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2710112018 Marcelo Gleiser: Plato, 0 filme Matix e liberdade Marcelo Gleiser: Platao, o filme Matrix e liberdade Folha de Sao Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2014/02/1416 207-platao-o-filme-matrix-e-liberdade.shtml) No seu didlogo "A Republica", o filésofo grego Platao oferece uma das primeiras meditacdes sobre a natureza da realidade e nossa limitada percepgao dela, sua famosa Alegoria da Caverna. O tema é revisitado no filme de ficgao cientifica Matrix, langado em 1999 e dirigido pela dupla Lana e Andy Wachowski. Entre os 24 séculos separando as duas obras, presenciamos o nascimento da ciéncia moderna e, nas tltimas décadas do século XX, dos computadores digitais extremamente rapidos. Com eles, e com as simulagées cada vez mais realistas que podemos programar, a nogao de realidade ganhou uma nova dimens4o: somos capazes de criar alegorias virtuais que imitam ou satirizam o nosso mundo. hntps:twmwinstapaper-comiead!1010528120 14 2710112018 Marcalo Geiser: Pao, oflme Matix lberéade E surge uma questao um tanto desconfortavel, elaborada pelo filésofo da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, em 2003: sera que vivemos numa simulagao? Se sim, quem seriam o Simuladores? Na sua Alegoria, Platéo imaginou um grupo de escravos que nasceram ja presos e acorrentados numa caverna. Os Acorrentados podiam apenas olhar para a parede da caverna a sua frente, vislumbrando as sombras e imagens que apareciam nela. Nao sabiam que atras deles, um grupo de Simuladores havia feito uma grande fogueira, e que as sombras que viam na parede nada mais eram do que projecdes de objetos que os Simuladores erguiam contra o fogo. Para os Acorrentados, a realidade consistia nas projecdes na parede da caverna. Sua percepcao da realidade era profundamente limitada e falsa. Platao usou a Alegoria para argumentar que nossos sentidos criam uma ilusao falsa do real; para ele, a realidade sé podia ser contemplada pela mente e seu poder de raciocinio puro, sem as distorgdes causadas pelos sentidos. Hoje, sabemos que Platao tinha razao, ao menos em parte: nossa percepcao sensorial da realidade é mesmo limitada, mesmo quando ampliada com instrumentos cientificos, como o hntps:twmwinstapaper-comiead!1010528120 218 2710112018 Marcelo Gleisr:Plasoofime Marke liberdae microscépio e o telescépio. Apesar do incrivel poder de nossos instrumentos, temos sempre uma visao limitada do mundo. Imagino que o leitor tenha ja ouvido falar do videogame Os Sims. Como diz o nome, 0 jogo é uma simulacio da realidade, onde os personagens sao pessoas envolvidas nas tarefas do dia a dia: ir 4 escola, comer, ir ao médico, cuidar dos filhos e animais, namorar etc. Imagine uma versao superavancada do jogo, onde os personagens se sentem aut6nomos: apesar de controlados por Simuladores, se acham independentes, sendo responsaveis por suas agoes. Nesse caso, esses personagens sao essencialmente como os Acorrentados, tendo uma nogao da realidade limitada e controlada por outros, sem que saibam disso. Bostrom sugeriu algo semelhante, mas agora os Acorrentados somos nés. Se simulagées continuarem a ficar mais realistas, podemos imaginar que, num futuro distante, seriamos capazes de criar mundos virtuais essencialmente indistinguiveis do mundo real: a divisao entre realidade e fantasia desapareceria. Portanto, podemos imaginar que outras civilizagoes inteligentes estejam fazendo o mesmo; potencialmente, nés seriamos uma simulacao controlada por Simuladores, sejam eles pés- hntps:twmwinstapaper-comiead!1010528120 aa 202018 Marcelo Gleisr:Plasoofime Marke liberdae humanos ou extraterrestres. Uma pergunta estranha entao ocorre: se néo podemos saber, importa sermos uma simulagéo? A liberdade sé importa quando sabemos que nao a temos? Folha de Sao Paulo hps:werwinstapaper comiwad!1010528120,

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