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X CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DO NORTE PIONEIRO

Novos Direitos, Novas Práticas Sociais: e a Educação?


UENP-CCHE-CLCA–CAMPUS JACAREZINHO
ANAIS – 2010
ISSN – 1808-3579

A CANÇÃO COMPREENDIDA COMO GÊNERO TEXTUAL: OBSERVAÇÃO DE SUA


ABORDAGEM NO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA E NAS AULAS DE
MÚSICA

Cíntia Pires de Lemos Ramires1


(PG – CLCA-UENP/CJ)
ramirescintia@hotmail.com
Hallyson Chrystiano Paschoalino de Oliveira2
(G – UFSCar)
hallygtr5@hotmail.com
Marilúcia dos Santos Domingos Striquer
(Orientadora- CLCA-UENP/CJ)

RESUMO

Observando a canção com manifestação artística e discursiva na sociedade, acredita-se


na potencialidade das linguagens musical e verbal para que ela seja observada de forma
íntegra. Logo, a presente pesquisa tem o propósito de analisar a abordagem da canção
popular no livro didático de Língua Portuguesa, bem como verificar como a mesma
canção é utilizada nas aulas de música. Compreendendo a música como um gênero
textual, observaremos se seus elementos caracterizadores: conteúdo temático, estilo e
composição estrutural - constituída pelo hibridismo das semioses – linguagem verbal e
linguagem musical (COSTA, 2002), bem como suas características funcionais (BAKHTIN,
1997), estão sendo considerados pelos propositores, fundamentando-se nos estudos da
Linguística Aplicada. A relevância da pesquisa dá-se pela presença marcante das canções
nos materiais didáticos, como objeto de ensino, aprendizagem e desenvolvimento
discursivo dos alunos, como também o sancionamento da Lei nº. 11.769/2008 que
obriga a disciplina de Música na educação básica. Dessas justificativas surge a
preocupação de um planejamento de atividade interdisciplinar entre as áreas
competentes para observar a canção de maneira holística.

Palavras-chave: Linguística aplicada; gênero textual; música; canção.

INTRODUÇÃO

O gênero textual canção é muito presente nos materiais didáticos, portanto, é


utilizado como objeto de ensino e aprendizagem da prática discursiva dos alunos. Uma
de suas características composicionais é a fusão de duas semioses distintas: a linguagem

1
Cursa Especialização em Estudos Linguísticos e Literários, pelo Centro de Letras, Comunicação e Artes da
UENP, Campus Jacarezinho/ PR. Cursa o último módulo de Técnico em Música pela ETEC - Centro Paula Souza–
Ourinhos/ SP.
2
Graduando no curso de Licenciatura em Educação Musical pela Universidade Federal de São Carlos/SP.

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verbal e a linguagem musical. Dessa forma, espera-se que a canção, como todos os
demais gêneros existentes e abordados pela escola, seja processada na íntegra, ainda
que o objeto maior de estudo seja o discurso, recorrendo assim apenas à linguagem
verbal.
Com o intuito de obtermos constatações acerca do fato exposto, este trabalho
tem a finalidade de investigar o tratamento dispensado às canções no livro didático de
Língua Portuguesa – Linguagens de Cereja & Magalhães (2005), especificamente o livro
destinado ao 2º ano do Ensino Médio. A delimitação a esse material se justifica pelo fato
de ser ele o segundo livro mais utilizado nos Colégios de Ensino Médio regular do Núcleo
Regional de Educação de Jacarezinho/ PR, para este triênio de 2009-2011.
Pela canção conter uma essência discursiva significante, verificaremos também,
em menor prioridade, qual é o tratamento dado ao discurso quando a canção é abordada
pela ótica musical. Esta abordagem faz-se necessária pela intenção de se realizar uma
atividade interdisciplinar entre as áreas competentes, uma vez que a inclusão da
disciplina de Música como conteúdo obrigatório nos componentes curriculares do Ensino
Básico, se faz presente na Lei nº 11.769 de 18/08/2008 na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), o que por si só atribui a ela o status de área de conhecimento.
Sendo assim, com a implementação efetiva dessa lei, a música não mais será utilizada
apenas como pano de fundo ou pretexto para outras abordagens em trabalhos e projetos
escolares.
Todos os subsídios teóricos que permeiam esse nosso trabalho são sustentados
pela Linguística Aplicada, uma vez que as teorias advêm de várias disciplinas, e o que se
pretende investigar é o uso da linguagem (MOITA-LOPES, 1996). Assim sendo, além das
teorias do gênero discursivos/textuais, buscaremos na ciência musical alguns recursos
que, de fato, nos levam a explorar devidamente a canção, de acordo com suas
características: funcional, temática, estilística e composicional.

1.Gêneros textuais

De acordo com Travaglia (2002), a meta prioritária no ensino de Língua Materna


é o desenvolvimento da competência comunicativa. Desse modo, o aluno é preparado
com o propósito de saber adequar-se conforme a situação comunicativa. Comungando a
mesma ideia, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o Ensino
Médio (PCNEM) (BRASIL, 2000) orientam:

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Não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é a interação, a


comunicação com um outro dentro de um espaço social, como por
exemplo, a língua, produto humano e social que organiza e ordena
de forma articulada os dados das experiências comuns aos
membros de determinada comunidade lingüística (p.5).

Tomando a citação como base, notamos que cotidianamente para se comunicar


utilizamos tipos relativamente estáveis de enunciados com propriedades sócio-
comunicativas específicas para promover a interação com o outro. Esses, denominados
gêneros do discurso por Bakhtin (2000), servem para estabilizar as atividades
comunicativas do cotidiano (MARCUSCHI, 2002) e são caracterizados por três elementos:
conteúdo temático, construção composicional e estilo. De acordo com as Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná (DCE) (2008), o tema refere-se ao conteúdo específico
do qual trata o texto e seus valores ideológicos; a construção composicional são as
especificidades estruturais do texto, como os tipos de discurso presentes: narrativo,
argumentativo, descritivo, etc.; e o estilo diz respeito às marcas linguísticas que
constituíram o texto, como os modalizadores, os operadores argumentativos, os aspectos
de coesão e coerência, os recursos de referenciação, os modos verbais, a variação
linguística empregada, etc.

2. A canção como gênero textual

A função desempenhada pela canção na sociedade leva-nos a dizer que ela se


manifesta de maneira artística e discursiva na sociedade. Isso porque é composta por
elementos musicais, objetos de apreciação artística, e também pelo enunciado que traz
consigo. Enunciados, estes, que por um engajamento específico, marcaram a história do
país, como as canções de protesto durante a ditadura militar no governo Médici, por
exemplo (Ramires & Lourenço, 2006 e 2007). Retomando Bronckart (apud Marcuschi,
2002, p. 29), “a apropriação dos gêneros é um mecanismo fundamental de socialização”,
o que constata, de fato, seu caráter sócio-histórico ao se referir a um acontecimento
social num determinado contexto histórico.
A canção pertence aos gêneros privilegiados para a prática da escuta e leitura de
textos de linguagem oral e se insere na esfera literária de comunicação. De acordo com
D’Onofrio (2005), a canção em sua origem é toda poesia relacionada com a música e o
canto. Inicialmente era composta por um número variado de estrofes, cada uma com
versos oscilantes entre sete e vinte, e o tema poderia ser o amor, o sentimento
patriótico, preceitos morais, sátira social, humorismo. Apesar das mudanças ocorridas

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através do tempo, entre elas sua métrica e número de versos que hoje pode ser livre,
ainda percebemos que a canção vem caracterizar a declamação de um discurso
musicalizado, ou seja, a junção da materialidade verbal com a materialidade musical.
Nelson Barros da Costa (2002) em As letras e a letra: o gênero canção na mídia
literária, alerta para a particularidade do gênero:

A canção é um gênero híbrido, de caráter intersemiótico, pois é


resultado da conjugação de dois tipos de linguagens, a verbal e a
musical (ritmo e melodia). Defendemos que tais dimensões têm de
ser pensadas juntas, sob pena de confundirmos a canção com
outro gênero [...] Assim, a canção exige uma tripla competência: a
verbal, a musical e a lítero-musical, sendo esta última a
capacidade de articular as duas linguagens. (COSTA, 2002, p. 107)

Costa defende, portanto, a atenção que deve ser dada a materialidade híbrida da
canção, não sendo desmerecida sua linguagem verbal ou musical. Somos cientes da
complexidade em se agregar semioses distintas de forma a extrair um significado válido.
Sabemos também que os elementos musicais são autônomos, ou seja, não necessitam
de um discurso verbal para serem apreciados ou entendidos; prova disso são as
riquíssimas músicas instrumentais que o homem criou e desenvolveu até hoje. No
entanto, a partir do momento que a canção se caracteriza pela junção de um discurso
musicalizado, acreditamos que os elementos musicais podem sugerir interpretações ou
reforçar intenções com a linguagem verbal.

3. As orientações dos PCNs para o trabalho com gêneros orais

De acordo com os PCNs (1998), a canção, como um gênero textual oral, deve
ser escutada de modo que haja,

A compreensão dos gêneros do oral previstos para os ciclos


articulando elementos lingüísticos a outros de natureza não-
verbal; identificação de marcas discursivas para o reconhecimento
de intenções, valores, preconceitos veiculados no discurso;
emprego de estratégias de registro e documentação escrita na
compreensão de textos orais, quando necessário; identificação de
algumas formas particulares dos gêneros literários do oral que se
distinguem do falar cotidiano (BRASIL, 1998, p. 55).

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O primeiro tópico menciona a articulação da linguagem verbal e não-verbal, no


caso específico, a musical. O segundo refere-se ao reconhecimento das intenções,
valores e preconceitos veiculados ao discurso, deixando pistas da exploração do conteúdo
temático com a estrutura composicional e o estilo. Entretanto, percebemos que as
palavras dos PCN’s ao tratar de todos os gêneros orais, não tratam de nenhum, pois
como textos materializados relativamente estáveis são muito distintos em sua
funcionalidade, conteúdo temático, estilo e estrutura composicional.
Apesar de a canção estar inserida como um gênero textual a ser trabalhado, os
estudos empreendidos por Costa (2003) demonstram que ela não é referência em
nenhum lugar dos PCNs a não ser na tabela de gêneros nas páginas 54 e 57 ou na
“referência vazia”, dito por Costa ao citar a presença de “A canção” do músico e linguista
Luiz Tatit (1987) nas referências e não haver nenhuma explanação sobre a obra. Na
verdade, informações interessantes sobre a canção, considerando seus elementos
linguísticos e musicais, se encontram em “O cancionista” (2002), também de Tatit, no
entanto, não parece ser de conhecimento dos propositores dos PCNs.
A sugestão para o trabalho com a música proposta pelos PCNs levou Costa
(2003) a refletir sobre a desvalorização desse gênero textual, pois é ligada a grupos
fechados como os funkeiros, aos hábitos gerados pela mídia ou a uma variação
linguística voltada para jargões, modismos e formas de expressão, ou seja, é destacada
de forma estanque as características da canção pelo olhar preconceituoso de que ela não
possa ser objeto de ensino e desenvolvimento da prática discursiva dos alunos pois é
uma realidade a parte dos assuntos importantes trabalhados pela escola ou um gênero
textual lúdico para “distrair os alunos”.
Apesar do desprezo desmerecido, esse gênero, de fato, marginalizado ou
ignorado, é muito presente nos livros didáticos (LDs) e possui uma apreciação
significativa por parte dos alunos, podendo oferecer um trabalho eficiente em sala de
aula.

4. A canção no livro didático

O livro que nos dispomos a analisar contém quarenta e oito capítulos divididos em
quatro unidades. Cada capítulo destina-se alternadamente as seguintes seções de
trabalho: literatura, língua - uso e reflexão e produção de texto.
A canção é abordada pelo material de várias maneiras. Elas aparecem em boxes
onde a letra da canção é somente um texto informativo sob uma ótica diferente acerca
do tema abordado ou apenas vem agregar mais informações sobre o assunto,

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especificamente nas unidades de literatura. Outra forma é por meio de exercícios


referentes à gramática normativa. A presença da canção no LD se dá somente por sua
materialidade gráfica, ou seja, a letra, peloo livro não ser acompanhado por CD,
deixando a margem sua materialidade sonora. Vamos esmiuçar o tratamento das
canções escolhidas pelos autores e descrever seus papéis no material didático.
Inserindo-se nos boxes, no capítulo primeiro, destinado a linguagem do
romantismo, temos a presença de uma canção de Vander Lee (p. 14). Nela é expressa a
visão do compositor sobre os românticos. O descaso com o gênero é lamentável por não
haver nem se quer o nome da canção.
No segundo capítulo, “Do texto ao contexto do romantismo” há a exibição de um
trecho de “Homem primata” dos Titãs (p. 20). A letra é utilizada como pretexto a fim de
mostrar a atemporalidade do tema tratado: o individualismo capitalista que até hoje é
vivenciado pelos homens, ou seja, mais uma vez a canção em todas as características
que a constitui como um gênero específico não é abordada.
No quarto capítulo, a canção “Família” (p. 39), também dos Titãs, exibe a criação
irônica sobre o tema família, servindo de apoio às atividades sobre a classe gramatical
substantivo. O trecho da letra é posto de forma indiferente, como se estivesse apenas
preenchendo um espaço gráfico na página do LD. No décimo capítulo, com a finalidade
de ilustrar o ultra-romantismo nas canções, foi colocada a tradução de uma canção de
The Doors, “Cavaleiros na tempestade” (p. 77)
No décimo segundo capítulo, há menção para o poema musicalizado por Caetano
Veloso, “Navio negreiro” (p. 106). Nos boxes é a primeira vez que os propositores
sugerem que a canção seja ouvida e atribui ao rap o ritmo musical que pode atualizar os
problemas de opressão e miséria no século XXI por este reclamar as injustiças em seu
discurso.
No décimo quarto capítulo, a presença da letra de “Tubi Tupy” (p. 125) de Lenine
e Carlos Rennó mostra que o índio é fonte de inspiração para muitos artistas, entre eles
os músicos. Exibe uma criação artística diferente sem estabelecer relações ou diferenças.
No vigésimo segundo capítulo, a canção “Doce Vampiro” de Rita Lee, mostra a
sensualidade do vampirismo, ao tempo que o livro trabalha a literatura gótica (p. 200),
servindo-se apenas de ilustração.
Na trigésimo segundo capítulo, há a presença da letra da canção “Capitu”, do
músico e linguista Luiz Tatit que faz uma intertextualidade ao capítulo “Olhos de ressaca”
da obra “Dom Casmuro”, de Machado de Assis. Notamos que os propositores flagelam
até o músico que defende a associação entre música e letra, pois nem aqui é pedida a
adição da canção. Com uma estrutura e elementos musicais elaborados de forma sábia, o
músico soube sim como associar as linguagens literal e musical.

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Por último inserido nos boxes, no trigésimo sexto capítulo, temos a declamação
retirada de “O primo Basílio”, com a canção “Amor I love you” de Marisa Monte e
Carlinhos Brown (p. 311), também sugerida para audição, que somente é mencionada
por ser um recorte da obra literária de Eça de Queirós.
Por outro viés, a canção é utilizada como pretexto para exercícios distintos, entre
eles predominantemente gramaticais.
No sexto capítulo, destinado ao uso da língua e sua reflexão, temos o poema
“Rosa de Hiroshima” (p. 56). Chama a atenção que os propositores não mencionam que
ele foi musicalizado e integrou o disco de estreia do grupo Secos & Molhados em 1973.
Foi a décima terceira canção mais tocada nas rádios brasileiras daquele ano. Com uma
finalidade ímpar, não houve a preocupação em se trabalhar as condições de produção e
circulação do poema que se tornou canção.
No vigésimo quarto capítulo, na secção literatura, a letra da canção “Haiti” de
Gilberto Gil e Caetano Veloso (p. 112) vem acompanhada pelos poemas de Craveirinha
“Na cantiga do negro do batelão” e “Negro forro”. Os dois textos se referem a questões
interpretativas. Somente uma questão é direcionada a abordagem da canção de modo
que explore sua materialidade musical, vale transcrevê-la aqui com a canção:

Quando você for convidado pra subir no adro


Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
[...]
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos,
mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos,
ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
e todos sabem como se tratam os pretos
[...]
Pense no Haiti,
reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
[...]

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8. Ouça a canção ou, pelo menos, leia em voz alta alguns versos da canção, observando
o ritmo e a sonoridade de seus versos, principalmente a aliteração dos fonemas /p/ e
/b/.
a) Que relação essa sonoridade tem com o som dos tambores que acompanham o canto
de Caetano e Gil na música?
b) levante hipóteses: Por que, na sua opinião, os compositores criaram essa canção no
estilo rap? (p. 113)

A questão tem intenções a favor e contra o tratamento da canção. Para que o


aluno possa compreendê-la de maneira holística é necessário sem dúvida promover sua
audição sem exceção de outra possibilidade. A leitura da letra possibilita a abordagem
temática e estilística, no entanto, não oferece a apreensão de sua estrutura
composicional como o som dos tambores, por exemplo. Assim, para o exercício ser feito,
deveria haver a audição de “Haiti”.
No capítulo vigésimo quarto, abordando a interjeição, o livro utiliza a letra da
canção “Passaredo” (p. 209) com o seguinte enunciado:

Leia a letra desta canção de Chico Buarque e Francis Hime:


Professor: Se possível, promova a audição da música, que se encontra no CD Meus caros
amigos, de Chico Buarque ( Philips).

Ei, pintassilgo Que o homem vem aí


Oi, pintaroxo O homem vem aí
Melro, uirapuru O homem vem aí
Ai, chega-e-vira Ei, quero-quero
Engole-vento Oi, tico-tico
Saíra, inhambu Anum, pardal, chapim
Foge asa-branca Xô, cotovia
Vai, patativa Xô, ave-fria
Tordo, tuju, tuim Xô, pescador-martim
Xô, tié-sangue Some, rolinha
Xô, tié-fogo Anda, andorinha
Xô, rouxinol sem fim Te esconde, bem-te-vi
Some, coleiro Voa, bicudo
Anda, trigueiro Voa, sanhaço
Te esconde colibri Vai, juriti
Voa, macuco Bico calado
Voa, viúva Muito cuidado
Utiariti Que o homem vem aí
Bico calado O homem vem aí
Toma cuidado O homem vem aí

1. A letra da canção se constrói com substantivos que pertencem ao mesmo campo semântico.
a) Que campo semântico é esse?
b) Que outro elemento da natureza se opõe a esse?

2. Releia o trecho da canção, observando a palavra que inicia cada um dos versos?

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Ei, pintassilgo
Oi, pintaroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira
Engole-vento
Saíra, inhambu
Foge asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tié-sangue

a)A que classe gramatical pertencem as palavras melro e tordo?


b)Foge e vai são formas verbais. Em que modo estão?
c)Que relação esse modo tem com o refrão “ O homem vem aí”?

3. Observe agora os versos em que foram empregadas as palavras ei, oi, ai e xô. Quais
valores semânticos seguintes elas expressam?

- advertência – apelo -dor


-pedido de silencio -afugentamento

4. Que expressões com sentido de advertência podem resumir a idéia geral do poema?

5. Releia estes versos do final da canção:


“Bico calado, muito cuidado,
Que o homem vem aí”
a)Que tipo de relação a palavra que estabelece entre eles?
-Adição - causa - conclusão - explicação - oposição
b) Levante hipóteses: por que o eu lírico repete o verso “O homem vem aí?”

Como percebido, a letra da canção é utilizada apenas como pretexto para o ensino da
língua. Ainda que pedida sua audição, nada iria contribuir para o trabalho docente, pois não
haveria espaço para trabalhar algum elemento de sua composição estrutural, especificamente
a materialidade musical.
No trigésimo terceiro capítulo, destinado a reportagem (p. 302), na secção sintática
sobre o predicado temos a canção “Raça Humana” de Gilberto Gil:
Leia a seguir a letra da canção de Gilberto Gil e responda às questões propostas:

A raça humana é A raça humana é


Uma semana Uma semana
Do trabalho de Deus Do trabalho de Deus

A raça humana é a ferida acesa A raça humana é o cristal de lágrima


Uma beleza, uma podridão Da lavra da solidão
O fogo eterno e a morte Da mina, cujo mapa
A morte e a ressurreição Traz na palma da mão

A raça humana é
Uma semana
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Do trabalho de Deus Desse divino oásis


Da grande apoteose
A raça humana risca, rabisca, pinta Da perfeição divina
A tinta, a lápis, carvão ou giz Na grande síntese
O rosto da saudade
Que traz do gênesis A raça humana é
Dessa semana santa Uma semana
Entre parênteses Do trabalho de Deus

Professor: Se possível, ouça a canção com os alunos.

1. A letra da canção se propõe a refletir sobre um dos temas mais inquietantes de toda a
história da humanidade: a raça humana e suas origens.
a)Que palavras ou expressões do texto comprovam a busca das origens?
b)A abordagem do tema, é portanto, científica ou mítica?

2. Observando a estrutura sintática das estrofes, notamos que quase todas elas são
semelhantes. Veja na 1ª estrofe, que também é o refrão:
“A raça humana é/ uma semana/ do trabalho de Deus”
a)Identifique a função sintática do termo a ferida acesa?
b)Classifique o predicado dessa oração.
c)Que outras estrofes apresentam uma estrutura sintática semelhante?
d)Qual é a única estrofe que apresenta uma estrutura sintática completamente diferente?

3. Ao conceituar a raça humana, o eu lírico faz uso de uma linguagem figurada, metafórica,
com neste verso: “ A raça humana é a ferida acesa”.
a)Qual é a função sintática dos termos a raça humana e uma semana do trabalho de Deus.
b)Que outras metáforas são empregadas na 2ª estrofe com a mesma função sintática?
c)Sobre a metáfora ferida acesa, Gil comenta: “ Eu adorava essa expressão do Caetano
Veloso, ‘ferida acesa’ [da canção ‘Luz do sol’: ‘Marcha o homem sobre o chão/ Leva no coração
uma ferida acesa´/, e resolvi transpô-la, traduzi-la para o contexto de ‘A raça humana’, ‘Ferida
acesa’: como se o pus fosse luz...”. Explique as associações que Gil faz entre ferida acesa, pus
e luz.

4. Observe este trecho da canção: “A raça humana risca, rabisca, pinta/ A tinta, a lápis, carvão
ou giz/ o rosto da saudade”.
a)Qual é a predicação dos verbos riscar, rabiscar e pintar?
b) Logo, que tipo de predicado essas orações possuem?

5. Como conclusão de estudo, compare estes dois trechos quanto ao sentido e ao tipo de
predicado:
I. “A raça humana é/Uma semana/ Do trabalho de Deus”
II. “A raça humana risca, rabisca, pinta/ A tinta, a lápis, carvão ou giz/ O rosto da
saudade/Que traz do Gênesis”

Em seguida, indique os itens que traduzem afirmações apropriadas sobre o texto:


a)São empregadas duas estruturas sintáticas distintas, com diferentes finalidades: o predicado
nominal é empregado quando se quer conceitar a raça humana: “ A raça humana é [..]”; o
predicado verbal, com verbos transitivos, quando se quer dizer que a raça humana faz.

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b)Os verbos de ligação facilitam a construção das metáforas, que desempenham a função
sintática de predicativo do sujeito, o núcleo do predicado verbal.
c)Tanto nas estrofes em que predomina o predicado nominal ( o que o homem é) quanto
naquela em que predomina o predicado verbal ( o que o homem faz), tudo lembra o Gênesis, o
que comprova a abordagem mítica do tema.
d) A “Grande Síntese” a que faz referência o texto é a raça humana.
e) A “semana santa” a que faz referência o texto é a semana da criação do mundo.

O conteúdo temático e o estilo são considerados, sem dúvida, nessa abordagem.


Entretanto, não houve novamente a preocupação de considerar a linguagem musical da
canção, ou seja, um de seus elementos composicionais, mesmo pedindo sua audição.
No quadragésimo quarto capítulo, destinado a produção do gênero textual crítica, a
canção “Cálice” de Gilberto Gil e Chico Buarque se refere ao quarto exercício (p. 367). Ela faz
um diálogo com a reportagem: “Afasta de mim esse cálice” (p. 366), por Leandra Peres,
observe:

Afasta de mim esse cálice (Leandra Peres)


Na semana passada, o governo conseguiu provar que é capaz de transformar até seus
melhores momentos em crises de grandes proporções. Isso requer um certo esforço. Depois
que o jornal The New York Times, o diário mais influente dos Estados Unidos, publicou
reportagem de meia página, em sua edição de domingo 9, dizendo que o consumo de bebida
alcoólica pelo presidente Lula virava “preocupação nacional”, o governo viveu um raro
momento de unanimidade. Até os adversários se levantaram em defesa do presidente.
“Conheço o Lula há trintas anos e não vejo nenhuma razão para o jornal fazer tal suposição”,
afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que classificou a reportagem de
“leviana”. “O presidente tem nossa total solidariedade. A reportagem é injusta e maldosa”,
disse o governador de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin. Na terça-feira , quando o
interesse pelo assunto já estava minguado e quase ninguém mais parecia interessado no
mexerico, o Palácio do Planalto anunciou a decisão de expulsar do país o autor da
reportagem, o jornalista Larry Rohter, 54 anos, que trabalha no Brasil desde os anos 70.
Com a reação autoritária e exagerada, o governo virou o jogo contra si de forma
espetacular. Até os aliados reagiram mal. “Não foi a melhor resposta”, disse o líder do governo
no Senado, Aloizio Mercadante, que, junto com outros senadores, formou uma comitiva para
apelar ao presidente que retrocedesse. Em vão. Numa cena que só a esquizofrenia petista
parece capaz de exibir, até o assessor de imprensa de Lula, o jornalista Ricardo Kotscho, deu
entrevista dizendo que, por disciplina, acatava a decisão do governo, mas confessou
abertamente que não concordava com ela.
(Veja, edição 1854, ano 37 n. 20)
[...]
4. Leia o boxe “Cálice/Cale-se” e observe o título da reportagem. Comente ambigüidade
sugerida pelo título “Afasta de mim esse cálice”.

Cálice/Cale-se

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Em 1973, em plena época de censura no regime militar, Gilberto Gil e Chico Buarque de
Holanda compuseram a canção “Cálice”, que fazia referências à situação política da época.
Para fugir da censura, os autores fizeram um jogo com a palavra “cálice”, que por ser repetida
várias vezes no fundo, virava “cale-se”, palavra que não aparece na letra, numa clara
referência à censura. Veja alguns versos da canção:

Pai! Afasta de mim esse cálice


Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...

[...]
Como é difícil
Acordar calado
Se na calada da noite
Eu me dano
Quero lançar
Um grito desumano
Que é uma maneira
De ser escutado
(www.chicobuarque.com.br/letras)

Aqui seria uma ótima oportunidade dos propositores sugerirem ao menos, a audição
da canção, isso porque há uma ambiguidade sonora entre o substantivo “cálice” com o verbo
“cale-se”, por serem homófonas, mas heterográficas. Esse exercício sobre a ambiguidade é
mal elaborado porque o aluno não teria subsídios necessários para percebê-la por meio apenas
da comparação gráfica. É apenas a partir da escuta e apreciação da canção que se obtém a
percepção da ambiguidade devido a repetição do substantivo cálice que intercalado com os
versos finais em protesto à censura soa, na verdade, como uma interrupção na melodia,
dizendo “cale-se” e promovendo a ambiguidade. Na canção esta ambiguidade está evidente,
pois os compositores souberam dispor alguns recursos musicais e linguísticos para sugerir essa
duplicidade de sentido. O exercício como se propõe é entregue ao aluno, com uma resolução
parcial, assim, cabe ao aluno solucioná-lo por completo, o que não o faz refletir sobre as
principais características que compõe a canção como gênero textual já que a questão vem
parcialmente resolvida.
Como percebido, em todos os exercícios propostos pelo LD não houve uma
preocupação em abordar todos os elementos característicos da canção como gênero textual,
em especial a materialidade sonora. Somente o exercício correspondente a canção “Haiti”
tentou buscar nos elementos musicais da canção algo que pudesse contribuir para seu
significado, contudo, sua abordagem não foi plenamente satisfatória pois não foi planejada
uma sequência que abordasse todos seus elementos constitutivos. Ainda a linguagem verbal
continua sendo o elemento exclusivo em sala de aula, deixando a margem outros tão
importantes para contribuir na significação do gênero textual.

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5. A canção nas aulas de música

Para fins comparativos, observaremos os elementos musicais marcantes nas canções


“Haiti, “Passaredo”, “A raça humana” e “Cálice” para depois estabelecer relações entre essas
abordagens e as do LD.
Para a canção “Haiti”, uma ótima abordagem em sala de aula se daria a partir de uma
instrumentação percussiva devido a melodia fortemente ritmada dessa música sugerir uma
estética que faz parte do cotidiano de alunos em idade pré-adolescente, sendo ela a linguagem
musical rap, por exemplo, a qual se poderia facilmente elencar elementos percussivo/musicais
encontrados em um ritmo como o funk.
Em “Passaredo” encontramos uma melodia suave que contempla caracteres do samba e
o acompanhamento de uma harmonia rica em dissonâncias. Certamente a abordagem dessa
canção em aula pudesse ser trabalhada com uma prática de coro, elencando fundamentos
melódicos para a aprendizagem dos alunos. A atividade seria efetiva porque conceitos musicais
importantes como o ostinato, por exemplo, são encontrados na melodia, o que iria valorizar e
enfatizar os versos iniciais da canção através de seu caráter músico-verbal repetitivo.
Em “A raça humana”, através de práticas de vocalizes utilizando sílabas e fonemas
como ba e bu, por exemplo, podemos reproduzir as frases rítmicas dessa canção fazendo os
educandos ficarem atentos a métrica de sua respectiva estruturação musical abordando sua
elaboração hexaternária. Do ponto de vista pedagógico, a abordagem se daria com fluência
dada à forte acentuação rítmica entre os compassos, fazendo os alunos sentirem com precisão
onde as frases rítmicas começam e onde elas terminam. Essa visão traria para os alunos uma
percepção mais versatilizada sobre a construção dos compassos rítmicos visto que ela
contrapõe as produções musicais mais triviais elaboradas em andamentos quaternários.
Por fim, em “Cálice”, a prática vocal seria fundamental devido à necessidade da audição
dessa composição na percepção do sentido ambíguo já citado representado pelo verbo cale-se.
Quando escutamos a música, citando especificamente a parte final, percebemos a palavra
cálice sempre interrompendo a melodia em forma de um contraponto que diante de uma
perspectiva fraseológica, resolve ou conclui as frases melódicas da respectiva estrofe.
Por outro lado, uma instrumentação também seria interessante pois poderia se
relacionar o tema relativamente violento, melancólico e depressivo da canção com a tonalidade
menor que no jargão musical também é visto como uma tonalidade melancólica e depressiva,
assim como da sonoridade “pesada” dos arranjos finais da composição.

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Após a explanação, notamos que particularmente nas aulas de música, a canção é


objeto exclusivo dos elementos musicais, ou seja, há uma maior preocupação com a música
em si do que com sua letra.
Por outro viés, temos o tratamento da canção nas aulas de canto. Conversando
informalmente sobre o tema com uma professora, perguntamos qual seria a importância do
conhecimento da letra para interpretar a canção. Após pensar um pouco, por não ter uma
resposta imediata, disse que devemos saber o que a canção diz, todo o seu significado. Ficou
expresso nas palavras da profissional que devemos conhecer o tema ou “conteúdo temático”,
linguisticamente falando. Não podemos nos esquecer de ir além tema, porque o estilo no
gênero textual pode trazer contribuições importantes para desvendar as intenções da canção e
sugerir uma interpretação original e criativa sem se prender as interpretações de outros
cantores.
No IX Festival de Música de Ourinhos/SP em 2009, houve uma oficina de Canto popular
com a cantora carioca Ana Luiza. Dentre as temáticas trabalhadas, como técnicas específicas
para o canto, a profissional citou os estudos empreendidos por Luiz Tatit, músico e professor
titular do Departamento de Linguística da USP, que faz excelentes considerações sobre a
associação letra/melodia, contribuindo para o desempenho interpretativo do canto.
De acordo com Tatit, “cantar é uma gestualidade oral [...] que exige um permanente
equilíbrio entre os elementos melódicos, lingüísticos, os parâmetros musicais e a entonação
coloquial” (TATIT, 2002, p.9). Ao falar dos elementos linguísticos, menciona os dêiticos,
dizendo que “indicam a situação enunciativa em que se encontra o eu (compositor ou cantor)
da canção. São imperativos, vocativos, demonstrativos, advérbios etc” (TATIT,2002, p.21). O
linguista destaca que há por trás da voz cantada, a voz falada evidenciando o discurso do
sujeito/cantor.
Voltando ao festival, o que nos chamou a atenção foi que apesar da participação de
cinquenta pessoas com prática musical em canto, muitas delas nos melhores conservatórios
musicais do país, apenas uma tinha conhecimento desses estudos, pois além da apreciação
musical pelo canto, também era graduada em Letras e já havia buscado estudos para
estabelecer tal relação. Notamos que a canção, vista como prática discursiva e a exploração de
recursos linguísticos específicos, não está perto de ser abordada nas aulas de canto. Quando
muito, a canção é observada por seus elementos musicais e temáticos, uma vez que o
intérprete deve estar a par do assunto cantado.
Um exemplo que deveria ser seguido é o artigo de Marcos Nogueira (2008) entitulado
“Noções básicas para o regente de bandas: o que fazer antes de pôr o material nas estantes”.
Nogueira pondera que para manter um bom nível estilístico, qualidade artística e eficiência
técnica em suas performances, os regentes costumam seguir um plano de estudo antes de
regerem uma peça. Os estágios mencionados são: o exame histórico da obra, a descrição de

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sua textura, a análise de sua estrutura e a definição dos caracteres de estilo da composição a
fim de construir uma interpretação.
O exame histórico da obra refere-se, linguisticamente, as condições de produção e
circulação da obra. Para Nogueira “toda execução, toda interpretação musical é uma
atualização da obra” (2008, p. 20) assim, “a busca por sua historicidade não é para nos tornar
aptos a reproduzir uma hipotética interpretação original da obra”, mas para compreendê-la,
“ativar a memória e estabelecer os sentidos que gerarão a nova interpretação” (p. 21). A
textura é uma metáfora para as qualidades perceptivas do fluxo sonoro que entendemos como
música. A estrutura corresponde ao parâmetro do fluxo musical relativamente estável, porque
se este variasse o tempo todo, se produziria num contexto de complexidade improcessável,
segundo Nogueira. De acordo com o músico, a estrutura da obra, corresponde aos recursos
notacionais, movimentos, segmentação formal, estruturação harmônica e temática, e também
a “apreciação de outros elementos significativos – como, por exemplo, o uso ocasional de
textos literais” (p. 27). Por fim, o estilo é “uma reprodução de padrões resultante de um modo
de escuta determinado por escolhas feitas no âmbito de um conjunto de valores culturais”
(p.33).
Os elementos explorados na peça parecem estar bem próximos daqueles que formam o
gênero textual. A historicidade da obra corresponderia às condições de produção e circulação
do gênero; a textura ao estilo e a estrutura composicional, inserindo também as tipologias
textuais; a estrutura referir-se-ia a própria estrutura composicional e conteúdo temático,
quando se abordaria ocasionalmente os textos literais e o estilo, ao estilo mesmo.
Após explanar minuciosamente os elementos que deverão ser explorados antes da
execução da peça, Nogueira vem reafirmar a importância de ser levar em consideração todos
os elementos constitutivos da obra, no caso, os elementos musicais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Luiz Tatit destaca a importância da junção das linguagens verbal e musical na


canção, logo, pondera: “... um texto de canção é, quase necessariamente, um disciplinador de
emoções. Deve ser enxuto, pode ser simples e até pobre em si. Não deve almejar dizer tudo.
Não precisa dizer tudo. Tudo só será dito com a melodia”(TATIT, 2002, p. 20). Talvez, Tatit
tenha sido um pouco radical em sua fala, entretanto, não podemos negar que o significado
amplo da canção acontece no hibridismo das duas linguagens.
Observando a abordagem da canção no LD e nas aulas de música, constatamos uma
resistência entre as duas linguagens em que o material didático desmerece a materialidade

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sonora por talvez não ter um conhecimento suficiente para trabalhar com os sons e os
educadores musicais, também podem não terem um conhecimento linguístico de forma a
observar o discurso expresso na canção, explorando os elementos existentes.
A importância de uma parceria interdisciplinar nos traz a certeza de uma abordagem
competente que a canção merece, pois há vestígios de uma mudança significante: o
reconhecimento das materialidades verbal e musical para um melhor tratamento da canção,
sendo este feito aos moldes das aulas de língua portuguesa ou nas aulas de educação musical.
Acreditamos também que olhar a canção como um gênero textual ajuda a minimizar a
distância entre a linguagem verbal e musical, favorecendo uma visão holística desse gênero
discursivo que necessita ser compreendido em suas peculiaridades.

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Para citar este artigo:

RAMIRES, Cíntia Pires de Lemos; OLIVEIRA, Hallyson Chrystiano Paschoalino de. A canção
compreendida como gênero textual: observação de sua abordagem no livro didático de
língua portuguesa e nas aulas de música. In: X CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DO NORTE
PIONEIRO Jacarezinho. 2010. Anais. ..UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná –
Centro de Ciências Humanas e da Educação e Centro de Letras Comunicação e Artes.
Jacarezinho, 2010. ISSN – 18083579. p. 23 – 39.

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