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ISSN 0104-9321-30
Periodicidade semestral
1a edição 2010
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www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista
APRESENTAÇÃO ............................................................................................. 9
ARTIGOS
ENTREVISTAS
DOCUMENTO
RESENHAS
Che Guevara: uma chama que continua ardendo [Michael Löwy.................... 135
& Olivier Besancenot]
Fabio Mascaro Querido
APRESENTAÇÃO
Em 2009, Crítica Marxista completou quinze anos de existência, durante os
quais ocorreram mudanças em seu trabalho editorial: na composição do comitê
e do conselho editorial, no projeto gráfico e de editoras que nos publicavam. No
entanto, fundamentalmente, a revista permaneceu coerente com os objetivos que
justificaram sua criação, de tal modo que o Manifesto publicado no número 1 da
revista, em suas linhas básicas, continua válido e ainda orienta nossa atividade
editorial.*
Por conta desta data especial, realizamos um levantamento sistemático e ela-
boramos um breve estudo da produção editorial da revista. Durante este período
Crítica Marxista publicou 29 números que contêm 447 matérias, assim divididas:
171 Artigos, 68 Debates/Dossiês, 11 Entrevistas, 35 Comentários, 3 Apresenta-
ções de artigos, 6 Documentos e, finalmente, 153 Resenhas. A média de matérias
publicadas é de 15,4 por número, embora, nos últimos anos, deva ser destacado
o crescimento do número de textos publicados.
Procuramos, também, classificar as matérias publicadas por temas, cujo resul-
tado é o seguinte: 41% tratam da “teoria marxista”, 32% são de “crítica política
e ideológica; 15% têm como tema “questões do socialismo”, 10% versam sobre
“cultura política” e 2% sobre “ecologia”.** Outra informação relevante refere-se
à origem dos autores: 70% deles são nacionais e 30% estrangeiros; por sua vez,
* www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/historico.html.
** Os dados completos de nossa produção editorial nestes 15 anos podem ser acessados na página
da revista: www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista.
Apresentação • 9
ARTIGOS
A atualidade da
Economia Política
marxista*
ALFREDO SAAD FILHO**
Quando comecei a ler O capital pela primeira vez, há muitos anos, esperava
que o livro me revelasse os segredos do capitalismo mostrando coisas que, a
princípio, não poderia nem imaginar. Implicitamente, eu estava tratando O capital
como um livro de profecias.
Claro que isso é errado. A Economia Política marxista não oferece segredos
aos seus iniciados. O que ela oferece são conexões entre aspectos da realidade
que outras teorias sociais tendem a analisar separadamente. Usando a Economia
Política Marxista é possível perceber relações sistêmicas entre as sociedades,
dentro de cada sociedade e, através da história, tal utilização permite a explicação
da existência das classes, da exploração, do progresso técnico, do imperialismo,
do neoliberalismo e de toda uma série de estruturas, processos e relações que
não são imediatamente evidentes. Em contraste, teorias ortodoxas (por exemplo,
a economia neoclássica) utilizam modelos discretos construídos com conceitos
intercambiáveis, como “bloquinhos de lego”, como se a realidade fosse uma
aglomeração de elementos ligados apenas externamente e de forma contingente.
Isso limita analiticamente essas teorias, tornando-as pouco interessantes.
* Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no VI Colóquio Internacional Marx-Engels,
organizado pelo Cemarx/Unicamp em novembro de 2009.
** Departamento de Estudos do Desenvolvimento (SOAS), Universidade de Londres (e-mail: as59@
soas.ac.uk).
3 Para resenhas críticas da literatura, ver Fine e Saad Filho (2010; 2002). A análise seguinte baseia-se
nas conclusões desses estudos.
A Economia Política (…) é a ciência das leis governando a produção e a troca dos
meios materiais de subsistência na sociedade humana… As condições nas quais
as pessoas produzem e trocam variam entre os países e, em cada um deles, entre
as gerações. A Economia Política (…) não pode ser idêntica para todos os países
e épocas históricas (…) A Economia Política é, portanto, uma ciência histórica.
(Engels, 1998)
4 O exemplo clássico desse deslize é oferecido por Warren (1980). Para uma crítica, ver Kiely (1995).
Introdução
O processo de internacionalização do capital, ocorrido nas últimas décadas,
tem suscitado uma série de questionamentos sobre a operacionalidade e a validade
de certos conceitos, noções e categorias utilizados na explicação dos fenômenos
sociais contemporâneos. Esses questionamentos são fruto de um novo modismo
teórico-político: o modismo neoliberal e suas variações específicas. Por meio
da apologia do livre mercado, da livre iniciativa individual e do Estado mínimo,
o modismo neoliberal procura difundir as “teorias” que engendra – do fim das
ideologias, da história, das classes sociais, do imperialismo e do Estado nacional
– e refutar enfaticamente as análises críticas do capitalismo, em especial as do
capitalismo neoliberal.
O que nos chama a atenção é que esse modismo influenciou, inclusive, o
“espectro anticapitalista”, tendo levado algumas análises críticas do capitalismo
a assimilar – mesmo a contragosto – elementos centrais da ideologia da globali-
zação ou da “teoria neoliberal da globalização”1 ao caracterizarem o capitalismo
contemporâneo.
* Agradecemos a Andréia Galvão, Patrícia Trópia, Sonia Martuscelli e Tatiana Berringer pelos co-
mentários e críticas que fizeram às primeiras versões deste texto.
** Professor da Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS) e doutorando em Ciência Política pela
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (e-mail: daniloenrico@yahoo.com.br).
1 A expressão “teoria neoliberal da globalização” foi empregada por Borón (2002).
Primeiro, a burguesia perde seu caráter setorial: ela deixa de ser industrial ou co-
mercial ou bancária etc. para converter-se em burguesia “global”, cuja característica
principal é o fato de ela manter seu capital sob a forma financeira e investido em
múltiplas atividades. Segundo, a burguesia também aplica (especialmente através
do mercado de títulos) seu capital em diferentes países e assim se internacionaliza.
(Miglioli, 1996, p.142)
diferentemente dos capitalistas dos velhos tempos, que eram proprietários diretos
de suas empresas [...], os atuais capitalistas (principalmente médios e grandes)
diversificam a aplicação de seus capitais em ações de sociedades anônimas em
diferentes setores ao mesmo tempo, de modo que deixam de ser rurais, comerciais
etc. e se tornam capitalistas multissetoriais; cria-se assim uma burguesia unificada,
isto é, não fracionada setorialmente, em que todos seus membros têm interesses
em todos os setores ao mesmo tempo. (Miglioli, 2006, p.18)
3 O conceito de bloco no poder foi elaborado por Poulantzas (1972) para designar a unidade
contraditória dos interesses das frações burguesas sob a dominância de uma das frações (a fração
hegemônica). Sob essa perspectiva, o Estado burguês não pode atender igualmente aos interes-
ses de todas as frações burguesas. A implementação da política estatal favorece os interesses de
determinadas frações em detrimento de outras. Ademais, observamos que, ainda que Poulantzas
restrinja a aplicação do conceito de bloco no poder às formações sociais capitalistas, concordamos
com Saes (1985, p.93-5) quanto à possibilidade de se aproveitar esse conceito para a análise dos
processos políticos nas formações sociais pré-capitalistas.
4 A concepção de Estado capitalista como organizador dos interesses políticos das frações burguesas
encontra-se desenvolvida sistematicamente em Poulantzas (1972). Nessa obra, Poulantzas emprega
o conceito de fração hegemônica, já aludido antes (ver nota 3), para designar a fração burguesa
que teria seus interesses priorizados pela política estatal. O autor também faz alusão à existência
de uma única fração de classe que exerceria hegemonia no bloco no poder. Consideramos, no
entanto, imprecisa a ideia de uma única fração exercendo hegemonia. Entendemos que a hege-
monia política possui um caráter compósito, podendo combinar uma diferenciação interna da
classe ou fração hegemônica, em termos de escala do capital (grande, médio e pequeno), e uma
diferenciação segundo a função do capital (industrial, comercial e bancário), formando, assim, um
“sistema hegemônico” (Saes, 2001) ou um “núcleo hegemônico” (Farias, 2009).
5 É curioso notar que não são poucos os autores atualmente afetados pela síndrome da novidade:
enquanto muitos sustentam a tese segundo a qual a multifuncionalidade do capital é um fenôme-
no novo no capitalismo, no campo dos estudos da classe trabalhadora não são raras as análises
que defendem o argumento de que a heterogeneidade da classe trabalhadora seria supostamente
um fenômeno típico do capitalismo contemporâneo, quando, na verdade, trata-se de um aspecto
estrutural da constituição dessa classe.
(...) o capital estrangeiro totalmente externo, mas com interesses internos (ação
externa/interna); o capital estrangeiro internalizado (atua como capital local, mas
envia dinheiro para a matriz); e o capital associado (nativo e estrangeiro, como no
modelo joint ventures). (Farias, 2009, p.89)
1 É importante destacar que uma parcela dos artigos jornalísticos publicados originariamente com
o nome de Marx, foi, na verdade, escrita por Engels. Entre estes podemos enumerar o conjunto
publicado em 1851-1852 no jornal New York Daily Tribune e publicado sob o nome de Revolução
e contra revolução na Alemanha por Eleanor Marx Aveling, em 1896.
2 Como veremos na sequência, desde o início do século XX foi desenvolvida uma intensa atividade
editorial de publicação da correspondência de Marx e Engels. É necessário destacar a particular
importância, manifestada em diferentes momentos de sua obra, atribuída por Lênin a essa correspon-
dência. Para mais informações, consultar os comentários de V. I. Lênin (1976), a correspondência
entre Marx e Engels e a introdução de V. Adoratsky à sua edição da correspondência. (Marx e
Engels, 1977, p.7-10)
3 Particularmente importantes para compreender o “laboratório teórico” de Marx são os diferentes
manuscritos que constituem a Contribuição à história da questão polonesa, Manuscritos de 1863-
-1864 e A guerra civil na França em 1871, visto que neles aparecem materiais que revelam as
diferentes etapas de seu trabalho intelectual. Desde as anotações de jornais, revistas e livros até as
sucessivas redações, expressando diferentes momentos de elaboração do mesmo estudo. Cf., por
exemplo, a edição completa dos manuscritos de Marx dedicados à Questão Polonesa: Przyczynki
do historii kwestii polskiej. R kopisy z lat 1863-1864; Beiträge zur Geschichte der polnischen Frage
Manuskripte aus den Jahren 1863-1864. (Marx, 1986)
4 É importante lembrar, como observa o marxista inglês Gareth Stedman Jones (1980, p.381), que
foi um livro polêmico de Engels, decisivo para a formação da tradição marxista: “A difusão em
escala mundial do marxismo com o caráter de socialismo sistemático e científico não se iniciou,
realmente, nem com o Manifesto do Partido Comunista nem com O capital, e sim com a publicação
do Anti-Dühring, de Engels”.
5 A brochura de Engels, Do socialismo utópico ao científico, é resultado da reelaboração de três
capítulos de Anti-Dühring, com o objetivo de desenvolver uma exposição mais popular dos fun-
damentos do marxismo.
6 Para a sua redação, Engels se utilizou amplamente dos extratos de leitura, já referidos anteriormente,
de A sociedade antiga, de L. H. Morgan, escritos por Marx e publicados postumamente.
7 Engels observa, no Prefácio, que antes da publicação ele voltou a consultar os manuscritos, que
seriam publicados postumamente, da primeira parte da Ideologia alemã, de Feuerbach, e das Teses
sobre Feuerbach, que seriam reproduzidas em apêndice.
8 Uma vez interrogado por Kautski se não desejava publicar suas obras completas, Marx teria res-
pondido ironicamente: “Estas obras teriam de ser primeiramente escritas” (Rubel, 1956, p.21).
9 Para o período entre 1883 e 1935, baseamo-nos nas seguintes obras: Rubel, 1956, p.21-5; Zapata,
1985, p.31-40; Marx e Engels. Dziela, 1976, p.VIII-XII; Hobsbawm, 1980, p.425-7; Moulfi, 1997,
p.341-8.
Nós podemos dizer que Engels fez, ao mesmo tempo, muito, dando a aparência
de uma obra definitiva, e muito pouco, afastando de sua seleção os manuscritos
cuja publicação integral revelaria aspectos importantes da empresa científica de
Marx, na medida que ela melhor indicaria as razões de seu inacabamento. (Marx,
1968, p.502)
10 O artigo de Riazanov (1968, p.255-68) é um importante testemunho sobre o destino dos arquivos
de Marx e Engels após a morte deste último, em 1895.
11 Cf. a este respeito: Hecker, R. 1998, p.312-23; Caire, 1997, p.349-62.
12 ENGELS, F. Introducción a la edición de 1895. In: MARX, K. Las luchas de clases en Francia de
1848 a 1850. Buenos Aires: Luxemburg, 2005, p.99-121.
13 Para a reconstrução das questões referentes à publicação da obra de Marx e Engels entre 1895-1917
foi particularmente importante a consulta dos seguintes artigos: Riazanov, 1968; Zapata, 1985;
Lefebvre, 1985, p.25-6.
Em 1914, talvez seja indicada do melhor modo possível pela bibliografia colocada
como apêndice ao artigo Karl Marx do Dicionário Enciclopédio Granat, escrito por
Lênin naquele ano. Se um texto de Marx e Engels não era conhecido pelos marxistas
russos, os mais assíduos estudiosos dos escritos dos clássicos, pode-se deduzir que
ele não estava à disposição do movimento internacional. (Hobsbawm,1980, p.429)17
14 É importante lembrar que Lassale era considerado um dos pais da social-democracia alemã, ao
lado de Marx e Engels.
15 Como é sabido, esta edição de Kautski das Teorias da mais-valia apresentava, devido a uma organi-
zação arbitrária dos Cadernos de Marx, uma série de problemas. Em 1956, na RDA, foi publicada
uma nova edição, mais rigorosa, das Teorias da mais-valia (Badia, 1974, p.14-7).
16 Esta edição de mais de 1380 cartas apresenta, entretanto, inúmeras lacunas, muitas vezes devido
à censura associada a questões políticas e pessoais vinculadas à social-semocracia alemã.
17 Para consultar a referida bibliografia, cf. Lênin, 1976, p.75-80.
Esse livro serviu de base à formação dos mais autorizados expoentes da Segunda
Internacional: Bebel, Bernstein, Kautsky, Plekhanov, Axelrod e Labriola. [...] En-
gels, na condição de profeta do materialismo dialético, sobrepujou completamente
a figura do fundador e elaborador do materialismo histórico. (Jones, 1980, p.381-2)
Por fim, cabe lembrar que entre os grandes teóricos do marxismo que viveram
entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, entre os quais
19 Destacado intelectual e militante comunista russo, foi, desde o início do século XX, um importante
pesquisador da obra de Marx e de Engels e da história da Internacional. De passado menchevique,
aderiu à revolução e tornou-se o diretor do Instituto Marx-Engels de Moscou e responsável pela
publicação das Obras Completas. Seria preso em 1931 e fuzilado em 1938, por ocasião dos grandes
expurgos. Possuindo uma extensa rede de contatos e relações que incluía membros da social-
-democracia alemã e até exilados mencheviques (entre os quais Boris Nicolaievski, autor de uma
importante biografia sobre a vida de Marx e que se tornaria representante, na Europa Ocidental,
do Instituto Marx-Engels e, anos após, se envolveria no episódio da venda dos “Arquivos Marx e
Engels”). Riazanov também se destacou na organização e publicação de inúmeras obras da tradição
marxista, do pensamento materialista francês do século XVIII e de Hegel.
20 Sobre a participação do Institut für Sozialforschung, fundado em 1924, na publicação da Mega, cf.
Wiggershaus, 1993, p.33-4; Malinowski, 1979, p.28-30. É importante lembrar que o artigo citado
de Riazanov foi publicado originalmente em 1925, na então revista do instituto, Archiv für die
Geschichte des Sozialismus und der Arbeiterbewegung.
21 É importante lembrar que tanto os Manuscritos econômico-filosóficos como a Ideologia alemã não
foram publicados de acordo com os manuscritos originais, e sim organizados para oferecer uma
maior sistematicidade. Cf. Rojahn, 1983, p.393-431; Marx e Engels, 2007, p.17-9.
22 A elaboração da filosofia “marxista-leninista” colocou um fim ao intenso debate filosófico travado
entre “mecanicistas” e “dialéticos” nos anos 1924 e 1929 e que acabou com uma breve vitória
dos últimos, dirigidos por Deborin. Entretanto, na sequência, os mesmos dialéticos serão objeto de
críticas pelos futuros sistematizadores da futura filosofia (Labica, 1992). Como observa R. Zapata
(1985, p.39) em seu artigo citado, a partir de 1931, o estudo de O capital, que entre 1925 e 1930
ocupava um lugar de destaque no ensino do Instituto dos Professores Vermelhos, seria substituído por
textos políticos, sendo que a partir de 1934/1935 o lugar central no ensino passaria a ser ocupado
pelos diferentes manuais de materialismo dialético, materialismo histórico e economia política.
23 É importante destacar a publicação, por Riazanov, dos escritos dedicados à questão russa, à qual
Marx dedicou uma grande atenção durante a sua vida. Esses escritos tiveram uma curiosa sorte;
por exemplo, a importante correspondência do Marx tardio, em particular a carta à redação de
Otietchestviennie Zapiski e os rascunhos e carta a Vera Zasulitch, que trazem importantes conse-
quências para uma leitura não determinista e não linear da concepção materialista da história, foi
silenciada por Plekhanov e Zasulitch, uma vez que poderia apresentar obstáculos à crítica que eles
vinham desenvolvendo contra os populistas (Marx e Engels, 1980b). Outro exemplo é a publicação
dos escritos de Marx contendo críticas à Rússia czarista que, depois de editados por Riazanov, não
seriam publicados nas obras completas de Marx em língua russa durante o período stalinista (Marx
e Engels, 1980a).
24 Para uma informação detalhada do destino dos manuscritos de Marx e Engels depois da chegada
de Hitler ao poder, e a posterior venda dos arquivos ao IISG, cf. Hunink, 1988, p.52-70.
25 Маркс, К. и Энгельс, Ф., Сочинения, 2 изд., Москва, Политиздат 1955-73.
26 A partir da segunda metade dos anos 1950 seriam publicadas, nos países socialistas, diferentes
traduções das obras completas de Marx e Engels.
27 A primeira edição chinesa em 50 volumes a partir da Sotchinenia russa foi publicada entre 1956
e 1985 pela Casa Editora Popular de Pequim (Xiaoping, 2005).
28 Da Marx Engels Opere foram publicados 32 volumes até a sua interrupção.
29 A partir da Marx Engels Werke, a editora Otsuki concluiu a publicação das Obras Completas de
Marx e Engels em 1975 (Omura, 2005, p.73).
30 Sobre a obra de Rubel e a sua importante atividade como marxólogo, cf. Ragona, 2003.
31 O livro citado de G. Ragona dedica amplo espaço à edição e às polêmicas suscitadas pela edição
das obras de Marx por M. Rubel, na Bibliothèque de La Pléiade. Cf. Ragona, 2003. p.121-31, 157-68,
169-72 e 177-84.
32 Sobre a publicação da Mega 2, além dos já citados, cf. Lefebvre, 1985, p.21-5; Bongiovanni, p.186ss;
Fineschi, 1999, p.199-239.
33 Em 2008 foi publicado o primeiro volume organizado por Marco Vanzulli: Marx, K. e Engels, F.
Opere Complete. v.XXII. Nápoles: La Città del Sole, 2008.
34 Em 2008 foi publicado o primeiro volume do projeto Geme: Marx, K. Critique du Programme
de Gotha. Paris: Editions Sociales, 2008. Sobre o projeto Geme, consultar o anexo: “Ce qu’est la
Geme” (Marx, 2008).
O lançamento de um novo Kluge é sempre uma boa notícia, desde que o espec-
tador tenha noção do que o aguarda. Seu filme mais recente, Nachrichten aus der
ideologischen Antike (Notícias da Antiguidade ideológica), com aproximadamente
nove horas de duração, é dividido em três partes: I. Marx e Eisenstein na mesma
casa; II. Todas as coisas são pessoas enfeitiçadas; e III. Paradoxos da sociedade
da troca (Kluge, 2008). Segundo rumores, Kluge teria retomado o antigo projeto
de Eisenstein (1927-28) de fazer uma adaptação cinematográfica de O capital, de
Marx, mas na verdade apenas a primeira parte indica essa intenção. Os rumores
foram espalhados pelas mesmas pessoas que acreditam que Eisenstein chegou
a escrever um roteiro preliminar do filme sobre O capital. Na verdade ele ape-
nas rabiscou cerca de vinte páginas de anotações em um período de seis meses
(Eisenstein, 1987, p.115-38). Pelo menos algumas dessas pessoas sabem que ele
estava muito entusiasmado com o Ulisses, de Joyce, mais ou menos na mesma
época e “planejou” um filme sobre o livro, fato que relativiza suas fantasias sobre
o projeto de O capital. Entretanto, se os planos de Eisenstein tinham a forma de
anotações, até que alguns deles fossem transformados em filmes (ficcionais ou
narrativos), é bom prevenir os espectadores que os filmes “reais” de Kluge se
parecem mais com as anotações de Eisenstein.
* Texto publicado originalmente com o título Marx and Montage, em New Left Review, n.58, jul/
ago 2009. Tradução de Marcos Soares.
** Ensaísta e crítico literário norte-americano, autor de vários livros traduzidos para o português, entre
os quais Pós-modernismo, Modernidade singular, As marcas do visível etc. Membro do conselho
de colaboradores estrangeiros de Crítica Marxista desde sua criação.
Filmar O capital? • 67
Filmar O capital? • 69
Durante todo o filme a esposa prepara a sopa para o marido que retorna. NB Po-
deria haver dois temas associados: a esposa que cozinha e o marido que retorna.
Completamente idiota (útil nos primeiros estágios de uma hipótese de trabalho); na
terceira parte (por exemplo), a associação parte da pimenta com que ela tempera
a comida. Pimenta. As ilhas Cayenne. A ilha do Diabo. Dreyfus. O chauvinismo
francês. O Figaro nas mãos de Krupp. A guerra. Os navios afundados no porto. (Não
em quantidades tão grandes, é claro!!). NB Bom em sua não banalidade – transição:
pimenta-Dreyfus-Figaro. Seria bom cobrir os navios ingleses afundados (de acordo
com Kushner, 103 DIAS NO EXTERIOR) com a tampa da frigideira. Poderia
até não ser pimenta – mas querosene para o forno e a transição para o petróleo.2
Eisenstein se propõe a fazer aqui aquilo que Brecht tentou fazer na sequência
do debate sobre o café no metrô, em Kuhle Wampe: traçar o caminho que leva dos
sintomas visíveis às suas causas ausentes (ou não totalizáveis). Mas a tentativa do
dramaturgo é frustrada pela nossa inevitável atenção aos personagens que discutem,
enquanto Eisenstein pretende, ainda que cruamente (“completamente idiota”, mas
é apenas um primeiro rascunho) desenhar e trazer à tona toda uma rede complexa
na forma de uma montagem de imagens. (As referências mais apropriadas sempre
foram a omissão de comentários nas constelações das Passagens de Benjamin,
ou mesmo os ideogramas de Pound – ambos também projetos de um tipo de
representação histórica sincrônica.) A teorização de Eisenstein do que ele chama
de “filme discursivo” se centra na “de-anedotalização” como processo central e
encontra sua analogia na “teoria dos sobretons” (Eisenstein, 1987, p.116-17), que
ele viria a desenvolver um ano mais tarde em seu ensaio “A quarta dimensão do
filme”, no qual uma formulação nos termos de “estímulos fisiológicos” procurará
2 Sobre a parte da sopa, Eisenstein (1987, p.128) anotou: “as ‘virtudes domésticas’ da esposa do
trabalhador alemão representam o maior mal, o mais forte obstáculo a um levante revolucionário.
A esposa de um trabalhador alemão sempre terá algo quente para o marido, nunca o deixará ficar
completamente com fome. Também é preciso observar a raiz de seu papel negativo que desacelera
o ritmo do desenvolvimento social. No enredo, isso poderia tomar a forma de uma ‘sopa rala’ e
seu significado em ‘escala mundial’”.
Filmar O capital? • 71
Esta montagem não é construída sobre dominantes específicos, mas toma como sua
linha mestra o estímulo total através de todos os estímulos. Esta é a rede original
de montagem dentro da tomada, surgindo da colisão e combinação de estímulos
individuais inerentes a ela (Eisenstein, 1949, p.67).
as meias das mulheres cheias de buracos e uma meia de seda num anúncio de
jornal. Tudo começa com um movimento brusco, que se multiplica em 50 pares
de pernas – Revista, Seda, Arte. A luta pelo centímetro da meia de seda. Os estetas
são a favor dela. Os bispos e a moralidade são contra.
Filmar O capital? • 73
3 Pode-se dizer que é o que o livro de Peter Weiss, Aesthetics of Resistance, procura fazer.
ENTREVISTAS
Marx, Joyce e
Eisenstein: a
abstração mata
ENTREVISTA COM ALEXANDER KLUGE*
Deutsche Welle: O senhor não filmou O capital, nem fez um filme sobre O
capital, mas deixou-se guiar pela própria curiosidade a respeito do material. É
isso mesmo?
Alexander Kluge: Não só pela curiosidade, mas também pelo respeito pelo
diretor Serguei Eisenstein, um dos grandes cineastas modernos. Ele assumiu essa
tarefa, que muito lhe parecia ser uma aventura, como um desafio ao cinema.
* Alexander Kluge, influente pensador marxista alemão, tem formação em Teoria do Direito, é ensaísta
político e escritor de romances. Atualmente na Alemanha, é um dos principais diretores do chamado
“Novo Cinema Alemão”; aluno e amigo de Theodor Adorno, foi apresentado a Fritz Lang do qual, em
1958, com a idade de 26 anos, tornou-se seu assistente de direção no filme O tigre de Bengala. Seu
crescente envolvimento com a atividade cinematográfica permitiu que fosse eleito, em 1962, diretor
do Institut für Filmgestaltung em Ulm. Desde o seu primeiro filme, Kluge é um dos protagonistas da
renovação do Festival de Veneza, onde apresentou trabalhos premiados (Leão de Prata em 1966 com
o filme Despedida de ontem e Leão de Ouro, em 1968, com Artistas na cúpula do circo: perplexos).
Dirigiu, entre outros, os longa-metragens Alemanha no outono, Guerra e Paz, O poder dos senti-
mentos, Trabalho ocasional de uma escrava, O grande caos, Willi Tobler e a queda da 6a frota, Fatos
diversos e vários outros. Além de curtas, tem uma vasta produção documental em vídeos para TV.
Escreveu romances e ensaios políticos e filosóficos: O que há de político na política (com Oskar
Negt, 1999), Esfera pública e experiência (1993), Der Unterschätzte Mensch (2001); Chronik der
Gefühle (2000), Die Lücke, die der Teufel lässt (2003), Tür an Tür mit anderem Leben (2006). Seu
último livro, Histórias do Cinema (Geschichten vom Kino), foi lançado pela editora Suhrkamp; em
2007, foi lançado em português o livro Alexander Kluge: o quinto ato, org. por Jane de Almeida,
contendo ensaios de seu último livro e estudos de pesquisadores brasileiros.
Em novembro de 2009, pela sua ampla e diversificada produção intelectual recebeu o prêmio T. W.
Adorno; em 2003, ganhou o prêmio Georg-Büchner-Preis, o mais renomado prêmio literário alemão.
Em 1990 recebeu o prêmio Lessing, ocasião em que foi homenageado por Jurgen Habermas cujo
texto pode ser consultado em http://www.goethe.de/ins/br/sab/pro/seminare/htm/semin1/haber.htm,
Esta entrevista foi publicada originalmente no jornal Deutsche Welle (janeiro de 2009).
** Uma parte do filme de Tom Tykwer, Der Mensch im Ding, pode ser vista no vídeo acessível em:
www.youtube.com/watch?v=zG6zPopy5Qw
* Entrevista de Patrick Tort, Diretor do Instituto Charles Darwin Internacional, concedida a Alain Bas-
coulergue. Tradução de Mônica Zoppi, professora do Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp.
P.T.: Com efeito; e para compreender isto, basta ler com todo o cuidado
necessário a grande obra antropológica de Darwin, A origem do homem (2004),
que afirmou em 1871 a ligação genealógica do homem à série animal. Os “dar-
winistas” de todo tipo baseavam-se nesse fato para esperar que este livro fosse
a extensão, ao homem e às sociedades humanas, da teoria da sobrevivência dos
mais aptos (e, portanto, da eliminação dos menos aptos). Ocorre, na realidade, o
contrário. Em A origem do homem, Darwin explica que a seleção natural, pelo
fato de favorecer na evolução humana o desenvolvimento de instintos sociais e
o aumento correlato das faculdades racionais, deixou de ser o fator dominante
da evolução, sendo ela mesma relegada por aquilo que ela produziu: a extensão
indefinida da simpatia, dos sentimentos afetivos, do altruísmo, da solidariedade,
da educação, da moral, do sacrifício. Ela permitiu, assim, progressivamente, que o
antigo funcionamento eliminatório fosse substituído por condutas antieliminatórias
de proteção e de salvaguarda em favor dos mais fracos: cuidados aos doentes e
aos minusválidos, assistência aos pobres e aos fracos de espírito, reabilitação de
todos os indivíduos que sofrem desvantagens físicas ou sociais. Darwin denomina
civilização ao conjunto de princípios, leis e instituições que derivam dessa seleção
de instintos sociais. Assim, pela operação da seleção dos instintos sociais e de
toda sua constelação de correlatos racionais e afetivos, a seleção natural seleciona
a civilização, que se opõe à seleção natural. A vantagem selecionada se torna,
então, social. Sem rupturas, a seleção natural, aplicando a si mesma sua própria
lei de perecimento das formas antigas, produziu, assim, um efeito de ruptura que
legitima a existência distinta de ciências do homem e da sociedade sem recortá-las,
à maneira teológica, de suas raízes naturalistas. Foi esse efeito que denominei,
em 1983, o efeito reversivo da evolução.
Em 1871, Darwin afirma, portanto, contra a expectativa majoritária daqueles
que tinham lido A origem das espécies e pensavam encontrar nela a chave única
da compreensão de todos os problemas humanos, que, na espécie humana, as ca-
pacidades racionais e os instintos sociais foram a fonte de vantagens adaptativas
maiores e, nessa medida, conjuntamente e poderosamente selecionadas.
A seleção dos instintos sociais, explica Darwin, alarga a simpatia, que reco-
nhece o outro como semelhante, socorre-o quando sofre, e esvazia progressiva-
mente os comportamentos individuais de rivalidade e de conflito em benefício de
A.B.: Patrick Tort, ao escutar o que o senhor diz, não podemos deixar de
lembrar a relação provavelmente difícil entre Darwin e os defensores da religião
revelada. Eu sei que o senhor é crítico em relação aos discursos, majoritariamente
anglo-saxões, que defendem hoje, ainda, a imagem de um Darwin “trabalhado”
pelo cristianismo, que não ultrapassava fundamentalmente uma posição agnóstica.
Qual era, de fato, a posição de Darwin face à religião e à crença?
A.B.: Patrick Tort, na sua obra O efeito Darwin, publicada pela Seuil, o senhor
consagra uma reflexão apaixonante ao que Darwin chama “seleção sexual”. Em
que consiste essa seleção sexual e como ela chega a engendrar efeitos que, mesmo
subordinados aos efeitos gerais da seleção natural, são, às vezes, suscetíveis –
como o senhor explica – de contrariar seu curso?
Quando a perdiz
Vê seus pequenos
Em perigo e com penas novas somente
Que lhes impedem, ainda, fugir pelos ares,
Ela se faz de ferida e anda arrastando uma asa,
Atraindo o caçador e o cão sobre seus passos.
* Esta entrevista, realizada por Henrique Amorim em 5 de maio de 2009, teve o apoio da Fapesp. A
revisão técnica da tradução foi realizada por Leandro Galastri.
O método da marxista
DOCUMENTO
economia política.
Karl Marx
Apresentação de João
Quartim de Moraes e
tradução de Fausto
Castilho
Apresentação
Poucos textos de Marx ocupam posição tão singular em sua obra quanto
“O método da economia política”, terceiro dos quatro tópicos da “Introdução à
crítica da economia política” (Einleitung zur Kritik der Politischen Ökonomie),
conhecida mais simplesmente por Introdução de 1857, o mais notável, ao lado
do estudo sobre as “Formas que precederam a produção capitalista”, dos escritos
incluídos nos Grundrisse der Kritik der Politischen Ökonomie, conjunto de ma-
nuscritos econômicos redigidos por Marx em Londres durante o biênio 1857-58
e publicados pela primeira vez em Moscou em 1939.
A singularidade do texto que apresentamos no original, acompanhado da sólida
e elegante tradução preparada por Fausto Castilho em 1996, está em que é a mais
longa, densa e sistemática discussão sobre o método na obra de Marx. Ele também
tratou do tema no Posfácio à 2a edição alemã de O capital,1 mas principalmente
para comentar resenhas sobre a 1a edição. Cita uma longa passagem de uma de-
las, publicada no Correio Europeu de São Petersburgo, em que o autor expõe o
que chama o método efetivo (wirkliche) de O capital. Ora, nota Marx, o que essa
exposição, “acertada” e “benevolente”, descreve é o “método dialético”. Mas, por
mais pertinente que tivesse sido a caracterização de seu método pelo resenhista
russo, ele julgou útil consagrar à questão os cinco parágrafos restantes do Posfá-
cio, principalmente para esclarecer as relações entre sua dialética e a hegeliana.
de que Althusser (de quem ele não gosta) e seu epígono Balibar recorrem à “repetição compulsiva
do termo ‘determinado’[...]”, que lhes permite “dar a ilusão de um setzen” (isto é, de um “pôr”, no
sentido ontologicamente forte), revelando, assim, “a exasperação do teórico diante da armadilha
que lhe estende a linguagem, armadilha da qual, por razões que remontam ao coração mesmo de
seu ideal de ciência, ele é impotente para escapar”. Novamente esquece que não só na Introdução
de 1857, mas em outros textos, Marx também manifestou a mesma compulsão. O que certamente
não podemos, ou melhor, já que o papel suporta todas as possibilidades, não devemos, é jogar
nas costas de Althusser um pretenso “tique” que está presente no próprio Marx. Cf. p.92, nota 53.
Cf. também p.93-4.
4 Assim, por exemplo, escrevem “consistência” em vez de “consciência” filosófica. Mero lapso, sem
dúvida, mas é preciso prestar atenção no que publicamos. Mas traduzir Voraussetzung, categoria
fundamental da filosofia clássica alemã (= pressuposição), por “ponto de partida” (que em alemão
se diz Ausgangspunkt) é um erro puro e simples.
Nota do tradutor
A Introdução [à crítica da economia política], composta decerto entre o final
de agosto e a metade de setembro de 1857, permanece inédita até quando, achada
em 1902 entre os papéis de Marx, Die Neue Zeit a publica em 1903. Ao aceitar o
convite do professor João Quartim de Moraes para realizar, no quadro das ativida-
des do Cemarx, que então se inauguravam, um seminário sobre a Terceira Parte,
intitulada O método da economia política, logo me dei conta de que uma tradução
do texto se impunha. A francesa, de autoria de Husson e Badia, frequentemente
utilizada entre nós e, por via de consequência, as que no Brasil e em Portugal a
partir dela se fizeram, padece de flagrante impropriedade no trato da terminologia
e da conceituação de proveniência hegeliana. Ora, quando algumas páginas atrás
(cf. supra, p.625)5 Marx se diz hegeliano (“ein Hegelianer”), há que se tomar ao
pé da letra a declaração de identidade, como fica de resto amplamente corroborado
ao longo do texto que nos ocupa.6 Se é verdade que Marx retoma e redefine muitas
noções de origem hegeliana, ao fazê-lo, converte-as, porém, necessariamente, em
pontos de amarração que o leitor não pode deixar de ter presentes.
Dado em cópia xerográfica, o texto alemão guarda a paginação de Karl Marx-
-Friedrich Engels: Einleitung [Zur Kritik der Politischen Ökonomie] 3. Die
Methode der Politischen Ökonomie (1857). In: Werke, v.13, Berlin: Dietz Verlag,
1969, p.631-9. O tradutor espera, dessa maneira, facilitar a consulta do original
durante o seminário.
Fausto Castilho,
Campinas, outubro de 1996
5 Fausto Castilho se refere à p.625 dos Grundrisse. O texto sobre o método começa na p.631.
6 Divergimos totalmente dessa afirmação. O termo “ein Hegelianer”, mencionado por Castilho,
aparece na primeira parte da Einleitung (1. Produktion, Konsumtion, Distribution, Austausch
[Zirkulation]), num contexto em que, longe de uma “declaração de identidade”, Marx ironiza
a identificação da produção ao consumo. “Hiernach für einen Hegelianer nichts einfacher, als
Produktion und Konsumtion identisch zu setzen. Und das ist geschehn nicht nur von sozialistischen
Belletristen, sondern von prosaischen Ökonomen selbst, z.B. Say [...]”. A ironia é explícita: não
só letrados socialistas, mas também prosaicos economistas identificam abstrata e superficialmente
as duas categorias. O pressuposto deles é “considerar a sociedade como um sujeito único” (“Die
Gesellschaft als ein einziges Subjekt”), ponto de vista que Marx classifica de “falso, especulativo”.
(Nota de João Quartim de Moraes.)
COMENTÁRIO
Entender Nietzsche*
JAN REHMANN**
1 Em alemão, o substantivo pátria é Vaterland, resultado da união de duas palavras, Vater (pai) e Land
(país).
3 No hinduísmo, alguém que não pertence a nenhuma das castas principais e realiza um trabalho
considerado desonroso. [N. T.]
RESENHAS
Che Guevara: uma
chama que continua
ardendo
MICHAEL LÖWY & OLIVIER BESANCENOT
Editora UNESP, 2009, 150p.
Nas teses sobre o conceito de história, Walter Benjamin nos ensinou que a
memória do passado – a tradição dos oprimidos – constitui uma fonte de ins-
piração inesgotável para as lutas revolucionárias do presente, concentradas no
“tempo-de-agora”. Não há luta pelo futuro sem memória do passado. Pois bem:
encontra-se precisamente aí uma das principais razões da importância e da vitali-
dade do mais recente livro de Michael Löwy (redigido em companhia de Olivier
Besancenot, um dos principais dirigentes do Nouveau Parti Anticapitaliste, na
França), dedicado à complexa tarefa de resgatar “a contribuição de Ernesto Che
Guevara para o socialismo do século XXI” (p.8), este “vencido da história” que,
após sua captura e morte pela ditadura boliviana (apoiada pela CIA) em 1967,
transformou-se em uma das principais referências política e moral da esquerda
revolucionária na América Latina.
Em Che Guevara: uma chama que continua ardendo, Michael Löwy e Oli-
vier Besancenot acentuam a dimensão radicalmente humanista do marxismo de
Che, especialmente a “imagem que tinha do socialismo, do ‘homem novo’ [e] da
sociedade enfim emancipada do pesadelo capitalista” (p.7). Em linguagem clara
e concisa, os autores nos apresentam um Che que vive, que resistiu à débâcle da
Por vezes condenada como escapista, noutras vezes incensada como ferra-
menta de libertação revolucionária, a arte, de modo geral, continua sendo um tema
candente tanto na academia como fora dela. Não é à toa que Sérgio de Carvalho,
diretor da Companhia do Latão, criada em 1997, e professor do curso de Artes
Cênicas da Universidade de São Paulo, levanta, logo no início desse livro, uma
questão fundamental: “Qual a função da arte dentro do aparelho cultural capita-
lista?” (p.12).
A partir dessa indagação de caráter mais geral, está relacionada nesse trabalho
uma série de entrevistas organizadas em quatro eixos temáticos: economia políti-
ca, cinema, teatro e outras conversas. Algumas dessas conversas foram editadas
na revista Vintém, publicação editorial surgida em 1998, concebida como uma
produção de militância e engajamento do Latão, e que alia, de modo exemplar,
crítica e reflexão sobre a sociedade atual. Para o grupo, esses diálogos têm um
“sentido pedagógico”, qual seja: “aprender com o entrevistado”. Teoria e prática
estão entrelaçadas, num movimento que objetiva a “construção de uma arte dia-
lética” e de “uma ação cultural desalienante” (p.11).
Joelton Nascimento*
Sergio Lessa*
Davisson C. C. de Souza*
RESUMOS/ABSTRACTS
A atualidade da Economia
Política Marxista
ALFREDO SAAD FILHO
Resumo: Este artigo trata da natureza da atual crise econômica mundial, caracterizando-a
como uma crise geral do capital e, em particular, do atual padrão global de acumulação
capitalista. Como corolário, defende que, em virtude de a mesma sintetizar o conjunto
das contradições estruturais deste padrão, ela não pode ser superada como se fosse uma
mera crise conjuntural de demanda efetiva.
Palavras-chave: crise geral do capital; acumulação capitalista.
Abstract: This article is concerned with the nature of the current global economic crisis,
characterizing it as a general crisis of capital and, in particular, of the current global stan-
dard of capitalist accumulation. As corollary, it defends that, by virtue of the same one to
synthesizer the set of the structural contradictions of this standard, it cannot be surpassed
as if it was a simple conjunctural crisis of effective demand.
Keywords: general crisis of capital; capitalist accumulation.
A burguesia mundial
em questão
DANILO MARTUSCELLI
Resumo: Três variantes explicativas principais têm enfatizado a ideia de que viveríamos
nos últimos anos um processo inusitado de unificação e integração da burguesia em nível
mundial. A primeira variante destaca o processo de internacionalização dos altos quadros
e sua relação com a difusão das grandes empresas transnacionais. A segunda acentua o
papel das grandes corporações transnacionais no ordenamento econômico e político do
capitalismo de hoje. A terceira procura ressaltar a financeirização como elemento funda-
mental para a dissolução dos fracionamentos das classes dominantes. O objetivo deste
artigo é discutir o alcance e os limites dessas três variantes, desenvolver a hipótese de
que há pontos em comum entre a tese da burguesia mundial e a ideologia da globalização
e, por fim, apresentar uma análise alternativa para caracterizar as frações burguesas no
capitalismo contemporâneo.
Palavras-chave: burguesia mundial; globalização; capitalismo contemporâneo; classes
sociais; burguesia interna.
Filmar O capital?
FREDRIC JAMESON
3. Referências bibliográficas
As referências bibliográficas devem ser completas e apresentadas no final do texto.
3.1 Referência de livros:
Indicar primeiro o SOBRENOME DO AUTOR, em caixa alta, depois o nome,
tudo por extenso, o título completo do livro em itálico e com maiúscula apenas na
primeira letra do título. Para o título de livros estrangeiros, usam-se as maiúsculas
de acordo com o original. Número da edição (caso não seja a primeira). Local da
publicação, nome da editora, ano da publicação. Se a edição não trouxer o ano
da publicação, usar a sigla SD. No caso de indicação de número de página, tal
deve vir depois do ano de publicação, usando apenas a letra p. como abreviação
de página ou de páginas.
Exemplo:
SAES, Décio. República do capital – capitalismo e processo político no Brasil.
São Paulo: Boitempo, 1999, 135p.
3.2 Referência de artigos:
3.2.1 Em coletânea: Indicar primeiro o SOBRENOME DO AUTOR, em caixa
alta, depois o nome, tudo por extenso, o título completo do artigo entre as-
pas e com maiúscula apenas na primeira letra. In: Nome e sobrenome do(s)
organizador(es) da coletânea, título completo da coletânea em itálico e com
maiúscula apenas na primeira letra. Número da edição (caso não seja a pri-
meira). Local da publicação, nome da editora, ano da publicação.
Exemplo:
GORENDER, Jacob. “Gênese e desenvolvimento do capitalismo no campo
brasileiro”. In: João Pedro Stédile (org.), A questão agrária hoje. 2.ed. Porto
Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1994.
4. Notas de rodapé
As chamadas de notas no corpo do texto devem ser numeradas, inseridas dentro da
frase antes da pontuação e em sobrescrito. As notas de rodapé têm, como já afirmamos,
caráter explicativo. Não obstante, nas notas também poderão aparecer citações, as quais
deverão seguir o sistema AUTOR-DATA.
http://www.newleftreview.org/