrária sofreu
um retrocesso baseado no Estatuto da Terra. Apesar de a população ter organizado e apresentado uma
emenda popular com mais de um milhão de duzentas mil assinaturas, prevaleceu à vontade dos
fazendeiros latifundiários que possuíam maioria absoluta no Congresso Nacional.
Esta nova Constituição tornava a terra improdutiva intocável, porém a conceituação de terra
produtiva ficou a cargo da Legislação Complementar. Concluindo a Reforma Agrária ficou dependendo
da aprovação de uma lei regulamentadora e de mais uma lei, que definia o Rito Sumário das
Desapropriações.
Já em 1990 e 1992 no governo do Presidente Fernando Collor de Melo antes dele sofrer o
impeachament a Reforma Agrária foi deixada de lado ficando estagnado. Enquanto era candidato o
então Presidente prometeu assentar 500 mil famílias, porém seu projeto de Reforma Agrária na

4
Terras; espaço não construído de uma propriedade; terreno, (Aurélio 1993).; devoluto; adj desocipado,
desabitado, (Aurélio 1993).
54

presidência previa o assentamento de apenas 400 mil famílias no período de 1991 a 1994. Pouco foi
feito, e este pouco foi resultado ainda do governo anterior.
O aumento da violência no campo ocasionou na realização de uma Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) denominada de “Pistolagem” graças às pressões, feitas em um acordo entre as
lideranças do Partido dos Trabalhadores (PT), e outros partidos de centro-esquerda como o PSDB
(Partido da Social Democracia Brasileira) e o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro),
foi possível a criação da Lei Agrária em 1992, sancionada pelo Presidente Itamar Franco que após o
impeachment de Fernando Collor de Melo assumiu a Presidência do país.
O Presidente Itamar Franco vetou 10 dispositivos da Lei Agrária, entre eles os reivindicados
pelos Movimentos Sociais. Com a existência desta nova lei travou-se no Congresso Nacional uma
verdadeira luta pela aprovação do Rito Sumário. Sendo assim apesar de existirem dispositivos legais a
Reforma Agrária só sucederia na prática através das ocupações de terra. Após o ano de 1993 o número
de ocupação se intensificou.
De acordo com Gonçalo (2001, apud INCRA, 1995), “em 1993 foram realizadas 89 ocupações
com 19.092 famílias. Em 1994 aconteceram 119 ocupações com 20.116 famílias” (p.69).
Até os dias atuais tem sido assim, ocorrendo às desapropriações de terra onde ocorrem as
ocupações de terra, como pode ser verificado nos Gráficos 12 (p.55) e 13(p.56), e onde não há a
presença da mobilização dos trabalhadores rurais ocorre o retardamento deste processo.

Gráfico 12: Brasil - Número de Ocupações de Terra - 1988 – 2004


55

Fonte: INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e ANOTER –


Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra. Sistematização de dados – DATALUTA –
Banco de Dados da Luta pela Terra, 2008.
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

Gráfico 13- Brasil - Ocupações de Terra - Número de Famílias 1988 – 2004


56

Fonte: INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e ANOTER – Associação


Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra. Sistematização de dados – DATALUTA – Banco de
Dados da Luta pela Terra, 2008.
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

Para Melo (2001) o governo vê a Reforma Agrária como uma política social que tem o objetivo
de atender a população pobre do campo que luta pela posse da terra, amenizando assim os conflitos
existentes no campo. Se tornando uma política compensatória, que está muito longe de ser uma política
de desenvolvimento econômico ou uma política redistributiva.
O Estado é quem detém o controle da política agrícola camponesa, sendo o mentor dos projetos
de assentamentos, não aceitando as pressões impostas através das ocupações de terras organizadas pelos
trabalhadores rurais. Controlando a escolha dos beneficiados, definem quais serão as terras, de que
Estado e de que Região.
Para Melo (2001), o governo é subordinado à bancada de produtores rurais, que lhe fornece
sustentação, por isso o governo atua muito mais na regularização nas áreas ocupadas por posseiros do
que na Reforma Agrária que possui o intuito de redistribuição de terra. Na sua essência o poder dos
latifundiários sempre esteve atrelado ao Estado, o que inviabilizou uma solução eficaz para a Reforma
Agrária até o presente momento.
Até os dias atuais, percebemos que o poder dos latifundiários amparados pelo governo
dificultou uma solução eficaz para a realização da Reforma Agrária. A alternativa encontrada pelos
senhores de terras frente à ação ativa dos trabalhadores rurais, foi através de ações que mantenham os
seus interesses, mesmo que este fato possibilitasse pequenas mudanças.
De acordo com Gonçalo (2001), o que dificulta as desapropriações são as indenizações
inexecutáveis, conseqüência da supervalorização das perícias e do Poder Judiciário. O governo federal
57

detinha R$ 4 bilhões em precatórias5 para os latifundiários pelas desapropriações, no ano de 1997


propiciando a deturpação da Reforma Agrária e a crescente perspectiva de uma reforma imobiliária.
A expropriação está sendo convertida em um ato de compra e venda decorrente das novas ações
dos latifundiários que incentivam as ocupações auxiliando até mesmo com a infra-estrutura, como
forma de apressar o processo de desapropriação de terras. Segundo Gonçalo (2001): “o que chamamos
aqui de mercado da expropriação e da desapropriação da terra” (p. 91).
Em contrapartida o governo federal determinou algumas alterações inviabilizando as vistorias
super valorizadas, um ponto positivo se, o governo tomasse medidas mais rígidas, como a apreensão
das terras nos casos em que se comprovassem abuso de má-fé, atitudes como estas amenizariam a
situação.
Ao tomar posse em 1995 o Presidente Fernando Henrique Cardoso avocou o compromisso de
assentar 280 mil famílias de trabalhadores rurais sem-terra. No documento “Balanço da Reforma
Agrária do governo de FHC (1995/1998)” mostra que a meta foi ultrapassada em 7.539 famílias,
Gonçalo (2001).
De acordo com Gonçalo (2001) durante seu governo a quantidade de latifúndios improdutivos
que foram desapropriados seria de 7.321,270 hectares de terras. Deste 1995, nove milhões de terras
estariam destinadas a fins de reforma Agrária, através de outras formas que possibilitam a aquisição de
terras pra fins de reforma Agrária. Através do Art.243 da Constituição Federal de 1988 o governo
desapropriou terras onde foram encontrados trabalhadores mantidos em regime de escravidão e terras
onde era realizado o plantio de plantas psicotrópicas (plantas medicinais), o que se pode considerar
como um pequeno avanço para a realização da Reforma Agrária.
Os créditos recebidos pelos assentados para custeio das plantações chegaram a uma pouco mais
de um bilhão de reais. A área econômica do governo impôs limite (quota), até o fim de cada ano, o que
resultou em 80% desse valor, que foi realmente aplicado. Foi gasto pelo governo em 1995, 108 milhões
e em 1998 foram gastos 260 milhões. Os estados que foram mais beneficiados foram: Bahia, Ceará e
rio Grande do Norte.
Segundo Gonçalo (2001) as obras relacionadas à infra-estrutura social e econômica dos
assentamentos chegaram a 400 milhões de reais, nesses quatro anos de governo Fernando Henrique
foram construídos nove mil quilômetros de redes de eletrificação rural, 27 mil quilômetros de estradas
que ligam povoações próximas, armazéns, poços, açudes, foram construídas também 115 casas
residenciais que foram patrocinadas pelo Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária, além de
outras obras úteis.
Apesar de tantos investimentos relacionados à infra-estrutura em assentamentos, durante a
pesquisa constatamos que para o assentamento estudado, este dinheiro não foi repassado, todas as
casas possuem água e iluminação elétrica, porém os assentados reclamam da falta de infra-estrutura:
falta de creche, de calçamento da agrovila, de posto médico dentro do assentamento, necessidade
5
Dívidas que devem ser pagas por determinação judicial. (Gonçalo,2001)
58

reformar a escola municipal de ensino fundamental existente no assentamento e a criação de uma


escola de nível médio de ensino dentro do assentamento, além de área de lazer, como já foi destacado
anteriormente.
Ainda em relação a outros tipos de investimentos repassados pelo INCRA, segundo o
presidente da associação dos trabalhadores do assentamento Dona Antônia, os assentados não recebem
nenhum tipo de beneficio, segundo o mesmo ocorre de maneira aleatória alguns cursos para
capacitação que são oferecidos pelo SEBRAE, porém patrocinado pelo INCRA, mais para os
assentados estes cursos não são de grande utilidade já que não existe mercado de trabalhado para
empregar esta mão de obra qualificada.
Segundo Gonçalo (2001) no ano de 1996 o governo alterou alguns pontos na legislação agrária,
tendo como objetivo mais rapidez nas desapropriações de terra. Antes um processo de desapropriação
levava 467 dias para ser concluído, diminuído de um quinto a um terço através dessa lei, chegaria a 131
dias para ser concluído.
Para Gonçalo (2001) a partir da lei nº 9.415 o Ministério Público aceitando a proposta dos
deputados do Congresso Nacional, passando a intervir nos conflitos, fiscalizando as reintegrações de
posse, assim prevenindo a violência. Também em 1996 foi publicado em decreto que permitia as
entidades representantes de trabalhadores rurais a indicarem possíveis áreas de desapropriação.
Ainda segundo Gonçalo (2001) a lei nº 9393/96 que alterou a cobrança do imposto territorial
rural, tinha como principal objetivo dificultar a manutenção de latifúndios improdutivos como reserva
de valor, especulação imobiliária. Passou a ter como critério básico o uso social da terra e levando em
consideração também a distinção entre grandes proprietários e pequenos proprietários. E a lei
complementar 93/98 deu origem a um fundo para financiar a aquisição de terras e projetos de
assentamentos e mais dois decretos que possibilitaram ao INCRA a participação em leilões, como o
objetivo de agilizar a aquisição de terras.
No ano de 1998 ocorreu uma queda nos recursos destinados ao INCRA, fruto dos cortes
determinados pelo ajuste fiscal, conseqüência da crise do período. Enquanto no ano de 1995 foram
autorizados um milhão e quatrocentos mil reais, e no ano de 1998 foi liberado um milhão e novecentos
mil reais, uma alta considerada baixa.
De acordo com Gonçalo (2001) para o presidente FHC a Reforma Agrária não deve se
preocupar apenas com o aumento da produção agrícola, mas também e principalmente com a produção
de empregos produtivos e rentáveis, beneficiando assim os milhares de trabalhadores rurais, quem
vêem no campo o seu sustento. Ainda para FHC a Reforma Agrária só seria realizada através do
compromisso de toda a sociedade para ele a Reforma Agrária é econômica, mas, sobretudo social. Na
visão do presidente a Reforma Agrária deve estar acompanhada de projetos que auxiliem, beneficiem o
pequeno agricultor.
Já no governo de Lula 2002, a vitória do Partido dos Trabalhadores despertou a esperança de
milhares de camponeses/ trabalhadores rurais, já que durante o processo eleitoral Lula teve o apoio de
59

vários movimentos sociais ligados à questão da terra. Porém o que presenciamos nos dias atuais (no
governo de Lula) é que o modo da agricultura brasileira está sendo orientado para a exportação e tendo
altos juros da política econômica, que gerou o empobrecimento e endividamento dos pequenos
agricultores rurais, proporcionando uma maior concentração de terras. Segundo STRAZZACAPPA
(2006):

Ao contrário do prometido, nos dois primeiros anos do governo Lula a


reforma praticamente parou. Em 2003 foram assentadas somente 36 famílias
e, em 2004, menos de 25 mil. A meta era contemplar 60 mil famílias em
2003 e 115 mil em 2005. Enquanto isso as invasões dos sem-terra cresceram
280% entre 2000 e 2004, dando sinais de que não iriam parar por aí. Só
diminuíram no período eleitoral, quando os líderes estavam envolvidos no
processo buscando aliados políticos. (p. 13).

Do período de 1988 até 2004, as ocupações tornaram-se uma forma de coação em cima dos
governos que resultou no assentamento de diversas famílias de trabalhadores rurais, porém sendo
ainda um número muito inferior da meta inicial do governo, Quadros 01 (p.60) e 02 (p.60).

Quadro 01: Número de ocupações e famílias em ocupações – Governo Lula


60

Fonte: INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e ANOTER –


Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra. Sistematização de dados – DATALUTA
– Banco de Dados da Luta pela Terra, 2008.
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

Quadro 02: Implantação de Assentamentos Rurais – Governo Lula – Brasil.

Fonte: INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e ANOTER –


Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra. Sistematização de dados – DATALUTA –
Banco de Dados da Luta pela Terra, 2008.
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).
61

A Reforma Agrária brasileira enfrenta muitos empecilhos jurídicos já que a implementação da


mesma fica dependente quase que unicamente das indenizações de terras, uma situação que deixa o
camponês “na mão” devido ao reduzido orçamento para Reforma Agrária que é insuficiente para pagar
tais indenizações. Sendo assim podemos afirmar que a Reforma Agrária é um plano de governo que
depende de decisões políticas.
Como essas decisões políticas são falhas, o Brasil tem um histórico de luta dos trabalhadores
rurais sem terra juntamente com diversas organizações sociais que atuam no campo, caracterizadas por
disputas territoriais para aquisição de seu principal meio de trabalho que é a terra. A disputa gira em
torno de conflitos armados, de ocupações, lutas e mortes como forma de pressionar o governo a
realizar a Reforma Agrária. Essas lutas objetivam ter como resultado uma redistribuição mais
igualitária da terra, um dos caminhos é a formação de assentamentos rurais, como veremos no capítulo
a seguir.

3 REFORMA AGRÁRIA E A LUTA PELA TERRA:


62

Os trabalhadores rurais no Brasil se desenvolveram, nos últimos 20 anos do século XX sua


organização social e luta, porém, isso não quer dizer que estejam politicamente fortes. Na visão de
Martins (1986) acontece justamente o contrário, os trabalhadores ainda são politicamente fracos,
desamparados e ambíguos.
A luta da classe trabalhadora no campo não é apenas pela terra, vai muito além. A luta é
também pela libertação dos trabalhadores e trabalhadoras que continuam vivendo no regime de
escravidão. Os trabalhadores rurais no Brasil continuam a ser vigiados, por pistoleiros profissionais,
reféns de dividas impagáveis e presos em fazendas distantes. Os trabalhadores rurais trabalham sobre a
mira de fuzis, são espancados e sofrem diversas formas de tortura.
Essas condições de trabalho descrevem-se em qualquer momento histórico do Brasil, hoje, em
2009 são reproduzidas em diferentes regiões do país.
Em várias delas, muitos fazendeiros, mantêm os trabalhadores presos as suas propriedades,
destroem seus documentos, contratos, carteiras de trabalho, todos os documentos são recolhidos e
destruídos. A conseqüência desses atos é a morte do trabalhador com cidadão brasileiro e o seu
“nascimento” como escravo.
De acordo com Martins (1986) as punições para aqueles que tentam fugir são absolutamente
cruéis em alguns casos eles amaram os pés e os braços do trabalhador a dois animais, assim quando
um deles disparar o trabalhador seria totalmente estraçalhado. Suras de cipó, pau, facão, são
freqüentes, outro castigo também comum é a suspensão da alimentação por vários dias.
Muitos desses trabalhadores não possuem liberdade nenhuma de locomoção apenas tem
direito de longas jornadas de trabalho, que são de doze a quatorze horas por dia, e após esta longa
jornada são confinados em barracões e mantidos sob guarda dos pistoleiros.
Segundo Martins (1986):

A escravidão no Brasil de hoje não ocorre apenas nas regiões afastadas da


Amazônia. É verdade que Mato Grosso e Pará são os campeões (28% e 18%
dos casos) ; mas o Paraná e São Paulo tem participação importante (10% e
8% dos casos). Ela tem ocorrido (sete casos) em quatro das regiões
metropolitanas das capitais do Sul e do Sudeste (SP, RJ, Curitiba e
Florianópolis). (p. 43).

Isto comprova que este sistema de escravidão ainda encontrado no território brasileiro deriva
do tipo de acumulação capitalista, que se dá com a conveniência do Estado. A democracia não existe
de forma igualitária, em várias regiões do território os trabalhadores são obrigados a viverem como
escravos apanham para trabalhar, podem ser vendidos e comprados livremente, o princípio da
isonomia (igualdade), não vigora para estes trabalhadores rurais.
Para os detentores de terras trabalhador considerado “bom” é aquele que se submete a todas as
vontades, que aceita a humilhação e a miséria sem fazer reclamações. A violência no campo cresceu
63

desde que os trabalhadores passaram a reivindicar por seus direitos, não aceitando mais, as antigas
formas de dominação pessoal, representada pela falta dos direitos políticos e sociais. É uma guerra que
está acontecendo no campo, à guerra pela libertação.
Neste capítulo apresentamos alguns mapas adquiridos na tese “Proposição teórico-
metodológica de uma Cartografia Geográfica Crítica e sua aplicação no desenvolvimento do Atlas da
Questão Agrária Brasileira” de Paulo Girardi, apresentada em 2008 onde o autor desenvolve, o Atlas
da Questão Agrária Brasileira, para ilustrar melhor as questões relacionadas à luta pela terra no país.
No Mapa 04 a seguir podemos constatar os estados onde ocorre à maior concentração de
violência contra trabalhadores rurais e camponeses no Brasil, são eles: Maranhão, Pará, Tocantins,
Piauí, Goiás e Mato Grosso. Não esquecendo que nas outras regiões do país a violência no campo está
sempre presente. Essa violência se reproduz em diferentes regiões do país e em diferentes escalas.
. O assentamento estudado também contribui com os dados de violência no campo presentes
no estado da Paraíba, mais especificamente a que ocorreu contra as famílias do assentamento ainda
quando estavam acampadas em dezembro de 1995, na antiga fazenda Baraúna, em que as famílias
tiveram suas lavouras destruídas, palhoças queimadas, alguns cidadãos sofreram violência física, e 4
pessoas do acampamento foram detidas, como foi colocado anteriormente.

Mapa 04: Concentração da violência contra trabalhadores rurais e camponeses no Brasil.


64

Fonte: Fonte: DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra


NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma agrária. Banco de dados de luta
pela terra DATALUTA/NERA-FCT/UNESP – Presidente Prudente-SP
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

Neste mapa Girard (2008) destaca o papel dos trabalhadores em três regiões do País: Norte,
Nordeste e Sul, considerando a importância demográfica e ocupacional significativa nessas três
regiões. O autor mostra que os trabalhadores rurais do Sul, se caracterizam por sua agropecuária
diversa e dinâmica o que permite que o Sul faça parte da principal região agropecuária do país, o que o
mapa mostra é uma ampla área de conflito/ocupação de terras dos horizontes sociais no sul. Ocupando
grandes proporções de terra mediadas pelo Movimento dos Sem Terra.
65

Na região Norte o campesinato disseminou-se a partir de Projetos de colonização do Estado


com a implantação de assentamentos rurais e distribuição de pequenas propriedades de terras. As
atividades extrativistas e a pequena produção agropecuária para abastecimento regional são
características marcantes na região. Nessa região os baixos rendimentos e os indicadores sociais
abaixo da média expressam a qualidade de vida precária dessa população camponesa. A violência
sofrida pelos trabalhadores rurais é intensa e é resultado dos avanços do latifúndio sobre o território
camponês.
No Nordeste, o campesinato é caracterizado pela baixa produtividade da agropecuária e pela
utilização de meios de produção precários, resultando nas baixas rendas e indicadores sociais
negativos. O campesinato da região é deficiente principalmente pela falta de ações do Estado no
sentido de superar a escassez hídrica que impossibilita o desenvolvimento satisfatório da agricultura
impossibilitado o desenvolvimento de forma satisfatória.
Girard (2008) destaca que o Nordeste também é bastante representativo na composição da
população regional, o que reflete na sua importância na ocupação da população. Na luta pela terra teve
importância histórica com as Ligas Camponesas. E hoje o Nordeste é responsável por grande parte das
ocupações de terra.
O Regime militar capitalizou o campo brasileiro, modernizando-o para o grande latifundiário,
e proporcionando aos mesmos a posse definitiva da terra. Dados mais recentes da nossa Reforma
agrária, segundo Melo (2006):

[...] revelam que 1,6% dos proprietários com imóveis acima de mil hectares
detêm 46,8% do total da área cadastrada pelo INCRA no país. Por outro
lado, mais de três milhões de famílias de trabalhadores rurais não dispõem
de terra para viver e trabalhar. (p. 25).

Tendo como base as idéias de Melo (2006), a luta pela reforma agrária é resultado de mais de
500 anos de história, mantendo em sua essência uma concentração fundiária que acarretou na pobreza
e na expropriação dos trabalhadores do meio rural. O que garantiu a continuação dessa situação nas
últimas décadas foi à modernização conservadora da agricultura, que contribui na manutenção da
desigualdade, fator preponderante que coloca grande parte das famílias que habitam o campo
brasileiro abaixo da linha da pobreza.
A violência é outra questão que marca a luta por Reforma agrária no Brasil, a impunidade
incentiva à violência no campo. Segundo Melo (2006),

Dados da CPT revelam que nas ultimas décadas, 1.349 pessoas foram
assassinadas em decorrência da luta por terra, em 1003 ocorrências
registradas. Apenas 75 dessas ocorrências resultam em julgamentos; 64
executores foram condenados e 44 absolvidos. No caso dos mandantes,
apenas 15 foram condenados. (p. 25-26).
66

Os grandes proprietários de terras tendem a proteger seus interesses, através, na maioria das
vezes de maneiras ilegais, como a concentração de pistoleiros, distribuição de armas de fogo,
organizando milícias privadas, para defender seus interesses a qualquer custo.
Para Melo (2006), é fato que o Estado brasileiro tem sido incompetente na tentativa de
resolver o problema da Reforma agrária, o Estado apenas judicializa os conflitos agrários tratando-os
como meros casos de polícia ao invés de identificar as causas do problema e consertá-lo.
Para Melo (2006), a atuação dos Poderes da República, serviu apenas para agravar a situação
do campo brasileiro:

A responsabilidade do Poder Executivo é evidente desde a promulgação do


Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), o poder público está expressamente
autorizado a realizar a reforma agrária, porém essa política pública só é
implementada pontualmente, para responder ao conflito já instalado. ( p. 27)

Quanto ao Poder Legislativo segundo Melo (2006):

[...] não conseguiu remover os entraves legais dos processos de


desapropriação e arrecadação de terras para fins de reforma agrária. Ao
longo da historia, a correlação de forças vem sendo favorável aos grandes
proprietários, o que resulta na aprovação de leis e documentos que
dificultam alterações na estrutura agrária [...]. (p. 27)

E quanto ao Poder Judiciário segundo Melo (2006).

Pesa sobre o Poder Judiciário a morosidade para decidir sobre as ações de


desapropriação e de arrecadação de imóveis para fins de reforma agrária, que
se contrapõe à celeridade nos processos de interesses dos grandes
proprietários e grileiros. Além disso, os setores conservadores do Judiciário
têm sido coniventes com a impunidade de executores e mandantes de
assassinatos de sem-terra (p. 27).

Seguindo as idéias de Melo (2006), à Reforma agrária engloba famílias que faltam serem
assentadas, aquelas famílias que dispõem de pouca terra, as que já foram assentadas, porém
encontram-se em situação precária, os pequenos arrendatários, os meeiros, posseiros que não recebem
créditos e nem assistência técnica. Estas famílias e estes trabalhadores rurais frente às dificuldades
almejam a realização da Reforma agrária no território brasileiro.
Os conflitos agrários por terra estão diretamente ligados com a história de ocupação da terra,
da maneira como ela foi distribuída, sendo um ponto que só vai ser resolvido através de uma Reforma
agrária ampla e igualitária para todos.
67

3.1 A Igreja Católica e a reforma agrária

Entre os anos de 1968 e 1973, ocorreram várias prisões em todo território de padres, agentes
da pastoral e bispos, comprovando que havia um confronto que girava em torno da questão da terra.
Até o ano de 1973 a Igreja não havia tomado nenhuma medida em relação a este fato, à medida que o
conflito crescia a Igreja não tomava nenhuma atitude, e o problema da terra passava a ter maior
importância.
A Igreja começa a trabalhar por baixo, mostrando que existe um processo de degradação que
leva a expropriação, dando margem para o desemprego, subemprego e marginalização, a Igreja tenta
trabalhar com a perspectiva da distribuição e não da acumulação.
A preocupação da Igreja é com os direitos das pessoas, existem direitos consagrados na lei,
porém alguns destes direitos não são respeitados na vida real, um exemplo disso é a inexistência do
respeito à propriedade.
Na visão da Igreja a partir de 1973, a política agrária do governo, surge com o desrespeito e
destruição da pessoa não apenas como individuo mais como um ser social. A Igreja questiona a
concentração da terra que era colocada em prática pelo Estado, sendo a principal crítica que a Igreja
faz ao Estado questionando a concentração de terras e suas conseqüências para a população rural.
A Igreja mobiliza as populações rurais pobres e marginalizadas, no campo e na cidade,
passando a organizar e auxiliar estas populações. Enquanto o Estado tenta desmontar as mediações
sociais e políticas que representa a luta dos trabalhadores do campo como uma questão política.
Através da organização e do esforço o Estado tenta evitar que a “questão agrária” se torne uma
questão política, resultando em uma redefinição política do próprio Estado, é a vivência do processo
de militarização do campo, que observamos aqui.
Muitos dos conflitos entre a Igreja e militares são conseqüência das desapropriações ocorridas
em várias áreas que promoveram um verdadeiro esvaziamento político no campo, promovendo o fim
de formas políticas tradicionais no campo brasileiro.
Segundo Martins (1986):

Este processo cria um vazio político no campo. Enfraquece as formas


tradicionais de dominação e dá um espaço especial às lutas dos trabalhadores
rurais. Particularmente fez com que a Igreja, que tem presença nacional, que
está em todo lugar, envolvida no desacordo com o Estado, e sendo ela
mesma reprimida pelo Estado, acabasse canalizando politicamente as tensões
sociais e promovendo a organização política e sindical dos trabalhadores,
68

contribuindo também para preencher o espaço esvaziado pelos militares (p.


73).

A Igreja passou a trabalhar de uma maneira muito mais intensa, juntamente com os
trabalhadores rurais na luta pela terra, assumindo também o conflito com o Estado. De maneira que
não há mais negociação entre a Igreja e o Estado, um processo que vem desde a época da Proclamação
da República.
Desde o momento que se apreende um bispo, um padre e passa a torturá-los, está
definitivamente constituída a ruptura entre a Igreja e o Estado. O espaço da Igreja tem sido utilizado
pelos trabalhadores rurais, como um espaço de expressão social e política.
De acordo com as idéias de Melo (2006) a Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi fundada em
1975, por uma “ala” da Igreja Católica, foi criada como sendo uma resposta à situação dos
trabalhadores rurais. Com 34 anos dentro da luta pela terra a CPT funciona como um canal de
comunicação entre os trabalhadores e o Estado.
No Mapa 05 evidenciamos a espacialização do MST e da CONTAG em quase todo o Brasil. A
CPT atua predominantemente na região Nordeste destacando Paraíba e a FETRAF atua em três
regiões: Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A OLC vem atuando somente no Estado de Pernambuco e o
MLST nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Estes são os movimentos que configuram a
geografia dos movimentos socioterritoriais do Brasil.
Segundo o Banco de Dados de Luta Pela Terra (Dataluta), a CPT atua principalmente na
região Nordeste, como pode ser verificado no Mapa 05 a seguir. Atua também de forma considerável
no território paraibano. Foi também mediadora da luta pela terra no assentamento pesquisado e em
outros assentamentos do município do Conde, onde localiza-se o assentamento Dona Antônia. Alguns
acampados e assentados do município aderiram ao movimento e permanecem até os dias atuais,
Gráfico 06 (p.31).

Mapa 05: Brasil – Geografia dos Movimentos Socioterritoriais – 2000 – 2007


Número de famílias em ocupações – Por município.
69

Fonte: Fonte: DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra


NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma agrária. Banco de dados de luta
pela terra DATALUTA/NERA-FCT/UNESP – Presidente Prudente-SP
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

Porém podemos considerar que a denuncia da violência que ocorre no campo, feita por Girard
(2008), mostra a necessidade que o Brasil tem de que se concretize a Reforma agrária e para assim
solucionar os problemas que ocorrem no campo a Reforma agrária é de extrema importância.
70

Em um dos períodos de maior restrição dos direitos dos cidadãos brasileiros, a Ditadura
Militar, a CPT tornou-se um canal para denúncias dos conflitos ocorridos no campo e um canal
também de expressão para o pequeno camponês na luta contra o latifúndio.
Segundo Melo (2006):

Com base nos pressupostos da teologia da Libertação e na doutrina social da


igreja Católica, a Pastoral aponta o latifúndio como responsável pela
violência no campo, razão pela qual deve ser eliminado, e a democratização
do acesso à terra como caminho para a humanização das relações sociais (p.
111).

Para a CPT o latifúndio é uma afronta, um crime já que retira do camponês a oportunidade de
possuir uma vida digna. A prestação de serviços desse movimento é tentar restabelecer à terra a sua
função social, trazendo não apenas a terra, mais incorporando aos trabalhadores moradia, saúde,
educação, lazer, assistência técnica, condições de trabalho, de comercialização, e preservação
ambiental.

3.2 A luta dos movimentos sociais

Desde a formação dos Movimentos Sociais percebemos mudanças significativas, porém falta
muito para alcançar o objetivo maior que é ver a Reforma agrária acontecer de maneira real. A luta por
terra no Brasil é antiga e árdua, a organização e formação dos Movimentos Sociais têm como pilar de
sustentação a propriedade e a posse da terra, o tipo de política adotada pelos movimentos ao longo dos
anos, tem servido de base para manutenção da área de confronto pela Reforma agrária.
Os Movimentos Sociais surgiram, ganharam força, formaram sua própria identidade, passaram
a fazer pressão em cima do Estado, criando um longo caminho a ser percorrido. Os Movimentos lutam
contra várias formas de expropriação de terra, são formados por diversas categorias de trabalhadores
rurais e se colocam em oposição à expropriação pela ampliação capitalista no campo.
Na visão de Melo (2006), os movimentos sociais estimulam a formação de uma identidade
coletiva, o fortalecimento dos laços de solidariedade e possibilitando o crescimento da cidadania. Os
movimentos tornaram-se um canal para a comunicação entre Estado e os camponeses e principalmente
um canal para divulgar suas denúncias.
Segundo Melo (2006):

Outro ponto meritório é a atuação dos movimentos sociais na denúncia de


violências praticadas contra os direitos humanos, o meio ambiente e o
patrimônio público. A CPMI recebeu dezenas de documentos denunciando os
mais diversos crimes [...] (p. 137).
71

Através das suas reivindicações os Movimentos Sociais modificaram os comportamentos do


sistema político brasileiro, sua influência causou a transformação da cultura e dos costumes. As
reclamações ao direito a posse da terra, as preocupações com o meio ambiente comprovam isto.
A burguesia brasileira se prepondera do aparelho estatal suprindo a carência de domínio sobre a
sociedade civil organizada (Movimentos Sociais), este é um dos motivos que poderia explicar a
existência dos conflitos sociais que rodeia a Reforma agrária. Presenciamos que as poucas iniciativas
governamentais não possuem a intenção de alterar o modo vigente no país de distribuição desigual do
uso da terra, confirmando a hegemonia da elite agrária que domina o Estado ao longo dos últimos cinco
séculos.
Para Gonçalo (2001), os movimentos sociais vêem lutando ao longo dos tempos pela Reforma
agrária e evoluíram passando a reivindicar por um projeto de transformação político-social. Os
movimentos estão agrupando forças, eles sabem perfeitamente que os acampamentos não são a
Reforma agrária é apenas um pequeno resultado perto do que eles almejam. A Reforma agrária (com
uma significativa mudança na sua estrutura fundiária) só será alcançada através dos movimentos de
massa fundamentados na organização popular.
Seguindo as idéias de Melo (2006) graças às pressões feitas pelos movimentos sociais que
atuam no campo é que os assentamentos conseguiram a sua implementação e um dos principais
aspectos dos movimentos sociais é que eles conseguiram manter a Reforma agrária na pauta do
governo.
Com o aumento das bases/ militâncias, os movimentos sociais têm como conseqüência
também a majoração do número de ocupações de terras, e através desse processo ocorre à
consolidação e efetivação de projetos de assentamentos em todo território nacional. O Banco de Dados
da Luta Pela Terra 2005 mostra que o Brasil detém 6.241 projetos de assentamentos que corresponde
34.823.679 ha, envolvendo 793.181 famílias, distribuídas em todas as regiões geográficas do Brasil
(Quadro 03):
72

Quadro 03. Número de Assentamentos e Famílias – Brasil – 2005.

Região/UF Nº PAs % Nº de famílias % Área %


Norte 1.202 19,26 327.776 41,31 20.504.933 59
AC 103 1,65 29.041 3,66 1.078.444 3,10
AM 54 0,87 28.445 3,59 3.737.340 10,73
AP 32 0,51 9.752 1,23 1.391.591 4,00
PA 544 8,72 149.303 18,82 6.899.220 19,81
RO 146 2,34 59.494 4,50 2.650.804 7,61
RR 40 0,64 31.107 3,92 3.715.371 10,67
TO 283 4,53 20.634 2,60 1.032.163 2,96
Nordeste 2.860 45,83 266.186 33,56 6.774.579 19,45
AL 80 1,28 7.517 0,95 52.221 0,15
BA 412 6,60 39.802 5,02 1.135.909 3,26
CE 359 5,75 23.048 2,91 751.732 2,16
MA 717 11,49 108.952 13,74 2.984.514 8,57
PB 227 3,64 13.614 1,72 209.579 0,60
PE 326 5,22 19.652 2,48 234.608 0,67
PI 359 5,75 26.517 3,34 877.582 2,52
RN 266 4,26 19.651 2,48 424.786 1,22
SE 144 1,83 7.433 1,94 103.648 0,30
Centro-oeste 830 13,30 119.703 15,09 5.791.407 16,63
DF 8 0,13 603 0,08 11.834 0,03
GO 244 3,91 16.651 2,10 649.140. 1,86
MS 136 2,18 21.709 2,74 501.750 1,44
MT 442 7,08 80.740 10,18 4.628.683 13,29
Sudeste 376 9,23 39.983 5,03 1.031.126 2,96
ES 77 1,23 3.687 0,46 33.383 0,10
MG 220 3,53 15.242 1,92 618.100 1,77
RJ 69 1,11 7.215 0,91 85.338 0,25
SP 210 3,36 13.789 1,74 294.305 0,85
Sul 173 12,39 39.583 4,99 721.634 2,07
PR 343 5,50 21.928 2,76 379.729 1,09
RS 295 4,73 12.288 1,55 254.750 0,73
73

SC 135 2,16 5.367 0,68 87.155. 0,25


Brasil 6.241 100,00 793.181 100,00 34.823.679 100,00
Fonte: INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma agrária e ANOTER – Associação
Nacional dos
Órgãos Estaduais de Terra.
Sistematização de dados – DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra, 2005.
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

Podemos observar a partir do Quadro 03 acima que o Nordeste é a região que possui o maior
número de assentamentos no território brasileiro. Podemos constatar que os assentamentos da região
Norte apresentam menos da metade do número de Projeto de Assentamentos do Nordeste que abrange
uma área aproximadamente três vezes maior do que os assentamentos do NE, o que vem confirmar
que o NE apesar dessa distribuição de terras ainda continua estruturado no latifúndio, como mostra o
Mapa 06 a seguir:

Mapa 06: Geografia dos Assentamentos Rurais – Número de Projetos de Assentamentos.


74

Fonte: DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra


NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma agrária. Banco de dados de luta
pela terra
DATALUTA/NERA-FCT/UNESP – Presidente Prudente-SP
Adaptado por: Monteiro, Maria da Conceição Moreira (2009).

É fato que a Reforma agrária exerce uma função política social redistributiva, sendo à base das
relações produtivas a terra. O Mapa 06 mostra que o maior número de Projetos de Assentamento Rural
predomina nas regiões Norte e Nordeste, onde o número de ocupações são relativamente maiores
forçando assim a implementação dos assentamentos rurais.
Diferentemente dos movimentos contraditórios, ao processo agrário, que demonstra seus
interesses em agregar terras. O que presenciamos é um processo em movimento que segundo Gonçalo
75

(2001), “viabiliza através da legislação agrária e jurídico-policial, das relações políticas ou


institucionais e da opinião pública” (p.24).
É visível que o Estado sempre esteve a serviço das classes dominantes da oligarquia brasileira
que vão de encontro com os Movimentos Sociais impedindo uma possível ruptura que poderia levar a
alteração da concentração fundiária. A estratégia política do Estado para as classes rurais é através de
políticas compensatórias, uma espécie de compensação do Estado, que apenas ameniza os conflitos ao
invés de resolver de maneira definitiva e eficiente a questão agrária em nosso país.
No Brasil a luta pela terra é uma verdadeira constante, a Lei de Terras 6, consolidou a vontade
das elites rurais, pois a terra só poderia ser concedida por meio da compra. A propriedade pertencente às
elites rurais não permite o livre fluxo e reprodução do capital o que aconteceu foi uma cristalização
para impossibilitar a rendição do trabalhador livre ao proprietário da terra. O Estado manteve uma
legislação fundiária que proporcionou à expropriação da terra, dificultando ao trabalhador
camponês/rural o acesso à posse da terra.
De acordo com Gonçalo (2001):

A luta pela terra é um processo complexo que assumi diferentes formas.


Situa-se dentro do contexto da luta pelo espaço e pela ruptura do poder. Nessa
medida, a conquista do espaço liga-se à procura da identidade social e à
aquisição da cidadania. Assim, a briga pela terra carrega a força de
representar a busca pela certeza da alimentação diária em nível satisfatório e a
produção de valores de uso compatíveis com os padrões próprios de
idealização da vida rural (p. 50).

Para Oliveira (1990), os povos indígenas foram os primeiros a conhecer a fúria dos
colonizadores que provocaram grande genocídio sobre esses povos ao chegar ao Brasil.
Simultaneamente, surgiram as lutas dos negros contra os brancos capitalistas, formando assim, vários
quilombos e travando uma luta direta contra os brancos. Posteriormente surgiram os posseiros que
passaram a lutar por terra e liberdade no campo do país. Nos anos 50 e 60, houve um destaque das
ligas camponesas que passam a ter destaque no campo nordestino. Com o passar do tempo, muitas
organizações foram surgindo e intensificando a luta contra as injustiças sociais no campo que são, na
verdade, um resultado da ocupação e exploração do país. Para Oliveira (1990).

No conjunto, podemos identificar os seguintes movimentos no campo hoje: a


luta das nações indígenas, dos posseiros, dos peões, dos camponeses
subordinados, dos desapropriados nas grandes obras do Estado, dos
“Brasiguaios”, dos sem-terra e a luta dos trabalhadores bóia frias (p.55).

A reforma agrária não se limita na luta dos agricultores sem-terra. Envolvem-se, nesse sentido,
o governo federal, Igreja Católica, alguns partidos políticos, o sindicalismo em geral, particularmente
6
Em relação a Lei de Terras, ver mais In: Martins, José de Souza. Cativeiro da terra. São Paulo, 1979.
76

o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Este último que atuava apenas como um órgão assistencial e
mediador do sistema de aposentadoria no campo vem mudando seu enfoque de atuação em direção a
uma proposta bem mais ampla e mais presente nos interesses dos trabalhadores rurais.
Segundo Rodrigues (1963) após a Proclamação da República em 1822, o que se viu foi varias
mobilizações independentes a exemplo de Canudos, um movimento messiânico liderado por Antônio
Conselheiro. A Guerra de Canudos, foi o confronto entre um movimento popular e o Exército da
República, que durou cerca de um ano, e o palco de tal guerra foi a então comunidade de Canudos,
localizada no interior do Estado da Bahia, no Brasil.
Vários fatores deram origem a este conflito, como a crise econômica e social em que
se encontrava a regiões na época, caracterizada pela presença de latifúndios improdutivos,
situação também agravada pela ocorrência de seca, de desemprego, e principalmente pela
crença em uma salvação milagrosa que pouparia os mais humildes sertanejos da fome, da
probreza e da exclusão social.
Inicialmente os moradores de Canudos, não questionavam o regime republicano,
ocorreram apenas algumas mobilizações contra a municipalização da cobrança de impostos.
Os que realmente ficaram encomodados com o Arraial de Canudos, foram o clero e
latifundiários da região, que estavam incomodados com uma nova cidade independente, e que
recebia a constante migração de pessoas e valores para aquele local passaram a acusá-los
disso, ganhando o apoio da opinião pública do país para assim justificar a guerra contra
Canudos e seus moradores.
Aos poucos, construiu-se em torno de Antônio Conselheiro e seus adeptos uma
imagem equivocada de que todos eram "perigosos monarquistas" a serviço de potências
estrangeiras (o que na verdade não passava de uma mera desculpa), querendo restaurar no país
o regime imperial, devido, entre outros ao fato de o Exército Brasileiro sair derrotado em três
expedições, incluindo uma comandada pelo Coronel Antônio Moreira César. A derrota das
tropas do Exército nas primeiras expedições contra o povoado deixou o país apavorado, e deu
legitimidade para a perpetração deste massacre que culminou com a morte de mais de seis mil
sertanejos. Todas as casas foram queimadas e destruídas.
Entre 1930 e 1940 vários foram os conflitos armados que ocorreram principalmente com a
figura dos posseiros que defendiam suas terras individualmente. No Nordeste entre as décadas de 1950
e 1964 surgiu um movimento denominado de Ligas Camponesas no Estado de Pernambuco, que
segundo a opinião de Rodrigues (1963), utilizavam à prática de “multirão” e foi com base nesta idéia
que se criou em 1955 à “Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco” no Engenho
da Galiléia tendo como principal objetivo um apoio mútuo, como na construção de escolas para
77

crianças e adultos, fabricação de caixões para sepultar as pessoas que ali morressem obter ajuda
financeira e técnica do Estado para o desenvolvimento das plantações, etc.
Porém a intolerância dos senhores da terra, dos grandes latifundiários que sempre foram contra
as melhorias dos trabalhadores, impôs ao “dono” do Engenho da Galiléia que expulsasse os
trabalhadores rurais daquelas terras.
Segundo Rodrigues (1963).

O movimento de repressão contra o hediondo crime de organizar e fundar a


“Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco” foi de tal
virulência que cerca de mil pessoas ali desde a muitos anos plantando e
cultivando as terras do Engenho Galiléia, no município de Vitória de Santo
Antão , perto de Recife, viram-se forçadas a reagir pela violência também.
Assim o caso teve de ser levado à justiça e os camponeses foram contratar o
advogado e filho de latifundiários, Francisco Julião que se havia formado
graças ao trabalho escravo “do camponês magro e sem dentes” empregados se
deu pai (p. 130).

Ainda na visão de Rodrigues (1963), uma verdadeira ironia o filho de latifundiário defendendo
os trabalhadores do campo. A luta foi difícil e cruel. Era os camponeses junto com o seu advogado
Francisco Julião e a cobertura de alguns jornalistas contra os fazendeiros com todos seus advogados e
suas fortunas para “comprar” policiais, magistrados, políticos, imprensa e governadores.
Como um verdadeiro milagre os camponeses saíram vitoriosos e entregaram o cargo de
presidente de honra ao seu advogado Francisco Julião, defendendo seus interesses. O que ocorreu no
campo foi uma nova fragmentação, de um ponto a multiplicação das Ligas Camponesas na mesma
velocidade que se preparava o ataque dos senhores da terra.
A Liga foi criada com o objetivo de enfrentar os problemas vividos pelos trabalhadores rurais
como a seca, e as perversidades dos grandes latifundiários com a conveniência dos governantes, e logo
percebeu que estava envolvida no meio de disputas políticas, entrando em um caminho bem diferente
daquele pretendido.
O que ocorreu foram várias cenas de violência, no lugar do apoio mútuo, diversos crimes foram
cometidos, contra fazendeiros e contra camponeses, sem gerar nenhum saldo positivo para nenhum dos
lados. Os grandes latifundiários juntamente com os governantes impediram de todas as maneiras o
“acordar” das consciências, da inteligência, do desenvolvimento dos camponeses, por serem fatores de
imensa importância à sobrevivência dos mandatários, que só seria possível no meio de homens não
pensantes.
Faz-se necessário educar o camponês, instigar a sua capacidade de pensar, de construir suas
próprias opiniões, extrair o máximo da sua potencialidade, que possa ter o mesmo nível dos homens
78

cultos e desenvolvidos, para assim ter a capacidade de estudar os motivos dos seus problemas e poder
corrigi-los, criando soluções capazes e racionais.
Segundo Rodrigues (1963), “não se pode reformar nada de que participe o homem sem que seja
“reformado” igualmente. A comunidade é sempre um reflexo dos seus componentes, suas culturas, do
seu saber. No Nordeste brasileiro morre-se de fome cercado por riquezas” (p. 138).
Estas paisagens da monocultura estão sendo substituídas pela agricultura praticada pelos
camponeses, trabalhadores rurais, carentes por terras e não assalariados, que proporcionaram novas
transformações políticas, econômicas, culturais e sociais nessas regiões. Vale salientar a importância
deste fato, pois proporciona a dignificação do trabalhador camponês/rural e prova que é possível e
desejável a conquista da terra através da luta organizada, transformando assim o território, em um
espaço mais democrático do ponto de vista do acesso a terra com todas suas decorrentes benfeitorias.
Porém ainda há grandes desafios a serem enfrentados no que diz respeito à qualidade de vida
das famílias rurais paraibanas, pois os seus problemas não se resolvem apenas com a distribuição de
terras, e sim com uma implantação de projetos, ou seja, de planos de desenvolvimento que são de
fundamental importância para o aumento dessas novas territorialidades no rural paraibano. É
exatamente isto que não vem sendo realizado por parte dos governantes.

3.3 Transformações do campo brasileiro

Na visão de Franco García e Nogueira (2006) a modernização da agricultura e da indústria


acompanhada da pobreza no campo, juntamente como o processo de precarização do trabalho gerou o
problema do subemprego ou emprego informal.
No processo de industrialização da agricultura, que manteve a concentração fundiária na mão
das oligarquias rurais, a modernização da agricultura brasileira teve como suporte: o estímulo da
produção para a exportação de grãos como a soja, o incentivo a algumas culturas através de forte apoio
financeiro, por políticas credenciarias, no caso especificamente o Programa Nacional do Álcool
(PROALCOOL) 7, tão marcante na zona da mata nordestina, García e Nogueira (2006).
Todo esse processo de modernização favoreceu tanto as empresas capitalistas, como a
oligarquia rural em detrimento da agricultura familiar, formada por pequenos e médios agricultores, o
que colaborou na desarticulação da agricultura familiar camponesa. Sendo assim a agricultura
capitalista, uma agricultura de exploração voltada para o mercado externo, desenvolveu-se por meio da
agricultura familiar. Assim os agricultores tiveram suas terras expropriadas e/ou delas foram expulsos.

7
Criado em 14 de novembro de 1975, com objetivo de estimular a produção de álcool, visando o atendimento
das necessides do mercado interno e externo e da política de combustíveis automotivos.
79

De acordo com as idéias de Gonçalo (2001), na década de 1960 ocorreu o período de


modernização do campo, que se caracterizou pela tecnização e capitalização da produção agropecuária
através do agronegócio8. Porem é valido salientar que este processo não ocorreu de forma harmoniosa e
sim de maneira excludente para os pequenos produtores rurais ocasionando a expulsão destes da terra, e
para as oligarquias rurais ocorreu à alta concentração de terras.
Esta transformação no campo brasileiro acarretou grandes mudanças, como a expropriação de
famílias que migraram para as cidades gerando a formação de um novo processo: crescimento urbano
irregular, gerando um aumento na violência, da miséria, da falta de infra-estrutura, sérios problemas
ambientais gerados pela intensa exploração agrícola, nas pequenas, médias e grandes cidades.
Comprovamos então que durante todo esse período as ações do governo brasileiro além de
impedir o surgimento de um campesinato (grupos sociais de base familiar que, com graus diversos de
autonomia, se dedicam a atividades agricolas), baseado na luta pela terra, apenas favoreceu as grandes
oligarquias brasileiras e o desenvolvimento do agronegócio.
A previsão que Marx fez, na opinião de Gonçalo (2001), está cada vez mais nítida nos dias
atuais o trabalho está ficando cada vez mais livre o que gera mais marginalidade e exclusão. A causa
maior da pobreza no Brasil está diretamente ligada ao processo de desenvolvimento do país, agravado
pela exclusão social.
O Brasil é considerado um país exportador de alimentos e de biodiversidade, sendo incapaz de
alimentar sua própria população, que possui cerca de 30 milhões de famintos. Tal fato estimula a
organização civil que se mostra através dos movimentos sociais.
No Brasil nunca houve uma ruptura econômica e política que desestrutura-se a preponderância
da oligarquia rural. O que ocorreu no Brasil foi à predominância da aristocracia rural entre os anos de
1500 até 1930. No governo de Getulio Vargas supérstite a monarquia portuguesa e brasileira, a
república liberal e a modernização agrária.
Esta aliança rompeu-se em 1954 e voltou em 1960 no acordo feito entre a oligarquia rural
brasileira e o regime militar. A hegemonia da oligarquia se manteve mesmo na transição da década de
1980, dando a preponderância política aos governos de Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique
Cardoso, em troca de subsídios e funções políticas.
Para Gonçalo (2001) observamos no campo desde a década de 1980 um aumento da
participação da esquerda de organizações não governamentais, dos movimentos sociais e de instituições
estatais. Estes grupos conseguiram expor com clareza os limites precários das preocupações dos grupos
de interesse. Porém apesar de sua enorme execução e manifestação pública o funcionamento desses
grupos ainda é muito fragmentado e localizado. Sendo assim estes movimentos complementam mais
não substituem a sociedade.

8
Agronegócio é toda relação comercial e industrial envolvendo a cadeia produtiva agrícola ou pecuária é usado
para definir o uso econômico do solo para o cultivo da terra, associado à criação de animais,
80

É visível que falta percorrer um longo caminho, até que se consiga um equilíbrio entre o Estado
e o poder da sociedade. Faz-se necessário implantar propostas de políticas públicas e garantir os
direitos sociais de uma maneira mais universal.
Analisando as tendências e perspectivas das relações do Estado e sociedade, observa-se que as
transformações do sistema de representação (social e política) foram na verdade conduzida pelos
agentes políticos que colaborou com a despolitização da sociedade civil e pela defesa dos interesses do
aparelho do Estado.
A importância da organização e participação dos movimentos forneceu a base para a construção
da cidadania e do exercício das funções públicas. Comprovando que não bastam apenas as pressões
feitas de dentro é necessário que elas surjam de fora do aparelho do Estado.
Seria através do poder do Estado que se conseguiria realizar a auto-organização social visando
à recuperação da igualdade social. Nós últimos anos as mudanças políticas para o consentimento da
Reforma agrária foi definida pela sociedade civil, representada pelos movimentos sociais. Mais ainda
falta muito a ser feito, há um precipício entre a sociedade civil e a sociedade política, o que dificulta a
realização de um projeto que altere a estrutura social vigente.
Para que ocorra uma verdadeira transformação é necessária uma junção entre a sociedade civil
e os agentes políticos, na formação de um novo regime, afinal sem está junção seria praticamente
impossível conseguir uma aplicação universal dos direitos sociais e do funcionamento das instituições
protetoras do direito.
O desenvolvimento agroindustrial acabou monopolizando a produção de alimentos e na
modernização agrária, ajudaram a transformar os camponeses no Norte em posseiros 9, no Nordeste e no
Sudeste em bóias frias10, alagados no Sul e favelados nas periferias dos centros urbanos. O processo de
expulsão acelerado na década de 1980, devido à crise da dívida externa juntamente com a crise no
campo proporcionou a expropriação do campo.
Fazendo um pequeno retrocesso verificamos que na década de 1960 os camponeses lutavam
contra a oligarquia rural e o Estado, após o golpe militar eles confrontaram com os banqueiros,
industriais e multinacionais que através de sua aliança com o Estado passaram a dominar o capital e a
terra.
O conhecimento da história da apropriação territorial no Brasil foi fundamental para
compreendermos os problemas atuais relacionados. Todo esse processo de concentração da
propriedade a partir da configuração do território brasileiro e a expropriação do trabalhador rural
camponês, e posteriormente o processo de luta pela terra pode ser identificado particularmente no
assentamento estudado. No assentamento Dona Antônia observamos que muitos dos trabalhadores

9
Os posseiros são lavradores (agricultores) que juntamente com a família ocupam pequenas áreas de terras
devolutas ou improdutivas, isto é, terras que não estão sendo utilizadas e que pertencem ao governo. Rodrigues,
Edgar. O homem e a terra no Brasil. São Paulo 1963.
10
Trabalhador temporário sem direito a alimento. Rodrigues, Edgar. O homem e a terra no Brasil. São Paulo
1963.
81

passaram por esses diversos processos que existem no campo: expropriação de suas terras de origem,
migração para a cidade perdendo seus vínculos com a terra ou retornando para essa mesma terra ou
para outras terras vizinhas na condição de trabalhadores parceiros arrendatários e/ou assalariados.
Nesse sistema de exclusão os trabalhadores lutaram pelo retorno a terra, pela posse da terra a
partir da mediação de um movimento social, a CPT, e ao conquistar e iniciar a configuração de um
novo território camponês em substituição a um território de latifúndio ainda não é o estágio final da
luta dos trabalhadores, pois estes necessitam de recursos para o desenvolvimento do assentamento para
apartir disso conseguirem sua subsistência e reprodução da unidade familiar.
O direito a propriedade da terra é fundamental para o entendimento da questão agrária
brasileira. Para os proprietários de terra é usado como argumento de defesa para as suas propriedades.
Para os camponeses a propriedade da terra é considerada uma ferramenta para obter autonomia e vida
digna, por isso o direito a propriedade da terra é repleta de contradições.
Vimos neste trabalho à questão agrária brasileira a partir de uma luta pela terra e pela reforma
agrária, de um lado, e de outro, temos os sem-terra, assentados e trabalhadores rurais. Assim, ao fazer
uma análise sobre o direito de propriedade construída pelos assentados durante o processo de luta pela
terra percebemos os princípios, valores e interesses que fundamentam as interpretações do direito de
propriedade construída pelos assentados que é a reprodução da unidade familiar, opostos aos interesses
capitalistas.
Os assentados a partir de suas lutas se diferenciam dos sem terra pela conquista de um lote de
terra, porém no assentamento Dona Antônia, não sabemos até que ponto esta apropriação está
garantida já que o assentamento ainda não passou pelo processo de “emancipação” do Estado, ou seja,
ainda não receberam o título definitivo da terra, como acontece em muitos dos assentamentos rurais
brasileiros, portanto o processo de apropriação ainda não está completo. Mesmo lutando pelos
mecanismos de desenvolvimento sócio-econômico do assentamento, os assentados continuam lutando
para que o título definitivo da terra se torne uma realidade.
Através da realização deste trabalho foi possível perceber a importância de trazer para o
debate a Questão Agrária, a Luta pela Terra dentro do território brasileiro e o valor que se tem por
entender a organização dos Assentamentos Rurais que dão continuidade ao processo de Reforma
Agrária.
A luta não termina apenas com a posse da terra, os assentamentos estão destinados a dar
continuidade ao processo de Reforma Agrária, porém o que encontramos são os assentamentos em
situação de abandono por parte do poder público o que dificulta a prosperidade dos mesmos.
Com o estudo feito no Assentamento Dona Antônia, verificamos que a grande maioria dos
entrevistados avalia ter adquirido melhores condições de vida dentro do assentamento, os motivos
principais, declarados foram: terra, trabalho e moradia. A terra, além de ser o meio de produção, é a
possibilidade de reprodução para famílias assentadas. É a probabilidade de sobrevivência na terra,
como os próprios assentados confirmam, ao destacar que a aquisição da terra é a forma de quebrar
82

com a dependência e exploração à que estavam submetidos diante dos seus patrões e dos proprietários
de terras, nas que trabalhavam.
A terra também representa abandonar a informalidade na qual, muitos trabalhadores estavam
introduzidos no meio urbano, a exemplo como empregados domésticos. Todos esses trabalhadores de
baixa remuneração, poucos valorizados e longe das qualificações para o trabalho no campo. Dessa
forma a conquista da terra e também a conquista do trabalho na terra, que incluindo a moradia se
tornam indispensáveis para a reprodução das famílias trabalhadoras rurais.
Um ponto de insatisfação encontrado foi à falta de recursos, e por não existir um transporte
para levar os produtores diretamente para as feiras, e por ainda existir a figura do atravessador.
Os assentados do Assentamento Dona Antônia se caracterizam também por não terem a
produção voltada apenas para o consumo interno das famílias, já que a maioria comercializa parte da
produção. E outro ponto observado, foi que a produção da terra não é a única renda das famílias que
ali se encontram, muitos dos camponeses exercem outras atividades fora do Assentamento.
Sendo assim podemos afirmar apesar das dificuldades encontradas no Assentamento Dona
Antônia, que o assentamento ainda consegue proporcionar ganhos reais para as famílias que fazem
parte do mesmo.

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APÊNDICES
86

APÊNDICE - A

Roteiro de entrevista a ser realizada com coordenador da Associação dos Moradores.


Entrevistador: Data:
Entrevistado:
Local: Assentamento Dona Antônia, Conde/PB.

1. Nome, idade e grau de instrução?


87

1.Quando e como aconteceu a entrada do senhor na luta pelo assentamento?


2.Qual o nome do acampamento antes de se tornar assentamento e o porque do nome?
3. Qual o tempo de existência do assentamento? Porque o nome Dona Antônia?
4. Qual a função da associação?
5.Qual a função realizada pelo senhor dentro da associação?
6. Existem mais pessoas trabalhando dentro da associação? Qual a função exercidas por elas?
7.Quantas famílias existem no assentamento e quantas participam da associação? De que maneira
ocorre essa participação?
8. Qual o tamanho dos lotes habitados pelas famílias? Como foi realizada a distribuição dos lotes?
9. Existe algum padrão na construção das casas?
10. As famílias produzem algum tipo de agricultura ou pecuária nos lotes?
Que tipo e pra onde são direcionadas as produções?
11. Em sua opinião qual são os maiores problemas enfrentados dentro do assentamento?
12. Já houve desistência de alguma família do assentamento? Se sim, o por quê?
13. Há algum tipo de punição em relação a isso, do INCRA ou outro órgão?
14. A CPT ainda hoje possui algum projeto dentro do assentamento? Qual a relação hoje do
acampamento com a CPT?
15.Existem algum projeto dentro do acampamento de algum outro órgão?
16. O assentamento recebe algum tipo de benefício do INCRA? (sementes, cursos de capacitação...)
17. De que forma os moradores do assentamento se organizam para resolverem os problemas
coletivos?
18. Como é feito o abastecimento de água, energia e lixo? Todas as residências possuem esses
recursos?
19. Fazendo um levantamento do caso, o senhor acha que foi vantajoso participar do processo e se
tornar um assentado?
20.Qual a sua opinião sobre a Reforma Agrária no Brasil e na Paraíba, principalmente nos dias de
hoje?

APÊNDICE – B

Entrevista junto com o Sr. Presidente da Associação dos Moradores do Assentamento


DonaAntônia

Entrevistador:Maria da Conceição Monteiro Moreira


Entrevistado: Alan Cardec Pereira de Matias, 60 anos.
Local: Assentamento Dona Antônia, Conde/PB.
88

P:Como e quando aconteceu a entrada do senhor na luta pelo assentamento na época do assentamento?
R:Dia 20 de novembro de 1995, foi a entrada minha e todas pessoas no acampamento e como foi que a
gente chegou? Ah, a gente foi em cima de um caminhão tudo desmantelado, principalmente tinha
umas pessoas que juntavam a turma, saía fazendo reuniões e mais reuniões foram reunindo a turma até
que chegou o dia 19 para o dia 20 que reuniu os pessoal todinho de Alhandra e Conde e a gente já
amanhecemo o dia já aqui.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
P:E de quem era a terra?
R: De Almir Correia Machado
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: E como foi quando vocês chegaram aqui, a recepção?
R: Quando a gente chegou, demorou uns dias fazendo barraco, aí depois veio o primeiro despejo,
depois nós ficamos num terreno de Gurugi II, quando fomos despejados, mas ficamos trabalhando na
terra, morando lá e dormindo, tudo. Depois, em maio, no começo de maio a terra não foi
desapropriada, a gente continuamo lá, foi que o superintendente do ministério Júlio César na época foi
pra Brasília e então a gente vinhemo de novo pra acapar no galpão da fazenda que era a sede velha na
época, aí foi onde houve o despejo, houve várias prisões, muita coisa, massacre, esses negócio, mas no
dia 24 de maio de 1996 a terra foi desapropriada.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Mas esse massacre foi de que? Dos peões da fazenda ou da polícia?
R: Da polícia, com ordens deles lá, principalmente eles, era Tatiana que era a ex-proprietária, ela
ficava, ela conhecia todo mundo ali do Gurugi, aquela turma ali do gurugi ela conhecia tudo, aí aquele
pessoal que já tinha mais...começava a aprontar e era onde a polícia caía em cima.
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P:Qual era o nome do acampamento na época de vocês
R: Não...só tinha o acampamento, não tinha nome não.
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P: Aí de vez em quando ficava no gurugi então?
R: é porque, o acampamento, a gente ficamo dentro da propriedade do Gurugi, que quando há despejo
a gente num pode ficar dentro da fazenda, aí sempre chamava por causa da fazenda aqui chamava
Tabatinga, chamava Tabatinga, tabatinga, Tabatinga até...que quando venderam a apropriação que
formamos uma associação aí veio Dona Antônia que foi uma escrava que veio na luta junto com as
netas, netas, bisnetas,tudo pra luta, mas em maio no mesmo ano de 96 ela morreu, aí por isso que Frei
Anastácio junto com a turma da CPT aí conseguiram botar o nome dela de Assentamento Dona
Antônia.
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P: ela morreu com quantos anos?
89

R: 117
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P: Qual o tempo de existência desse assentamento e no caso o senhor já respondeu né, porque o nome
Dona Antônia...Faz quanto tempo que vocês ficaram assentados?
R: 14 anos já. Agora fez 13 de assentamento, que foi desapropriada, de associação 13 anos, agora de
acampamento foi 14.
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P: Qual a função dessa associação aqui?
R: É uma associação sem fim lucrativo de caráter social. Ela não paga remunerado a seus associados e
nem tão pouco a seus dirigentes. Só alguém que trabalha num trator, que faz um serviço assim, mais o
presidente, secretário, tesoureiro não tem remuneração.
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P: E pra usar o trator como é feito?
R: Pra usar o trator é, o trator é aí da comunidade, e quem quer procurar o trator pra trabalhar, quem é
sócio, aquele que ta em dia tem um abatimento, e quem não é, é 50 reais +x.
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P: 50 reais pelo dia no caso né?
R: Pelo dia não, a hora.
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P: E como foi que vocês conseguiram comprar o material daqui da associação?
R: O trator? O trator é que...a gente tem uma fonte de renda, tem 12 hectares de coco, tem um
coqueiral, sempre de 3 em 3 meses, 4 meses, ele deixa um bom lucro, então é como a associação vai se
mantendo e comprando seus...esse “peg” com recurso do próprio coqueiro, essa carroça, trator, grade,
tudo que tem aqui foi comprado com...
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P: Então esse pedaço de terra né é de todo mundo dentro do assentamento?
R: É comunitário
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P:Qual a função realizada pelo senhor aqui dentro?
R: A minha? A minha função de presidente é reivindicar os direitos dos associados com o poder
público.
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P: e como é?
R: Prefeitura, governo do estado...a minha missão é procurar entre Incra, banco, prefeitura, recursos
para os assentados e benefícios pra eles.
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P: E como é assim, é difícil, é fácil...qual a maior dificuldade que o senhor...
90

R: A gente só recebe mais não do que sim sabe. Tem o Cooperar também que nos ajudou na época,
nossa energia foi o Cooperar, esse poço foi o Incra, tem outro poço agora que vai ser o Incra também,
e a gente recebe mais não do que sim, mas sempre vai...
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P: Quem é que ajuda mais? O Incra?
R: É o Incra porque ele é o dono né? Essa terra não é nossa, essa terra é da União, o Incra administra
uma parte e a gente administra outra, e a gente vamo se mantendo nesse patamar entre Incra e governo
do estado, prefeitura, esse negócio sempre...
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P: Seu jangada, você disse que a terra não é de vocês, mas vocês não foram assentados aqui, e num foi
dividido os lotes pra cada família?
R: Fomos assentados, lotes, mas a terra é do Incra, a terra é da União, o Incra administra uma parte e a
gente administra a outra, a gente só pode dizer que essa terra é da gente quando ela for titulada e a
gente pagar, porque a gente não pagamo nada ainda.
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P: Ah, vocês tem que pagar? E quanto é?
R: Ah isso é pouca coisa, eu vejo aí nos outros que já estão emancipados, o caba com 8 hectares
pagando 160 reais por ano, é coisinha...é por isso que muita gente briga pra não ser desapropriado,
porque enquanto um hectare de terra ta custando 10 mil reais, 8 mil reais que tem muito por aí que é 8
mil reais, 10 mil reais, o Incra só quer pagar 600 reais, aí pronto, por isso que há briga, porque essa
daqui na época mesmo era 1000 (mil) reais uma coisa, e ela foi desapropriada na época por 17 reais
reais, foi desapropriada na época por 17 reais.
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P: Então deixa eu ver se eu entendi, vocês moram aqui mas não tem o papel da terra, o título da terra e
pra conseguir tem que pagar.
R: É o seguinte, quando completar, tem uma época que ela é emancipada, quando tiver 100% de infra-
estrutura dentro do assentamento aí ela é emancipada pelo Incra, aí nada do Incra a gente, tem direito
do Incra, mas Banco do Nordeste, esse negócio ninguém tem direito, aí então até emancipado a gente á
vai começar a pagar, aí então, não é nossa ainda, mais que muitos caras que num quer trabalhar já pode
fazer alguma coisa dela e num quer trabalhar e passa pra outro e ...
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P: E vocês, é tudo poço, tem água encanada, energia?
R: Poço, tudo, água encanada, tem energia, tem ônibus.
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P: Quantas pessoas mais trabalham aqui na Associação e o que que elas fazem?
R: Na associação? Assentado é 110
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91

P: Todo mundo trabalha aqui na Associação?


R: Não, todo mundo trabalha no seu roçado.
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P: Mas eu digo aqui na Associação...
R: Aqui na Associação, você ta falando da diretoria, a parte da Associação. A Associação é completa
por 12 membros onde fica 6 na ativa e 6 na suplência.
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P: E qual a função de cada um?
R: Tem presidente, 2º presidente que é o vice, secretário, 2° secretário, tesoureiro, 2º tesoureiro, 3
conselho fiscal e 3 suplente.
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P: E qual a função, o presidente e o vice-presidente já me disse né? E a do tesoureiro?
R: A do tesoureiro é a parte financeira, a parte financeira do assentamento, toda a arrecadação é
passada pela mão do tesoureiro, o secretário é secretariar reuniões todo dia, toda reunião.
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P: Quando são feitas as reuniões?
R: A reunião é feita de 8 em 8 dias, na segunda-feira, tem dia que num dá, aí prolonga pra outro dia,
mas sempre é na segunda feira de tarde.
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P: e como é que a pessoa coloca, é por exemplo, lá tem interesse de discutir um assunto aí vem aqui e
pede pra colocar...
R: Vem aqui, pede o assunto, bota em pauta, aí resolve o problema.
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P: eu vi que ali tem dentista né...aí quem é que fornece o dentista?
R: A prefeitura
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P: Quantas famílias existem no assentamento e quantos participam da Associação e de que maneira
ocorre a participação?
R: 110 famílias participam da comunidade. Tem muitos agregados, se for desagregado tem 150 mais
ou menos já...140...150 famílias.
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P: O Incra não reclama disse não?
R: Não, porque é filho de parceleiro, aí é família...aí encosta no lote do cara e da família fica né?
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P: Qual o tamanho dos lotes das famílias, e como foi distribuído o tamanho e o local de cada lote?
R: O lote de cada casa é 20m x 30m, e o lote de trabalho saiu numa faixa de 5 hectares.
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92

P: E quem foi que decidiu isso?


R: O Incra
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P: E o sorteio pra saber quem é que ia ficar na posição de uso usual?
R: Principalmente nós formamos assim, fizemos um acordo assim, quem tava ficava, entendeu, agora
quem não pudesse ficar ia ter voltado, mas muita gente ficou, até que quando chegou quem ficou
naquela área não teve problema.
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P: Onde já tava realmente ficou...
R: E outros que num deu pra ficar aí foram por sorteio pra outra área
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P: Na construção das casas aqui do assentamento teve algum padrão que vocês montaram ou cada um
construiu do jeito que queria?
R: Não, não foi construído do jeito que a gente queria, porque o dinheiro tava na conta da associação,
era uma tabela da associação, pela associação agora que a casa o caba construía do jeito que queria, o
chalé, o que quisesse fazer da casa fazia. Ele recebia o material, o dinheiro do pedreiro ia recebendo, ia
recebendo por partes, num pegou o dinheiro todo aqui não.
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P: Então a associação é que distribuiu o dinheiro?
R: è porque em muitas aí, pegaram o dinheiro e muitas num fez, aqui só caiu uma, depois de feita, tem
assentamento aí que tem 60 pessoas e num tem 40 casas feita, porque entregaram o dinheiro na mão.
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P: As famílias produzem algum tipo de gricultura ou pecuária nos lote? Que tipo e pra onde vai essa
produção? Pra onde é direcionada?
R:A produção aqui é mandioca, inhame, batata doce, feijão, manga, todo mundo planta aqui um
pouquinho e sempre só é a feira, é a feira, é atravessador, sempre só é atravessador.
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P: Feira não tem nenhuma não?
R: Não. Tem feira livre, tem a feira de Oitizeiro, tem a feira na Emater que dá quinta pra sexta o povo
vão. Tem a feira ecológica, mas num é todo mundo, é uma parte, só algumas pessoas.
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P: Em sua opinião quais são os maiores problemas enfrentados hoje aqui dentro?
R: Não só aqui, como em todos, é adesunião que num chegou ainda, a união do povo não chegaram
ainda, porque a gente chega num assentamento de área de conflito é uma coisa, lugar de conflito o cara
já era morador ali, ali conhecia todo mundo, todo mundo dizia que ali é uma família. Aqui tem gente
de João Pessoa, tem gente de Itambé, tem gente de Pedras de Fogo, tem gente de Goiânia, tem gente
de Alhandra, tem gente de Igarassú, tem gente de todo canto do mundo aí esse pessoal...cada cabeça é
93

um mundo, cada um quer viver com o seu estilo, não é como uma Barra de Gramame, um Gurugi, que
ali era tudo filho natural dali, todo mundo conhece todo mundo né, diferente, a terra de ocupações é
diferente dos outros.
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P: Então, o senhor acha assim, na época do acampamento, antes de ser assentado, veio todo mundo
de...
R: Veio de vários lugares, Mamanguape, Itatuba, de toda a...
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P: E como é por exemplo, porque os outros assentamentos a gente sabe que eles já tem uma história,
dentro da terra mesmo, antes do assentamento ele já tem toda uma história.
R: É o que se chama de área de conflito
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P: Sim, mas eu to dizendo assim, como foi que você se conheceram e se juntaram e foram atrás, já que
eram cada um de um canto, onde foi que vocês se encontraram.
R: Num expliquei inda agora? Tem gente pra ir procurar as pessoas pra ocupar a terra e a CPT dava
uma ajuda e saiu umas pessoas ajuntando o pessoal quem queria vim e ocupar uma terra, que queria
ter um sonho de ter uma terra, uns dia melhores, ter uma casa pra morar, ter uma vida mais digna, aí
foram procurando e esse povo foram caindo, aí o cara sabe, se une com aquele...Pedra de Fogo,
Itambé, Guarabira, aí quando de fé se junta esse pessoal todinho, até que formou essas 150 famílias
que só ficou 110.
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P: Já houve desistência aqui de alguma família do assentamenro, se sim o porque?
R: Aí tem várias desistências, um, porque não tem gente que pensou que era uma coisa e era outra,
muita gente desistiu, teve gente que desistiu...e outras muito pouco, que foi tirada daqui com
irregularidade própria.
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P: Há algum tipo de punição em relação a isso, do Incra ou de algum outro órgão?
R: Sempre diz que tem, mas até hoje não chegou não. Sempre diz que tem, mas aqui não teve não,
agora já conheço vários assentamentos que já teve punição por irregularidade. Que nem Compac 2,
----------- e -----------, a menina ligou pra mim agora, foi 6 pessoas foi desapropriada, 6 pessoas
botadas pra fora por irregularidade, de por conta de venda de lote, por causa de arrendamento, agora
que a pessoa só acredita que acontece com os outros, aí... na minha num chegou quando pensa que
não, chega.
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P: O senhor falou da CPT. Ela ainda hoje tem algum projeto aqui dentro? Qaul a relação hoje aqui do
assentamento com a CPT?
94

R: A relação ...sempre a gente procura, a CPT hoje ela “afracou” um pouco, de 10 anos atrás, num é a
CPT de 10 anos atrás, ela mesmo baixou um pouco através, a gente tem que dizer mesmo, através que
esse bispo chegou, esse tal de Dom Aldo, a CPT caiu um pouco. Depois que esse bispo chegou, que
esse bispo num é...
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P: Mas caiu em relação a que?
R: Em tudo, tudo, em apoio que ele num dá apoio à CPT, até sequer a casa da CPT, a sede da CPT que
era no Mosteiro de São Bento ele tirou, não quer mais lá. Estamos procurando , que ele tem que ser
num patrimônio histórico, num pode ser, a CPT num pode ser uma casa alugada, num pode ser nada,
tem que ser num lugar, ainda tão movimentando lá no Viradouro uma sede que tem, que vão
reconstruir pra ver um fim. Tudo ela afracou depois que esse bicho entrou, ela afracou.
----------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Existe algum projeto aqui dentro do assentamento de algum outro órgão?
R: Existe. Projeto existe demais. Existe o projeto Cooperar que foi essa energia, o Incra, esses poços
que tem um cavado ali, tem esse funcionando, tem outro ali, foi o Incra, e o Banco do Nordeste
também que o projeto é feito pelo Incra mas o intermediário todinho é do Banco do Nordeste.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
P: E eles estão financiando o que aqui?
R: Não, aqui o Incra dá uma DAP, quantos hectares o cara tem, o cara vai para o Banco do Nordeste e
ele financia, agora mesmo tá fazendo um investimento de 20 mil reais que é pra dar inhame, comprar
gado, plantar mangueira, plantar coqueiro, agora só investimento, é investimento, né imediato não.
------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: E esse dinheiro vem pra associação no caso?
R: Não, a associação não tem nada a ver, cada um é individual. Só num é pra dizer assim: pega os 20
mil, ele tem que ter a base dele se ele vai plantar 2 hectare de manga, a muda ele tem que comprar, tá
com a nota fiscal pro banco pagar o forncedor. Se ele vai comprar 2 ...3 carrada, o fornecedor também
que vai receber lá.
Ele vai comprar o material de construção ou de, para construir uma cocheira ou um defensivo que é o
adubo tem que ser com nota fiscal, aí esse dinheiro quem recebe é o fornecedor, ele recebe o dinheiro
da mão de obra, principalmente porque até hoje sempre diz que a agricultura familiar deve fazer com a
família, então aquele dinheiro, ele recebe da manutenção pra cavar os buracos do inhame, vara, cavar
os buracos da mangueira, o plantio, ele recebe a mão de obra.
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P: O assentamento recebe algum tipo de benefício do Incra? Digo assim, em relação á semente, cursos
de capacitação pra o pessoal daqui do assentamento?
R: Não
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95

P: Não recebe nada?


R: Agora, um curso de capacitação que vem de vez em quando, mas é um negócio pelo Sebrae
patrocinado pelo Incra, teve um curso de hidroponia, também é uma coisa que num é bem, é difícil e
quando chega num tem essas vantagens toda não
--------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Poque num tem vantagem na opinião do senhor?
R: Num tem mercado de trabalho pra essas coisas que o Incra, num tem essas...
---------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: De que forma os moradores do assentamento se organizam para resolver os problemas que são
coletivos aqui?
R: Toda segunda feira tem uma reunião, na segunda feira tem reunião, se reúne para resolver os
problemas, de dez resolve um, mas assim mesmo tá caminhando, e felizmente esse ainda é um
assentamento mais organizado que tem, com todo seus defeitos ainda é bem mais organizado.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Todas as casas tem energia elétrica e tem água né?
R: Todas, todas. Só que as que tá cortada porque não pagaram.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
P: fazendo um levantamento do caso, o senhor acha que foi vantajoso participar do processo de
ocupação e se tornar um assentado?
R: Pra mim foi.
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P: Porque?
R: Eu não tinha terra. Primeiro eu quero dizer, se eu tivesse pelo menos 2 hectares de terra pra cá eu
não tinha vindo, eu não tinha terra e trabalhei muito tempo de empregado, empregado pequeno num
adianta, aí enfrentei a agricultura, e então, onde eu trabalhava, trabalhava pra os outros, não tinha
direito de plantar nada, quando plantava um ano, no outro o cara pedia e hoje não, eu tenho minha
terra, posso plantar o que quiser, num planto mais porque num posso, e eu mesmo me sinto bem
depois de tá assentado.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Qual a sua opinião sobre a reforma agrária no Brasil e na Paraíba nos dias de hoje?
R: em toda, já tenho dito em várias reuniões, a reforma agrária não funciona nem no Brasil nem na
Paraíba, porque a reforma agrária tinha que ser assim: tem a terra de dotô fulano de tal lá é
improdutiva, então faz a vistoria , improdutiva, a terra é improdutiva? Procura quantas famílias cabem,
cabem 150? Procura 150 credenciada com a agricultura e bota ali dentro que ela vai, agora pegando
gente que nunca sabe o que é agricultura e botando no assentamento a reforma agrária nunca vai haver.
Isso eu já fiz uma entrevista até, eu até, o presidente da república já sabe que eu disse a ele, que
enquanto não existir uma reforma agrária dessa maneira não tem, porque o cara vai atrás de uma
96

pessoa o cara, tem gente faz 13 ano e nãos abe fazer um batume, quer dizer que esse pessoal, ele tá no
lugar errado. Ele pode ser trabalhador em outra área, que todo mundo é trabalhador, todo mundo é
competente pra fazer as coisas, mas cada um no seu devido lugar.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Então o senhor achou errado a maneira que eles chamam sem selecionar, sem ser pessoas que
realmente sejam da terra.?
R: A maneira de selecionar sem saber. Porque tem área de conflito, ali ele vai ficando de pai pra filho,
mas os filhos, mesmo, os garotos agora não querem mais trabalhar de enxada, que eles não são doido,
não querem mais agricultura, eles querem um emprego e ele tá certo, estudar para ter uma coisa
melhor.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Então o senhor acha que não é mais vantajoso pra os jovens, principalmente aqui do assentamento
também não é vantajoso?
R: Eu acho que não é mais vantajoso um cara jovem pegar uma terra pra trabalhar num é vantagem pra
ele não. Antigamente, a agricultura, as lavouras tinha valor, tinha tudo, ainda dava...mas um dia desse
perdeu todo o valor.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Para os atravessadores, vocês pedem mais ou menos quanto, vendendo pra os atravessadores?
R: Uns 30% ou uns 40%
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
P: E o lucro de vocês então, sai mais ou menos quantos % numa plantação?
R: O problema é esse, porque o seguinte é esse, porque se disser assim, coletivamente vamos fazer,
ninguém aceita, porque um diz: esse é meu, eu vendo por quanto eu quiser, ou chega ali: eu tenho um
colega ali, e eu vou vender ao meu colega, aí pronto, termina assim, todo mundo tem prejuízo. Eu tô
butando assim é mais de 30% de prejuízo que o cara tem com o atravessador.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------
Morador: Porque eu acho que o maior problema do atravessador, do povo vender para o atravessador é
o problema mais de transporte que não existe, porque se tivesse transporte de ir até a capital, de ir à
feira, vamos supor, tivesse um carro aqui pra feira agroeloógica, outro pra universidade, outro pra
Emater...
------------------------------------------------------------------------------------------------------
R: Mas tem um problema também, que nessa região o povo não se organiza, porque tem a feira
agroecológica, e o governo federal deu dois F4000 agora, um 97 e um 98, um 2007 e um 2008. Foi
dado pelo governo federal, tem 2 F400 um no vale de Mamanguape e outro no Agreste.
Aqui o litoral que num se organiza pra fazer as coisas, aí termina sofrendo. E ainda tem sorte porque o
prefeito ainda dá esse carro pra levar pra feira da Emater. Mas se eles se organizassem, como feira
agroecológica, já tinha chegado um carro aqui também, porque tem dois carros um 2007 e um 2008, e
97

mais um carro pequeno, um gipão pra o rapaz que corre o trecho como diz o povo, anda nele, Luiz
Sena11. Agora aqui o pessoal do litoral num tão se organizando. E tem outra coisa, o cara vai ter uma
feira ecológica, uma feira ecológica, já foi feira ecológica...porque hoje tá entrando lá de toda
qualidade, é difícil não entrar porque a feira ecológica é aquela que não tem agrotóxico, mas isso tudo
bem, vai se embora, tá entrando de bolo. Aqui o cara num quer fazer, aqui o pessoal fica sem querer
fazer, porque num dá pra mim, outro: num dá pra mim...Tem a feira da Emater, esses menino vão, tem
dia que chega falando: porque a feira da Emater é assim, chega lá, porque essa feira da Emater o carro
sai daqui de 7 horas da noite, num tem onde dormir lá? O caba dormir um sono, quando era 3 horas ia
ajeitar todos os negocios, mas sai daqui de meia noite, uma da manhã, aí chega lá, quando chega lá é
cansado, acabado. A feira é muito curta, o espaço da feira, o tempo, o tempo da feira, quando dá oito
hotas, quando der oito horas acabou-se, acabou-se a feira, aquilo não é uma feira. Aí muita gente: eu
não vou.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: E a de Oitizeiro?
R: A feira de Oitizeiro é uma feira livre.
P: Aí fica até... mas pra ir pra lá vocês vão de que horas?
R: Vamos de ônibus, de fretado, num tem carro pra transportar...
--------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: e de que horas vocês vão pra lá?
R: 4 horas da manhã
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: E a ecológica quando vai pra lá, como é que é?
R: Só tem uma pessoa que participa
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
P: Porque vocês não tentam conseguir com o prefeito daqui um carro próprio?
R: O problema é que tem que se organizar as pessoas, nesse asentamento de 110 pessoas apareceu 2
pessoas pra feira ecológica, é 110! Isto ele num vai conseguir, é o mesmo que encontrar uma agulha no
palheiro, é muito difícil, é muito difícil. Duas pessoas? É muito difícil.

11
Técnico da CPT
98

APÊNDICE - C

Questionário aplicado ás famílias assentadas.( a pessoa quem se encontrava na parcela)


Entrevistador: Data:
Identificação:
1.Nome:__________________________________________
2.Sexo: feminino ( ) masculino ( )
3.Naturalidade: Cidade:______________________UF:
4. Quantas pessoas residem na casa?
5. Quem é o responsável pelo sustento da família?_____________________________
6.Qual é o nível de escolaridade?

Sem instrução Ensino Médio Incompleto


Alfabetizado Ensino Médio Completo
Ensino Fundamental Incompleto Superior Incompleto
Ensino Fundamental Completo Superior Completo
Outros

7. Continua estudando? Sim ( ) Não ( ). O quê?_____________________________


8. Relações de trabalho
Quantas Pública
Relação de Escola que
Membros Idade Trabalha horas Estuda ou
trabalho freqüenta/Local
por dia privada

9 Se está desempregado, porque não conseguiu emprego?


Distância Falta de qualificação
Outros

10. Qual a renda familiar? Salário mínimo R$: 435,00


Menos de um salário mínimo Três a cinco salários
Um a três salários Mais de cinco salários
99

11. Sua família é beneficiada com algum programa do governo? Sim Não
12. Qual? Bolsa Família Outros________________
13. Alguém da família que mora com vocês recebe aposentadoria? Sim Não
14.Já foi realizada alguma melhoria no domicílio? Sim Não
Qual? _____________________________________________________________________
15. Sua vida melhorou após a vinda para o assentamento? Sim Não
16. Se sim, por quê?___________________________________________________________
17.Qual o motivo que o levou a morar em um acampamento?
___________________________________________________________________________
18. Qual o local que morava antes de ser acampado?
Casa de parente Casa Própria Casa alugada Outros
19.Por quanto tempo ficou acampado? _______________________
20.Exercia alguma atividade remunerada antes de ser acampado? Se sim, qual?______________
21. O que tornou sua vida mais dificil quando era acampado?
___________________________________________________________________________
22.Participou de algum outro acampamento antes do Assentamento Dona Antônia? Quais?
___________________________________________________________________________
23.Participa de algum outro movimento, que não seja a CPT? Sim Não Qual?
____________________
24. Qual o tamanho do seu lote?_________________
25.Como é feita a irrigação da parcela?__________________________________________
26.Quais os prncipais produtos que apresentaram dificuldade para produzir na terra?

27. Quais os três produtos mais produzidos dentro da sua parcela? E para onde é destinada a
produção?

28.Quais os produtos alimenticios que são comprados por fora, para completar a nescessidade da
família?
___________________________________________________________________________
29.Emprega alguém na produção? Quantos? E quanto paga? Sim Não
30. Qual a renda média obtida através da venda da produção?__________________
31. Na sua opinião qual o maior problema do Assentamento, e o que poderia ser feito para sua
melhoria?
___________________________________________________________________________
32. Qual o lugar que as famílias recorrem quando precisam de atendimento médico?
___________________________________________________________________________
33. Vocês se reunem com a associação do assentamento para reinvindicar alguma melhoria? Quais?
100

___________________________________________________________________________
34. Paga algum valor pela casa? Quanto? Sim Não _____________________
35. O Incra ainda mantém alguma relação com o assentamento? Sim Não
Qual?
___________________________________________________________________________
36.Qual o lazer da sua familia?____________________________________________________
101

ANEXOS
102

ANEXO – A

LAUDO DE VISTORIA E AVALIAÇÃO DO IMÓVEL “”TABATINGA/JACUMÔ

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