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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
CURSO DE PRODUÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA

LAIANE ALMEIDA DIAS ALVES

ANÁLISE DO SARAU DA ONÇA E SUA MEDIAÇÃO SOCIAL


ENTRE O GRUPO E A COMUNIDADE

Salvador
2016
LAIANE ALMEIDA DIAS ALVES

ANÁLISE DO SARAU DA ONÇA E SUA MEDIAÇÃO SOCIAL


ENTRE O GRUPO E A COMUNIDADE

Monografia apresentada ao curso de graduação


em Comunicação com habilitação em Produção
em Comunicação e Cultura. Faculdade de
Comunicação, Universidade Federal da Bahia,
como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Comunicação.

Orientador: Jonicael Cedraz de Oliveira

Salvador
2016
Tudo que fizer, faça com amor aos detalhes.

Autor desconhecido.
À

Minha mãe, Elizabete Almeida Dias Alves, por muitas vezes acreditar mais do que
eu mesma e ter confiado que tudo daria certo.
Meu pai, Antonio Alves Dias, por ter depositado tanta confiança, amor e respeito por
minhas escolhas.
A minha de Comunidade de Sussuarana e ao Coletivo Sarau da Onça.
E ao mestre que me acompanhou nesta aventura Jonicael Cedraz de Oliveira.
BANCA EXAMINADORA

__________________________________
Jonicael Cedraz de Oliveira

__________________________________
Júlio Cesar Lobo

_________________________________
Antonio de Souza Batista
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus e aos Espíritos de luz que me acompanharam nessa


trajetória;

Aos meus pais Antonio e Bete, por todo amor, amizade e compreensão de
uma vida inteira; e a minha tia Ninha pelo apoio moral, amor e torcida de sempre;

Às minhas amigas desta e quiçá de outras vidas, que tenho no coração como
irmãs de alma, Natália, Erica e Brenda. Obrigada por tudo que vivemos e viveremos;

Aos amigos que fiz na Facom, Pedrita, Thais, Emille, Carol, Manu, Claudio,
Jeanderson e Bruno, vocês foram fundamentais para a longa caminhada tornar-se
mais doce e leve. Terei vocês no coração e um sorriso nos lábios ao lembrar-me de
cada momento vivido dentro e fora da faculdade. Agradeço especialmente a Memy
pelo carinho, puxões de orelha e apoio na produção desta monografia. Nossa
amizade ultrapassa os quilômetros que nos distanciam. Estamos juntas na vida,
sempre!.

Buscando me encontrar profissionalmente, fiz mais que parcerias de trabalho,


fiz amigos. Adquiri experiências que levarei para toda vida! Gratidão eterna à Secult,
em especial à Central de Atendimento (Gabi, Carla, Mônica e Junia, exemplo de
profissional) e à Nossa Agência Marketing, mais que uma empresa, uma família, que
a cada dia me dá motivos para me reinventar e crescer, é muito bom ser parte desta
equipe. Agradeço em especial a Eduardo Soares por acreditar em meu potencial e
trabalho e a Vanessa pela nossa amizade;

À FACOM, e aos professores que foram de extrema importância para a minha


formação, pois além de tudo me ensinaram a amar produção cultural: Regina
Gomes, Adriano Sampaio, Sérgio Sobreira e Leonardo Costa;

E por fim, agradeço a meu orientador Jonicael Cedraz, pela dedicação e


carinho que acolheu ao meu projeto, tenho certeza que melhor orientador eu não
haveria de ter. Muito obrigada por tudo, por ter me acalmado nos momentos de
angústias e muitas vezes ter agido como amigo, irmão e pai. A minha gratidão é sua!
RESUMO

Esta monografia tem como objeto de estudo o Sarau da Onça, realizado no bairro de
Sussuarana, localizado na periferia da cidade de Salvador. O conteúdo deste
trabalho percorre o estudo do bairro de Sussuarana e suas características, bem
como o perfil de seus produtores culturais e/ou comunicadores locais, e culmina
através da análise dos saraus, seu histórico, conteúdo e público atingido. O objetivo
desta pesquisa é analisar a relação de mediação social entre o grupo formado pelo
Sarau da Onçae a comunidade de Sussuarana. A pesquisa será embasadaa partir
dos estudos de Cultura, comunicação, comunidade, movimentos culturais e
mediação social tendo como principais autores Jesus Martin Barbero, Arosco, Michel
Focault e Renato Orttiz

Palavras-Chaves: Sarau, Sussuarana, Comunidade, Mediação Social.


ABSTRACT

This monograph is to Sarau object of study of Oz, held in Sussuarana neighborhood,


located on the outskirts of Salvador. The content of this work covers the study of
Sussuarana neighborhood and its characteristics as well as the profile of its cultural
producers and / or local communicators, and ends by analyzing the soirees, its
history, content and audience reached. The objective of this research is to analyze
the relationship of social mediation between the group formed by Sarau of Oz and
Sussuarana community. The research will be grounded from culture studies,
communication, community, cultural movements and social mediation with the main
authors Martin Barbero, Arosco, Michel Foucault and Roque Laraia and Renato
Orttiz.

Key Words: Sarau, Sussuarana, Community, Social Mediation.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Vista da comunidade de Sussuarana .........................................................22

Figura 2: Posto de Saúde situado em Sussuarana ...................................................26

Figura 3: Nova Unidade de Saúde da Família de Sussuarana..................................27

Figura 4: Abastecimento de água através de carro pipa............................................30

Figura 5: Mapa dos Saraus Urbanos .........................................................................41

Figura 6: Imagem de Abdias Nascimento em Anfiteatro............................................42

Figuras 7 e 8: Material de divulgação do Sarau de Itapuã da Onça..........................49

Figura 9: Print Screen de página do Sarau da Onça no Facebook............................59

Figura 10: Plateia do Sarau da Onça.........................................................................63

Figura 11: Divulgação do Slam da Onça....................................................................65

Figura 12: Divulgação do I Festival Arte e Cultura da Onça .....................................66

Figura 13: Apresentação do Grupo Ágape ................................................................67

Figura 14: Banda Os Agentes....................................................................................68

Figura 15: Organizadores do Sarau da Onça.............................................................69


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................11

CAPÍTULO I – SALVADOR: ORLA E PERIFERIA

Preâmbulo ..............................................................................................14

1.1 Identidade Cultural ..................................................................................18

1.2 A comunidade: Sussuarana ....................................................................20

1.3 Panorama da realidade social e estrutura ............................................ 24

CAPÍTULO II – CULTURA DE PERIFERIA

2.1 Cultura .................................................................................................. 32

2.2 Cultura Popular ..................................................................................... 34

2.3 Cultura de Periferia ............................................................................... 36

CAPÍTULO III: SARAUS E O COLETIVO SARAU DA ONÇA

Preâmbulo ..............................................................................................40

3.1 Análise de Discurso do Sarau da Onça .................................................52

CAPÍTULO IV: MEDIAÇÃO SOCIAL ENTRE O GRUPO E A COMUNIDADE

4.1 Atuação do Coletivo Sarau da Onça......................................................66


4.2 A Sussuarana e suas Onças..................................................................70

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................79

ANEXOS E APÊNDICE..........................................................................................82
11

INTRODUÇÃO

Os movimentos culturais nascidos nas periferias das grandes cidades surgem


como forma de dar voz a população e promover a expressão das necessidades
locais através da arte. Tais movimentos carregam consigo características oriundas
de seu local de origem. Segundo Almeida (2009), estes movimentos partem da
percepção de que a situação de precariedade, tais como desemprego,
marginalização e violência, não será transformada sem o envolvimento da
comunidade na criação de novas relações sociais e políticas públicas inclusivas.

Este trabalho é fruto de um interesse particular no estudo das atividades


culturais em comunidades da periferia de Salvador. O recorte é feito especialmente
em Sussuarana por ter ligação direta com as experiências da autora desta pesquisa
que é moradora do local e acompanhou o nascimento do Coletivo Sarau da Onça,
sendo este um dos fatores essenciais para escolha de sua formação acadêmica que
em meio a dúvidas entre serviço social, ciências sociais e jornalismo, descobriu no
curso de Produção em Comunicação e Cultura que as ações quando pensadas e
executadas em conjunto podem abranger todas as áreas acima citadas e gerar
transformações sociais.

As motivações para a realização desta pesquisa transitam entre os campos


pessoal, profissional e acadêmico. Como moradora de Sussuarana conheço em boa
parte através de minhas experiências a realidade social local. Acredito que a
educação aliada à cultura é o melhor caminho para as mudanças da sociedade. Falo
cultura não a associando apenas à cultura erudita e às normas impostas pela
sociedade que muitas vezes pode ser definida como uma sociedade “tipicamente do
espetáculo” onde mais vale o “ter” do que o “ser”. Falo cultura no seu significado
mais genuíno referindo-me a cultura como um conjunto de bens simbólicos, práticas
sociais e costumes de um povo que conhece, valoriza e preserva sua identidade e
raízes.

Desta forma, serão analisadas as atividades culturais existentes, idealizadas


e produzidas no bairro de Sussuarana, comunidade que se localiza na periferia da
12

cidade de Salvador. A produção cultural local a ser estudada é realizada pelo


Coletivo Sarau da Onça que é constituído principalmente por jovens, em sua
maioria, negros residentes no bairro.

Esta pesquisa intitulada Análise do Sarau da Onça e sua mediação social


entre o grupo e a comunidade tem por objetivo apresentar o conceito de sarau
realizado no bairro de Sussuarana, apontando características inerentes à sua
essência e elementos que o legitima como representante da realidade social local.

Como afirma Bastos (2008), a mediação integra cultura e comunicação na


processualidade do cotidiano, é a cultura vivida em sua dinamicidade comunicativa.
Através desta análise que perpassa entre conteúdo, ideais, público-alvo e
organizadores, será verificada a relação de mediação que é estabelecida entre o
Sarau da Onça - objeto de estudo - e os membros do grupo, bem como a relação do
Sarau da Onça com a comunidade.

Para o desenvolvimento deste trabalho foram utilizadas pesquisas


bibliográficas e de campo pertinentes ao estudo de caso. A pesquisa bibliográfica
baseia-se nas publicações dos seguintes autores: Jesus Martin Barbero, Arosco,
Michel Focault, Renato Orttiz e Roque Laraia, entre outros. O estudo de caso foi
desenvolvido através de pesquisa de campo, envolvendo o perfil do objeto de estudo
e análise do discurso do sarau.

Este trabalho de conclusão de curso estrutura-se em quatro* capítulos,


abordando no primeiro as características da zona periférica da cidade de Salvador e
a noção de afirmação de identidades dos moradores destas localidades. Estuda o
bairro de Sussuarana, analisando a realidade social e características locais,
incluindo estatísticas, buscando assim entender a formação cultural e artística na
periferia.

No segundo capítulo, discutem-se os conceitos de cultura e de cultura popular


sob os olhares de diversos autores e em especial como a cultura de periferia tem
sido objeto de estudos acadêmicos e sua relação com a pesquisa sobre os territórios
urbanos, a segregação espacial e cultural das populações de baixa renda, os
preconceitos e as práticas culturais das populações dos bairros considerados
13

periféricos, como referenciais teóricos para o Sarau de Sussuarana no contexto da


cultura de periferia.

No terceiro capítulo são abordados os saraus, caracterizando como têm sido


constituído estes eventos e apresentando os saraus que serviram de inspiração para
o Coletivo Sarau da Onça, objeto de estudo desta pesquisa. Neste momento será
apresentado o Coletivo Sarau da Onça e os grupos que o compõe, através da
análise da sua constituição, discurso, características e objetivos.

O capítulo quatro, caracteriza-se pelo estudo da mediação social do Sarau da


Onça com a comunidade de Sussuarana, abordando a relação do coletivo com a
comunidade e mostrando a atuação do mesmo na localidade, além de um breve
perfil dos agentes culturais de Sussuarana, integrantes do Coletivo Sarau da Onça.
14

CAPITULO I

SALVADOR: ORLA E PERIFERIA

Preâmbulo

A cidade de Salvador é capital do Estado da Bahia e foi capital do Brasil


durante o período do Brasil Colonial nos séculos XVI e XVII. Salvador é destino de
turistas vindo de outras regiões do país e lugares do mundo, que são atraídos pelas
belezas naturais, riqueza cultural e calendários de festas populares e religiosas que
a cidade oferece.

Um das principais atividades exploradas na cidade é o turismo e este é um


setor que cada vez mais desperta interesse e investimento por parte do poder
público e do segmento privado. Um bom exemplo disto são os altos investimentos
financeiros realizados nas comemorações de Réveillon e Carnaval que acontecem
na cidade. Porém, existe uma segregação em Salvador que evidencia as diferenças
econômicas, étnicas e sociais existentes mais notadas quando apresentado dados
referentes à divisão demográfica e socioeconômica da cidade.

Seguindo dados do Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatísticos (IBGE)


ainda em 2010, através da pesquisa realizada pelo Censo, Salvador é o terceiro
município mais populoso do país, com 2.675.656 habitantes e a estimativa para o
ano de julho de 2015 era de uma população 2.921.087.

A cidade é dividida em cidade alta e cidade baixa e possuem catalogados 160


bairros, de acordo com dados colhidos junto à pesquisa realizada pela Universidade
Federal da Bahia no ano de 2014. Estes bairros estão distribuídos na capital baiana
e se subdividem em bairros “nobres” e bairros periféricos. Informalmente é possível
escutar os soteropolitanos utilizando a expressão “você é favela ou orla?” para
perguntar qual a localidade que uma pessoa reside ou sente-se parte integrante.

Os bairros caracterizados como bairros de Orla da capital baiana são


inicialmente aqueles que têm em sua proximidade a região marítima da cidade.
Porém, esta expressão vai além disso e serve para caracterizar moradores da orla
como pessoas que não pertencem a região periférica de Salvador. Estes bairros
15

que podem ser exemplificados com a região da Graça, Barra, Ondina, Rio Vermelho
e Pituba, dentre outras áreas consideradas “nobres” da cidade, são habitadas
principalmente por pessoas com alto e médio poder aquisitivo.

A história das periferias das cidades brasileiras começou no início do século


20, com o processo de ampliação do espaço urbano. As áreas centrais ficaram mais
caras, e as pessoas que não tinham dinheiro para pagar tiveram que procurar
lugares mais afastados para viver.

Salvador possui em sua extensão várias comunidades que constituem a


periferia da cidade. No Brasil, de acordo com pesquisa divulgada pelo IBGE, a
capital baiana é a segunda capital do país com maior percentual da população
residente em bairros populares e periferias.

Segundo o estudo Aglomerados subnormais, que usou como base os dados


do Censo Demográfico de 2010, 882.204 mil pessoas vivem na periferia em
Salvador, ou seja, 33% (ou um terço) da população. As invasões situadas na
periferia da cidade ocupam 6.078 hectares de Salvador, uma área considerada
pequena em comparação ao número de moradores.

"Apesar de ter uma área física de invasões menor, Salvador tem um


padrão de verticalização maior, em grande maioria os imóveis
possuem mais de um andar. Então, as pessoas ficam comprimidas
nessas áreas" (RODRIGUES, 2011, p.18).

Ainda de acordo com a pesquisa do IBGE, 85% dos domicílios em favelas na


Região Metropolitana de Salvador (RMS) ocupam áreas com forte densidade; 71,4%
tem dois ou mais pavimentos; 92,3% não possuem espaçamento entre eles e 47,3%
estão em aclives e declives acentuados.

Para Rodrigues (2011, p.18) “ao contrário de cidades planas, a ocupação


irregular em Salvador acontece também ao lado de regiões consideradas nobres,
como exemplo deste fato tem-se a região do Calabar que trata-se de uma localidade
constituída ao lado da Barra, famoso cartão postal da cidade de Salvador e área
nobre da capital baiana.
16

Percebe-se assim que parte da população mais pobre se instalou em lugares


próximos do trabalho em terrenos com aclive/declive que não eram interessantes
para quem tem poder aquisitivo, submetendo-se a viver em construções precárias e
sem acesso à infraestrutura, destacando um contraste social de um local com boas
condições de moradia e outra localidade com situação precária de sobrevivência.

As noções de Orla e Periferia criam um estereótipo de como a sociedade


enxerga os habitantes de tais localidades. Os bairros situados na região periférica de
Salvador são constituídos em grande maioria por pessoas que apresentam o
seguinte perfil: negros, escolaridade incompleta e/ou com baixo poder aquisitivo.

Assim, é possível compreender a importância da produção cultural nas


periferias, pois os residentes desses locais têm muito mais em comum para
compartilhar a realidade social vivida. Os moradores veem na arte, expressada por
meio da música, poesia e dança, o elo que os une e os representa, podendo assim
socializar suas ideias, pensamentos e talentos.

As periferias de Salvador são marcadas frequentemente por associações à


violência, criminalidade e descaso social. Porém, em muitas comunidades, como a
exemplo de Sussuarana, que é objeto de estudo desta pesquisa, com as ações
executadas pelo coletivo Sarau da Onça, os moradores buscam desmistificar este
estereótipo demonstrando que nas periferias existe arte, cultura, sociabilidade e
principalmente o respeito à pessoa humana.

No livro Um país chamado favela, de Renato Meirelles e Celso Athayde, é


realizada uma pesquisa nas comunidades brasileiras que surpreende pelos dados
apresentados, pois, segundo o resultado, se tais locais fossem um estado, seria o
quinto mais populoso da federação, capaz de movimentar 63 bilhões de reais por
ano (2014 p. 11).

É importante destacar que a história das periferias das cidades brasileiras


começou no início do século 20. Com o processo de ampliação do espaço urbano as
áreas centrais ficaram mais caras, e as pessoas que não tinham dinheiro para pagar
tiveram que procurar lugares mais afastados para viver.

Assim, entendendo a dimensão que as comunidades tomaram ao longo dos


anos em nosso país e trazendo a discussão para a cidade de Salvador, é
17

comprovada a força que a periferia tem, não apenas economicamente, mas também
a força social capaz de criar e movimentar a cena cultural local representando
através destas expressões a realidade social e experiências vividas em comunidade.

Hoje, a periferia também é associada e lembrada por sua riqueza e


diversidade cultural.

É onde nasce realmente essa efervescência cultural que a cidade


tem. Isso se repete todos os dias. É onde está a riqueza cultural da
cidade. Muitos movimentos artísticos no Brasil, nos anos 1980 e
1990, ficaram conhecidos por causa da arte e música de qualidade
que saíram da periferia. (RENOR, ROGER, 2013, G1.COM)

À vista disto, Roque de Barros Laraia, em sua obra Cultura: Um conceito


antropológico, traça uma relação entre o homem e a cultura, o que explica essa
proximidade dos movimentos culturais com elementos característicos dos locais em
que está inserido. Laraia (2009) afirma que, o homem é resultado do meio cultural
em que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que
reflete o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o
antecederam.

Assim, é possível diagnosticar que as atividades culturais realizadas e


produzidas nas comunidades têm forte ligação com o meio em que estão inseridas,
pois se tratam de uma forma de expressar, além das emoções dos participantes,
suas experiências cotidianas e aspirações para o futuro. Assim, seguindo o
pensamento de Laraia, conclui-se que as experiências pessoais de cada individuo
são somadas também as experiências de seus pares e antepassados formando o
repertório e a atual forma de expressão social-cultural dos envolvidos.

Em conformidade com o pensamento de Laraia, temos a análise apresentada


por Certeau (1994), em A invenção do cotidiano. Na obra é realizado um estudo
sobre a produção cultural periférica e compreende-a como práticas culturais com
combinação dos elementos cotidianos realizados através de comportamentos e
enunciados decisivos para a construção da identidade de um grupo (CERTEAU,
1994). Segundo o mesmo autor, são os saberes e artes do cotidiano que podem
apelar à criação engenhosa, dando oportunidades às ações de autores sem nome,
18

contribuindo para uma política da vida cotidiana e possuindo relevância semiótica


como veículos sígnicos que comunicam e expressam elementos de sua realidade.

1.1 Identidade Cultural

Nos bairros periféricos de Salvador grande parte dos movimentos artísticos


surge como forma de reafirmação identitária. Desta necessidade de reafirmação
nascem projetos que possibilitam através do olhar crítico e questionador dos
produtores, moradores e artistas mostrar o que pensam, quais as reais
necessidades e quem são os moradores das periferias.

Através de expressões que por vezes possuem carga de protesto, de


insatisfação, de denúncia ou mesmo de homenagem ao local, os moradores se
expressam, e atualmente vive-se um momento de valorização da periferia. Muitos
dos residentes conseguem se ver representados por artistas que falam sobre as
experiências comuns ao moradores da periferia em seus discursos.

O termo identidade cultural que é apresentado neste trabalho visa estabelecer


uma ligação com o Coletivo Sarau da Onça e explicar assim suas diretrizes e
características mais contundentes, tais como a afirmação de identidade e a busca
por reconhecimento enquanto arte e cultura. A identidade é a principal marca do
Sarau da Onça que tem como objetivo de representar e expressar através da arte as
necessidades da comunidade em que está alocado – Sussuarana .

Seguindo esta linha de raciocínio, entende-se por identidade cultural o


sentimento de identidade e identificação de um grupo, cultura ou indivíduo na
medida em que ele é influenciado pela sua cultura ou a um grupo que pertença.
Sendo assim, a identidade pode ser entendida como conjunto vivo de relações
sociais e seus valores são passados entre seus membros. Entretanto, a identidade
cultural não deve ser vista como um conjunto de valores fixos e imutáveis, ao
contrário disto, a identidade se mantém viva através das trocas de experiências e a
partir deste intercâmbio que a identidade vive em constante formulação e
construção.

O processo de identificação apontaria para o fato de que todo


indivíduo compõe-se de uma série de camadas de significação,
19

aproximadamente equivalentes a suas personalidades, que podem


ser vividas seqüencialmente ou, no limite, concorrencial mente, num
mesmo tempo. (COELHO, 1997, p. 202)

Assim, identidade de um povo pode ser definida também a partir de


características particulares que os represente perante a sociedade. Manuel Castelis
no livro O poder da identidade nos afirma que a identidade é a fonte de significado e
experiência de um povo, com base em atributos culturais relacionados que
prevalecem sobre outras fontes.

Nesta mesma obra de Castelis, o conceito de identidade também


apresentado por Calhoun aponta que

Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas


ou culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e outro, nós
e eles, não seja estabelecida. O autoconhecimento - invariavelmente
é uma construção, não importa o quanto possa parecer uma
descoberta – nunca esta totalmente dissociado da necessidade de
ser conhecido, de modos específicos, pelos outros” (apud Castelis,
ano XX, p XX).

A noção de identidade é associada a características do povo para si mesmo,


seus pares e também para com membros pertencentes a outros grupos sociais. A
identidade traz à tona não apenas características pessoais, mas leva consigo
características de um povo, um lugar e sua história. O conhecimento da própria
história é importante para que o sujeito possa saber qual seu papel social e
identificar-se dentro do meio em que está inserido. Este autoconhecimento é fator
importante para que o indivíduo e o seu grupo social possam se representar e
legitimar-se socialmente.

Fica evidenciado mais uma vez que Identidade é algo formado ao longo do
tempo, através de processos inconscientes e está diretamente associado às
experiências, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento.
Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo
formada”, assim a construção da identidade de um grupo cultural como o formado
pelo sarau da Onça é fruto das vivências de seus participantes, mas vem sendo
alterado diante das novas experiências e perspectivas por eles almejado.
20

A valorização das histórias vividas por estes grupos faz nascer a necessidade
de reafirma-se enquanto cultura e buscar um espaço na sociedade que muitas vezes
torna-se excludente, tendo como referencial de cultura apenas movimentos culturais
eruditos e nascidos nas “partes nobres” e tidas como culta da sociedade. No
entanto, a busca pelo espaço e apresentação das artes oriundas da periferia mostra
que a cultura periférica cada dia ganha mais espaço na sociedade e também na
mídia, o que ocasiona também na elevação da autoestima de seus moradores e os
impulsiona a continuar lutando por sua representatividade e afirmação identitária.

1.2 A Comunidade: Sussuarana

"O povo que sobe a ladeira


Ajuda a fazer mutirão
Divide a sobra da feira
E reparte o pão.
Como é que essa gente tão boa
É vista como marginal?
Eu acho que a sociedade
Tá enxergando mal."

(AUTOR: SANDRO SUSSUARANA)

“Uma comunidade aguerrida e batalhadora”. Assim a comunidade de


Sussuarana é definida por muitos residentes e simpatizantes, além dos moradores
do bairro. Pessoas guerreiras, verdadeiras feras que enfrentam a “selva” do dia-a-
dia. Neste contexto faz todo sentido o nome do bairro, que tem a Onça Suçuarana¹
como homenageada. O animal simboliza a força, a coragem e a ousadia presente
nos moradores do bairro, pois, a Sussuarana é constituída em uma localidade onde
existia um remanescente de Mata Atlântica e uma fazenda, chamada Jardim
Guiomar, porém o crescimento desordenado de Salvador fez com que o
remanescente de Mata Atlântica original desaparecesse e fosse sendo
gradativamente diminuída.

Sussuarana é um lugar que, como muitos outros de Salvador, cresceu com a


ocupação de retirantes que deixaram seus interiores nordestinos, para tentar uma
nova vida na capital. O bairro, segundo narrativas de fontes orais que circula na
21

comunidade, tem este nome fruto de um episódio em uma das fazendas que existia
na localidade: a Fazenda Jardim Guiomar.

Conta-se entre os moradores mais velhos que o fazendeiro José Inocêncio


saiu para caçar e, de repente, deu de cara com uma onça suçuarana que habitava
aquela região de mata fechada. De forma corajosa, José Inocêncio matou a onça e
levou-a para sua fazenda, fez um banquete e distribuiu para toda comunidade. Daí
em diante, ele ficou conhecido como “Zé da Onça Suçuarana”. Quando o bairro foi
“fundado”, este acontecido, que vive forte no imaginário da população, veio à tona e
deu todo significado a região, batizando o bairro de Sussuarana, perpetuando a
existência simbólica, de coragem, (re) significando as relações do ato corajoso com
a onça junto à forma de viver e se organizar do local.

Essa história que foi contada de forma resumida foi descoberta a partir de
uma pesquisa de mestrado intitulada “Viver a Comunalidade na Escola: para além
das habilidades e competências do currículo escolar” (ALMEIDA, 2007), feita pelo
hoje Mestre em Educação e Contemporaneidade, Márcio Nery de Almeida, o
educador “amigo da onça” – como o mesmo é intitulado dentro da comunidade.1

FIGURA 1: Vista da comunidade de Sussuarana.

Fonte: http://midiaperiferica.blogspot.com.br/p/postais-das-periferias.html, acesso em 10 de


janeiro de 2016.

1A grafia do nome do animal pardo se escreve com ç – suçuarana, mas a grafia que hoje denomina o

bairro é com dois SS – Sussuarana.


22

A “onça” também é convocada nos eventos culturais produzidos pela e para a


Sussuarana, além de supermercados da região que reanimam nos seus nomes a
forma de identificação da comunidade com a onça suçuarana. Tem-se como
exemplo o Hip Hop na Onça, Sarau da Onça, Festa a fantasia “As onças estão
chegando”, Supermercado Flor da Sussuca, entre outros2.

Estima-se que o bairro nasceu em 1982, fruto de uma invasão que nos dias
atuais expandiu-se. A comunidade atualmente situa-se próximo ao CAB – Centro
Administrativo da Bahia. É uma área constituída por um complexo formado por três
bairros, a Nova Sussuarana, o Novo Horizonte e a Sussuarana Velha, concentrado
na sua composição populacional cerca de 200 mil habitantes a contar os três
bairros(dados colhidos junto ao Censo 2012).

Quem não conhece a vida na periferia, muitas vezes vê os bairros mais


pobres com preconceito. Porém, através de relato de moradores, tal qual o da
professora de história e moradora do bairro, Jaqueline Queiróz³, 24 anos, a periferia
também representa vida marcada pela tranquilidade, vizinhos que se conhecem,
sentam na calçada, onde se conhece o dono do armazém, as pessoas. É uma vida
cotidiana marcada por estilo de comunicação e solidariedade que não se encontra
em outros locais. Mas a periferia também tem problemas. “Quando se diz que a
periferia tem pressa, é por conta da falta de assistência que há por parte do estado”,
completou.

Esses moradores enfrentam problemas que vão desde a insuficiência nos


serviços públicos à falta de espaços de lazer e cultura. Essa falta de espaços de
lazer e cultura influencia a vida de toda a comunidade, especialmente afetam
crianças e jovens do bairro que com o tempo livre, ficam ociosos e mais propensos a
serem atraídos ao mundo do crime e das drogas, tornando-as principais vítimas da
violência e dos males que ela acarreta.

A respeito dessa falta de espaço público destinado a atividades culturais em


bairros periféricos, Maria Rita Kehl (2000) afirma que

2Eventos culturais produzidos pela e para a Sussuarana, além de supermercados da região que
reanimam nos seus nomes a forma de identificação da comunidade com a onça suçuarana.
23

A importância da criação de espaços alternativos é enorme, o que


prova que o esvaziamento das manifestações populares na
atualidade tem muito a ver com a falta de espaços onde isso possa
acontecer, pois, onde se cria um ponto de encontro e um incentivo a
criatividade, surge freqüentemente uma expressão artística que pode
ser mais forte ou mais fraca, mas que é sempre necessária. (Kehl,
2000, p. XX)

A partir de Kehl, fica evidente a importância da criação de espaços


alternativos para a produção cultural em bairros periféricos, pois, trata-se de uma
maneira de inserir crianças, jovens e toda a comunidade num ambiente que
proporcionará, além de lazer e cultura, o debate sobre os problemas sociais e
práticas que podem ser implantadas para amenizá-los.

Bairros periféricos em geral são os que mais sofrem destes problemas


ocorridos. Na região de Sussuarana, faltam equipamentos culturais que oportunizem
aos seus moradores ter acesso a cultura e arte. Os bairros periféricos estão à
margem, principalmente por localizar-se longe do centro da cidade e dos espaços
culturais existentes na região central. Outro fator importante é a questão financeira
que muitas vezes bloqueia o acesso aos bens culturais. As pessoas não possuem3
dinheiro extra para gastar com o acesso à cultura. A mesma, por muitas dessas
famílias, é tida como luxo, como algo supérfluo, e acaba sendo deixada em último
plano. Para a maioria das famílias com baixo poder aquisitivo, as prioridades
geralmente são: alimentação, moradia, educação e saúde. Assim a ida ao teatro,
cinema, shows, bibliotecas, museus, parques, praças e outros equipamentos
culturais não são atividades que fazem parte da rotina familiar.

O texto base da Conferencia Nacional de Cultura diz que

A constituição brasileira, embora cite explicitamente os direitos


culturais, não chega a detalhá-los. Contudo, analisando os vários
documentos internacionais da Organização das Nações Unidas e da
Unesco já reconhecidos pelo Brasil, pode-se concluir que os direitos
culturais são os seguintes: direito à identidade e à diversidade
cultural; direito à participação na vida cultural (que inclui os direitos à
livre criação, livre acesso, livre difusão e livre participação nas
decisões de política cultural); direito autoral e direito/dever de
cooperação cultural internacional. (Fonte?)

3Em entrevista concedida a nós durante a pesquisa.


24

Além da falta de acesso aos bens culturais, em Salvador, como muitas outras
brasileiras, existe o preconceito cultural sofrido pelos moradores de periferias e a
produção cultural existentes nestas localidades. Os residentes da periferia vivem,
muitas vezes, subordinados à cultura erudita e quando não a consomem são
julgados como pouco intelectuais. Em resposta a essa situação, criam suas próprias
formas de arte, realizando por meio delas uma tentativa de se autorrepresentar e
inserir-se na sociedade, sem preconceitos. Tais dos movimentos artísticos culturais
surgem como forma de reafirmação identitária e objetivam, principalmente, despertar
nas pessoas um pensamento crítico para que percebam a importância dos
moradores dos bairros periféricos e o seu papel como agente de transformação
social.

O bairro de Sussuarana é denominado neste trabalho com o termo


comunidade, pois acredito que falar de Sussuarana caracterizando-o como uma
comunidade dá sentido mais amplo às práticas culturais que são apresentadas no
bairro pelo Coletivo Sarau da Onça e até mesmo por outras iniciativas distintas que
serão citadas ao decorrer da pesquisa, pois o conceito de comunidade se
estabelece a partir do momento em que pensamos num grupo de pessoas com
assuntos e interesses em comum, tal qual ocorre em Sussuarana.

O complexo que forma a região de Sussuarana, como já dito anterirmente, é


dividido em três bairros, A Sussuarana Velha, a Nova Sussuarana e o Novo
Horizonte, que foram frutos de novas invasões ocorridas na região de Sussuarana.
Neste trabalho concentra- se a pesquisa no bairro de Sussuarana Velha, que foi o
primeiro a ser fundado e é o local onde nasceu o Sarau da Onça, além dos seus
idealizadores serem residentes desta localidade.

1.3 Panorama das Condições Sociais e Estrutura do Bairro

A Sussuarana está inserida no contexto das comunidades populares de


Salvador, fazendo parte da região periférica da cidade. Os avanços econômicos e
melhoria de infraestrutura do bairro são notórios quando comparados ao mesmo
cenário há vinte anos. Hoje o bairro, além de um grande centro comercial, também
exibe um forte potencial cultural, com a presença intensa de grupos de jovens que
25

se interessam por diferentes expressões artísticas e utilizam a comunicação como


ferramenta de inclusão social e cidadania.

Porém, apesar de toda a efervescência, seja no trabalho ou na produção


cultural, os moradores convivem de perto com deficiências de infraestrutura em
pontos mais críticos do local. Ao mesmo tempo em que o bairro cresceu,
aumentando o número de moradores produtivos e dispostos a crescer, os serviços
públicos oferecidos para a comunidade não acompanharam este crescimento,
deixando a desejar. É nítido, porém, que muitos avanços aconteceram em termos de
educação, saúde, transporte e segurança.

No entanto muitos problemas ainda são facilmente detectados no local e são


debatidos através das apresentações do Sarau da Onça que, além de proporcionar
rodas de conversas buscando ideias para melhorias da localidade, produzem
através da poesia e da música a representação da realidade social local.

Os assuntos que são tratados pelo Coletivo Sarau da Onça durante os


eventos dizem respeito principalmente aos problemas enfrentados pelos moradores
da comunidade. Entre estes, a questão da saúde é tratada como prioridade.

O atendimento médico em Sussuarana sempre foi um grande desafio


enfrentado pela população que contava com apenas um posto de saúde para toda a
região. Um posto com construção antiga e estrutura defasada na qual era prestado
atendimento apenas de dentistas e vacinação infantil. Atualmente este posto de
saúde encontra-se desativado.

FIGURA 2: Posto de Saúde, situado em Sussuarana Velha.


Fonte: http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/a-voz-dos-bairros-queixas-antigas-dos-
moradores-marcam-dia-a-dia-em-sussuarana, acesso em 12 de dezembro de 2015
26

Assim, para serem atendidos, os moradores quando não conseguem


atendimento na nova unidade de saúde, vão aos hospitais em bairros mais
próximos, e muitas vezes, permanecem sem atendimento. “A nossa população vive
mendigando atendimento em São Marcos, Pau da Lima, Pernambués e outros
lugares, e mesmo assim não é bem atendida por ser de Sussuarana”, relata
Enderson Araújo, que é diretor e co-fundador do Grupo de Comunicadores Jovens
Mídia Periférica, atuante no bairro através da internet, com o blog Mídia Periférica,
jornal e rádio comunitária.

Como destaca Enderson, o atendimento médico recebido pelos moradores de


Sussuarana em bairros vizinhos nem sempre ocorre com a qualidade e rapidez
devida, pois, a Secretaria de Saúde Municipal estabelece que cada unidade de
atendimento seja responsável por uma área da cidade, delimitando assim o
atendimento ao cidadão para uma região especifica.

Todavia, em 02 de agosto de 2014, a Prefeitura inaugurou a Unidade de


Saúde da Família de Sussuarana, que oferece serviços de atenção integral desde o
recém-nascido ao idoso. O centro, que leva o nome de Raimundo Agripino, em
homenagem a uma das maiores lideranças do bairro, é composto por cinco equipes
e tem capacidade para realizar serviços odontológicos e coleta de exames
laboratoriais diariamente.

FIGURA 3: Nova Unidade de Saúde da Família de Sussuarana.


Fonte: http://www.saude.salvador.ba.gov.br, acesso em 18 de janeiro 2016.

A Unidade de Saúde atende a toda região de Sussuarana, incluindo a Nova


Sussuarana e o Novo Horizonte que não contam com serviço público de saúde ativo
no bairro.
27

Outro problema tratado pelo Sarau da Onça, recorrente no bairro, refere-se à


coleta do lixo, pois a região não conta com locais específicos para a coleta de lixo e
por vezes o serviço de recolhimento por parte dos órgãos públicos não ocorre
diariamente da maneira devida.

Segundo o líder comunitário Gilson Pereira, 50 anos, morador do bairro há 42,


o recolhimento do lixo pela Prefeitura é feito todos os dias, porém não tem horário
regular, o que contribui para que os lixos das casas fiquem expostos nas ruas por
mais tempo e a qualquer hora do dia. “Nós sabemos que a comunidade poderia
ajudar, mas o que acontece é que todos os dias, ao saírem pela manhã, os
moradores colocam o lixo na porta de casa e o recolhimento só é feito muito tempo
depois, em horários que oscilam”, explica Gilson.

A comunidade de Sussuarana cresceu em termos de população ao longo dos


anos e, acompanhando este crescimento, estabelecimentos comerciais se
multiplicam a cada dia. É grande o numero de mercadinhos, mercearias, padarias,
lojas de roupas, cosméticos, salões de beleza, calçados, farmácias, casas de
material de construção e utilidade, bares e lanchonetes.

A maioria desses empreendimentos é de posse de moradores e possuem


como funcionários os moradores da própria comunidade. Segundo dados da
Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal (SAE), na última década
25 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza para engrossar a chamada
classe média, composta por famílias com renda mensal per capita entre R$ 291 e
R$ 1.019. Com a ascensão e a criação de cerca de 15 milhões de postos de
trabalho, esse estrato social vê seu potencial de consumo em crescimento e este
crescimento aconteceu, principalmente, em bairros populares.

Populosos e geralmente de grande extensão territorial, os bairros populares


detêm boa parte dos pequenos negócios das cidades brasileiras. Além disso, têm
uma população bastante heterogênea, como é típico na nova classe média. O
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) não dispõe de
uma pesquisa estatística dos empreendimentos por bairro, mas levantou as
localidades com maior concentração de micro e pequenas empresas e chegou a um
roteiro para o programa Negócio a Negócio, de auxílio aos negócios de bairro.
28

A região de Sussuarana conta atualmente com escolas municipais, estaduais,


particulares e cursos oferecidos dentro da comunidade. Como o bairro é constituído
pela Sussuarana Velha, Nova Sussuarana e Novo Horizonte, os moradores destes
três bairros acabam usufruindo dos serviços prestados na comunidade, o que por
muitas vezes, devido ao grande número de habitantes, não consegue suprir a
demanda do bairroe faz com que os moradores tenham que estudar em outros
bairros da região ou no centro da cidade.

A educação foi um dos principais pontos discutidos em 6 de abril de 2016, no


Centro Comunitário Irmã Ludovica, em Sussuarana, pelas lideranças locais,
professores, estudantes, aposentados, moradores, donas de casa, por ocasião da
Audiência Pública promovida pelo projeto Ouvidoria nos Bairros da Ouvidoria Geral
do Estado. Segundo o Ouvidor Geral Yulo Oiticica, a Ouvidoria nos Bairros aproxima
o cidadão deste instrumento de controle social que é a Ouvidoria Geral, contribuindo
com a melhoria dos serviços públicos estaduais, além de potencializar o acesso às
informações públicas enquanto direito previsto em lei.

O professor do Colégio Estadual Nova Sussuarana, Maurício Quadros,


elogiou a ação. "Vejo estudantes aqui exercendo sua cidadania e isso é muito
gratificante. A presença do Estado é fundamental nas comunidades, assim como a
participação da população cobrando e acompanhando melhorias. Todos têm o
direito e o dever de participar" enfatizou.

Já o estudante Erick Mascarenhas (20) solicitou a reforma e ampliação do


Colégio Estadual Daniel Comboni. "São mais de 1.300 jovens aguardando esta nova
escola tão necessária no nosso bairro", disse.

A dona de casa Jacira Borges reforçou a importância de promover a


educação na comunidade. "Eu acredito na educação e vou continuar acreditando.
Meu filho estudou neste colégio e passou em 9º em Engenharia Civil na
Universidade de Salvador (Unifacs)", disse.

É notório o inchaço do bairro. A população cresceu, mas não foram


estruturados planos de mobilidade no local que conta como principal rota de entrada
do bairro uma única Avenida: a Ulisses Guimarães. As fronteiras se alongam cada
vez mais, muitos condomínios estão sendo construídos ao mesmo tempo e, por
29

consequência, o número de carros na região aumenta, tantos dos moradores como


de pessoas que tem que fazer o trajeto vindo de outras localidades para chegar, por
exemplo, ao Centro Administrativo da Bahia.

No bairro existem as seguintes linhas de ônibus: 1221 Sussuarana X


Barroquinha; 1223 Sussuarana X Lapa ( via Dique);1225 Sussuarana X Lapa (via
Ogunjá); 1230 Sussuarana X Barra I; 1231 Sussuarana X Barra 2; 0518 Engenho
Velho de Brotas X Sussuarana

Passam pela Sussuarana também as seguintes linhas: 1232 Nova


Sussuarana X São Joaquim; 1346 Estação Pirajá Itapuã; Mata M015 Escura X
Itapuã; e as topiques Narandiba X Itapua, Brasilgás X Rótula do Aeroporto.

Atrelado a isso, na região existem obras de reparo ocupando parte das ruas,
os buracos e o estreitamento da Avenida Ulisses Guimarães, principal rota dos
motoristas. Com a construção de uma rotatória no fim de linha de Sussuarana Velha,
piorou o quadro caótico do trânsito no bairro. Assim, houve o encurtamento da
rotatória, deixando mais espaço para os ônibus transitarem. Porém, esta medida não
foi suficiente e atualmente se estacionam em outro local.

Foi criado em Sussuarana um final de linha específico para ônibus


aguardarem o horário de saída. Assim, os motoristas levam os ônibus para o final de
linha apenas quando está próximo do horário do veiculo realizar a viagem. Esta
medida desafogou o trânsito no final de linha deixando passagem para pedestres e
carros de pequeno porte, além de beneficiar também aos motoristas de ônibus que
hoje contam com outro espaço para o descanso, as necessidades físicas e a
alimentação.

Os moradores de Sussuarana ainda sofrem com a constante falta de água


nas casas, nos estabelecimentos comerciais e nos centros de ensino e saúde.
30

FIGURA 4: Abastecimento de água através de carro pipa em Sussuarana.

Fonte: http://www.ibahia.com/detalhe/noticia/a-voz-dos-bairros-queixas-antigas-dos-
moradores-marcam-dia-a-dia-em-sussuarana, acesso em 18 de janeiro de 2016

Carros-pipa são alugados pelos moradores ou enviados pela Empresa Baiana


de Águas e Saneamento (Embasa) ao bairro como uma solução paliativa. O Centro
Municipal de Educação Infantil Cecy Andrade convive com a falta de água desde a
sua fundação, há 15 anos. A creche, que atende crianças de até cinco anos, já é
velha conhecida da Embasa e se tornou prioridade no bairro quando o serviço é
solicitado.

O bairro de Sussuarana também é lembrado pelo quesito violência. É comum


ver o bairro estampando os boletins de ocorrência das páginas policiais e dos
veículos de comunicação de massa. As periferias geralmente são estereotipadas
socialmente como locais violentos marginalizados, associados a tráfico de drogas e
crimes. Em Sussuarana, existem locais que são perigosos e possuem um domínio
maior dos trafico de drogas e marginalização. Porém, atualmente, o bairro deixou de
ser apenas veiculado na mídia e lembrado na cidade somente pelo seu aspecto
negativo e a cena cultural ganhou espaço noticioso.

Através de práticas sociais e projetos organizados pelos próprios moradores,


em parceria com escolas e igrejas da região, a Sussuarana passa a ser vista sob
uma nova perspectiva. A cultura ganhou espaço na comunidade e é apresentada
nas mais variadas formas de arte como capoeira, dança, música, teatro, poesia e
tem sido no Sarau das Onça que eles - os artistas da comunidade - se encontram.

Os eventos culturais em Sussuarana têm sido um forte instrumento de


transformação do bairro e da realidade de seus moradores, que passam a acreditar
que podem ir mais além e sonhar com um futuro melhor. As pessoas através do
31

contato com as práticas culturais adquirem senso crítico, passam a se comunicar


melhor e tem maior percepção da própria realidade, gerando em si reflexões.
32

CAPITULO II

CULTURADE PERIFERIA

2.1 Cultura

Para falarmos das práticas culturais que acontecem na periferia é necessário


conceituar cultura e suas aplicações. Para tal, utilizaremos inicialmente a Declaração
do México sobre Políticas Culturais que contém uma definição de cultura e uma
explicação de seu papel:

Em seu sentido mais amplo, a cultura pode, hoje, ser considerada


como o conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou grupo
social. Ela engloba, além das artes e das letras, os modos de vida, o
direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as
tradições e as crenças. (UNESCO, 1982, p.39)

A partir desta definição, no conceito de cultura está contido o universal e o


particular: a ideia universal dos direitos fundamentais do homem e os traços
particulares, as crenças e os modos de vida que permitem aos membros de um
grupo sentir pertencidos e com uma ligação especial e única com os outros
membros.

Duas ideias estão subentendidas na Declaração do México: a diversidade


cultural deve ser gerida no interior das sociedades e nenhuma cultura sobrevive
isolada no mundo interdependente de hoje. Assim, cada povo tem uma cultura e
uma não deve ser sobreposta a outra, não deve existir comparações com intuito de
denegrir e sim acontecer o respeito mútuo entre as diferenças.

Assim,

Cultura refere-se ao significado que um grupo social dá à suas


experiências, incluindo aqui ideias, crenças, costumes, artes,
linguagem, moral, direito, culinária, etc, a cultura pensada desta
forma está diretamente ligada a identidade cultural construída por um
grupo social. E mais uma vez fica evidenciado que a cultura é
dinâmica, se recicla incessantemente incorporando novos elementos,
abandonando antigos, mesclando os dois transformando-se num
terceiro com novo sentido, trata-seportanto, do mundo das
33

representações, incorporadas (Apud GRUMAN. Unesco e políticas


culturais no Brasil).

Confirmando esta conceituação de cultura, que entre suas diversas


definições, é considerada a expressão de uma determinada sociedade e a produção
deste grupo reflete seus valores éticos e estéticos (WILLIAMS, 1780-1950).
Traçando um paralelo com o signo ideológico de Bakthin (1992), verifica-se que os
signos carregam consigo valores éticos e estéticos que se envolveram no cerne de
sua criação, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo. O signo configura-se
como fruto de seu código, sua sociedade e seu tempo. Levando em consideração
esta linha de pensamento, Fichtner (2009) afirma que,

Os signos podem ser considerados manifestações culturais. As


várias formas do comportamento, da atividade e da consciência
humana são constituídas e relacionadas por um espaço
antropológico que se abre mediante a signos e símbolos. Assim, este
espaço antropológico pode se caracterizar fundamentalmente como
um espaço simbólico. Este espaço não existe numa forma abstrata
ou metafisicamente geral, este espaço sempre é ao mesmo tempo
espaço de uma determinada Cultura. (FICHTNER, 2009, p. 28)

Sendo assim, o espaço antropológico de determinada sociedade, reflete seus


signos e dinâmicas ligados a suas características muito próprias e de significado
conturbado. A definição de cultura ainda está em construção nas mais diversas
áreas que a coloca como objeto de estudo. O termo em si já traz consigo um campo
muito extenso de definições. Para Raymond Williams (2000), o conceito de cultura e
o seu novo significado, com as inovações pós Revolução Industrial, aponta
hostilidades e embaraços, que o termo geralmente provoca.

O conceito de cultura apresentado no Dicionário crítico de política cultural de


Teixeira Coelho também é importante para ressaltar e reafirmar os conceitos acima
empregados. Neste dicionário para definir o verbete cultura Teixeira Coelho usa a
seguinte definição:

Em sua conceituação mais ampla, cultura remete à idéia de uma


forma que caracteriza o modo de vida de uma comunidade em seu
aspecto global, totalizante. Num sentido mais estrito, como anota
Raymond Williams, cultura designa o processo de cultivo da mente,
nos termos de uma terminologia moderna e cientificista, ou do
34

espírito, para adotar um ângulo mais tradicional. Sob este aspecto, o


termo aponta para: “um estado mental ou espiritual desenvolvido,
como na expressão "pessoa de cultura"; 2. o processo que conduz a
esse estado, de que são parte as práticas culturais genericamente
consideradas; 3. os instrumentos (ou os media) desse processo,
como cada uma das artes e outros veículos que expressam ou
conformam um estado de espírito ou comportamento coletivo.
(Coelho, 1997, p. 86)

Na publicação do Dicionário, Teixeira Coelho faz um breve comentário a


respeito desta conceituação. A fala transcrita explica que:

Na contemporaneidade, a primeira noção é alvo de fortes críticas por


implicar a ideia de que o metro para avaliação desse "estado
desenvolvido" é o fornecido pela cultura de elite ou superior, o que
conduziria a marginalização de largas camadas da sociedade que,
não partilhando daqueles valores culturais, não seriam menos cultas
num sentido antropológico. Tem sido comum, assim, privilegiar a
segunda e a terceira noções, despidas da ideia restritiva embutida na
primeira e entendidas como os modos pelos quais alguém ou uma
comunidade responde a suas próprias necessidades ou desejos
simbólicos.

Estas duas noções são, por sua vez, em geral abordadas a partir de
dois ângulos. Um, dito idealista, que vê no termo cultura o índice de
um espírito formador global da vida individual e coletiva a manifestar-
se numa variedade de comportamentos e atos sociais, mas, de modo
especial, em comportamentos e atos específicos e singulares (artes
plásticas, teatro, etc.); e um segundo, chamado materialista e de
inspiração marxista, que considera a cultura - em todos os seus
aspectos, incluindo os relacionados a todos os media e construções
intelectuais - como reflexos de um universo social mais amplo e
determinante.

A tendência hoje dominante é uma composição entre os modos de


entendimento idealista e materialista: as várias manifestações
culturais não são determinadas de modo absoluto por uma ordem
social global patente e são elementos decisivos na definição daquela
ordem; por outro lado, a cultura não se caracteriza apenas pela gama
de atividades ou objetos tradicionalmente chamados culturais, de
natureza espiritual ou abstrata, mas apresenta-se sob a forma de
diferentes manifestações que integram um vasto e intricado sistema
de significações.

Assim, o termo cultura continua apontando para atividades


determinadas do ser humano que, no entanto, não se restringem às
tradicionais (literatura, pintura, cinema - em suma, as que se
apresentam sob uma forma estética), mas se abrem para uma rede
de significações ou linguagens incluindo tanto a cultura popular
(carnaval) como a publicidade, a moda, o comportamento (ou a
atitude), a festa, o consumo, o estar-junto, etc... (Coelho, 1997, p
68.).
35

Assim, a cultura tem ligação direta com as ações do indivíduo e grupo social
em que está envolvido e a sua expressão. Compreensão do mundo e manifestações
de sentimentos e anseios estarão diretamente ligados à forma de se expressar
socialmente.

Na conceituação de Cultura, de acordo com Laraia (1986), as definições de


cultura e civilização foram resumidas por Edward Tylor (1832-1917) como tudo
aquilo que o indivíduo de uma sociedade adquire. Ou seja, Tylor interpretou “cultura
como sendo todo o comportamento aprendido, tudo aquilo que independe de uma
transmissão genética” (LARAIA, 1986, p. 28)

2.2 Cultura Popular


O popular é nessa história o excluído: aqueles que não têm patrimônio ou
não conseguem que ele seja reconhecido e conservado; os artesãos que
não chegam a ser artistas, a individualizar-se, nem a participar do mercado
de bens simbólicos “legítimos”; os espectadores dos meios massivos que
ficam de fora das universidades e dos museus, “incapazes” de ler e olhar a
alta cultura porque desconhecem a história dos saberes e estilos
(CANCLINI, 2011, p. 205).

O conceito de popular, de maneira geral, é visto a partir de duas perspectivas


principais: o popular como aquele que depende e tem como referência uma cultura
dominante, ou seja, subsidiário; e o popular como produtor autônomo dos próprios
mecanismos para a sobrevivência. A partir desses dois modelos, tem-se, no
primeiro, uma cultura observadora que apenas reproduz e aceita sem objeções a
ideologia dos dominadores, e no segundo, uma cultura que se constitui de modo
independente, em um mundo à parte onde não mantém relação com os outros. Ou
seja, em ambos os modelos, o popular é visto como algo negativo e subalterno.

Com a Revolução Industrial e ascensão do capitalismo, o popular apareceu


para tomar conotações relacionadas à classe trabalhadora. O termo surgiu na
Europa no final do século XVIII e foi utilizado em contextos que envolviam
idealizações, juízos de valor, disputas políticas e teóricas, além de pretender
delimitar práticas. A partir de 1940 e 1950, a cultura popular passou a “assumir uma
perspectiva política associada aos populismos latino-americanos, que procuravam
36

oficializar as imagens reconhecidamente populares às identidades nacionais e à


legitimidade de seus governos” (ABREU, 2003, p. 2). Já na década de 60, o termo
passou a designar uma resistência de classe, “uma suposta necessidade dos
oprimidos a uma consciência mais crítica, que precisava ser despertada” (ABREU,
2003, p. 3)

Alguns pesquisadores procuram privilegiar, nessa cultura, suas propostas de


resistência à cultura dominante, enquanto outros tendem a ver como essa cultura se
integra de algum modo no sistema cultural mais amplo e que papel ela aí
representa, apontando sua função criadora no interior desse esquema, quando
existente, ou sua atuação preservadora e imobilista, quando for o caso.

No livro O que é cultura popular, de Antonio Augusto Arantes (1990), o autor


destaca que grande parte dos autores pensa cultura popular como folclore, ou seja,
como um conjunto de objetos, práticas e concepções – sobretudo religiosas e
estéticas -, consideradas tradicionais. Outros concebem as manifestações culturais
tradicionais como resíduo da cultura culta de outras épocas e, às vezes, de outros
lugares, filtrada ao longo do tempo pelas sucessivas camadas de estratificação
social. Diz-se: o povo é um clássico que sobrevive. Pensar em cultura popular como
sinônimo de tradição é impossibilitar a compreensão das sucessivas modificações
por quais necessariamente passaram esses objetos, concepções e práticas do povo.

A cultura popular surge, portanto, como outra cultura que, por contraste ao
saber culto dominante, apresenta-se como totalidade embora sendo constituída
através da justaposição de elementos residuais e fragmentários considerados
resistentes.

2.3 Cultura de Periferia

As periferias têm um papel culturalmente relevante em nosso país. De acordo


com Salles (2004), a periferia oferece um ingrediente importante ao cenário cultural
brasileiro, pois é um espaço de significativa produção de bens simbólicos que tem a
capacidade de representar minorias da sociedade que, na verdade, quando juntas
formam a maioria de nós, brasileiros.
37

A produção musical é um forte marco da criatividade periférica e hoje em dia,


através das mídias digitais e redes sociais, tem sido cada vez mais difundida e
aceita nas classes média e alta do país. Renato Souza de Almeida (2012) diz que a
partir de meados da década de1990, com o boom do movimento hip-hop, a periferia
começou a ser vista por muitos jovens (residentes) com sentimento de orgulho, o
que provocou, inclusive, o interesse de jovens de classe média e alta pela estética
periférica.

As manifestações culturais das periferias sempre existiram tendo a música


como principal meio de apresentação a qual fora aceita desde o samba até o mais
atual rap, na dança, com o break e hip-hop.

Na cultura de periferia existe uma aproximação muito forte com o movimento


do rap e do hip-hop. O Sarau da Onça apresenta também estas características, pois
a música predominante entre os participantes é o hip hop. Muitos dos autores são
também rappers e mc’s. Como ambas as expressões culturais são provenientes do
mesmo ambiente, as vivências de seus produtores são parecidas.

Não é incomum que um artista projete em sua obra suas experiências


pessoais, ainda que disfarçadas pelo discurso da ficção. Então, temas como a
violência, a precariedade e o preconceito são enredos recorrentes. Linguagem
agressiva, ideias de contestação à ordem, presença da religiosidade, entre outros
elementos, também são ingredientes comuns na receita da cultura de periferia.

A cultura do hip-hop chegou ao Brasil na década de 70, importada dos


Estados Unidos, e fez incrível sucesso entre os integrantes das periferias. Adaptado
ao contexto brasileiro, o caráter de resistência do hip-hop (o teor de questionamento
político e social, de luta racial e contra a desigualdade, de autoafirmação do
negro/pobre/marginalizado na sociedade) conquistou, principalmente, os jovens
mais pobres. Ela é constituída pelos seguintes elementos: o rap (música), o rapper
ou MC (o cantor), o DJ (responsável pelas batidas e mixagens das músicas), o
graffiti (arte gráfica de rua) o break (dança) e o b-boy (dançarino) (MIRANDA, 2011).
Ou seja, é uma combinação de variadas formas de manifestações artísticas e
culturais, como dança, música, arte visual, composição, etc., que tem por trás um
ideal sociopolítico.
38

Outra forma de arte que ocupa espaço na cultura de periferia é o graffiti, que
atualmente ganhou alta valorização no mundo das artes plásticas e passou a ocupar
espaços em galerias de arte, atingindo altos preços no mercado, indo além das
paredes e muros das áreas urbanas que, inicialmente, eram as “telas” gratuitas dos
“desenhos”.

Atualmente, a cultura de periferia conta com mais um forte elemento: a


literatura, pois em busca de novas formas para se expressarem, os moradores locais
começaram a buscar esta arte praticamente aristocrática, transformando-a em algo
que não só condiz com a realidade deles, mas que é uma expressão da mesma, a
literatura através dos poemas declamados e das rimas fazem parte do conteúdo
apresentado durante as edições do Sarau da Onça.

Desta forma os moradores da periferia “se apropriaram de vez da palavra


escrita para dar fisionomia a suas criações literárias e artísticas” (ESLAVA, 2004,
p.36).

Como afirma Ferréz (2005),

A literatura, arte dos salões nobres, chega, assim, ao morro, onde


apenas se concebia o samba, a capoeira, artes da ginga do corpo,
tão distantes das ditas habilidades intelectuais exigidas pela
literatura: pois “agora a gente fala, agora a gente canta, e na moral
agora a gente escreve. (FERRÉZ, 2005, p. 9)

Outra característica é o fato de que a literatura assume um papel de voz


coletiva. Ao escreverem as suas próprias experiências e contá-las ao mundo, para
quem quiser ler, os autores se tornam porta-vozes das vivências periféricas ao
tentarem inseri-las nos meios “oficiais” da cultura.

Outra expressão cultural periférica que anda lado a lado com a literatura são
os saraus da periferia. Os saraus são eventos nos quais as pessoas se reúnem para
declamar textos, próprios ou não, para o público (TENNINA, 2013). É a expressão
oral da literatura e um incentivo à prática da leitura e da escrita entre os moradores
das comunidades.

É também uma forma de ocupar e ressignificar um ambiente que, por vezes,


assume uma conotação negativa: como por exemplo: um bar. Com a organização
39

dos saraus, o bar passa de ambiente de alcoolismo e até mesmo brigas para centro
cultural. O exemplo do Bar acontece em São Paulo onde foi fundado e realizado o
Sarau da Cooperifa (Coperativa das periferias). Este sarau serviu de fonte de
inspiração para a criação do Sarau da Onça, realizado em Sussuarana –
Salvador/Ba.

Em entrevista a Tennina (2013), Sérgio Vaz (criador do Sarau da Cooperifa)


afirma que por falta de espaços coletivos de caráter social e cultural, o bar acaba
virando o ponto de encontro que sobra ao pessoal, e que por isso é esse o espaço
que eles devem ocupar.

O espaço que o Estado deixou para nós é o bar, aqui não tem
museu, não tem teatro, não tem cinema, não tem lugar para se
reunir, e o bar é o nosso centro cultural, onde as pessoas se reúnem
para discutir os problemas do aonde as pessoas vêm se reunir
depois do trabalho, onde as pessoas se reúnem quando vai jogar
bola, ou quando é um aniversário, se reúnem para ouvir e tocar
samba, então o bar é a nossa ágora, a nossa assembléia, o nosso
teatro, tudo, a única coisa que o Estado deixou para nós foi o bar,
então a gente ocupou o bar. É só isso o que a gente tem, então, é
isso o que vamos transformar. (VAZ, in TENNINA, 2013, p.12).

O sucesso que esses produtos da periferia obtêm fora dela, na “cena cultural
tradicional”, é bastante importante para a sua sobrevivência, e inclusive a
sobrevivência do próprio artista que, afinal de contas, depende financeiramente do
retorno de sua obra. Mas este não é o seu objetivo principal, pois o foco dessas
produções é, na maioria dos casos, a própria comunidade periférica.
40

CAPITULO III

SARAUS E O COLETIVO SARAU DA ONÇA

Preâmbulo

Neste cenário apresentado, contendo a periferia suas lutas e cultura, está


inserido o Coletivo Sarau da Onça, que é atualmente um importante movimento de
articulação cultural e social dentro do bairro da grande Sussuarana.

A partir da formação deste grupo foi dado início às apresentações do Sarau


da Onça e posteriormente com o seu crescimento ocorreu o intercâmbio de
atividades culturais com comunidades vizinhas. Hoje o coletivo Sarau da Onça
participa de atividades em âmbito nacional, tendo recebido prêmios e participado de
debates e conferencias em outras cidades brasileiras, tais como Rio de Janeiro, São
Paulo e Brasília.

Antes de adentrarmos ao universo do Sarau da Onça é necessário explicar o


que é um sarau. Em termos gerais, sarau vem do latim seránus, relativo ao
entardecer. É um evento cultural na qual as pessoas se encontram a fim de
expressarem ou manifestarem artisticamente. Os saraus envolvem música, dança,
poesia, leituras, teatro e pinturas. Eles tiveram grande evidência no século XIX e
vêm sendo redescobertos por terem um caráter de inovação, informação e
preservação cultural. Hoje em dia a denominação sarau vem sendo constantemente
utilizada para eventos de cunho comercial e de entretenimento.

Na sua definição mais completa encontrado no Blog Rua Direita, sarau em


geral é conceituado como uma festa literária noturna ou um concerto musical
realizado em casas, teatros ou estabelecimentos noturnos. É um momento de
encontro das grandes artes. Nesse encontro acontecem além das leituras de textos
literários, interpretações teatrais, declamações de poemas e apresentações
musicais. O Sarau é uma forma de ligação entre o eu interior e a palavra. As
pessoas que participam dessa festividade entregam-se de corpo e alma à literatura.

Um Sarau deve estabelecer conexões entre o ser exterior e o interior, já que


suscita reflexão e experiências ricas. Depois de pensada a finalidade do Sarau,
41

alguns aspetos importantes devem ser planejados. A decoração, a iluminação, as


bebidas e a alimentação devem fazer parte da organização do evento. Como se
trata de um evento cultural, a decoração deve estimular a criatividade, a criticidade e
o artista presente em cada um. Uma decoração apropriada para um Sarau consiste
na exposição de quadros, desenhos e esculturas variadas que instiguem a
curiosidade e a produção. Uma iluminação apropriada a um Sarau consiste em uma
meia-luz, luzes coloridas em focos diferentes ou focadas em um único ponto.
Incensos são indicados para favorecer um clima de interiorização.

Como citado inicialmente, o termo sarau vem sendo explorado de diversas


formas nos eventos ocorridos em Salvador. Temos hoje em dia uma variedade de
eventos denominados saraus que acontecem em Salvador, porém alguns destes
tem uma função mais focada no entretenimento, diferentemente do buscado pelo
Sarau da Onça. Como um exemplo de evento voltado para a diversão temos em
Salvador o Sarau do Brown que no verão antecede o carnaval da capital. Tem alta
procura por turistas e torna-se um evento muitas vezes caro e fora do orçamento
para a população mais pobre da cidade.

Este trabalho não visa fazer juízo de valores ou importância sobre os dois
eventos, apenas ressalta as suas diferenças quanto ao público e ao foco dos
mesmos, pois, o Sarau da Onça apresenta-se com características que não são
voltadas para a publicidade, marketing e geração de lucro, apesar de buscar a
divulgação das artes contidas na periferia pelos meios de comunicação. É um
evento gratuito e voltado para a expressão social e manifestação cultural da
periferia.

Atualmente os saraus tornam-se principalmente palco de ativismo sócio-racial


e afirmação de identidade.

A partir do interesse de um grupo de amigos do bairro de


Sussuarana que tomou como referência o Sarau Bem Black e o
Sarau da Cooperifa. O Sarau da Onça foi criado a fim de sensibilizar
as pessoas da comunidade para com os problemas que esta possui.
A arma utilizada são as palavras da boca dos poetas e poetizas das
baixadas e vielas do bairro. (SUSSUARANA, SANDRO. Blog do
Sarau da Onça 2011).
42

A partir da fala de Sandro Sussuarana, fundador do Sarau da Onça, são


perceptíveis os objetivos a que o Coletivo se propõe. O evento foi criado para
debater junto com a população local as mazelas da região e alertar aos moradores
que a mudança no quadro da realidade local não seria possível apenas com
reclamações individuais, e sim, através da reflexão e ações coletivas, especialmente
no caso de comunidades como Sussuarana, onde união dos moradores é de
fundamental importância para que as ações tenham continuidade e gerem
resultados. Além disso, o Coletivo propõe a valorização dos artistas da comunidade
através de apresentações dentro do próprio bairro.

Os saraus são eventos que vêm se firmando no calendário cultural das


cidades. São realizados em comunidades por vezes tidas como fora do comum para
a prática de atividades culturais, como os bares, as lajes, e por vezes as ruas, além
de saraus que acontecem em centros culturais, universidades e livrarias.

Trazendo essa discussão para a cidade de Salvador, segundo o Mapa dos


Saraus divulgado pelo jornal Correio em novembro de 2013 no perímetro urbano de
Salvador, existiam doze saraus registrados nos seguintes bairros: Porto da Barra
(Pós-lida); Cosme de Farias (Sarau do Cosme); Mata Escura (Sarau da Mata);
Sussuarana (Sarau da laje); Largo Santo Antônio Além do Carmo (Sarau da
Chácara); Pelourinho (Sarau Bem Black); Barris, na Biblioteca Pública do Estado da
Bahia (Sarau Viva a Poesia Viva); Rio Vermelho (Sarau Prosa e Poesia); Caminho
das Árvores (Sarau Fala escritor); Pelourinho (Sarau Erótico); Sussuarana (Sarau da
Onça); e Itapuã (Sarau de Itapuã).
43

FIGURA5: Mapa dos saraus urbanos.


Fonte: http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/mapa-indica-principais-saraus-de-
salvador, acesso em 28 de junho de 2015.

Uma das características que aproximam estes saraus urbanos é a temática a


que eles estão envolvidos, pois a maioria está voltada a pensar e disseminar a
cultura afro-descendente. Escritores, músicos e personalidades negras são
lembrados e exaltados em encontros temáticos. Estes são saraus que apresentam a
resistência e a riqueza da cultura negra além de propagar a arte nascida das
periferias.

A exemplo desta valorização das personalidades negras O Sarau da Onça


batizou o anfiteatro fundado na comunidade com o nome Abdias do Nascimento.
Neste anfiteatro cedido pela igreja católica, pois o espaço pertence à Casa
Paroquial, ocorrem as intervenções artísticas. O local que leva o nome do político,
poeta, artista plástico, escritor, jornalista, ativista e ex-senador da República, Abdias
Nascimento – falecido em 2011 aos 97 anos –, é referência quando o assunto é
igualdade racial. Nascido em 1914 na cidade de Franca, localizada no interior de
São Paulo, Abdias teve uma trajetória longa e produtiva: participou do movimento
integralista, passou pela Frente da Bandeira Negra, foi pioneiro em iniciativas no
44

campo da cultura e militante ativo no movimento negro. Além do nome existe um


desenho com a imagem de Abdias ocupando uma das paredes do local e as cores
que compõem as outras paredes são o verde, o amarelo e o vermelho, cores estas
que representam as bandeiras de países africanos.

FIGURA 6: Imagem de Abdias Nascimento pintada no muro do anfiteatro.


Fonte: https://www.facebook.com/sara.da.onca/photos, acesso em 10 de abril de 2016.

Sobre a influência que o coletivo Sarau da Onça tem em relação aos


militantes pelas causas sociais, especialmente voltadas a pensar em comunidade e
para a luta de igualdade racial, Sandro Sussuarana (2013), em entrevista ao Jornal
Correio, relata o seguinte: “Procuramos mostrar quem foi Abdias, Martin Luther King,
Dandara entre outros negões e negonas que colaboram de forma significativa para
sociedade. Assim, os que estão presentes se transformam em agentes
disseminadores das histórias de personalidades negras”. Dessa forma, passado e
presente se misturam na luta por melhorias sociais e multiplicar a história de quem
lutou por essa igualdade é uma forma de preservar a identidade e agradecer pelas
conquistas já alcançadas e ter mais força para continuar batalhando por mais
espaço na sociedade.

Bairros da periferia de Salvador em geral são veiculados pela mídia com


estigma de violência, pobreza, marginalização, falta de saneamento básico entre
outros problemas. Com Sussuarana não era diferente. Até 2010 se fosse realizada
uma breve pesquisa com o nome Sussuarana em alguma ferramenta virtual de
45

busca, veria desfilar diante dos olhos estatísticas e manchetes sobre a violência na
cidade e os problemas que ela acarreta. Atualmente, seis anos depois, ao realizar
esta mesma pesquisa, boas surpresas podem ser encontradas.

É inegável que as mesmas notícias que infelizmente predominavam na época


sobre a comunidade ainda existem, porém, juntaram-se a outras bem mais leves.
Pode-se encontrar facilmente informações sobre lançamento de livros, prêmios
ganhos em editais de arte, eventos de dança e de teatro, saraus e batalhas de
poesia. Também a localização das matérias sobre o bairro se expandiu,
abrangendo agora, além das páginas policiais, as de cultura.

"A ideia era justamente essa", diz Evanilson Alves, 25, um dos criadores do
projeto. Quando ele, Maiara Guedes, a Preta Mai, 23, e Sandro Sussuarana, todos
estudantes de serviço social e integrantes do Juventude Negra pela Paz, decidiram
convidar outros amigos e criar o Sarau da Onça, em maio de 2011, tinham em
mente dar uma sacudida geral na imagem que as pessoas faziam do bairro onde
moravam. "Nos incomodava ser vistos como vítimas passivas da violência. Nós
queríamos mostrar a todos que havia aqui pessoas interessadas em arte e em
literatura".

Desta forma, em 2011, nasceu o Coletivo Sarau da Onça, fruto da iniciativa


dos jovens Sandro, Evanilson e Maiara que, insatisfeitos com a situação de violência
e descaso vivenciada pelos jovens residentes do bairro, resolveram criar um espaço
onde pudessem expor suas ideias, pensamentos e talentos através da arte. Foram
buscando parcerias e artistas de dentro da comunidade para compor o repertório do
Sarau da Onça; uniram-se aos integrantes do Ágape, grupo que já atuava com
teatro, dança e poesia na Pastoral Afro Padre Heitor, que abriga as apresentações
desde o começo, hoje sendo a sede do anfiteatro Abdias Nascimento.

O coletivo Sarau da Onça atua como forte aliado no resgate de valores,


identidade e noção de pertencimento ao local, sendo um pólo de cultura e educação
para os moradores do bairro e visitantes. Ao longo desses cinco anos de existência,
o Sarau da Onça realizou ações que integram toda a comunidade,
independentemente de questões políticas ou mesmo religiosas, pois a arte, cultura,
poesia consegue alcançar a todos os presentes que sabem o dia a dia enfrentado
46

por si e seus pares, sendo neste caso os pares, os próprios vizinhos ou moradores
do mesmo bairro.

O Sarau da Onça foi criado com o intuito de sensibilizar as pessoas através


da poesia, teatro e música. Como o próprio grupo diz, “a arma utilizada são as
palavras que saem das bocas dos Poetas e Poetizas das baixadas e vielas do
bairro". O grupo vem fazendo apresentações que arrastam vários participantes. É
um evento aberto para que qualquer pessoa, independente de cor, religião,
orientação sexual, participe a partir de discussões, contribuindo também com suas
poesias, suas músicas, danças. Assim, o Sarau da Onça se configura como
elemento artístico e educativo que une cultura, arte e educação.

Durante o Sarau da Onça muitos assuntos são abordados em meio às


poesias e canções. Os temas mais recorrentes são referentes a situações vividas no
cotidiano dos participantes. Fala-se também da desigualdade social, violência,
extermínio de jovens, em especial jovens negros, preconceitos, política e família.

O Sarau da Onça recebe este nome em homenagem ao nome do próprio


bairro de Sussuarana – nome este oriundo do mito da onça Sussuarana - e tem
como slogan “o diferencial da favela”, que remete à ideia de que o sarau é algo
peculiar no contexto em que está inserido, além de despertar um sentimento de
identidade, de pertencimento à comunidade. O evento tem como referência o Sarau
Bem Black (que acontecia até 2014 no Pelourinho e atualmente acontece
mensalmente em caráter itinerante) e o Sarau Coperifa, realizado em São Paulo.

Para entender a formação do Sarau da Onça é necessário apresentar os


saraus que o serviram de base inspiradora. O Coletivo Sarau da Onça possui
características próprias que revelam identificação e a representação com a
comunidade de Sussuarana, local no qual acontece, entretanto a busca por levar a
poesia, literatura, música e cultura de forma gratuita é inerente aos três eventos.

O Sarau Bem Black é realizado pelo Coletivo Blacktude - vozes Negras da


Bahia - e contou com sua primeira edição em 23/09/2009 onde inicialmente era
realizado as quartas-feiras no Sankofa African Bar, no Pelourinho, Centro Histórico
de Salvador. Este Sarau apresenta a poesia com temática negra, engajada e
47

divergente misturada com outras vertentes da arte como a música em especial o hip
hop, o teatro e o cinema.

“Não há dúvida que o meu verso é também o meu quilombo ardente


Atento às doutrinas absolutas que me querem escalpelar o pixaim
Queimar na fogueira do esquecimento meus sentimentos íntimos
Alisar minha língua no ferro do feitor que mantém acesa a fogueira
Conformar meu silêncio na pasta quente para endireitar meus gestos” Instinto de Negridade

(Nelson Maca)

Nelson Maca autor do poema em destaque é professor de literatura da


Universidade Católica do Salvador, escritor, ativista e integrante do Coletivo
Blackitude sendo um dos responsáveis pelo evento. Retrata neste e em grande
parte de seus versos a luta por liberdade da população negra e estimula também a
valorização e a manutenção das lutas por igualdade social e racial.

Em entrevista ao site Impressão digital, que é fruto do produto laboratorial da


disciplina Oficina de Comunicação Digital da Faculdade de Comunicação da Ufba,
Nelson Maca (2012) destaca que:

O coletivo Blackitude, que já existe há 14 anos, desenvolve muitos


projetos com hip hop, poesia e audiovisual. A literatura sempre está
presente em nossas ações. O Bem Black surgiu com a premissa de
ser um lugar em que as pessoas pudessem se encontrar, trocar
textos, vender discos e divulgar livros. Artistas, ativistas, escritores e
músicos são frequentadores assíduos do Bem Black. Muitos se
tornam convidados ilustres e fazem participações especiais na festa.
O rapper Gog, de Brasília, a cantora Ellen Oléria e os e baianos José
Carlos Limeira, Jocélia Fonseca, Landê Onawlê, Hamilton Borges,
Iara Nascimento e Giovane Sobrevivente são alguns que já
marcaram presença no evento. (Site Impressão digital, 2012)

Assim como o Sarau da Onça, o Coletivo Blacktude teve como inspiração o


Sarau da Cooperifa, sarau este, que tornou-se referência nacional em sarau
realizado nas periferias brasileiras e tem como principal organizador o escritor,
poeta e mobilizador social Sérgio Vaz.

O Sarau da Cooperifa, tem quinze anos de existência, é realizado as quartas-


feiras no Bar do Zé Batidão, localizado no Jardim Guarujá, periferia da zona sul de
48

São Paulo. O Sarau da Cooperifa é definido por Vaz (2007) como um movimento
dos sem palco, e o mesmo conta que o Sarau instalou-se no Bar porque na periferia
não existia um centro cultural e o bar era lugar comum entre os moradores locais.

Atualmente o Bar Zé Batidão abriga também uma biblioteca e transformou-se


em um centro cultural, que entende, valoriza e divulga a literatura periférica
brasileira, e o projeto também promove o encontro de leitores e escritores, além de
divulgar a poesia nas escolas. Improvisa uma sala de cinema na laje do boteco e
abre espaço para a produção cinematográfica alternativa das quebradas. Um projeto
de sucesso, que influenciou e deu origem a quase 50 saraus, além da publicação
independente de mais de 100 livros.

Promover eventos culturais na periferia não é tarefa simples, relata Sérgio


Vaz em entrevista cedida ao Itaú Cultural e divulgada através de canal no youtube.
Para ele, propor qualquer projeto primeiramente é preciso escutar a voz da periferia
e entender de que modo ela precisa e quer ser ajudada. “Quem se propuser a
encarar essa interferência tem de fazê-la com humildade. É preciso eliminar os
atravessadores para que os protagonistas possam contar a sua própria história”.
Sobretudo, a chave do sucesso é a paixão pela poesia, pela literatura, pelo amor ao
que se faz. “Eu amo o que faço, e isso reflete nas pessoas. Eu me envolvo, vou
atrás de parcerias, consigo camisas para o time de futebol da quebrada, e a
comunidade valoriza porque percebe que a Cooperifa tem força”.

O Sarau da Cooperifa é uma realidade e um marco para a valorização da


cultura periférica, pois mesmo sem apoio financeiro mensal e sendo mantido pelas
vendas de camisas e livros o sarau conta com publicações já lançadas. São elas:
uma coletânea com 43 autores (Rastilho de pólvora: antologia poética do sarau da
Cooperifa, 2005); um CD de poesia falada (Sarau da Cooperifa) – ambos (livro e
CD) lançados pelo Instituto Cultural Itaú; cerca de 50 livros lançados por lá; e a
Mostra Cultural, realizada pela Cooperifa em parceria com outras instituições. O
Sarau da Cooperifa atrai os moradores da periferia e consegue transcender esse
espaço. Pessoas vêm de longe para assistir e se apresentar no sarau, além de
despertar o interesse de moradores da classe média e alta, pois, como os
organizadores definem, a Cooperifa transformou-se em uma grife cultural e as
49

pessoas a respeitam, permeando a relação entre as classes e levando o


conhecimento mútuo das diferenças entre elas.

As coisas não nasceram para dar certo, somos nós é que fazemos as coisas acontecerem,
ou não. Acredito que a gente tem que ter um foco a seguir, traçar metas, viver por elas. Ou
morrer tentando. Jamais queimar etapas e saber reconhecer quando é a sua hora.
O Acaso é uma grande armadilha e destrói os sonhos fracos de pessoas que se acham
fortes. Procure não passar do tempo e nem chegar antes. Preparar o corpo, o espírito,
estudar o tempo o espaço. Não ser escravo de nenhum dos dois.
Observe as coisas que interferem no seu dia e na sua noite. E saiba entender que há
aqueles sem sol e sem estrelas e que a vida não deve parar só por isso.
Seja gentil com as pessoas e consigo mesmo. E gentileza não tem nada a ver com
fraqueza, pois, assim como um bom espadachim, é preciso ter elegância para ferir seus
adversários.

(Trecho de Felicidade, Sérgio Vaz)

Sérgio Vaz é poeta da periferia, criador da Cooperativa Cultural da Periferia


(Cooperifa), autor de Pensamentos Vadios (1999), A Margem do Vento (1995)
e Subindo a ladeira mora a noite (1992). Quando se fala em movimento de reação
da periferia através da cultura e arte seu nome é referência e esta referência inspira
a criação de diversos movimentos ligados à cultura literária de periferia no Brasil, tal
qual acontece em Salvador com o Sarau da Onça que teve como uma das principais
fontes inspiradoras as atividades culturais idealizadas por Vaz e praticadas no Sarau
da Cooperifa.

O Sarau da Onça, trouxe para a comunidade de Sussuarana o movimento de


reação proposto em São Paulo por Vaz, através das poesias declamadas por
membros do Sarau, do grupo Ágape e poetas dos becos e vielas como são
chamados na comunidade. Foi estabelecido mais que um desabafo ou uma crítica
social. Os desabafos acontecem, mas em forma de rima, poesia e música. O Sarau
da Onça firmou-se como um sarau de protesto sim, porém um protesto que almeja
se mostrar em forma de cultura, enfatizando os talentos contidos na periferia.

Fazendo uma breve comparação com outro sarau de Salvador, podemos


entender essa diferença de representação cultural através do sarau. Vejamos como
exemplo o Sarau de Itapuã realizado, na Casa da música que tem o apoio da
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia. Para a sua realização, percebe-se que o
50

Sarau de Itapuã visa mostrar a diversidade cultural do bairro, enaltecendo suas


belezas naturais, artistas locais e sua cultura. Seguem indicativo de programação:

FIGURAS 7 e 8: Material de divulgação do Sarau de Itapuã e Sarau da Onça.


Fonte: Redes sociais, Facebook.com, acesso em 18 de março de 2016.

A programação do Sarau de Itapuã consiste em apresentações musicais e


teatrais levando geralmente a comédia, samba de roda, MPB e recitais de poesias.
A programação conta com temas mais leves onde não é discutido problemas sociais
ou raciais, a arte é um espetáculo. Já o Sarau da Onça distancia-se um pouco desta
realidade, pois suas apresentações tratam de temas como a violência, saneamento
básico, emprego, política, literatura de periferia, causas sociais, cultura negra,
empoderamento, entre outros assuntos. Assim, existe uma carga de protesto no
discurso empregado.

Através desta fala gostaria de marcar a diferença entre os discursos


empregados diante das diferentes realidades sociais, mostrando que um evento com
mesma nomenclatura na qual buscam difundir a cultura em suas comunidades de
forma gratuita pode ter falas distintas, porém estas falas empregadas por seus
organizadores e públicos nos dois saraus tornam-se legítimas, pois retrata a
realidade vivida por cada local e os objetivos a que se pretende atingir, ou seja, de
protestar em forma de arte ou de apresentar a diversidade cultural de uma
localidade sem carga de protesto no discurso.
51

Assim, para compreender a fala do Coletivo Sarau da Onça é necessário


entender os seus objetivos e quem os participantes representam. Ainda hoje em
nossa sociedade, existe o estereótipo de que jovem de periferia, principalmente uma
periferia composta por negros, são marginais. O preconceito sobre local de
residência e cor da pele – infelizmente ainda existe.

É contra esse preconceito e marginalização gratuita aos jovens da periferia


que o Sarau da Onça vem lutando.Com as armas da poesia, os organizadores do
Sarau o chamam de diferencial da favela e realmente, é uma dicotomia ter um sarau
de poesias e artes integradas dentro de uma comunidade antes estereotipada
socialmente como violenta, onde seus jovens em grande maioria negros são
marcados por um futuro de incerteza, pois muitos são atraídos pelo mundo do crime
que não só em Sussuarana, mas, em toda a extensão de Salvador atrai muitos
adolescentes.

E são os jovens o público que o Sarau da Onça busca atingir. A plateia é


constituída principalmente por jovens de 14 a 24 anos que através das poesias, das
encenações e da músicas passam a refletir sobre a vida cotidiana e sobre o próprio
futuro. O público do Sarau da Onça também é constituído por adultos. Muitos pais
vão acompanhar seus filhos aos saraus e através de entrevistas realizadas durante
as edições do sarau para a realização desta pesquisa pude perceber a família
presente. Foi comum ver mães e filhos, mães, pais e filhos, tios/tias acompanhando
as apresentações especialmente quando algum ente ia se apresentar.

As falas sobre famílias são constantes no Sarau da Onça, que buscam criar
no jovem um sentimento de valorização familiar. Os membros do sarau difundem
que a família é a base dos participantes e para um desenvolvimento e um bom
relacionamento desses jovens em coletividade é necessário primeiramente um bom
convívio em suas casas.

As edições do Sarau da Onça se configuram também como ponto de encontro


dos jovens locais, que sem ter muitas opções de lazer aliada à cultura dentro
comunidade, acabam esperando ansiosamente os dias de saraus. O CEPHAN se
tornou o centro de cultura de toda a grande Sussuarana onde através do Coletivo
Sarau da Onça e das atividades por ele desenvolvido tem despertado o interesse de
52

jovens e adultos por cultura, política e direito humanos, além de debater os


problemas do bairro e assuntos relevantes a sociedade.

Apesar de ser realizado dentro de um espaço cedido pela Comunidade Nossa


Senhora das Dores, da Igreja Católica do bairro e ter uma parceria com a Pastoral
Jovem (PJ) e Pastoral Afro da mesma igreja, existe uma grande diversidade religiosa
dentro do grupo e seu público. Parte dos participantes e público pesquisado dizem-
se católicos, outros são adeptos do candomblé e espiritismo e uma pequena parcela
são evangélicos.

O Coletivo Sarau da Onça se configura como uma organização sem fins


lucrativos. Para a manutenção do grupo são confeccionadas e vendidas camisas,
livros e realizada campanhas dentro da comunidade com rifas e lanches vendidos
durante os saraus, bem como ocorre as apresentações nos ônibus da cidade, na
qual os poetas declamam suas poesias e ao final das apresentações passam o
chapéu para a colaboração de quem assim desejar. O Coletivo não recebe
patrocínio do governo para as suas apresentações. O Coletivo, porém, inscreve-se
em editais de fomento a Cultura e já foi contemplado pela Fundação Gregório de
Matos no edital Arte em toda parte 2014 que originou a publicação do Livro O
Diferencial da Favela: Poesias Quebradas de Quebrada. Este livro apresenta
cinquenta poesias escritas por poetas frequentadores do Sarau da Onça e aborda
temas relacionados à realidade social da cidade, como falta de segurança pública e
de espaços de lazer, violência contra a mulher e discriminação racial.

3.1 Análise do Discurso do Sarau da Onça

O Coletivo Sarau da Onça, através de suas apresentações que reúne a


poesia do grupo Ágape; o hip-hop o rap da banda os Agentes, Guetto A, o cordel de
Sérgio Bahialista e as intervenções dos participantes do Coletivo com apresentações
de suas poesias e rimas além do microfone ser aberto ao público e todos que
sentirem vontade de se expressar tem o espaço garantido.

A programação do Sarau da Onça é composta por apresentações musicais,


teatro, poesia exibição de filmes e rodas de debates de assunto do interesse da
comunidade e da sociedade em geral. Participam membros da comunidade e
53

pessoas convidadas. Ao longo destes cinco anos de existência o Sarau contemplou


apresentações que expõe além da realidade social local, assuntos de interesse de
toda a sociedade. Fala-se sobre políticas públicas, empoderamento negro e feminino
dando vez e voz especialmente a cultura negra.

Para analisar o Coletivo Sarau da Onça e sua mediação com a comunidade é


necessário estudar o discurso apresentado e esta análise de discurso como define
Pinto, procura descrever, explicar e avaliar criticamente o processo de produção,
circulação e consumo dos sentidos vinculados a produtos na sociedade (Pinto 1999.
p.7).

A Análise do Discurso propõe-se a interpretar a linguagem em funcionamento


levando em consideração aquilo que não está visível no texto ou na fala, mas nas
entrelinhas. Portanto, analisa as estratégias de construção de um texto, oral ou
escrito, bem como seus sentidos. Cabe aqui entendermos o que é discurso, o objeto
de estudos da Análise do Discurso.

Segundo Fernandes, o discurso não é a língua ou o texto em si, mas


materializa-se neles.

Podemos afirmar que discurso tomado como objeto da Análise do


Discurso, não é a língua, nem texto, nem a fala, mas que necessita
de elementos lingüísticos para ter uma existência material. Com isso,
dizemos que discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-
se no social e envolve questões de natureza não estritamente
lingüísticas. (FERNANDES, 2005, p.20)

Para Orlandi (1999, apud FERNANDES, 2005, p. 22), “O discurso é assim


palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se
o homem falando”.

A partir desta fala de Orlandi, o discurso pode ser entendido como sendo a
visão do homem diante do mundo através de suas palavras e ideias. A oralidade é
importante para esta análise, vista que muitas palavras acabam não sendo
registradas em forma de texto. Assim, para estudar um discurso é necessário
analisar os elementos linguísticos em que ele se torna material, e esses elementos
linguísticos encontram-se no social, na relação do homem com seu contexto sócio
histórico, e eles sempre sofrem influências do meio em que estão inseridos.
54

Assim, o discurso compartilhado pelo Sarau da Onça muito tem das vivências
e experiências do contexto em que está inserido, ou seja, de sua cultura contida e
vivida por seus membros, sejam eles moradores ou não da comunidade de
Sussuarana e adjacências.

As práticas sociais é que vão determinar os efeitos de sentido que um


determinado discurso pode ter. Através das teorias da Análise do Discurso,
identifica-se que os sentidos de um discurso não são encontrados apenas nele
mesmo, é necessário recordar outros discursos que nele interferem. No caso do
Coletivo Sarau da Onça é levado em consideração discursos de ativistas sociais tais
como Abdias Nascimento, Nelson Maca, Sérgio Vaz, Gandhi,Celso Athayde, Maria
da Penha entre outros.

O discurso pode ser entendido como a linguagem em interação com a


comunidade, ou seja, a linguagem enquanto discurso não é apenas um instrumento
de comunicação, mas sim uma produção de um determinado grupo social
influenciado por uma ideologia exposto socialmente. “A palavra em movimento”.
Assim pode ser entendido o discurso, e estudar o discurso requer observar o homem
integrado em suas práticas sociais. Assim, o discurso é a linguagem produzida pelos
indivíduos em seus contextos específicos, com suas características políticas e
ideológica partindo deste ponto entende que a análise do discurso estuda não só o
sistema interno da linguagem, mas também sua formação socioideológico.

O lugar histórico-social em que os sujeitos enunciadores de


determinado discurso se encontram envolve o contexto e a situação
e intervém a título de condições de produção do discurso. Não se
trata da realidade física e sim de um objeto imaginário
socioideológico. (FERNANDES, 2005, p.28).

A partir disto, segundo o autor, para iniciar uma reflexão sobre o discurso é
necessário compreender os conceitos de sentido, enunciação, ideologia, condições
de produção e sujeito discursivo. Em Fernandes (2005, p. 29), ideologia é “uma
concepção de mundo de determinado grupo social em uma circunstância histórica”.
Assim a linguagem não é desvinculada da ideologia na qual quem a produziu está
inserido.
55

A ideologia influencia todo o discurso. Em decorrência disto todo texto


contém a concepção de mundo de quem o produziu. Brandão (1999) nos diz que a
existência da ideologia é, portanto, material porque as relações vividas, nela
representadas, envolvem a participação individual em determinadas práticas e rituais
no interior de aparelhos ideológicos concretos. Assim, a ideologia materializa-se em
atos concretos e um desses atos concretos é o discurso e o discurso se materializa
no texto. Por isso se dá a importância de ao analisar um discurso, relacioná-lo à
ideologia concebida de quem o produziu e ao lugar onde foi produzido. Para
Fernandes (2005), as condições de produção de um discurso são as interferências
que este sofre dos aspectos ideológico, social e histórico, são tais aspectos que
possibilitam a produção do discurso.

Sendo assim,

A voz desse sujeito revela o lugar social; logo, expressa um conjunto


de outras vozes integrantes de dada realidade social; de sua voz
ecoam vozes constitutivas e/ou integrantes desse lugar sócio-
histórico. [...] Compreender o sujeito discursivo requer compreender
quais são as vozes sociais que se fazem presentes em sua voz.
(FERNANDES, 2005, p. 35).

O autor relata desta forma que sujeito discursivo é um ser social, pois está
inserido em um determinado espaço ideológico e social e sua forma de expressão é
determinada pelas experiências e ideologia que o mesmo carrega.

Ao final da monografia será adicionado o material de divulgação da


programação completa dos saraus realizados em Sussuarana. Este material de
divulgação é confeccionado pelos próprios membros do coletivo que tem o papel de
produzir o evento, fazer assessoria, trabalhar na captação de recursos, divulgar e
realizar as apresentações. Nesta “família”, como os mesmo se designam, todos os
membros ajudam para a realização de cada apresentação.

Para analisar o discurso do Coletivo Sarau da Onça serão apresentados


através dos poemas que foram declamados durante as apresentações e constam
nas publicações dos livros Diferencial da Favela e A poesia Cria Asas.

A questão da identidade é altamente exaltada nas apresentações e poemas


presentes no Sarau da Onça, a valorização da cultura negra e as lutas percorridas
56

para sua preservação, enfrentamento de preconceitos e quebras de paradigmas.


Nesse põem em especifico a poetiza Maiara Silva do grupo Ágape faz a relação da
questão de identidade com a aceitação de características do próprio corpo, tal como
os cabelos, ela fala da valorização da beleza, da aceitação e do orgulho de suas
raízes, as várias lutas e a força para resistir que a população negra teve que
enfrentar e se afirmar socialmente.

Identidade Negra

Foi difícil, mas eu consegui lutei até o último momento e mostrei que resistência não é só na
pele, mas em cada fio de cabelo também e percebi que as coisas são lindas, quando elas
são naturais, pois é um processo de desconstruir pra construir, de autoafirmação, negritude,
beleza e identidade de quem sou eu das minhas raízes vindas dos poros da liberdade.

(Maiara Silva)

Este poema abre um parêntese para ser falado do movimento iniciado pelas
mulheres atualmente (homens também participam), que assumem seus cabelos
crespos e cacheados, ao invés de recorrer a processos químicos de alisamento,
esta não é simplesmente uma opção estética, por trás deste movimento existe toda
uma história e processo de aceitação e valorização da própria história.

Meu Black agride

Não cortei meu cabelo por moda, cortei o que não me pertencia, eu era apenas mais uma
contribuinte para essa sua ideologia, e não me sentia bem com o alisante me fazendo de
refém, sem perceber, estava sendo mais uma vítima desta ilusão sonhando com os cabelos
lisos e sedosos da propaganda da televisão, 10 que destrói a nossa resistência e nossa
autoafirmação, não cortei só por cortar, cortei do mesmo jeito que estou cortando o seu
preconceito com o meu turbante que lhe dá
Mas é assim... Alguns vem mi diminuir;
Outros vem agonia, desfazendo essa sua ideia vazia de que o Black foi a maneira mais fácil
de pentear e de cuidar, engano seu, meu black é lindo e agride, eu sei que agride, mas é
melhor você aceitar, porque as negras estão chegando pra incomodar...

(Carol Xavier)
57

Assim, como no trecho do poema escrito por Carol Xavier do grupo


Resistência Poética é reafirmado o sentimento de resistência e aceitação de suas
características herdadas por seus ancestrais.

Os poetas do Sarau da Onça trazem em suas apresentações o tema amor,


tratando-o muitas vezes como algo a ser alcançado. Muitos destes poemas são
tristes e falam em solidão, expectativas e sonhos, tais quais:

Flor do meu dia

Se durmo, sonho contigo, se acordo, quero te ver escrevo e me perco nos versos tentando
entender você, vejo seus olhos que brilham e me encantam a cada segundo. Nas
madrugadas que não te tenho, o silêncio é meu companheiro, você nasceu na estação das
flores, mas faz chover no coração desse guerreiro.

(Mateus Silva)

Amor?!

O que é o amor se não uma duvida constante?


Como não ser amor, se quando se cruzam, os corações ficam radiantes?
Apesar das batalhas que serão trilhadas ao longo da vida Ele ainda sim é a única forma de
curar as feridas Físicas e espiritualmente pois não há dor que dure Quando se está com
quem faz bem pra gente. Mas não quero amores vazios. Muito menos flutuante Sou muito
intenso Não sei morar em corações vazios. Evito conflitos alheios mais sou bom guerreiro
em batalhas internas. No geral, sou boa companhia para mim Então se for vim com
pretensão de não ficar. Esqueça, pode voltar.

(Sandro Sussuarana)

O Sarau da Onça se posiciona sobre os assuntos relevantes à periferia e a


violência faz parte dos assuntos mais discutidos pelo grupo, seja através das
poesias, dramatização e da música:

Zé Ninguém
58

Um disparo e dois corpos ao chão, corre-corre, e muita gritaria fazem parte de toda esta
confusão, crianças chorando, e todo mundo sem entender o que se passava e nem quem
era aquela pessoa, que tanto gritava e chorava: - Meu filho, Não!!! Ali, estirado ao chão, Um
cravado pela bala E o outro acolhido pelo desespero, de quem acabou de ver indo embora o
seu bem mais precioso.

Lá se vai José Ninguém, que morava na esquina do esquecimento, será esquecido... Mas
será lembrado nos noticiários: - Morre, na Mata Escura, José Francisco, Apontado como
mandante do tráfico na região.

Ele, que, verdadeiramente era Pedreiro, será enterrado na Quinta dos Lázaros com sua
nova profissão: Bandido!

Antes José era pedreiro e de mão cheia, Nunca foi de levar desaforo para casa, apenas
trabalho, pai solteiro e sofrido, nunca pôde ser amante, Sequer conseguiu ser marido. Suava
para poder comprar e não ter que pedir o pão. Então vieram os defensores da lei, para por
em prática seu firmamento um finado como recompensa, Sem abordagem nem
questionamento Sem conhecidos, sem documentos, 15 confundido com um traficante José
foi baleado à queima roupa, quando voltava para casa.

Na entrada da rua, próximo à esquina em que ele morava. Contudo, José tinha um sonho,
que não pôde ver se realizar Como outros, interrompido pela lei do “atira, depois aborda”
Pois no meu país, quem mata tem porte legal de Arma.

(Sandro Sussuarana)

Situações como esta relatada na poesia de Sandro Sussuarana são uma


constante nos bairros periféricos, nas comunidades, favelas e invasões. Não é raro
ouvir histórias de pessoas que foram assassinadas sem direito a defesa e sem ter
cometido crime algum. Essa poesia também apresenta uma crítica social referente à
forma em que as notícias são veiculadas pela mídia, pois pessoas inocentem
morrem, viram estatísticas e por vezes carregam uma “fama” sem culpa, de vítimas
torna-se culpados, bandidos e passam a ser, mesmo após a morte, rechaçados
socialmente. Outro fator importante é lembrar que a maioria desses “acidentes”, tiros
acidentais, perseguições e reações inesperadas por parte dos abordados acontece
nas periferias.

Existe uma poesia de Evanilson Alves que expressa todo o sentimento de


indignação e reação sobre a violência ocorrida na periferia. Essa poesia foi feita para
celebrar o dia da Consciência Negra e fala também sobre o genocídio do povo
negro. Segue a poesia:

Eu digo o que penso


E falo sem medo
59

O que não posso é compactuar


Com tal falta de respeito
São becos e vielas
São baixadas, morros e guetos
Onde se encontra a maior parte
Do nosso povo negro
É essa mesma gente
Forte e guerreira
Que dribla o sofrimento
E o preconceito
E perceba que na favela
Nem todo mundo é marginal
Pra você agir ou proceder
Da forma que bem entender
Comprometendo a vida
No ricochete das balas
Se tem o mínimo de caráter
Não finja que desconhece
E não se faça de desentendido
Pois enquanto eu tiver forças
Na luta estarei envolvido
Chega de violência!
Chega de extermínio!

Evanilson Alves

Assim como a questão da violência existente no país, na cidade de Salvador


e no bairro de Sussuarana se faz como tema de vários poemas, questões ligadas a
situação política do Brasil. Geram debates no Sarau e ao longo destes debates a
opinião do Coletivo se expressa através de poesia como ocorreu quando o assunto
em pauta foi a redução da maioridade penal, que hoje no Brasil é de dezoito anos e
existente a proposta de lei em tramitação para que seja reduzida para dezesseis
anos.
60

Um aviso aos desavisados


Que acham que a redução
Vai melhorar a situação
Que vai diminuir a criminalidade
Você acha mesmo que a solução
Ta na redução da maioridade?
A prioridade tinha que ser educação,
Não cadeias,
Mas as escolas não geram lucros
Só cidadãos.
Justificam com argumentos vazios
Reproduzindo discursos manjados
Mas quanto ao menor infrator
Já se perguntou quem realmente
São os culpados?
Que lhe tiram diariamente o direito a vida
Em troca lhe dão a fome.
Pergunta para a mãe deles
Que além de mulher,
Tem que assumir o papel de homem
Como é ter que educá-lo.

Antes de sair dizendo que a culpa


É da falta de educação doméstica
Procure saber quantas falhas
Eles tem desde o nascimento
Antes de apontar a cela
Como forma de crescimento
E pra quem não sabe por falta de conhecimento
Os crimes cometidos por menores
Não passa nem de 1 por cento
A solução necessária
Será mesmo tirar o menino da grade escolar
Pra por na grade carcerária?
Sabemos a cor dos que serão realmente afetados
É uma pena que nem todos querem enxergar
Que reduzir a maior idade
61

Pra quem nunca teve oportunidade


É o mesmo que decretar
É pobre, preto e mora na favela
Pode matar.

(Sandro Sussuarana)

A partir desta fala de Sandro, que representa a liderança do Sarau da Onça,


percebe-se que as expressões caracterizam os jovens, principalmente os residentes
em favelas e os negros. O Sarau da Onça se posiciona contra a redução da maior
idade penal justificando o fato de que a população menos assistida pelo poder
público é quem mais sofreria. Através de poesias como esta é estimulado o debate e
pensamento crítico durante as apresentações e fora do sarau, pois, as pessoas que
ali participam acabam levando a discussão para seus lares, escolas e rodas de
amigos.

Além da poesia que se faz presente em todas as apresentações do Sarau da


Onça, o rap é outro importante instrumento de comunicação durante as
apresentações. O grupo Os Agentes de Rap é um dos integrantes do coletivo. A
banda nasceu em 2003 com o objetivo de ser a representação dos sentimentos das
comunidades populares de Salvador e já dividiu palco com grandes nomes da
música como Margareth Menezes, Mv Bill, Adão Negro, Scambo, Rael, Z'Africa
Brasil, Gog, Inquérito, Terra Preta, Gasper, Banda Radiola, entre outros. Leva para o
palco canções com influência do Soul e Funk que casam com suas letras politizadas
e cheias de relatos do cotidiano da juventude brasileira, em especial aos jovens da
periferia. Ao final deste trabalho será adicionado um cd contendo uma composição
da banda os Agentes e um vídeo mostrando a apresentação do Coletivo Sarau da
Onça.

Gostaria de destacar outro dado relevante para o coletivo Sarau da Onça: a


interação dos participantes nas redes sociais. Muitos frequentadores e admiradores
do trabalho acompanham e descrevem seus sentimentos a cerca das apresentações
na Fan Page do grupo no Facebook. Assim, o público depois que participa do Sarau
da Onça, revela nas redes sociais o quanto a noite os tocou e revela, nos
62

depoimentos, a força que o universo real / simbólico da onça suçuarana tem na


elaboração identitária. Observaremos a imagem abaixo, a qual retrata um
depoimento de uma jovem logo após esse evento:

FIGURA 9: Imagem Print Screen do depoimento de um jovem participante do Sarau da


Onça, em uma rede social. Acesso em 12 de abril de 2016.

O depoimento de Carol Xavier, indicado com uma sete será transcrito:


“Pocha, como agradecer ao Sarau da Onça ein? Bom, O Sarau da Onça foi uma das
maiores influências além do Grupo Ágape pra minha evolução, foi com vocês que
descobri a liberdade de expressão, que eu aprendi que negro é negro e moreno é
inexistente, que eu me sentia vontade pra libertar minha negritude, me mostrou que
não existe essa de cabelo ruim, me incentivou a mostrar o poder que o
empoderamento tem, que devemos ser nós pó nós e não deixar que ninguém cale a
nossa voz, cabeça erguida, pé no chão e vamos sempre a luta.”

Este é um depoimento que retrata a importância social que a cultura tem na


vida de um indivíduo, pois retrata um sentimento de agradecimento experiências e
crescimento pessoal obtido através da literatura e das artes. Em geral, mostra o
discurso que poderia ser proferido por muitos jovens participantes do Sarau e
residentes na periferia que aprenderam a se aceitar a ter orgulho de suas origens.
63

CAPITULO IV

MEDIAÇÃO SOCIAL ENTRE O GRUPO E A COMUNIDADE

Ao estudar a produção de comunicação e cultura, as contribuições contidas


na obra do espanhol Jesús Martín - Barbero é um dos mais importantes aportes
teóricos. Sua proposta de passar dos meios às mediações forneceu subsídios para
pensar a recepção fora do diagrama da teoria da informação.

A partir da abordagem Martín Barbero, permite-se trabalhar a ideia de cadeias


envolvendo produtores, produtos e receptores, compreendendo deslocamentos de
significados entre as instâncias envolvidas. Assim, a ênfase se desloca da produção
para a recepção social.

O eixo epistemológico condiciona cultura à comunicação, e comunicação à


cultura. A comunicação é então processo, simultâneo e co-depentente das
formações culturais. O desafio aparece com toda a sua densidade no cruzamento
dessas duas linhas de renovação -- que inscrevem a questão cultural no interior da
política e a comunicação, na cultura (Martín-Barbero, 1997, p.299).

Assim, o conceito de mediação compreende toda a gama de relações e


intersecções entre cultura, política e fenômeno comunicacional. Especialmente, as
mediações se referem às apropriações, recodificações e resignificações particulares
aos receptores. Outra hipótese importante é que produção, recepção, meio e
mensagem só podem ser pensados como um processo contínuo -- as mediações --
posição de onde é possível compreender o intercâmbio entre produção e recepção.

A recepção assume formas de resistência insuspeitas, e a irradiação


unidirecional dos meios de comunicação sofre apropriações de significado inauditas.
No invisível da trama social, as classes populares se vingam secretamente (Martín-
Barbero, 1997, p.318). Martin-Barbero pensa em uma negociação de sentido entre
diferentes blocos sociais, uma movimentação político-cultural que as teorias da
informação não podiam ver.

Trazendo a questão da mediação social para o objeto de estudo desta


pesquisa, o Coletivo Sarau da Onça, através das premissas apresentadas por
64

Barbero, a mediação social também pode ser compreendida como um processo de


reflexão e compreensão da realidade para a sua transformação, por meio da criação
e do fortalecimento dos laços sociais.

Flávia Beleza (2009), em sua dissertação afirma que a mediação social


trabalha como uma engrenagem em que por meio das reflexões e ações coletivas
há uma criação de laços sociais que proporciona um comprometimento coletivo com
o futuro. Nesse sentido, a mediação social possui três objetivos: 1) fomentar a
comunicação na sociedade, fazendo circular a informação; 2) fortalecer o vínculo
social e contribuir para a integração de certas populações excluídas; e 3) contribuir
para o controle e prevenção da violência.

Diante da afirmação apresentada por Beleza (2009), O Coletivo Sarau da


Onça pode ser perfeitamente acolhido nesta definição, pois em primeira instância o
Coletivo é um mecanismo de comunicação social. Inicialmente circulava apenas
dentro da comunidade de Sussuarana e hoje tomou proporções maiores, sendo
conhecido e reconhecido socialmente como uma ação cultural que difunde por meio
das artes informações sobre a comunidade de Sussuarana e a vida na periferia.

O segundo ponto defendido por Beleza, diz respeito ao fortalecimento do


vinculo social, outro fato que ocorre através do Coletivo, que estabelecendo o
debate, criando um ambiente onde a população se vê representada e pertencente
consegue unir os participantes em prol de uma mesma causa, gerando a integração
social de pessoas que moram no mesmo bairro, não se conhecem, porém estão
juntas no mesmo ambiente e em dado momento acabam interagindo e
estabelecendo novos laços.

Quando se fala em “certas populações excluídas” mais uma vez é possível


convocar o Coletivo Sarau da Onça que está relacionado principalmente a uma
população carente de atividades culturais e socioeducativas. As periferias, como
falado no primeiro capítulo desta monografia, sofrem pela falta de equipamentos
culturais e acabam se distanciando das atividades relacionadas à cultura. Esse
distanciamento, muitas vezes, não é por falta de vontade e sim por falta de
oportunidade de participação da população.

Ainda sobre o objetivo de contribuir para a integração de certas populações


excluídas, Beleza (2009) mostra que a mediação social se impõe dentro da esfera
65

política da sociedade, para revelar as novas necessidades da população, e também


para resolver as disfunções do serviço público, no sentido de contribuir para a sua
modernização e evolução.

O terceiro ponto registrado por Beleza (2009), fala sobre a contribuição para o
controle e prevenção da violência. Este é um ponto muito importante a ser atribuído
e mencionado como característica do Coletivo Sarau da Onça, pois a comunidade
de Sussuarana é marcada pelo estereótipo de violência e marginalização,
estereótipos este, pertencente à grande maioria dos bairros situados nas periferias
das grandes cidades.

Desta forma, se faz necessário reafirmar que uma das principais inspirações
para a criação deste coletivo foi a vontade de mudar o quadro de violência a que a
comunidade de Sussuarana estava inserida. Os idealizadores do coletivo buscavam
através da arte conscientizar principalmente aos jovens sobre os perigos da
marginalização. Através das intervenções artísticas realizadas pelo Coletivo e as
apresentações no evento Sarau da Onça, os participantes passaram a refletir sobre
a realidade social a que estavam submetidos e através desta reflexão buscar
soluções de melhorias para a comunidade e para si mesmo.

Os laços sociais tendem a ser estendidos uma vez que, a comunidade está
reunida em busca de um objetivo comum. Existe o comprometimento por parte do
coletivo em realizar as ações voltadas para a cultura, educação e cidadania e do
outro lado, por parte da plateia, o comprometimento é implícito, fornecer informações
que ajudarão na produção de conteúdo para o grupo, assim Raymond Williams
(1969) diz que a arte pode ser considerada como um reflexo não das “meras
aparências”, mas da “realidade” por trás delas: a “natureza interior” do mundo, ou
suas “formas constitutivas”.

Através da análise do discurso do Sarau da Onça, foi possível estabelecer a


relação do Sarau com a realidade social do bairro de Sussuarana, e através da fala
de Williams é comprovado que estas expressões artísticas são produto não de
meras representações e aparências e sim da realidade vivenciada pela comunidade.

Desta maneira, podemos pensar na recepção dos conteúdos abordados no


Sarau por sua plateia da seguinte forma: as pessoas que vão aos saraus realizados
em Sussuarana – a plateia constitui-se em grande maioria por moradores da região
66

e adjacências – se veem representados socialmente. Os conteúdos que são


retratados por meios de canções, poesias, encenações e debates fazem parte do
cotidiano dessa plateia, eles entendem e sentem-se ouvidos.

Então assim, se dá a mediação, pois existe uma troca de experiências. O


coletivo precisa da plateia para manutenção e criação de seu repertório, pois as
falas são direcionadas para o público. Este busca ser parte, estar inserido no
contexto do sarau, e esta inserção se dá através desta troca de informações que
oferece subsídios para a criação artística. A linguagem utilizada no sarau é simples,
de fácil entendimento e toca aos que são representados por suas falas.

FIGURA 10: Plateia durante apresentação do Sarau da Onça em 27 de outubro de 2014.


Fonte: www.facebook.com/photo.php, acesso em 28 de janeiro de 2015.

4.1 Atuação do Coletivo Sarau da Onça

O Coletivo Sarau da Onça atua em Sussuarana desde o ano de 2011,


realizando o projeto Sarau da Onça que ocorre aos sábados quinzenalmente. O
67

Coletivo é constituído por agentes culturais da comunidade, estudantes de


comunicação e serviço social, escritores e artistas locais.

A principal ação do Coletivo Sarau da Onça é a realização dos saraus dentro


da comunidade, porém existem outros projetos executados pelo Coletivo e por seus
membros, bem como a atuação do coletivo em ações que divulgam e discutem a
cultura da periferia no estado e em encontros nacionais, tal qual ocorreu no Evento
Internacional Emergências, voltado para discutir, cultura, política e diversidade
realizado em dezembro de 2015, no Rio de Janeiro.

O Coletivo Sarau da Onça realiza anualmente em Sussuarana, a Marcha


contra a violência e Extermínio de Jovens, conhecida no bairro como Marcha da
Paz. O objetivo é preservar a juventude da comunidade, no qual os jovens se
perdem no crime, no tráfico, mostrando a eles que precisam saber a importância que
têm para a sociedade e que existem outras possibilidades no futuro deles, explica
Sandro Sussuarana (2016).

Jovens que foram assassinados são lembrados durante o percurso, em 2015.


Os nomes Geovane, Amarildo e Douglas foram escritos em cruzes carregadas
durante todo o trajeto. Sandro Sussuarana (2016) esclarece que são casos de
periferias distantes, mas muito próximos da realidade de Sussuarana, que vê os
jovens serem exterminados diariamente, “seja na bala”, seja na discriminação social,
seja por não poder entrar na faculdade, por não ter educação de qualidade ou um
posto de saúde. Ele completa falando que isso acontece em todo o país. O povo
negro é um só, e o povo brasileiro também, que esta caminhada existe por todos os
Geovanes e Amarildos que ainda serão enterrados.

A partir do Sarau da Onça o coletivo realiza Slam da Onça, evento anual que
já conta com quatro edições. O Slam consiste numa batalha poética com o objetivo
de incentivar, valorizar e disseminar arte e cultura em bairros periféricos da capital.
Para participar da batalha poética, os interessados apresentam textos autorais com
tema livre.

O Slam é dividido em três fases, tendo como ponto de partida as oitavas de


final com todos os participantes. A segunda fase é uma disputa entre os cinco
melhores concorrentes. Na final, apenas três componentes se apresentarão para
uma banca de cinco jurados, e, aquele que apresentar o melhor poema, será o
68

grande campeão e leva para casa prêmios como camisas, bonés, shorts, livros e
CDs de parceiros do projeto.

FIGURA11: Divulgação do Slam da Onça.


Fonte: www.facebook.com/sara.da.onca/photos, acesso em 12 de janeiro de 2015.

Através do Edital Arte em Toda Parte da Fundação Gregório de Matos no ano


de 2014, foi realizado o I Festival de arte, cultura e concurso literário de poesia
Sarau da Onça. Inicialmente, foram escolhidos dois poemas de cinquenta autores
soteropolitanos, formando uma antologia. O lançamento da obra aconteceu no
recital do Sarau da Onça, que contou com a apresentação dos escritores, recitais e
leitura dos textos. Este recital foi parte integrante do I Festival de Arte, Cultura e
Concurso Literário Sarau da Onça, com uma ampla programação, envolvendo sarau
poético, apresentação de grupos culturais do bairro, homenagem a personalidades
negras, apresentações de grupos de hip-hop e realização de oficinas de teatro,
capoeira, dança e hip-hop.
69

FIGURA 12: Divulgação do Festival de Arte e Cultura.


Fonte:www.facebook.com/sara.da.onca/photos, acesso em 12 de janeiro de 2016.

O Grupo Ágape faz parte do coletivo Sarau da Onça e foi criado a partir de
um grupo de amigos que pretendiam tornar suas vivências e assuntos aos quais
achavam interessantes em poesias. O grupo leva a poesia para alunos de escolas
públicas e privadas.

O grupo conta com 12 integrantes e iniciou suas apresentações nas igrejas


do bairro e em seguida no Sarau da Onça, em dezembro de 2015, foi lançada sua
primeira antologia poética intitulada A poesia cria asas, que tem sido o carro chefe
das apresentações do grupo.

De acordo com Evanilson Alves, um dos poetas do coletivo, o grupo fundado


em 2011, mesmo ano que o Coletivo Sarau da Onça, tem como proposta despertar
pensamento crítico na conduta social dos alunos a partir da arte. “Por nossos textos
serem feitos a partir de uma linguagem fácil e bem próxima a juventude, e também
por sermos jovens entendemos que as mensagens de conscientização chegam mais
rápido para os alunos”, afirma.
70

Além das apresentações nas escolas, o Ágape desenvolve oficinas de poesia


e interpretação em instituições da rede pública e privada, atividades que de acordo
com o poeta são capazes de auxiliar o rendimento escolar e deixar os alunos
conectados com temas de interesse público de forma lúdica e de fácil acesso.

Com a produção dos poemas e poesias, ou mesmo com a leitura, os


admiradores dessa arte, ampliam o conhecimento sobre diversos
temas, melhoram sua escrita e assimilam melhor as matérias.
Nossos versos falam do cotidiano, sobre assuntos pertinentes da
nossa sociedade, sobretudo sobre as questões raciais, desigualdade
social, família, política, educação, valorização da mulher e identidade
(ALVES, Evanilson. Arte e educação do Jornal – A Tarde2015).

FIGURA 13: Apresentação do grupo Ágape em escola pública.

Fonte: http://educacao.atarde.uol.com.br/?tag=grupo-agape, acesso em 15 de abril


de 2016.

Os Agentes é uma banda que vem se destacando no cenário do hip hop


baiano. Seus integrantes fazem parte do coletivo Sarau da Onça e de grupos que
trabalham para a mobilização sociocultural de jovens e adolescentes das periferias
de Salvador.
71

A Banda que nasceu em 2003 com o objetivo de ser a representação dos


sentimentos das comunidades populares de Salvador,é um dos grupos responsáveis
pela movimentação do Hip Hop em Sussuarana. O grupo é responsável pela
realização do projeto Hip Hop na Onça, Baile Black House e o evento Pega visão,
em Sussuarana.

FIGURA 14:Grupo de Os Agentes.

Fonte: http://www.polifoniaperiferica.com.br, acesso em 26/08/2015

O projeto Hip Hop na onça tem atualmente dez edições realizadas e fruto dele
foi realizado um documentário chamado de Hip Hop na Onça - Nos palcos da vida,
que conta a história do grupo lançado em 2003 e narra as experiências ao longo das
edições do evento falando sobre a programação do evento que conta com oficinas a,
sarau, seminário, cinemas nas ruas do bairro e música.

4.2 A Sussuarana e suas Onças

De acordo com Paiva e Sodré (2008), toda produção comunitária parte de um


pressuposto político, de um conjunto de demandas sociais, podendo possuir alguns
viés como: ecologia, educação, resgate da memória de uma determinada população,
cultural, entre outros.

A produção comunitária é feita pelos próprios moradores de determinada


sociedade e pode surgir devido ao reconhecimento coletivo de uma insatisfação
72

coletiva. Sendo assim, são apresentadas formas de comunicação e veiculação da


mesma. No Coletivo Sarau da Onça, por exemplo, a comunicação é feita
primeiramente através da oralidade, onde as rimas e os versos são apresentados
pelos poetas, e além da oralidade a internet e o intercâmbio com outros grupos são
formas de disseminar as ideias do grupo.

A insatisfação diz respeito à geração de mensagens que possam


efetivamente intervir no quotidiano das populações. Desta maneira, a
informação comunitária é batizada a curto prazo pela geração de
material informativo debruçado sobre aspectos muito próximos da
vida quotidiana das pessoas. Como projeto a longo prazo, os
veículos dispõem-se a intervir formativamente, possibilitando um
novo olhar sobre a realidade daqueles que representa. (PAIVA E
MUNIZ, 2008, p. 05)

Assim, ocorre em Sussuarana. As mensagens geradas são fruto do meio


social e cotidiano que o grupo está inserido, existe o olhar sobre o cotidiano do local
a partir das experiências de seus participantes.

Nas grandes periferias urbanas é possível encontrar expressões de culturas


que são elaboradas seguindo outra lógica que não a do consumo e da mercadoria.
O Coletivo Sarau da Onça é um exemplo deste modelo. Conforme destacado por
Nogueira (2005), o interessante nessas manifestações é a relação que os
movimentos político-culturais têm nelas, sendo que, muitas vezes, no caso do
movimento do povo e da cultura, principalmente da negra, essas manifestações são
partes inseparáveis das práticas mais propriamente “políticas. O mesmo se aplica ao
Coletivo Sarau da Onça, que por meio de sua organização, cria seus próprios
mecanismos de projetos e de sociabilidade.
73

FIGURA 15: Imagem dos organização do Coletivo.


Fonte:https://www.facebook.com/sara.da.onca/photos, acesso em 10 de abril de 2016.

Neste capitulo intitulado de Sussuarana e suas Onças será apresentado o


perfil dos agentes culturais de Sussuarana. O capítulo foi intitulado desta maneira a
fim de relembrar o significado que a Onça Suçuarana tem no imaginário dos
moradores do bairro. Apresentá-los como onças remete à garra e a força deste
animal – que representa os moradores locais- além, mostrar-los como filhos e frutos
da comunidade que buscam através da arte e cultura apresentar novas perspectivas
a juventude da comunidade que residem.

Ao falar do Coletivo Sarau da Onça, o primeiro nome a ser lembrado é o de


Sandro Ribeiro, conhecido na comunidade como Sandro Sussuarana. Sandro é um
dos idealizadores do projeto Sarau da Onça, é agente cultural, poeta e articulador de
jovens do bairro de Sussuarana, tem participação em várias atividades culturais da
cidade do Salvador como: Ações Poéticas nas Comunidades do MAM (Museu de
Arte Moderna) e na comunidade de Novos Alagados (Uruguai). Atuante no projeto
Hip Hop e é um dos idealizadores do Projeto Perife’Art projeto realizado em 2008 no
bairro de Sussuarana.

Coordena o Pôr do Sol do Sarau da Onça (Pôr do Sarau), evento que


acontece a cada 40 dias em pontos estratégicos da cidade do Salvador, com a
missão de levar a Poesia para todos os cantos da cidade, ao mesmo tempo em que
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se contempla uma das mais belas paisagens que é o Pôr do Sol, cuja primeira
edição aconteceu em 16 de fevereiro de 2013 no Farol da Barra. Em 2014, Sandro
iniciou o projeto Sarau da Laje voltado para jovens de 7 a 15 anos, cuja função é
apresentar a poesia como forma de sociabilidade e educação.

Outro nome importante a ser relacionado como agente cultural de Sussuarana


é Evanilson Alves que além de ser um dos idealizadores do Coletivo Sarau da Onça
é criador também do Grupo de poesia Recital Ágape, conhecido como “o poeta do
gueto” sem meias palavras ou rodeios, a atitude é a sua marca registrada nos
versos e poesias.

Evanilson, além de poeta e agente cultural é músico e integrante da banda de


Hip Hop Gueto A, que expressa através das suas canções o cotidiano das periferias,
onde as letras buscam uma reflexão e desabafo.

Brenda Gomes, jornalista em formação pela Faculdade Unime, atua como


assessora e produtora do Coletivo. Engajada em causa sociais e militâncias em prol
da igualdade social, direitos humanos e feminismo, ela define que o convívio com o
Coletivo Sarau da Onça a fez enxergar o mundo de uma forma mais ampla, reagindo
diante de situações que a mesma considera injustas e buscando através da
educação e socialização de jovens a inclusão social.

Maiara Silva, é poetiza, membro do grupo Recital Ágape e estudante de


serviço. Suas poesias retratam as experiências da mulher negra na sociedade,
experiências estas que ela também comunga, a afirmação da identidade, a
aceitação de si e o empoderamento feminino e negro.

Mateus Silva, suas poesias falam de amor. Mateus fala para os jovens de
Sussuarana sobre sonhos, desejos e seu tema recorrente é o amor, sendo
conhecido entre o grupo como o poeta dos apaixonados.

"Vejo seus olhos que brilham e me encantam a cada segundo,admito


que o seu sorriso é a maior inspiração do mundo . Nas madrugadas
que não te tenho o silêncio é meu companheiro, você nasceu na
estação das flores mas faz chover no coração desse guerreiro."
Mateus Silva (2014)

Josival Andrade Santos Filho, o Jasf é músico, poeta, cantor, articulador


cultural e fundador do Grupo de hip hop, Os Agentes. Ele um dos principais nomes
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lembrado em Sussuarana quando se fala em Hip Hop sendo responsável pela


organização dos eventos ligados ao gênero na comunidade.

Jasf, trabalha com Ong’s voltadas para adolescentes em Salvador e ministra


palestra sobre sociabilidade e oficinas de música. Dando ênfase nas aulas no
gênero hip hop e rap, com o Grupo Os Agentes, ele tornou-se produtor musical e
passou também a fazer roteiros e gravações dos videoclipes do grupo, assinando a
direção dos clipes e a autoria da maioria das composições gravadas pela banda.

Sérgio Ricardo Santos Silva, apresenta-se como Sérgio Bahialista – pois é


paulista de nascimento e baiano de coração . É mestre em educação pela
Universidade do Estado da Bahia, pesquisador e participante ativo do Coletivo Sarau
da Onça, amante da literatura e da arte do cordel. Ele atua como poeta e escritor,
além de realizar na escola Municipal da Nova Sussuarana trabalho de educação por
meio da literatura com as crianças da comunidade.

Em Sussuarana existem outras pessoas responsáveis pela produção cultural


local que comungam ideais similares às dos membros do Coletivo Sarau da Onça
citados acima, mas, neste primeiro momento da pesquisa, não seria o objetivo listar
e traçar um perfil de todas as pessoas que contribuem para a produção cultural
local.

Porém acredito que se fez necessário para o fechamento desta pesquisa


apresentar e nomear articuladores da cultura que vêm se destacando e através
deles poder representar os demais integrantes do grupo, pois cada participante tem
seu grau de importância para a realização e manutenção das atividades do Coletivo
Sarau da Onça.

Neste capítulo as “onças” que foram mencionadas representam todo o


coletivo: Sandro como líder nato e coordenador das ações do grupo, Evanilson,
Mateus e Maiara como representantes da poesia através do grupo Recital Ágape,
Brenda que coloca seu conhecimento acadêmico representando os jovens que
estudam, trabalham e batalham em prol de um futuro melhor, mas que não se
esquecem de olhar para suas origens, buscando contribuir para a melhoria da
comunidade.
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Jasf, a onça representada através da música que busca externar os


sentimentos dos excluídos e Sérgio Bahialista que representa os educadores, que
lutam pela preservação da identidade e das artes de seu povo, Sérgio que trás
consigo a luta pelo ensinamento do cordel e da literatura como forma de inserção
social. Assim, através destes sete mobilizadores sociais é apresentado um mine-
perfil dos agentes culturais existentes e atuantes na comunidade de Sussuarana.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise do Coletivo


Sarau da Onça e como ocorre a mediação entre o grupo produtor e a comunidade
residente no bairro e região. Além disso, permitiu a compreensão da formação do
discurso apresentado durante os Saraus da Onça.

Esta é uma pesquisa que nos admite avaliar como a produção cultural tem
sido latente nas periferias. O estudo de caso foi realizado em Sussuarana, no
entanto, em outras comunidades da cidade de Salvador o cenário cultural também
movimenta-se, desta forma, a inserção do tema na Academia é de suma
importância, tendo em vista que a Universidade deve dialogar com a comunidade,
seja ela acadêmica ou não.

Ao longo da pesquisa, o Coletivo Sarau da Onça mostrou-se diretamente


ligado às questões relativas ao bairro e aos moradores, sua existência e
manutenção dão-se devido à troca de informações mesmo que implícitas entre o
público e os integrantes. A geração de conteúdo e o repertório do grupo são
intimamente ligados às características da plateia.

Ficou clara a representação social através da arte que é apresentada em


forma de música, rima e encenações durante as apresentações do Coletivo.

O público participante identifica-se e junto ao grupo partilham de vivências


próximas. O repertório do grupo baseia-se na cotidianidade e essa cotidianidade
permite a troca de experiências entre o grupo e a comunidade. Não há distinções
entre artista e público, eles são pares, “um se alimenta do outro”, um fornece
informações para alimentar o repertório do outro. Ou seja, podemos pensar que a
plateia é o combustível para o enredo das atividades produzidas pelo Coletivo Sarau
da Onça.

Outro fator que pude notar ao longo da pesquisa com o grupo e a comunidade
é que através desta visão de “si mesmo”, as pessoas passaram a valorizar a própria
cultura. Através da identificação, cresce o sentimento de pertencimento ao local e
desperta o orgulho de pertencer a uma comunidade que gera conteúdo positivo
mesmo diante de situações adversas. O público que frequenta as atividades
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desenvolvida pelo Coletivo, demonstra orgulho de ser parte da comunidade de


Sussuarana.

O trabalho foi realizado inicialmente através de estudo bibliográfico que teve


como objetivo entender a formação das periferias e da cultura periférica. A partir daí
foi realizado o recorte na comunidade de Sussuarana e analisado especificamente o
Coletivo Sarau da Onça.

Esta análise aconteceu através da participação como observadora (plateia)


nos saraus e atividades realizadas pelo grupo. Este acompanhamento vem sendo
realizado desde o ano de 2011 e a partir de 2014, quando comecei a maturar a ideia
de ter o Coletivo como objeto de estudo desta monografia, passei a interpretar o
discurso empregado e a importância da mediação entre o grupo e a comunidade.

Devido à importância do tema, torna-se necessário o desenvolvimento de


projetos que contemplem o estudo das medições sociais em outras comunidades.

Por fim, concluo que, através deste estudo realizado em Sussuarana as


relações estabelecidas dentro de uma comunidade que possui projetos que unam
arte, cultura e educação conseguem resgatar a autoestima local, melhorar a
sociabilidade, principalmente dos jovens, pois, estão em formação e contribuir para
interação social dos moradores.
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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WILLIAMS, RAYMOND. Cultura e sociedade – 1780-1950. São Paulo: companhia


editora nacional, 1969
82

8. ANEXOS OU APÊNDICE

ANEXO 1: Lançamento do Livro Diferencial da Favela.


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ANEXO 2:LOGOTIPO SARAU A ONÇA

ANEXO 3: POESIA SOBRE A CONSCIÊNCIA NEGRA.


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ANEXO 4: MATERIAL DE DIVULGAÇÃO SARAU DA ONÇA.


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