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Educação do

Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical
e práticas pedagógicas na Educação
do Campo
DIREÇÃO EXECUTIVA (GESTÃO 2009-2013)

Presidente
Alberto Broch

Vice-Presidente e Secretária de Relações Internacionais


Alessandra da Costa Lunas

Secretário Geral
David Wylkerson Rodrigues de Sousa

Secretário de Finanças e Administração


Aristides Veras dos Santos

Secretário de Assalariados e Assalariadas Rurais


Antonio Lucas Filho

Secretário de Política Agrária


Willian Clementino da Silva Matias

Secretário de Política Agrícola


Antoninho Rovaris
Secretário de Políticas Sociais
José Wilson Souza Gonçalves

Secretário de Formação e Organização Sindical


Juraci Moreira Souto

Secretária de Meio Ambiente


Rosicléia dos Santos

Secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais


Carmen Helena Ferreira Foro

Secretária de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais


Maria Elenice Anastácio

Secretário de Trabalhadores(as) Rurais da Terceira Idade


Natalino Cassaro
Eliene Novaes Rocha
José Wilson Souza Gonçalves
Organizadores

Educação do
Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical
e práticas pedagógicas na Educação
do Campo

BRASÍLIA
CONTAG
2011
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
SMPW Quadra 01, Conjunto 02, Lote 02. CEP: 71735-102
Núcleo Bandeirante/DF
Tel.: 61 2102.2288 – Fax: 61 2102.2299 www.contag.org.br

Ficha Técnica

Edição Final:
Evandro Costa de Medeiros
Eliene Novaes Rocha

Elaboração dos Textos:


Evandro Costa de Medeiros
Glaucia de Sousa Moreno
Maria Mirian Ferreira Gomes

Revisão:
Eliene Novaes Rocha
Tânia Mara Dornellas dos Santos

Diagramação e Capa:
Marcos Samorone dos Santos Carneiro
Raphael C. Freitas

Impressão:
Ellite Gráfica & Editora

Tiragem:
7.500 exemplares

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA


BIBLIOTECÁRIA MÁRCIA OLIVEIRA DE ALMEIDA CRB1-2403

E24

Educação do campo : dimensão educativa na luta sindical e práticas pedagógicas na


educação do campo / organizado por Eliene Novaes Rocha e José Wilson Souza
Gonçalves. – Brasília, DF : CONTAG, 2011.

44 p. : il. ; 30 cm.

1. Educação do campo. 2. Prática pedagógica. I. Rocha, Eliene Novaes. II. Gonçalves,


José Wilson Souza.
CDD 379

Promoção:

Apoio:
5

Não vou sair do campo


Pra poder ir pra escola
Educação do campo
É direito e não esmola

O povo camponês
O homem e a mulher
O negro quilombola
Com seu canto de afoxé
Ticuna, Caeté
Castanheiros, seringueiros
Pescadores e posseiros
Nesta luta estão de pé

Cultura e produção
Sujeitos da cultura
A nossa agricultura
Pro bem da população
Construir uma nação
Construir soberania
Pra viver o novo dia
Com mais humanização

Quem vive da floresta


Dos rios e dos mares
De todos os lugares
Onde o sol faz uma fresta
Quem a sua força empresta
Nos quilombos nas aldeias
E quem na terra semeia
Venha aqui fazer a festa

(Música “Não Vou Sair do campo”, Gilvan Santos)

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
6 Sumário

Apresentação ......................................................................................................7

1. A luta pela terra e a luta por Escolas: aprendendo com a luta


que não basta somente o acesso à terra ...................................................9

2. Precariedades e formação descontextualizada nas escolas rurais....11

3. Educação do campo como espaço coletivo dos movimentos e


organizações do campo ............................................................................. 14
3.1 O Movimento por uma educação "do" Campo .................................... 14

4. Educação do campo e educação contextualizada ................................ 18


4.1 A educação em movimento na escola do campo ............................... 18
4.1.1 Fundamentos das propostas pedagógicas tomando como
referência as ideias de Paulo Freire ................................................. 20
4.1.2 Articulação da formação escolar às necessidades e projetos
de desenvolvimento das comunidades ............................................ 22
4.1.3 Organização curricular pautada pela vivência entre escola e
comunidade, considerando especificidades culturais, políticas,
econômicas e ecológicas das comunidades .................................... 25
4.1.4 Integração das diferentes disciplinas escolares e do estudo
de seus conteúdos por meio de atividades de pesquisa
e reflexão sobre a realidade concreta.............................................. 27
4.1.5 Realização de atividades pedagógicas diversas associadas
à formação escolar: passeios, sessões de vídeo, debates,
palestras, festas, esporte e lazer ...................................................... 30
4.1.6 A realização de experiências relacionadas às práticas
produtivas da agricultura familiar ................................................... 33
4.1.7 Organização de rede de parceiros institucionais e políticos
que permitam gerir e executar os projetos pedagógicos .................. 38

Para não concluir... ......................................................................................... 44

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Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
Apresentação 7

Esta Cartilha é mais um importante resultado do trabalho que vem se desenvolvendo na luta
pela construção da Política Pública de Educação do Campo no Brasil. Os dados e informações
aqui apresentados são fruto da luta, da organização e atuação do Movimento Sindical de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais articulados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Agricultura (CONTAG), Federações Estaduais de Trabalhadores Rurais (FETAGs) e Sindicatos
de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs) em vários cantos deste imenso País.
Esta publicação vem cumprir com dois grandes objetivos: o primeiro deles é continuar
o processo de sistematização e publicação das experiências que vem sendo desenvolvidas no
campo, na perspectiva de educação para os povos do campo. O segundo objetivo é assegurar
que as propostas pedagógicas desenvolvidas pelo MSTTR e entidades parceiras, que são uma
referência para sua luta pela educação do campo, sejam amplamente divulgadas e conhecidas.
A parceira firmada entre o MSTTR, através da CONTAG, e o Ministério do Desenvolvimento
Agrário, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Territorial, por meio do contrato de repasse
270.097-56/2008 (CEF/MDA/CONTAG), possibilitou não só a produção deste material educativo e
pedagógico, mas também, especialmente, assegurar um amplo processo de mobilização e capacitação
nacional envolvendo os diversos sujeitos que atuam no campo, na educação e na mudança da escola
do campo. Os resultados deste trabalho podem ser conferidos neste material e na mobilização em
torno da educação do campo nos diversos espaços de construção de políticas públicas, em âmbito
nacional, estadual, territorial e municipal.
Para nós do MSTTR apresentar e disponibilizar esta cartilha com intuito de contribuir na
continuidade do processo de formação da qual ela foi elaborada, representa mais que uma vitória
na luta pela educação do campo, a materialidade dos resultados das lutas, de organizações que
lutam pela educação do campo e especialmente, do papel que vem assumindo o MSTTR na
construção da política pública de educação do campo.
“A organização desta publicação esta dividida em quatro eixos de debate e reflexão: O primeiro
deles diz respeito à vinculação da “Luta pela terra e a luta por escolas: aprendendo com a luta que
não basta somente o acesso à terra”. Entendemos que não é possível discutir a educação do campo,
sem discutir o campo e os sujeitos que fazem essa luta. O segundo eixo refere-se à apresentação de
um rápido diagnóstico da situação educacional do campo, com o título “Precariedade e formação
descontextualizadas nas escola rurais” no qual apresentamos a situação das escolas do campo,
reproduzindo uma realidade distante da situação que desejamos com a política pública de educação
do campo. O terceiro eixo apresentado com o título “Educação do Campo como espaço coletivo dos
movimentos e organizações do campo” que reafirma que o princípio base da educação do campo é a

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participação e organização social dos sujeitos coletivos do campo. Não existe educação do campo sem
a participação ativa e atuante dos sujeitos do campo. E por último o eixo quatro intitulado “Educação do
8 Campo e educação contextualizada” no qual apresentamos uma riqueza de práticas pedagógicas que
fazem da educação um intenso processo em movimento, gerando mudanças na escola do campo. São
práticas, experiências e lutas materializadas na vivência das escolas, das entidades e especialmente
como resultado da atuação intensa e incansável dos movimentos e organizações que atuam na
educação do campo na busca pela garantia dos direitos dos povos do campo.
Assim, recomendamos que este material seja analisado, criticado, estudado e principalmente
que ele contribua para o debate da educação do campo, demonstrando que é possível ter uma
escola do campo, com a participação dos sujeitos, vinculada sua realidade e especialmente que
reafirme o modelo de desenvolvimento do campo, que tenha vida, sujeitos, direitos e dignidade.

Saudações sindicais....

José Wilson Souza Gonçalves


Secretário de Políticas Sociais da CONTAG

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1. A luta pela terra e a luta por 9
escolas:
"aprendendo com a luta que não basta
somente o acesso à terra"

A história do Brasil é marcada pela história da luta pela terra e recursos naturais, ao
longo dos tempos foi se evidenciando a existência de dois projetos em disputa, de um lado
o projeto das elites, que assume o campo como lugar de produção de mercadorias e lugar de
riquezas naturais a serem exploradas, assumindo a terra como capital; e do outro lado o projeto
dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, os camponeses, que assumem o campo como lugar de
produção da sobrevivência, como lugar de moradia, trabalho e cultura, em que a terra é tomada
como provedora da vida.
Por este motivo a luta pela terra foi ao longo dos anos se afirmando como sinônimo
da luta dos trabalhadores e trabalhadoras do campo por um modelo de desenvolvimento que
seja justo, igualitário e sustentável, que desconcentre riquezas e que garanta a conquista de
direitos sociais a todos, diferente do modelo capitalista vigente.
Assim, tendo a sindicalização dos trabalhadores(as) rurais como um importante
instrumento no processo de mobilização e luta pela regulamentação do direito à terra e direitos
trabalhistas de agricultores familiares e assalariados rurais, a Reforma Agrária, para o Movimento
Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras (MSTTR) é, desde a sua origem, a “grande bandeira
de luta”.
E nesta luta aprendemos que é preciso muito mais que o acesso a alguns hectares
de terra para que o campo seja lugar de direito e dignidade. Nossa luta historicamente foi
se transformando na luta por uma “Reforma Agrária Ampla e Massiva”, que permita a
valorização e fortalecimento da agricultura familiar, assegurando a democratização do acesso
à terra articulada a uma política de infraestrutura, créditos, assistência técnica e garantia dos
direitos fundamentais [trabalho, renda, moradia, saúde, educação, transporte, lazer, etc] aos
homens e mulheres do campo.
No caso especifico do direito à educação, nosso Movimento Sindical dos Trabalhadores
e Trabalhadoras na Agricultura [MSTTR] já em 1963, na fundação da Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura [CONTAG], destacava a luta pela educação como bandeira
estratégica. O MSTTR criticava o modelo educacional adotado pelo Estado que não correspondia
às demandas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, e apontava o importante papel que a
educação pode cumprir ajudando a transformar os graves problemas e contradições que marcam
a sociedade brasileira.
Desde aquela época o MSTTR já pautava em seus debates que os processos educacionais
nas escolas deveriam considerar em seus planejamentos a realidade do campo, a cultura, as
condições de vida e as demandas das populações camponesas.
Em meio aos anos 1970, a CONTAG começou a realizar internamente a discussão sobre
a necessidade e importância de construir propostas para uma política de desenvolvimento do

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campo e da sociedade que respondesse às demandas dos trabalhadores e trabalhadoras rurais
e que tivessem a educação como um dos pilares desse desenvolvimento.
Duas décadas depois, nos anos 1990, debates mobilizados pela CONTAG junto à sua base
10
sobre desenvolvimento e sustentabilidade das comunidades camponesas desencadeiam um
conjunto de proposições que levam a elaboração e aprovação do PROJETO ALTERNATIVO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL [PADRSS]. Este projeto visa orientar as ações do MSTTR
e articular ações voltadas a construção de políticas públicas, garantir a reforma agrária, o
fortalecimento da agricultura familiar e garantia dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras
do campo. No bojo do PADRSS a educação foi assumida como estratégia para a construção do
desenvolvimento sustentável a partir do lugar onde vive, trabalham e lutam os povos do campo.
Nesta década também, assim como o MSTTR, o conjunto dos movimentos e organizações
camponesas travariam uma intensa luta pela construção de políticas públicas de educação do
campo, gratuita, de qualidade e acessível aos trabalhadores e trabalhadoras do campo, dando
origem ao Movimento Nacional por uma Educação do Campo.
Neste contexto, tem se dado o envolvimento do MSTTR na luta por escolas no campo,
por um lado, como forma de garantir o direitos dos trabalhadores(as) rurais a escolarização,
por outro, por ser a educação escolar um importante instrumento no fortalecimento da luta
sindical e pela reforma agrária. A construção de uma consciência coletiva sobre nossa história
de luta e renovação de nossas forças políticas depende da formação de nossas crianças e
jovens desde a escola. A melhoria, inovação e ampliação de nossa produção agrícola depende
da produção de conhecimento e da formação de profissionais qualificados para assessorar as
comunidades e os assentamentos.
Aprendemos, que além das cercas do latifúndio, tornou-se necessário romper as cercas
que privatizam o saber, transformando a luta por reforma agrária também em luta por educação
escolar como direito inalienável, transformando a escola em lugar de cidadania, em que aquilo
que se estuda fortalece a luta por direitos e dignidade.

Elementos para o diálogo:

• Em sua realidade, como se deu esta relação entre a luta pela terra, a luta por
direitos sociais mais amplos e a luta pela educação a partir do MSTTR? Que
conquistas existem em relação a luta por educação?
• Como você e os/as companheiros/as do MSTTR se relacionam e se envolvem
com as escolas rurais de sua região e que avaliação fazem das condições de
funcionamento e da formação que ela oferta à população camponesa?

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2. Precariedades e formação 11

descontextualizada nas
escolas rurais

No Brasil, como um país capitalista de forte contradição e exclusão social, historicamente


as populações pobres sempre tiveram seus direitos negados. Dados do IBGE coletados ao longo
dos últimos 10 anos demonstram que o direito dos povos do campo à escola não tem sido
garantido plenamente nem mesmo no que é a prioridade dos governos: a educação básica.
Os dados demonstram que no campo a oferta escolar para o atendimento das crianças
de 4 a 6 anos (referente à educação infantil) é de apenas 24,9% e apenas 4,5% dos jovens de
15 a 17 (referente a oferta do ensino médio). Esta situação confirma a precariedade listada e
demonstra que a maior oferta esta no ensino fundamental (1ª a 4ª séries) e basicamente não
existe oferta de escola de ensino médio para populações do campo. Estes dados demonstram
como as populações do campo têm acesso apenas a uma formação escolar inicial e voltada
praticamente apenas a aquisição das primeiras habilidades de leitura e escrita.
De modo geral, o universo da educação no espaço rural é ainda bastante marcado pela
presença de pequenas escolas com apenas uma sala de aula, turmas multisseriadas, formadas
por duas, três a até quatro séries diferentes e, na maioria das vezes, com apenas um professor
atuando. As escolas rurais funcionam quase na sua totalidade como escola anexa a uma escola
maior, localizada nos centros urbanos, responsável pela certificação e acompanhamento
pedagógico das escolas rurais.
Muitas dessas escolas rurais ainda funcionam em prédios improvisados, com infraestrutura
precária, com apenas uma sala de aula e um pequeno cômodo anexo que serve de cozinha,
secretaria, depósito, etc. Muitas não possuem sequer um banheiro, falta energia elétrica, água
encanada, saneamento, além de serem desconfortáveis, sem segurança, ambientes pouco atraentes
para os educandos, etc.
Além desses problemas da estrutura física que comprometem o trabalho dos educadores
e aprendizado dos educandos, existem ainda as precariedades na qualificação docente e baixos
salários. Somam-se ainda a esta situação à intensa rotatividade de professores e sobrecarga de
trabalho para esses.
Há ainda grandes desafios na atenção do poder público às demandas de escolaridade das
comunidades rurais, que prefere instituir como solução para estes problemas o fechamento das
escolas rurais e o transporte diário das crianças e jovens para cidade ou para núcleos distantes de
suas comunidades. Um dado alarmante, divulgado pelo INEP (2009), aponta que no meio rural em
2002, existiam 107.432 escolas. Já em 2009, o número de estabelecimentos de ensino reduziu
para 83.036, significando que foram fechados 24.396 estabelecimentos de ensino em 7 anos.

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Esses dados nos levam a lutar para superar a situação educacional existente nas escolas
rurais, sendo fundamental a atuação ativa e propositiva do MSTTR, mobilizando sua base
12
sindical para reivindicar junto aos governos ações concretas que ajudem a acabar com
o analfabetismo no campo, como por exemplo: buscar a construção de novas escolas
e garantir que as escolas nas pequenas comunidades não sejam fechadas; garantir aos
educandos do campo , em suas próprias comunidades, a continuidade de estudo para
além das séries iniciais do Ensino Fundamental; e promover processos de escolarização
que possibilitem aos trabalhadores e às trabalhadoras rurais informações necessárias
ao desenvolvimento de novas tecnologias de produção e comercialização, solidárias e
socialmente justas, ecologicamente sustentáveis e economicamente viáveis.

É importante ressaltar que, além das necessidades materiais, faltam às escolas rurais,
principalmente, projetos pedagógicos que deem conta de realizar uma formação que trabalhe
com conteúdos que permitam os educandos compreenderem a realidade em que vivem. E para
que isso ocorra, a formação tem que considerar a realidade e cultura de seus educandos como
ponto de partida para escolarização.
Além das péssimas condições estruturais que comprometem o funcionamento das escolas
rurais, os educandos do campo estão envolvidos em estudos que não possuem relação nenhuma
ou não ensinam nada relacionado a vida e trabalho no campo. As escolas rurais, em sua maioria,
sequer possuem equipamentos que permitam o desenvolvimento de atividades agrícolas ou
outras atividades similares.
Quando a escola não considera a realidade e cultura dos educandos na formação que ela
oferta, dizemos que a formação ocorre por meio de currículos descontextualizados. Esse tipo de
formação tem gerado principalmente o desinteresse dos educandos pelo estudo, sendo um
dos motivos do fracasso escolar, do abandono dos estudos, reprovações, etc. Os currículos das
escolas rurais são descontextualizados quando:

• não consideram na organização da formação escolar os calendários da vida no


campo, não havendo preocupação em adequar os tempos da escola aos tempos
dos educandos e de suas comunidades, impedindo os alunos de participarem das
atividades escolares em períodos de colheitas, baixa de maré, fase de chuvas fortes,
festejos religiosos, etc;
• suas atividades pedagógicas não reconhecem e nem valorizam a história e cultura
[crenças, linguagem, práticas e saberes] dos educandos e suas comunidades,
impondo a eles o estudo de religiões, valores e modos de vida de outros povos,
em especial urbanos; e
• seus conteúdos escolares são ensinados sem preocupação em se relacionar com
as experiências cotidianas e aprendizagens já adquiridas pelos educandos ao
longo de suas vidas, nas atividades próprias da vida no campo, como a produção
agrícola e relação com a natureza, organização social e política, etc.

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Além de construir e equipar adequadamente as escolas do campo, faz-se necessário lutar
pela sua organização a partir de projetos pedagógicos que desenvolvam uma escolarização 13
que valorize e trabalhe com a realidade, cultura, identidade e histórias das populações do
campo, que estimule entre os educandos a auto-valorização cultural e elevação de sua
auto-estima como camponeses, que os qualifique para entender criticamente a realidade
em que vivem e aprenderem conhecimentos que melhorem sua condição de vida e de
suas comunidades.

Esta reivindicação encontra força e legitimidade nas próprias bases legais que decretam
que no Brasil é preciso organizar a educação tendo em vista a promoção de “adaptações
necessárias a sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região”, visando não
somente garantir o acesso a escola, mas a permanência e sucesso escolar e sua vinculação
a realidade dos educandos.
Garantir efetivamente que os “conteúdos curriculares e metodologias sejam apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural; organização escolar própria, incluindo adequação
do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e as condições climáticas; e adequação [da formação]
a natureza do trabalho na zona rural, e que garantam uma formação voltada para sustentabilidade das
comunidades do campo” [LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nº 9.394/96].
Por isso, além de garantir o direito à escola, com condições materiais que contribuam
para qualidade e sucesso do trabalho e estudo de educadores e educandos é preciso que a
mobilização sindical dos trabalhadores e trabalhadoras rurais assegure a luta por processos que
ajudem a debater e reconstruir as propostas pedagógicas das escolas rurais, propondo que os
currículos em todos os níveis de ensino considerem a cultura e as demandas dos trabalhadores.
Garantir que se faça uma educação que questione a sociedade brasileira e suas contradições,
em especial a estrutura agrária e o sistema de concentração de riquezas, exploração e violações
que ele sustenta, cuja funcionalidade aloja o poder do agronegócio e das oligarquias latifundiárias.

Elementos para o diálogo:

• Você conhece a realidade das escolas rurais de sua região, quais são as
características delas no que diz respeito a estrutura física, equipamentos,
materiais, qualificação docente, quadro profissional somada e rotina de trabalho
desses profissionais?
• Você já pensou por que aquilo que se ensina nas escolas rurais inferioriza os
povos do campo e inferioriza o campo como lugar de vida, trabalho e cultura?
Quais são as consequências disto que a escola transmite?
• Em sua opinião como deveria ser o processo de formação e o que deveria ser
ensinado-aprendido nas escolas do campo?
• Você conhece iniciativas com processos pedagógicos diferenciados, valorizando o
campo e os modos de vida camponês, que estimulem novas formas produtivas e
organização política nas comunidades camponesas?
• Como seu sindicato se relaciona com estas escolas?

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3. Educação do Campo
14
como espaço coletivo
dos movimentos e
organizações do campo

3.1. O Movimento por uma Educação “do” Campo

A ideia de constituição de um Movimento por Educação do campo ganha força com a


Articulação Nacional por uma Educação do Campo com a presença e atuação dos movimentos e
organizações sociais e sindicais do campo na luta para assegurar às populações camponesas o
direito à escolarização vinculada a luta por reforma agrária. Desde o início a luta por uma educação
“do” campo ganhou importantes aliados, entre eles universidades, organismos internacionais,
organizações governamentais e não-governamentais e instituições religiosas.
Para o conjunto das instituições e entidades que participam dessa articulação que acabou
se tornando um movimento nacional, o campo é visto como “lugar de diversidade, conflitos e
possibilidades, lugar de vida”, sendo a educação “DO” campo não entendida apenas como
sinônimo de ensino escolar, mas como uma educação em que os povos do campo participam
como protagonistas de sua construção, fundamentado nas práticas políticas e pedagógicas
que se tem desenvolvido nos movimentos sociais e sindicais, na educação como prática
de cidadania ativa, articulada as lutas por direitos e transformação social e como elemento
fundamental da afirmação de projetos de sustentabilidade de comunidades camponesas.

Universidades, Organizações e Movimentos Sociais e Sindicais fundadoras do FONEC.

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Essa luta pelo direito à educação e pelo direito a uma formação escolar que considere
e respeite a cultura e demandas sociais dos camponeses, tem sido elemento mobilizador do
Fórum Nacional de Educação do Campo [FONEC], que aglutina movimentos e organizações 15
sociais e sindicais camponesas, organizações não-governamentais e instituições de ensino
superior, constituindo-se num espaço de debate, interlocução e ação voltado a construção e
desenvolvimento da política pública para educação do campo como responsabilidade do Estado
e dos governos em diferentes esferas.
Participam da coordenação do FONEC a Confederação Nacionaldos Trabalhadores na
Agricultura [CONTAG]; o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST]; a Rede de
Educação do Semi-Árido [RESAB]; a União Nacional das Escolas Família Agrícola do Brasil
[UNEFAB], representando os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA); a
Universidade de Brasília [UnB], representante do Observatório de Educação do Campo; o
Fórum Catarinense de Educação do Campo (FOCEC) e o Fórum Paraense de Educação do
Campo (FPEC).
O processo mobilizado pelo FONEC atualmente é fruto de uma luta que ganhou força no
final da década de 1990, como resultado da mobilização provocada fundamentalmente pelos
movimentos e organizações sociais e sindicais do campo. A proposta de criação do Fórum
como espaço coletivo de articulação entre as entidades que atuam na Educação do Campo foi
reafirmada em 2009 durante o II Fórum CONTAG de Educação do Campo, com a presença de mais
de 230 dirigentes sindicais e militantes da Educação do Campo de todo o país.

A proposta, reafirmada com a criação do FONEC em 2010 é de uma educação que se


faça por meio das escolas, mas teorizada e construída com a participação dos camponeses
e suas entidades políticas, visando desenvolver processos de formação escolar que levem os
educandos a conhecer e interpretar criticamente a realidade em que vivem; que possibilite

Educação do Campo
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a construção de conhecimentos que ajudem a questionar os modelos de agricultura e
a proposição de novas matrizes tecnológicas-produtivas, a partir de estratégias solidárias,
economicamente viáveis e ecologicamente equilibradas, que garantam a melhoria da qualidade de
16
vida dos que vivem no e do campo.
Já com mais de 10 anos de mobilização do Movimento Nacional de Educação do Campo,
a luta se ampliou, se redefinindo como luta para além da educação básica. Neste processo,
por pressão dos movimentos e organizações sociais camponesas na interlocução com o Estado,
ocorreram importantes conquistas, como a criação do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária [PRONERA], a elaboração e aprovação das Diretrizes Operacionais para Educação
Básicas nas Escolas do Campo, a criação da Coordenação Geral de Educação do Campo [CGEC],
vinculada à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão [SECADI/
MEC], a criação de programas, como Programa Saberes da Terra e o Programa de Licenciatura
em Educação do Campo [PROCAMPO] e mais recentemente a aprovação do decreto presidencial
[Decreto 7352/2010], que regulamenta as bases por uma Educação do Campo, reafirma a
importância de programas e políticas que aprimoram a educação no campo e torna o Pronera
uma política permanente de Estado.
O avanço e legitimidade da luta do movimento da educação do campo tem se sustentado
politicamente nas próprias prerrogativas legais, visto que a própria Constituição Federal,
de 1988, que proclama a educação como direito público subjetivo e, portanto, de todos os
cidadãos, independentemente de residirem em zonas urbanas e rurais, conclamando os direitos
de eqüidade e respeito às diferenças.
Mas foi somente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional [LDB], de 1996,
que, reconhecendo a concepção de “mundo rural” defendida pelos movimentos sociais do
campo, estabeleceu as normas para que fosse assegurada acesso a educação escolar aos
povos do campo considerando as especificidades do contexto de vida dos mesmos
e as especificidades relacionadas as demandas de aprendizagens dos diferentes sujeitos do
campo. Em outras palavras, a oferta de formação escolar precisa ser realizada considerando a
heterogeneidade dos povos do campo [ribeirinhos, agricultores familiares, quilombolas etc.]
e os sujeitos dos campos em suas diferentes fases de aprendizagem [crianças, adolescentes,
jovens e adultos].
A luta por uma Educação do Campo resgatou em sua caminhada o debate sobre a relação
entre educação e as concepções de mundo, sociedade, homem e natureza que estão sendo [re]
produzidas por meio da formação escolar e a que/quem ela serve. Esta luta permitiu
problematizar junto às comunidades [agricultores familiares, quilombolas, indígenas, ribeirinhos,
etc] como é possível a construção da cidadania, autonomia e sustentabilidade das comunidades
quando a formação escolar de seus filhos invisibiliza, desconsidera e nega a realidade, cultura,
saberes, identidades, modos de produção e histórias que ali existem e até mesmo suas
necessidades e projetos de futuro.
Ao longo destes anos os movimentos e organizações camponesas e suas entidades
parceiras colocaram em debate os modos pelos quais se produzem e socializam conhecimentos
na sociedade, questionando a escola como lugar desta produção, os educadores e educandos
como protagonista e a comunidade como sujeito coletivo desta produção. A função social da
ciência e da educação escolar passou a ser assunto de camponeses.
Neste contexto, como herdeira da educação popular, a emergência da educação do campo
reabre o debate sobre a função social da escola na sociedade capitalista, sobre a sociedade
de classes e a relação educação e ideologia, pautando a defesa do compromisso da escola
pública com os interesses e direitos das classes populares e segmentos excluídos socialmente.

Educação do Campo
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A educação do campo reafirma a necessidade da oferta de escolarização para emancipação dos
sujeitos, no combate a todo tipo de alienação [social, econômica e cultural] e como instrumento
de luta contra todas as formas de exploração do trabalho humano e dos recursos naturais, de 17
combate a todas as práticas concentradoras de riqueza e geradoras de exclusão, miséria social
e devastação ambiental, de combate as forças políticas e econômicas do capital, em especial ao
agronegócio e as oligarquias agrárias latifundiárias.
O debate da educação do campo se afirma assim como um debate sobre sociedade,
cultura, produção do conhecimento e projetos de desenvolvimento, por isso coloca em foco
o vigor e possibilidades da educação escolar a serviço de processos que realmente ajudem a
melhorar a qualidade de vida dos educandos e de suas comunidades, formando os educandos
camponeses para assumirem seu papel político na luta contra o capital e em defesa de uma
sociedade mais justa e igualitária.

Educação do Campo
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4. Educação do Campo e
18
educação contextualizada

4.1. A educação em movimento na escola do Campo

A luta por uma educação do campo é a luta para colocar a escola a serviço dos povos do
campo, além do direito à escolarização, visa garantir também uma formação escolar que ajude a
transformar e melhorar as condições de vida e trabalho no campo, por isso o currículo escolar é
uma ferramenta muito importante.

Todo currículo é em si um instrumento político e de poder, pois é fruto de decisões sobre o


papel da escola frente à sociedade e na formação dos cidadãos desta, assim, todo currículo
serve à organização da formação escolar que tem o dever de levar homens e mulheres a
aprender coisas para assumirem também papéis nesta sociedade.

O currículo escolar é o conjunto de atividades que compõem o processo de formação a ser


desenvolvido de acordo com os objetivos definidos. É a proposta de organização e funcionamento
da formação escolar, nele contém a proposta de percurso a ser seguido, dos saberes a serem
construídos, das práticas e atividades a serem experienciadas, das relações sociais a serem
vividas, da cultura a ser cultivada, dos valores a serem exercitados, dos sujeitos a serem
envolvidos, dos lugares a serem ocupados com atividades, dos tempos a serem compostos, etc.
No currículo se descreve como, quando e onde acontecerá a formação escolar; quem são as
pessoas envolvidas e seus papéis/responsabilidades; os temas e conteúdos a serem estudados,
as práticas a serem exercitadas, as habilidades a serem desenvolvidas e quais aprendizados
queremos que os educandos desenvolvam e que tipo de comunidade e sociedade esperamos que
eles ajudem a construir a partir do que aprendem na escola.
Grande parte das ideias e da personalidade de cada cidadão - e da sociedade de maneira
geral – é formada na e pela escola, influenciadas pelas temáticas e conteúdos selecionados
para serem ensinados; pelas situações e relações vividas durante o período de formação; pelas
práticas-habilidades aprendidas na escola; e, principalmente, pelas repressões e silenciamentos
daquilo que as pessoas teriam interesse em aprender/saber, mas que a escola não permitiu estar
no currículo.
Em consonância com o ditado popular que diz “saber é poder”, aquilo que dá identidade
a escola, o currículo, é um instrumento de poder porque ajuda a criar condições de mudar
realidades a partir da formação das pessoas, visto que a proposta curricular forma para uma

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cidadania crítica ou alienada, empodera ou desempodera politicamente os indivíduos, ajudando a
formar pessoas que atuarão para manter ou transformar a realidade social em que vivemos, onde
impera a exclusão de muitos por conta dos privilégios de poucos. 19
Neste aspecto é importante que observemos nossa própria história, a quem serviu a escola
rural e seu currículo e qual o significado da luta por uma escola do campo, com currículos
diferenciados do tradicional. A luta por uma educação do campo é a luta pela construção de
novas propostas curriculares para nossas escolas rurais. É a luta pela organização de processos
formativos críticos e criativos, que possibilitem a formação para a cidadania ativa, com poder de
reflexão e atitude política a favor da transformação e da melhoria da sociedade e comunidades
em que vivemos.
Isto é o que move a existência de inúmeras iniciativas pedagógicas desenvolvidas pelos
movimentos e organizações sociais e sindicais do campo em todo o território brasileiro, que nos
últimos 40 anos têm praticado uma formação crítica e criativa por meio de propostas curriculares
inovadoras, tais como as Escolas Família Agrícola [EFAS], as Casas Familiares Rurais [CFRs],
a Rede de Educação do Semiárido [RESAB], o Serviço de Tecnologia Alternativa [SERTA], o
Movimento de Organização Comunitária (MOC) etc.
Estas mesmas iniciativas têm sido tomadas como referência para elaboração das bases
legais e dos programas governamentais em educação do campo, dando conta da diversidade e
especificidades culturais e de demandas dos povos do campo.
São exemplos destes programas governamentais: o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária [PRONERA] e o Programa Projovem Campo Saberes da Terra, realizados
respectivamente pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Ministério da Educação
(MEC), do Governo Federal.
Todas essas iniciativas pedagógicas, em diferentes modalidades e níveis de ensino, são
desenvolvidas através de propostas curriculares que têm em comum os seguintes elementos:

• Fundamentação das propostas pedagógicas tomando como referência as ideias de


Paulo Freire;
• Articulação da formação escolar as necessidades e projetos de desenvolvimento das
comunidades;
• Organização curricular pautada na relação escola e comunidade (alternância
pedagógica, conhecer, analisar e transformar, ação-reflexão-ação), considerando
especificidades culturais, políticas, econômicas e ecológicas das comunidades;
integração das diferentes disciplinas escolares e do estudo de seus conteúdos por
meio de atividades de pesquisa e reflexão sobre a realidade concreta;
• Realização de atividades pedagógicas diversas associadas à formação escolar [passeios,
sessões de vídeo, debates, palestras, festas, esporte e lazer, etc];
• A realização de experiências relacionadas às práticas produtivas da agricultura
familiar;
• Organização de rede de parceiros institucionais e políticos que permitam gerir e
executar os projetos pedagógicos

Veremos em seguida alguns exemplos de como esses elementos curriculares se combinam


permitindo o desenvolvimento da formação escolar nas diferentes iniciativas pedagógicas em
educação do campo existentes em todo país. São experiências desenvolvidas nas escolas
públicas em parceira com as organizações e movimentos sociais e sindicais do campo, nos
centros familiares de formação por alternância, nas universidades através dos programas, etc.

Educação do Campo
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Enfim, queremos observar que não estamos falando de um sonho, uma utopia, estamos nos
referindo a propostas concretas, que estão sendo vivenciadas, que estão mudando a realidade
do campo, das escolas e especialmente mudando a vida de milhões de trabalhadores rurais
20
camponeses em todo o Brasil.

4.1.1 Fundamentação das propostas pedagógicas tomando como referência as ideias


de Paulo Freire

Para Paulo Freire a educação deve se afirmar como um processo que estimule a
curiosidade e interesse dos indivíduos em conhecer seu mundo, se realizando por práticas de
investigação e comunicação em que os sujeitos desenvolvam práticas de leitura do mundo,
de debate e expressão de opiniões sobre o mundo, compartilhando seus aprendizados com
outros sujeitos e se colocando como sujeito de transformação deste mundo, fazendo disso
processo de transformação do conhecimento e de si mesmo.
Paulo Freire defendia a educação como processo dialógico, a educação pelo diálogo
dos sujeitos entre si e numa ação coletiva com e sobre o mundo como elemento fundador
da construção do saber.
A formação para o diálogo com e sobre o mundo é a formação para compreensão
das condições e dos aspectos que limitam e comprometem a qualidade de vida de nossas
comunidades, sua historicidade e possibilidades, etc. é uma formação que permita aos indivíduos
perceberem a realidade em que vivem como algo conseqüente de um processo histórico e político,
fruto das relações, escolhas e decisões humanas, contraditórias e conflituosas, que podem ser
transformadas pelos sujeitos quando estes têm consciência destas contradições e conflitos.
A busca desta formação tem sido, por exemplo, o desafio assumido pela Escola
Nacional de Formação da CONTAG [ENFOC], criada a partir do 9º Congresso Nacional dos
Trabalhadores (as) Rurais, em março de 2005, tendo como missão “fazer a formação política
e ideológica, de forma sistemática e continuada, para dirigentes, assessores e lideranças de
base do MSTTR, capaz de lhes dar condições efetivas para a disputa de ideias e de projetos
que ocorre no cotidiano da ação sindical” [PPP/CONTAG].
Tendo seus espaços formativos compostos por turmas nacionais, regionais, estaduais
e municipais, a ENFOC visa, especialmente, estimular e instrumentar os membros do MSTTR
para que realizem estudos que os ajudem construir reflexões críticas sobre o mundo ao seu
redor e sobre a luta sindical do qual participam enquanto militantes e dirigentes focados na
busca de alternativas e soluções para os desafios que limitam maiores conquistas da luta
sindical e fragilizam o MSTTR.
Pela formação na ENFOC busca-se qualificar o debate sobre as formas como os
militantes e dirigentes fazem e veem suas práticas junto ao MSTTR [concepção sindical]; o
lugar e papel que ocupam homens, mulheres e jovens na luta sindical [relações de gênero e
geração étnico-racial]; e sobre os objetivos que mobilizam a luta sindical e a luta pela terra
[concepção de campo e desenvolvimento]. Em meio a este processo se realiza também o
estudo e debate sobre os modos de produção, políticas públicas, inclusão social, democracia
e participação cidadã, refletindo sobre as conjunturas que conformam a sociedade brasileira.
Por isso, a ENFOC é considerada como um lugar de transformação política, de re-
alimentação de sonhos e de utopias, de olhar criticamente para a prática do MSTTR, construir
orientações e refletir sobre seu aprimoramento.

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21

ENFOC: Momentos de Estudo nas Turmas Nacionais.


Fonte: CONTAG

Se não refletimos sobre o mundo a nossa volta e nossas práticas cotidianas no MSTTR,
perdemos a compreensão do valor de nossa lutas e direitos conquistados. Vivemos um momento
conjuntural em que se espalham por todo o Brasil empreendimentos do agronegócio que têm
investido na concentração de terras e disputa pelos recursos naturais, o que gera pressão e
ameaças aos territórios pertencentes à comunidades rurais diversas de norte a sul do país.
No Paraná, famílias residentes nas comunidades rurais de Wenceslau Braz, nos últimos
anos têm vivenciado uma dura realidade, marcada pela concentração de terras por fazendeiros
e empresas ligadas ao agronegócio, que tem gerado o empobrecimento, falta de perspectivas,
despovoamento e desagregação das comunidades rurais.
Diante da urgência em mobilizar as populações rurais do Paraná para debaterem sobre
esta realidade que lhes afeta, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná
(FETAEP) tem buscado organizar eventos e parcerias que ajudem na construção de discussões
sobre modelos de desenvolvimento, agricultura familiar e matriz produtiva, procurando propor
ações que apontem para uma perspectiva sustentável de desenvolvimento e o modo de produção,
tendo como perspectiva a agroecologia.
Seguindo as ideias de Paulo Freire, que dizem que o sujeito pensante não pode pensar sozinho,
buscando pensar a educação (política e pedagogia) desde os interesses sociais, políticos, culturais
das comunidades rurais, a FETAEP tem atuado na organização dos Seminários da Educação do Campo
no Núcleo Regional de Wenceslau Braz [2006, 2007 e 2009], realizados numa parceria com Sindicatos
Rurais dos Trabalhadores, Prefeituras Municipais e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
– PR (EMATER), envolvendo 450 participantes dos municípios de Arapoti, Sengés, Salto do Itararé,
Santana do Itararé, São José da Boa Vista, Jaguariaíva e Wenceslau Braz.
Como fruto dos Seminários em Educação do Campo e das parcerias constituídas,
surgiu o “Projeto Comunidade, Família e Escola: por uma Educação do Campo e no Campo”, que
visa despertar os sujeitos locais para consciência dos direitos por seu território e mobilizá-los
para exercitar um papel ativo frente à reivindicação e construção de propostas para as políticas
públicas, focando a reflexão sobre questões como educação do campo, agricultura sustentável,
agroecologia, saúde, saneamento básico, desenvolvimento sustentável e qualidade de vida.

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22

Eventos de Educação do Campo no Núcleo Regional de Wenceslau Braz.


Fonte: FETAEP - PR

Através da metodologia do diálogo coletivo sobre a realidade, experiências como da


FETAEP têm ensinado que, quando a cabeça pensa onde os pés pisam, como diz Paulo Freire,
certamente o que fazemos é capaz de construir formas de poder popular, em que as pessoas
organizadas politicamente assumem, na interlocução com o Estado, uma posição de cidadania
ativa, pressionando, propondo e agindo coletivamente para que seus direitos sejam afirmados
para além do previsto legalmente.
Revela-se assim o poder da educação exclamada por Paulo Freire, o poder de impulsionar
uma força transformadora da realidade ao formar homens e mulheres como sujeitos históricos,
conscientes de sua realidade, senhores de seu destino.

4.1.2 Articulação da formação escolar às necessidades e projetos de


desenvolvimento das comunidades

Nas iniciativas pedagógicas em educação do campo, busca-se uma escolarização


em que o processo ensino-aprendizagem ocorra de maneira crítico-criativa pelo uso social
dos conteúdos, ou seja, uma formação em que o estudo e a aprendizagem dos conteúdos
científicos se efetivem pelo uso destes na realização da investigação, compreensão e
experimentação sobre a realidade.
Desta forma, na perspectiva da Pedagogia Freireana, busca-se uma escolarização em
que se produzam aprendizado significativo [importante e interessante] para os educandos
e para as suas comunidades, que os ajudem a atuar como sujeitos históricos diante da
realidade em que vivem, para transformá-la e melhorá-la. Assim, a escola passa a cumprir
uma função política importante formando pessoas para atuarem na construção de projetos
de desenvolvimento local e sustentabilidade das comunidades camponesas.
Por esse motivo as propostas curriculares dessas iniciativas pedagógicas são sempre
frutos de uma discussão e construção coletiva, envolvendo as comunidades camponesas,

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as organizações sindicais, movimentos sociais e entidades e instituições parceiras dos
agricultores familiares na luta pelo direito a educação.
Exemplo disto é o processo que levou à construção da proposta pedagógica da 23
Escola Agrotécnica Federal de Marabá e a organização do curso de Ensino Médio Técnico-
Profissional em Agroecologia / PRONERA, que atende jovens agricultores do sudeste do
Pará, membros da FETAGRI e do MST. Tanto a escola, como seu projeto pedagógico e a
turma de ensino médio foram conquistas de uma luta coletiva coordenada pela FETAGRI,
MST e Comissão Pastoral da Terra / CPT, que, tendo como parceira a Universidade Federal
do Pará / UFPA, conseguiram organizar momentos de debate e elaboração das propostas
que levaram à instalação de uma escola agrotécnica federal num assentamento de
reforma agrária e asseguraram à juventude camponesa o acesso à educação profissional.
A proposta pedagógica da escola e do curso prioriza principalmente formar profissionais
com capacidade técnica para diagnosticar e propor soluções aos problemas tecnológicos,
gerenciais e organizacionais das dimensão sócio-econômica e o manejo ambiental numa
perspectiva agroecológica e a sustentável.
A construção e definição coletiva da proposta pedagógica das escolas do campo
demarcam uma conquista do direito à escolarização materializado por uma formação
comprometida com os interesses e necessidades dos povos do campo, que considere,
respeite e assuma a cultura, história e realidade dos trabalhadores e trabalhadoras do campo
como referência daquilo a ser estudado, do calendário a ser organizado, dos experimentos
a serem realizados, etc.
É desta forma que tem se dado o processo de instalação das escolas organizadas pelo
movimento da Pedagogia da Alternância, como no caso vivenciado pela Associação Gaúcha
Pró-Escolas Famílias Agrícolas, que, quando ocorre a oportunidade de expandir sua rede
de escolas, sempre realiza assembleias com agricultores familiares e instituições parceiras
para discutir a definição e os elementos que envolvem uma nova EFA a ser criada. Nestes
eventos são discutidas questões como cursos a serem desenvolvidos, gestão, financiamento,
parcerias, relação com secretarias de educação, organização pedagógica, etc.

Seminário de Debate do Projeto Político Pedagógico da Escola Agrotécnica Federal de Marabá.


Fonte: Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará.

Educação do Campo
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24

Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas: Assembléia Geral das Famílias.


Fonte: http://efasantacruz.blogspot.com/search?updated-max=2011-09-27T05:31:00-07:00&max-results=8

Ao longo destes anos de luta para garantir o direito à educação aos povos do campo, o conjunto
das organizações envolvidas no movimento nacional de educação do campo foram também lutando
para ampliar a oferta de escolarização para além da formação de profissionais da área da educação e
da produção agrícola. Foi assim que ao longo destes anos, principalmente por meio do PRONERA,
em muitos lugares do país o movimento sindical foi estabelecendo parcerias com as universidades
na busca da oferta de cursos superiores em diversas áreas do conhecimento: Pedagogia; Agronomia;
Direito; Licenciatura em História; em Ciências Agrárias; Geografia, Artes, entre outros.
Nesta perspectiva, considerando as necessidades das comunidades camponesas em sentido
amplo, é que vem sendo realizado o Curso de Direito pelo PRONERA, ofertado pela Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Goiás/UFG, na Cidade de Goiás, destinado a 60 (sessenta) jovens e
adultos trabalhadores rurais beneficiários da Reforma Agrária e Agricultores Familiares de todo o Brasil.
O curso, resultado de uma parceria entre a UFG, a FETAEG, a CONTAG e o MST, o INCRA/PRONERA
e o MEC/SECADI, tem como objetivo formar graduandos em Direito que possam assessorar e prestar
serviços às comunidades camponesas, agricultores familiares e movimentos sociais e sindicais no
suporte jurídico à luta pela terra, na defesa da reforma agrária e na garantia dos direitos dos povos do
campo. Para isso o curso tem privilegiado uma formação sócio-política, técnico-jurídica e ética.

Curso de Direito UFG / PRONERA: Momento de Estudos - Tempo Universidade.


Fonte: Secretaria do Curso.

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Foi a busca por uma escolarização profissionalizante que atendesse as necessidades das
comunidades camponesas que vivem ao longo da Rodovia Transamazônica, no oeste do Pará,
que levou à organização e criação do Curso de Ensino Médio Técnico em Agente Comunitário 25
de Saúde, financiado pelo PRONERA. O curso atendeu 79 agricultores familiares de diversos
municípios da região, que sofrem com a falta de profissionais e com a precariedade do sistema
de saúde. Os educandos ao se formarem elegeram a Irmã Dorothy como nome da turma.
A luta pela escolarização e pela formação profissional em sentido amplo, garantindo formação
inicial e continuada, em todos os níveis de escolarização, em diversas áreas profissionais, coloca-se
como elemento fundamental da compreensão de que toda luta por cidadania precisa ser a luta por
cidadania ampla e não reduzida a direitos imediatos ou ao mero acesso de instrumentos para ser integrado
ao mercado de trabalho. Como diz a música, “não queremos só comida”, mas também diversão, arte,
tecnologias, saúde, etc, e, assim, precisamos de uma escolarização e formação profissional que permita
qualificar sujeitos para ajudarem a assegurar aos povos do campo acesso à cidadania ampla.

Curso Ensino Médio Técnico ACS - PRONERA: Turma Irmã Dorothy, 2011.
Fonte: http://educampoparaense.eform.net.br

4.1.3 Organização curricular pautada pela vivência entre escolas e comunidade,


considerando especificidades culturais, políticas, econômicas e ecológicas das
comunidades

De maneira geral as iniciativas em educação do campo espalhadas pelo país organizam


suas propostas curriculares referendadas na Pedagogia da Alternância, que pressupõem:

• escolarização considerando as histórias, saberes, valores, costumes e práticas


produtivas das famílias e das comunidades dos educandos [realidade como objeto de
estudo e formação para fortalecimento cultural dos agricultores familiares];
• escolarização pelo estudo das características sócio-culturais que marcam a existência
• da agricultura familiar e o ambiente em que vivem [a pesquisa como prática
educativa e os educandos como produtores de conhecimento];

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
• escolarização para o exercício teórico-prático que ajude na constituição de melhores
condições de vida, individual e coletiva, para os educandos, suas famílias e
comunidades [a educação para transformação social].
26
Elemento fundamental da metodologia assumida na Pedagogia da Alternância, a alternância
de tempos espaços educativos consiste no processo de alternar, articular e integrar diferentes
momentos e atividades de formação na própria escola [atividades de estudo, oficinas pedagógicas,
sessões de vídeo, palestras, visitas, experimentação agrícola, festejos, lazer, etc] e nas comunidades
[pesquisa, experimentações, estágios, etc]. Assim a organização do processo pedagógico é proposta
a partir de dois tempos-espaços fundamentais: Tempo-Comunidade e Tempo-Escola.
O Tempo-Comunidade corresponde ao momento de realização de pesquisas,
experimentações e estudos realizados pelos educandos enquanto estão em suas comunidades.
Momento em que se realiza a pesquisa do funcionamento do meio familiar e comunitário na
busca de construir o diagnóstico da realidade em que vivem, considerando várias dimensões da
mesma [histórica, econômica, cultural, social, ambiental, política, etc], coletando informações
que subsidiam as atividades formativas no tempo escola. É também momento em que o educando
pode experimentar no lote de sua família os conhecimentos construídos no processo escolar,
buscado ampliar o aprendizado teórico-prático.
O Tempo-Escola é o momento de estudo no espaço da escola, tomando como ponto de
partida os elementos trazidos pela pesquisa da realidade, envolvendo a sistematização da reflexão
sobre a vida na família/comunidade. Momento em que os educandos estudam os conteúdos das
disciplinas escolares, utilizando-os como instrumentos para melhor compreender a realidade que
pesquisaram no Tempo-Comunidade.
Em muitas iniciativas pedagógicas, o Tempo-Escola vem sendo realizado em regime de
semi-internato [com hospedagem dos educandos na escola durante dias, semanas ou meses] ou
em regime de 8 horas por dia [manhã e tarde], assegurando tempo para realizar uma formação
integral, com possibilidades de realização de atividades que provoquem os educandos a
experimentações e convivências educativas, como a participação em atividades de gestão da
escola e da área de produção agrícola.
Propondo que 1/3 do processo de escolarização seja dedicado a atividades desenvolvidas
no tempo-comunidade e os outros 2/3 em tempo-escola, por meio da organização de calendários
escolares que respeitem o calendário agrícola, as características climáticas e a cultura das
comunidades dos educandos, as iniciativas pedagógicas por alternância visam:

• favorecer entre os educandos a manutenção do vínculo sócio-afetivo com a família,


amigos, comunidade e com a terra em que vivem-trabalham;
• valorizar e refletir sobre as experiências sócio-culturais (trabalho, festas, costumes,
etc) vivenciadas na família e comunidade;
• participar da vida política da comunidade e da agricultura familiar; e
• estimular a percepção crítica e a experimentação do trabalho - no caso, de práticas
de agricultura – buscando o aprimoramento e qualificação técnica que possam
promover a produção sustentável em uma relação/transformação da natureza de
forma equilibrada, para criação de condições necessárias a sustentação da existência
humana.

No desenvolvimento dessas iniciativas pedagógicas são comuns a existência dos


seguintes elementos curriculares:

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• Tema Gerador: tema escolhido para um período de estudo que evidencia uma
“situação limite” relacionada a problemas da realidade em que vivem os educandos e
suas comunidades e a compreensão deles sobre a mesma. 27
• Plano de Estudo: roteiro das atividades de pesquisa de campo a serem realizadas
pelos educandos durante cada Tempo-Comunidade, sendo composto por
atividades de estudo (leitura teórica ou literária), de pesquisa (levantamento de
dados relacionados ao enfoque) ou trabalho (experimentação de alguma prática
agrícola, etc).
• Colocação em Comum: momentos de organização, socialização, análise e debate sobre
os dados levantados durante a pesquisa, assim como a avaliação do processo vivenciado
durante a pesquisa.
• Atividade Pedagógicas Integradas: planejamento e realização de atividades das
disciplinas de modo articulado/combinados, com os professores desenvolvendo em
conjunto suas aulas, palestras, debates, sessões de cinema, oficinas de informática,
artes, visitas e passeios pedagógicos, etc.
• Grupos de Auto-Gestão: organização dos educandos em grupos para participarem da
gestão do processo pedagógico e para realizarem coletivamente estudos, pesquisas,
atividades práticas, etc, de modo a estimular a consciência coletiva, auto-disciplina e
corresponsabilidade por sua formação;
• Socialização dos saberes produzidos: realização de atividades junto as
comunidades dos educandos para partilhar os saberes produzidos durante a formação
dos educandos e avaliar o processo pedagógico.

As experiências das escolas do campo desenvolvidas pelo MOC, SERTA, RESAB


e CEFFA exercitam elementos pedagógicos fundamentais de processos formativos
comprometidos com a formação integral [formação intelectual, humana, ética, social,
política, ecológica e profissional]. Tais experiências revelam como a escola pode ajudar
no empoderamento local, no empoderamento dos indivíduos e de suas comunidades como
produtores de conhecimento e cultura, como sujeitos políticos e históricos e como grupo
com uma identidade própria.

4.1.4 Integração das diferentes disciplinas e escolares e do estudo


de seus conteúdos por meio de atividades de pesquisa e reflexão sobre
a realidae concreta

Nestas iniciativas pedagógicas em educação do campo realiza-se um processo em que os


educandos são colocados como produtores de conhecimento e que, depois de formados, podem
colaborar profissionalmente com suas comunidades de origem.
Isto só é possível porque a escolarização ocorre tendo como ponto de partida a pesquisa
sobre as histórias e culturas dos educandos e suas comunidades; sobre o ecossistema em que
vivem e seus sistemas de produção [criação, cultivo, extrativismo, etc]; sobre suas organizações
políticas e produtivas [sindicatos, associações, cooperativas, etc]; sobre os direitos conquistados
por suas comunidades [serviços públicos, estrutura, segurança, educação, cultura, saúde,
etc]; sobre os projetos em disputa, principais problemas enfrentados, alternativas criadas e
possibilidades de futuro de suas comunidade e região; etc.

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Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
28

Pedagogia do Campo: Entrevista com Agricultores Familiares Assentados.


Fonte: Faculdade de Educação - Campus de Marabá / UFPA.

As pesquisas da realidade são realizadas principalmente durante o Tempo-Comunidade,


sendo que os educandos em formação são orientados a observar e levantar dados sobre as
características, históricos e demandas relacionadas aos temas pesquisados nas comunidades.
Como no caso da pesquisa realizada pelos educandos da turma do Curso de Pedagogia do
Campo, da Universidade Federal do Pará, em parceria com a FETAGRI – Regional Sudeste do
Pará, financiada pelo PRONERA. Durante o Tempo-Comunidade os educandos retornaram aos
seus assentamentos para fazer um levantamento da realidade sócio-econômica e demandas
escolares das famílias de agricultores, para quando voltassem ao Tempo-Escola, na universidade,
fizessem estudos e reflexões teóricas de como enfrentar os problemas daquela realidade.
No caso dos educandos do Curso de Pedagogia do Campo do Pará, estudar através da
pesquisa da realidade ensinou também a como usar a “metodologia do ensino a partir da pesquisa”
nas escolas rurais em que atuam como professores. Desta forma eles passaram a organizar seus
educandos do ensino fundamental para fazer pesquisas sobre a realidade social, ambiental e
econômica em seus assentamentos, abordando diversos aspectos: recursos florestais, carvoaria,
história do assentamento, produção do leite, produção de hortaliças, etc.

Pedagogia do Campo: Educandos do Ensino Fundamental em Pesquisa sobre Carvoarias.


Fonte: Faculdade de Educação - Campus de Marabá / UFPA.

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
As atividades de pesquisa podem também ocorrer durante o Tempo-Escola por meio de
visitas de estudos, como no caso da experiência da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do
Sul, localizada na região do Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, em que os educandos 29
foram levados para conhecer as propriedades dos agricultores familiares e as atividades
produtivas por eles desenvolvidas.
Nas experiências do Programa Projovem Campo Saberes da Terra, financiado pelo MEC,
realizadas em vários estados pelo país, o estudo a partir da pesquisa da realidade é proposto tendo
como base cinco eixos temáticos, são eles: Cultura, Identidades, Etnia e Gênero; Sistemas de
Produção e Processos de Trabalho no Campo; Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas;
Economia Solidária; e Desenvolvimento Sustentável e Solidário com Enfoque Territorial.

EFA Santa Cruz do Sul: Visita de estudos na propriedade de Dirceu Weber, São Martinho / SCS.
Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#AlbumZoom?gwt=1&uid=12141190506971958215&aid=1259946126&p
id=1282865236413

Orientada por estes eixos a pesquisa e o estudo nas turmas do Projovem Campo se dá, de
maneira geral, sobre questões como: Quem são os educandos e suas comunidades? Quais são suas
histórias de vida? Quais são as características da comunidade em que vivem? Como se relacionam
com a natureza e entre si? Como produzem sua existência? Como se organizam politicamente? Que
direitos têm conquistado e o que lhes falta conquistar? Quais suas utopias e possibilidades de futuro?
Desse modo o conjunto dessas experiências, sejam dos movimentos e organizações sociais
e sindicais ou programas de governo, busca realizar a formação escolar através de um processo
de pesquisa que coloca os educandos como agentes de um diagnóstico de suas comunidades e
daquilo que elas realizam como atividades produtivas, culturais, políticas, etc. Como no caso das
atividades realizada pela turma do Projovem Campo Saberes da Terra de Xinguara, no Pará, que
juntamente com professores fizeram uma visita de estudo ao lote dos agricultores familiares que
produzem por meio do sistema agroflorestal, pesquisando sobre as formas alternativas que existem
na comunidade para organizar o sistema de produção.
No retorno ao Tempo Escola, os educandos são responsáveis por organizar os dados de
suas pesquisas, aprendendo a sistematizar informações, construir gráficos, tabelas, mapas,
etc. Realizando cálculos, escrevendo relatórios e preparando-se para expor os dados de suas
pesquisas para a turma, para os educadores e, às vezes, para parceiros convidados – professores
de universidades, técnicos agrícolas, lideranças sindicais, familiares, etc.

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
Após a organização dos dados da pesquisa da realidade, os educandos fazem a exposição,
realizam um grande debate sobre tudo o que foi pesquisado e passam aos momentos de estudos
dos conteúdos das disciplinas para entender melhor a realidade pesquisada. É assim que ocorre a
30
organização dos momentos de estudo na experiência do Curso Técnico Agropecuário Integrado ao
Ensino Médio da Escola Família Agrícola de Chapadinha, localizada em Nova Venécia, Espírito Santo.

Escola Família Agrícola de Chapadinha / ES: Momentos de Estudo no Tempo Escola.


Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=8053864214638185141

Por meio da pesquisa da realidade os educandos identificam características, potenciais e


problemas de suas comunidades em diversas dimensões [econômica, produtivas, políticas, acesso
a direitos, ambientais, etc]. As disciplinas escolares com seus conteúdos servem para ajudar a
compreender essa realidade, “à luz dos saberes científicos”, de modo que eles ampliem o que já
sabem e o que a própria comunidade já compreende sobre si, para daí pensar e construir novos
conhecimentos e práticas que ajudem a superar os problemas e afirmar os potenciais existentes,
numa perspectiva de produzir um saber-fazer para a sustentabilidade das comunidades, de suas
famílias e sua.
Para que isso ocorra é preciso que os educandos desenvolvam saberes e habilidades
que não alcançariam pela formação feita apenas pelo estudo em sala de aula [mera formação
teórica]. É por isso que nas iniciativas pedagógicas da educação do campo é importantíssimo
a organização da escolarização alternando e integrando diversas atividades pedagógicas
que ajudam a enriquecer o processo educativo e transformá-lo num processo de formação
humana, critica e criativa.

4.1.5. Realização de atividades pedagógicas diversas associadas à formação escolar


[passeios, sessões de vídeo, debates, palestras, festas, esportes e lazer]

Combinadas de forma integrada, de maneira a contemplar a reflexão sobre as temáticas


pesquisadas, as atividades pedagógicas chamadas de extra-classe [para além da sala de aula],

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
tornam também o processo de escolarização mais criativo e dinâmico, assim, mais interessante
para os educandos, aumentando sua motivação para o estudo, evitando atos de indisciplina, falta
de participação, etc. 31
Assim, o que deveria ser tema de sala de aula torna-se também tema da oficina de teatro,
das aulas de artesanato, das oficinas de arte, dos passeios e visitas pedagógicas, das sessões
de vídeo, etc. Como na experiência da Escola Família Agrícola de Marabá, em que educandos do
ensino fundamental e do ensino médio técnico agropecuário participam de oficinas de artesanato
articuladas ao estudo sobre espécies florestais [aula de botânica] e a disputa pelos recursos
naturais [história e sociologia], que são articuladas à oficina de teatro sobre a luta pela terra e à
oficina de papel reciclado, tudo virando material para produção de textos dos alunos e os textos
sendo digitados nas aulas de informática.

EFA de Marabá / PA: Oficinas de Artesanato, Teatro, Informática e Papel Reciclado.


Fonte: FETAGRI e EFA de Marabá - PA.

Organizar processos de escolarização que dinamizem a formação por meio do desenvolvimento


de múltiplas atividades, realizadas em diferentes momentos, alternando lugares, variando as
formas de comunicação, provocando os educandos sempre a novas interações e privilegiando a
participação de diversos sujeitos educativos é o que enriquece a experiência da EFA Santa Cruz
do Sul. Nesta EFA são realizados seminários para discutir a diversidade produtiva como elemento
fundamental da sustentabilidade da agricultura familiar, ao mesmo passo em que os educandos
organizam peças teatrais para, por meio da arte, representar a história e cultura dos camponeses de
sua região, aprendidas também nas visitas de estudos feitas as unidades produtivas mantidas pelas
cooperativas organizadas por estes camponeses visando a sustentabilidade econômica.
Nas iniciativas em educação do campo as atividades de visitas e passeios têm sido
importantes por oportunizar aos educandos contatos com diferentes experiências, práticas,
sujeitos, lugares, situações, etc, que ajudam a ampliar o conhecimento que vem sendo construído
a partir dos temas pesquisados na realidade da comunidade. Além disso, ao possibilitar a visita
a outras comunidades camponesas ou urbanas, passeios a museus ou exposições, estimula-se
os educandos a refletirem sobre as suas práticas culturais e de sua própria comunidade, sobre
suas histórias e costumes, sobre sua identidade como sujeito pertencente a uma região e a um
segmento social, os trabalhadores e trabalhadoras do campo.

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
Este tem sido também um processo vivenciado pela Escola Casa Familiar Rural de São
Luiz, localizada na área rural de São Luiz, capital do Maranhão, que promoveu o passeio dos seus
educandos à Feira do Livro de São Luiz e ao museu da cidade, onde puderam ter contato com
32
exposições de arte, obras literárias, performances teatrais, danças, etc.

EFA Santa Cruz do Sul: Seminário de Diversificação Produtiva; Grupo Teatral; Visita à estação de
agroindústria familiar ao Pomar de Videiras Ecológicas e Agroindústria de Suco de Uva da COOPEG.
Fonte: http://efasantacruz.blogspot.com/

CRF São Luiz: Visita à Feira do Livro e ao Museu de São Luiz - MA.
Fonte: http://ecfr-slz.blogspot.com

Valorizar a dinamização, a diversificação e a alternância das atividades pedagógicas,


para além da sala de aula, é fundamental para estimular os educandos ao desenvolvimento de
múltiplas aprendizagens [técnica, política, artística, etc.], que resultem na formação de pessoas
com sensibilidade mais aguçada e maior capacidade profissional [capacidade de pensar,
criar, expressar, argumentar, realizar, criticar, transformar, etc] para lidar com os desafios da
sustentabilidade de suas comunidades em um mundo em crises diversas.
Neste sentido, é primordial que as escolas possibilitem também o acesso e uso de
tecnologias de investigação, registro, informação e comunicação. Garantir aos educandos do
campo o acesso às tecnologias digitais [computadores, filmadoras, máquinas fotográficas, etc]
e à internet é importantíssimo para que eles construam aprendizagens extremamente necessárias
às atividades profissionais e políticas na sociedade contemporânea.
Esses recursos tecnológicos ajudam a ampliar o campo de informação sobre as temáticas
pesquisadas nas escolas e aos temas tratados pelas organizações das quais os educandos fazem
parte como agricultores familiares, pois possibilitam o acesso a sites de instituições de pesquisa,
assistência técnica, órgãos governamentais, movimentos sociais, etc, ao mesmo passo em que
permite registrarem e divulgarem situações e informações da realidade em que vivem. Além

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
disso, os educandos são, de forma mais ativa e criativa, estimulados ao próprio aprendizado
da leitura e escrita, necessárias ao uso do computador e da internet, ao passo que aprendem
expressar suas ideias por meio das linguagens tecnológicas. 33

CEFFA Manoel Monteiro: Turma do 1o Ano do Ensino Médio em Curso de Informática.


Fonte: http://www.pedagogiadaalternancia.com/2009/05/aulas-de-informatica-no-ceffa-manoel.html

O desenvolvimento do aprendizado de tais saberes e habilidades tem sido valorizado


também na experiência do Centro Familiar de Formação por Alternância Manoel Monteiro,
localizado na Comunidade Pau Santo, Lago do Junco – MA.
Os educandos por meio do desenvolvimento de saberes e habilidades para o uso de
equipamentos tecnológicos e da internet podem visitar sites de vídeos, artes plásticas, música
e literatura, além de acessar jornais, revistas, mapas, etc. Assim ampliam suas possibilidades
de conhecer outras comunidades camponesas pelo mundo, suas realidades, experiências
produtivas, histórias de vida, organização política, etc, e com elas podem aprender sobre sua
própria comunidade, suas conquistas e contradições.
Desta forma, os educandos podem desenvolver habilidades para se comunicar com outros
atores sociais e até mesmo criar mecanismos que divulguem informações sobre a realidade em que
vivem, o contexto de lutas em que estão inseridos como sujeitos do campo, criando seus próprios
sites, blogs, redes sociais, jornais digitais, etc, usando as tecnologias e a internet para valorizar e
fortalecer suas comunidades também como atores políticos e culturais.

4.1.6. A realização de experiências relacionadas às práticas produtivas


da agricultura familiar

Nas experiências de escolarização das iniciativas em educação do campo, partindo


da pesquisa e da análise dos dados levantados sobre a realidade, como fruto de momentos
de estudos, busca-se conhecer e exercitar práticas produtivas que ajudem a criar soluções
sustentáveis para os problemas enfrentados pela agricultura familiar das comunidades dos
educandos. Muitas vezes essas soluções são descobertas por meio da pesquisa da escola junto
às próprias atividades produtivas de agricultores das comunidades, passando a ser estudadas e
colocadas em teste no espaço de experimentação agroecológica das escolas.
No território do sisal na Bahia existem escolas rurais que vivenciam intensamente a
pesquisa como principio educativo, realizando processos de escolarização que tomam o estudo

Educação do Campo
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da agricultura familiar como ponto de partida para a construção do conhecimento com os alunos.
Isso se dá através das atividades desenvolvidas pelos professores das escolas rurais da região
sisaleira na vivência do Projeto CAT (Conhecer, Analisar e Transformar), desenvolvido numa parceira
34
entre o Movimento de Organização Comunitária (MOC), a Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS), Prefeituras Municipais e entidades da sociedade civil – sindicatos e organizações sociais.
Um dos bons exemplos é a experiência de um agricultor familiar com uma professora
de escola rural. Na comunidade Mucambo, no município de Richão do Jacuípe/BA, os dois
- agricultor e professora - descobriram que o conhecimento desenvolvido na escola podia
contribuir para elevar a produção e produtividade de sua propriedade de forma sustentável,
para o casal essa experiência de mais de 12 anos é importante não somente para maximizar a
produção na propriedade de 25 tarefas, mas para demonstrar para as crianças da comunidade
e para os diversos grupos que vem conhecer a propriedade que é possível viver bem e cuidar
da natureza num pedaço relativamente pequeno de terra.
Este trabalho é fruto da aliança entre a experiência de formação e vivência da professora
com a metodologia do CAT - onde aprendeu a preservar a caatinga, a diversificar a produção, a
potencializar a captação da água da chuva com uso da cisterna, a preservar e reflorestar a caatinga
com a criação de abelhas - em ação conjunta com escola e a comunidade onde aprenderam
com os mais velhos sobre a idade e a importância das árvores. Com o projeto “vida do solo”
as crianças vivenciaram, ensinaram e aprenderam que é possível sim, viver com dignidade no
campo, com a caatinga e no semiárido.

CFR Presidente Tancredo Neves: Aula no Campo Demonstrativo de Cultivo de Mandioca


Fonte: http://agronomos.ning.com/photo/aula-sobre-o-cultivo-da?context=album&albumId=3071024%3AAlbum%
3A128502

A experiência da Casa Familiar Rural de Presidente Tancredo Neves, também na


Bahia, permite exemplificar como a relação entre escola e comunidade é importante. Lá, os
educandos são organizados em grupos para levantar dados sobre a produção da mandioca pelos
agricultores familiares do seu município. Reconhecendo as características e os problemas que
envolvem a produção da mandioca na região, desenvolvem estudos sobre o tema e participam
de atividades práticas no campo demonstrativo da CFR-PTN, para aprender como, na prática,
combater os problemas e potencializar a produção agrícola.
Para enriquecer a escolarização dos educandos, a escola também faz parte do PAIS -
Programa Agroecológico Integrado e Sustentável, através do qual os educandos participam
de cursos sobre organização de hortas circulares e produção agroecológica. Esta ação visa
a implantação das hortas nas unidades familiares dos educandos de modo que ajude a
estimular a agricultura orgânica por meio de processo produtivo sem o uso de agrotóxicos, reduzir

Educação do Campo
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a dependência de insumos vindos de fora da propriedade, apoiar o correto manejo dos recursos
naturais e incentivar a diversificação da produção.
Na experiência da Escola Família Agrícola “Francisco das Chagas Vieira”, localizada no 35
Povoado São José dos Ricardos, município Paulo Ramos, no Maranhão, durante as atividades
práticas os educandos do ensino fundamental aprendem também a cultivar hortaliças e
legumes por meio de hortas circulares, proposta do projeto de Tecnologia Social, igualmente
vinculado ao PAIS.
A produção nas hortas circulares envolve criação de aves e cultivos de alimentos, desta
forma os educandos aprendem a escolher e preparar terreno; selecionar as culturas; demarcar os
espaços do galinheiro e dos canteiros circulares; construir o galinheiro e preparar os canteiros;
planejar o uso de energia e o sistema de irrigação por gotejamento; organizar a compostagem
por produção de adubos naturais. Além disto, tal atividade prática está articulada ao estudo e
debate sobre Quintal agroecológico, Associativismo e Comercialização.

EFA de Paulo Ramos: Horta em Mandala. Trabalhos Práticos do Ensino Fundamental.


Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Album?uid=17544623503298736248&aid=1319396802

Considerando a necessidade de uma escolarização que gere aprendizados sobre práticas


produtivas agroecológicas e sustentáveis, a iniciativa pedagógica do Projovem Campo Saberes
da Terra da localidade de Lagoa do Jogo, no município de Remígio, na Paraíba, também tem
envolvido seus educandos em atividades voltadas ao aprendizado de saberes e habilidades
produtivas sustentáveis. Assim, por conta da parceira com a Universidade Federal da Paraíba –
UFPB, os jovens e adultos educandos do Projovem Campo Saberes da Terra participam do Curso
de Viverismo, aprendendo na prática técnicas de coleta, beneficiamento e armazenamento de
sementes florestais, o que tem ajudado os educandos a produzirem mudas em suas comunidades.
Outra experiência significativa é da Escola Família Agrícola dos Cocais, localizada no
município de São João do Arraial, no estado do Piauí, onde a formação sobre sistema de criação
desencadeou a construção de uma pocilga na escola, cursos de manejo de suínos e a visita de
estudo ao Projeto de Manejo e Utilização de Biodigestores na Agricultura Familiar, cujo objetivo é
apoiar a instalação de biodigestores para o aproveitamento de resíduos produzidos pelos rebanhos
de caprinos, ovinos e bovinos na produção de energia para famílias de agricultores rurais do Piauí.
Durante a visita de estudo os educandos puderam observar na prática como funciona
um biodigestor, desde o momento de inserção dos resíduos até a emissão e uso dos gases

Educação do Campo
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produzidos na cozinha dos agricultores familiares.Tudo isso tem colaborado para gerar entre os
educandos a iniciativa de criação de porcos nas unidades de suas famílias, demonstrando como
a escola pode ajudar a transformar a realidade de vida dos povos do campo.
36
As atividades pedagógicas de visitas de estudo possibilitam aos educandos aprendizagens
de alternativas que podem ajudar a desenvolver práticas produtivas sustentáveis, numa perspectiva
economicamente viável, ecologicamente equilibrada e socialmente justa e solidária.

Projovem Campo Saberes da Terra - Remígio / PB: Curso de Viverismo na UFPB.


Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Album?uid=7073728120198150390&aid=1274581322.

Por meio destas experiências os educandos são provocados a refletirem sobre como a
conquista da sustentabilidade da agricultura familiar passa pela reestruturação de todo o sistema
produtivo que a constitui, desde as formas de manejo agrícola e as relações com meio ambiente
até as formas de gestão dos recursos financeiros e as relações econômicas e sociais que envolvem
os agricultores familiares e suas atividades produtivas.
Neste aspecto tem sido importante o estudo, discussão e experimentação de práticas de
econômica solidária, como a que ocorre no município de São João do Arraial, no Maranhão. Ali
os educandos da turma do ensino técnico profissionalizante em Agropecuária e Agroindústria
têm sido envolvidos em atividades das feiras de economia solidária que incorporaram o uso da
moeda solidária Cocal na comercialização. A moeda circula e movimenta boa parte da economia
do município, algo possível por conta da existência do Banco dos Cocais e de todo uma política
criada pelo governo local que visa estimular e fortalecer os negócios e a economia do município.

EFA Cocais - PI: Visita de Estudos, Pocilga em Unidade Familiar de Educandos e Biodigestor.
Fonte: http://efacocaispiaui.blogspot.com/2011

Educação do Campo
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Os estudos sobre economia solidária envolvem ainda a pesquisa e debate sobre
associativismo e cooperativismo, sobre as possibilidades de realizar na agricultura familiar
a produção, consumo e comercialização de bens e serviços por meio da auto-gestão e da 37
democratização econômica, evitando as relações de exploração alienante do trabalho assalariado
e degradantes da natureza, próprias do sistema econômico capitalista.
As discussões sobre economia solidária envolvem a pesquisa e reflexão sobre várias
dimensões da produção, econômica, ambiental, social, política e cultural, no intuito de provocar
os sujeitos à reflexão sobre o próprio funcionamento da economia capitalista, a dinâmica
de funcionamento da produção e distribuição dos serviços e bens materiais necessários à
sobrevivência humana e as consequências desta sobre a vida em sociedade e sobre a natureza.
Objetivando fortalecer as redes sociais de economia solidária para uma agricultura familiar
sustentável, o Programa Projovem Campo Saberes da Terra também inclui no seu currículo um eixo
temática que estimula seus educandos a pesquisar, estudar, conhecer e discutir experiências de
economia solidária de suas comunidades e região ou de outros contextos. Para isso, entre os cadernos
pedagógicos lançados pelo programa, existe um caderno totalmente destinado ao estudo da economia
solidária. O material propõe ações de pesquisa sobre o tema, apresenta experiências de clubes de
trocas solidárias existentes em vários lugares do país com a participação do movimento social e
sindical do campo e descreve como ocorre o uso de moedas e sistemas econômicos solidários.
Os cadernos deste programa do MEC registram também diversas iniciativas pedagógicas
em educação do campo e nos provocam ao registro de nossas próprias experiências pedagógicas.

EFA Cocais: Participação na Feira de Economia Solidária.


Fonte: http://www.portaldodesenvolvimento.org.br

Coleção de Cadernos Pedagógicos do Programa Projovem Campo Saberes da Terra MEC/SECAD 2010

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Neste aspecto, destaca-se a iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lucas do
Rio Verde, de Mato Grosso, que em parceria com um conjunto de instituições e organizações
sociais que compõem a Rede BR 163+Xingu, produziram a revista “Alternativas Econômicas
38
Sustentáveis para Agricultura Familiar”, que registra experiências e aprendizados dos agricultores
familiares em diversas atividades de produção de alimentos e restauração florestal, realizadas
naquela região: diagnóstico participativo sobre os problemas da realidade; recuperação de
pastagens; apicultura; sementeiras e mata ciliar cultivada em viveiro; sistemas agroflorestais; etc.
Busca-se assim, por meio da escolarização nas iniciativas pedagógicas da educação do
campo, possibilitar aos educandos refletir e compreender como se pode organizar formas de
produção, uso dos recursos naturais, beneficiamento de produtos, comercialização, consumo
e distribuição de riqueza solidária e sustentável. Ou seja, como pode ser organizado o sistema
de produção, a economia, pautados pela valorização do ser humano e não do capital, em que
o trabalho seja assumido e praticado não como instrumento de opressão e exploração, mas
como um meio de libertação e realização humana numa relação solidária com seus pares e não
degradante do ecossistema.

Revista da Rede BR 163+Xingu


Fonte: STR Lucas do Rio Verde - MT

4.1.7. Organização de rede de parceiros institucionais e políticos que permitam gerir e


executar os projetos pedagógicos

A existência e a realização destas diversas iniciativas pedagógicas resultam principalmente


da capacidade de mobilização política desenvolvida pelas organizações e movimentos sociais e
sindicais do campo, que têm conseguido envolver universidades, ONGs, setores da igreja, secretarias
de governos, organismos internacionais, etc, na discussão, financiamento, planejamento, gestão,
execução e ampliação dos programas e projetos voltados a oferta de escolarização em educação
do campo.
São estas parcerias que permitiram a ampliação do PRONERA, a criação do Programa
Projovem Campo Saberes da Terra, o reconhecimento da Pedagogia da Alternância pelas
secretarias de educação, a criação de cursos permanente de educação do campo nas universidades
e até mesmo a criação de novas escolas organizadas pelas organizações e movimentos sociais
camponeses. [Vide o Parecer do CNE que reconhece a pedagogia da Alternância no site: http://
portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb001_06.pdf]

Educação do Campo
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É assim que nascem novas escolas dos Centros de Familiares de Formação por Alternância,
como no caso da Escola Família Agrícola de Campos Lindos, em Tocantins, cuja criação foi
iniciativa da própria comunidade rural, com apoio do STTR e da CPT. O espaço para a construção 39
da escola foi cedido pelos familiares dos educandos e um mutirão que reuniu as próprias famílias,
professores e voluntários, construiu o barracão simples que abrigou as primeiras turmas. A
criação da EFA de Campos Lindos constitui-se em uma iniciativa importante para qualificação
técnica dos jovens agricultores visando a sustentabilidade das atividades de agricultura familiar
numa região dominada pelo agronegócio e latifúndios de soja.
Apesar de todas as dificuldades e precariedades enfrentadas no momento da criação
das EFAS, sua consolidação e conquista de melhores condições de funcionamento dependem
muito do poder dos camponeses em estabelecer parcerias com organizações e instituições
governamentais e não-governamentais como tem ocorrido no movimento nacional por uma
educação do campo.
Na Casa Familiar Rural (CFR) Presidente Tancredo Neves, para além da oferta das turmas
de ensino médio técnico agrícola, essas parcerias têm resultado em ações de experimentação
em agroecologia, assessoradas por profissionais da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia; criação de campos para realização de experimentos agrícolas financiados pela prefeitura
do município de Gandu; realização de cursos de alfabetização digital, com a Microsoft do
Brasil; a organização de programas na Rádio Vitória FM para divulgar informações e debater
temáticas do interesse dos camponeses; e na publicação do informativo da escola. Estas
parcerias permitem ampliar e fortalecer as ações pedagógicas da CFR.

EFA de Campos Lindos - TO


Fonte: Arquivo CPT.

Boletim Informativo da CFR Presidente Tancredo Neves - Bahia

Educação do Campo
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No Paraná existem 41 Casas Familiares Rurais distribuídas pelo estado, atendendo mais
de 2 mil crianças e jovens filhos de agricultores familiares. Na CFR de , com turmas de 7° e 8°
ano do Ensino Fundamental, três professores ensinam Língua Portuguesa, Artes, Matemática,
40
Ciências, Geografia, História, Religião e Inglês. Além de dois monitores com formação técnica,
no caso de Altônia, a casa dispõe de um técnico em agropecuária e um zootecnista. A CFR
oferta formação escolar em período integral, assegurando alimentação e dormitórios para que
os educandos passem uma semana toda estudando e, na semana seguinte, estejam com suas
famílias aplicando em suas propriedades o que aprenderam na escola.

Casa Familiar Rural de Altônia - Noroeste do Paraná


Fonte: Agência Estadual de Notícias - Paraná [em 08/06/2009]

Educadores e educandos reconhecem que é preciso aprender com o estudo e apropriação


das tecnologias por meio da escola, mas também é importante aprender com a prática no seu
ambiente familiar e de suas comunidades. Os educandos ao longo do período de estudo e
convivência no ambiente das CFRs criam um sentimento de identidade com a escola e passam
a ver suas experiências como agricultores familiares de outra maneira, como no caso de Beatriz
dos Santos Bernhardt, 13 anos estudante do 7° ano, da CFR de Altônia, que diz “é muito bom
estudar aqui, antes de entrar aqui meu pai falava: você vai estudar para não ficar na roça, e eu não
valorizava o meio rural. Aqui eu aprendi a dar valor ao serviço do meu pai e falo pra ele que hoje
eu vou estudar e vou continuar na agricultura” [Fonte: Agencia Estadual de Noticias do Paraná,
em 08/06/2009].
Além de desenvolverem suas próprias iniciativas pedagógicas, as organizações e
movimentos sociais do campo têm reivindicado, ajudado e estimulado a reorganização das
propostas curriculares em escolas de educação básica da rede pública, sob responsabilidade
dos estados e municípios.
Em vários municípios do interior de Pernambuco, por conta da colaboração do Serviço
de Tecnologia Alternativa [SERTA], parceira do MSTTR, as iniciativas pedagógicas em educação
do campo, como as tantas aqui demonstradas, têm servido de inspiração para que as escolas
públicas reformulem suas propostas curriculares.
Este processo tem se dado, em especial, por meio do Projeto “Jovens pela Educação e
Convivência com o Semiárido / Escolas de Referência”, em que as escolas recebem assessoria e
formação de professores para desenvolver uma escolarização que promova o estudo da realidade
e a construção de aprendizados que possibilitem às crianças e jovens participarem ativamente na
busca de alternativas para melhorar a vida em suas comunidades.

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
“(...) Vivenciando a PEADS de 2005 pra cá
A nossa escola é outra já podemos destacar 41
Escola e comunidade boas relações mantêm
A familia é parceira nos nossos projetos também
A Escola corre atrás de resolver os problemas
Da nossa comunidade pra melhorar o dilema.

São significativas produções de escola e


comunidade
Temos alunos destaques da pré-escola à
faculdade
Temos também que dizer de tamanho
contentamento
Pois a pesquisa nos leva a descobrir grandes
talentos.

A história da comunidade é conteúdo a aprender


Na escola estudando a aula tem mais prazer
Na escola é o lugar de produções culturais
Revelando os talentos artísticos e profissionais.

Cordel de Sílvia Maria de B. A. Andrade


[Comunidade UMÃS – Salgueiro / PE]

Reunião de Monitoramento, Oficina de Reciclagem, Oficina de Horta e Horta da Escola Manoel Martins de Lima
Fonte: SERTA [http://escolasdereferencia.blogspot.com/p/escolas-do-projeto.html]

Isto evidencia como este processo de ampliação e consolidação das iniciativas pedagógicas em
educação do campo passa pelo envolvimento dos parceiros institucionais das organizações camponesas
na luta pelo atendimento das demandas de escolarização; na discussão e definição das concepções
e princípios filosóficos, políticos e pedagógicos das propostas curriculares que orientam a formação
escolar; e na execução das ações formativas propostas. Se por um lado a luta por uma educação do
campo se fortalece e legitima politicamente quando envolve a participação de instituições acadêmicas,

Educação do Campo
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órgãos governamentais e movimentos e organizações sociais e sindicais não-camponesas, por outro, a
participação destes atores assumindo responsabilidades na execução das ações formativas permitem
enriquecer, fortalecer e legitimar a escolarização proposta na educação do campo e, assim,
42
constituir as bases para a afirmação de uma Política Pública de Educação do Campo construída desde
a base, a partir das iniciativas pedagógicas dos movimentos sociais e sindical.
A articulação da rede de parceiros institucionais para realizar um projeto quando bem
organizada acaba por gerar a constituição de novos projetos de escolarização de educação do
campo e outras ações políticas com os movimentos e organizações camponesas envolvidas.
Exemplo disto é a experiência dos cursos de ensino médio técnico em agropecuário
realizados na Escola Família Agrícola de Marabá, no Pará, cuja construção e execução da proposta
pedagógica resultou de uma parceria entre a FETAGRI, a Universidade Federal do Pará, a Escola
Agrotécnica Federal de Castanhal, a CPT, a ONG de pesquisa Laboratório Sócio-Agronômico
do Tocantins e a empresa de assistência técnica COPSERVIÇOS, realizando a formação de 130
jovens agricultores num período de cinco anos e servindo de referência para a reorganização das
propostas curriculares de escolas agrotécnicas da região norte do país.
No sudeste do Pará a rede de parceiros da EFA de Marabá também se constituiu na
base de organização do Fórum Regional de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará,
que foi responsável pela mobilização política que conquistou a criação e implantação da Escola
Agrotécnica Federal de Marabá. A partir da organização do fórum de educação do campo outros
cursos foram sendo criados, como o curso de graduação em Pedagogia do Campo [PRONERA],
a especialização em currículo e educação do campo e a Licenciatura Plena em Educação do
Campo, todos os cursos ofertados pelo Campus da UFPA em Marabá.
A capacidade de constituição de uma rede de parcerias institucionais se reflete na formação
continuada de educadores, na realização de cursos e oficinas para os educandos, na organização
de experimentos produtivos, na melhoria da infraestrutura e logística disponível nas escolas,
no envolvimento dos sujeitos da escola em novos projetos que visam a sustentabilidade das
comunidades camponesas, etc.

Reuniões da Rede de Parceiros da EFA de Marabá.


Fonte: FETAGRI, Regional Sudeste do Pará.

Este poder, capaz de mobilizar a partir dos estados uma rede de parceiros institucionais para
organizar e desenvolver projetos e iniciativas pedagógicas em educação do campo fez das organizações
e movimentos sociais do campo protagonistas da mobilização que deu origem à criação do Fórum
Nacional de Educação do Campo – FONEC. Como já foi citado anteriormente, o fórum tem sido um
importante instrumento de organização coletiva visando o embate e a interlocução junto ao Estado
tendo como principal pauta a afirmação de uma política pública de educação do campo.

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo
A criação do FONEC, como uma grande rede de parceiros da luta pela educação do
campo, se pauta pela defesa de que “existe um grande acúmulo teórico e pedagógico no seio
dos movimentos sociais e sindicais do campo e de organizações não-governamentais parceiras, 43
forjado nas suas próprias práticas de formação da classe trabalhadora/povos do campo, bem
como nas suas lutas por políticas de educação, tal acúmulo merece e deve ser considerado pelos
poderes constituídos ao instituírem programas e políticas permanentes de Educação do Campo”
[Carta de Criação do FONEC].
Parte deste acumulo está representado nas ações e resultados das iniciativas pedagógicas
até aqui apresentadas. A luta por uma política pública em educação do campo passa pela
reivindicação e defesa da incorporação da produção pedagógica dessas iniciativas e das
reflexões e proposições manifestas pelos fóruns como elementos de tal política.
Daí a importância da rede de parceiros não só para a realização dos projetos e iniciativas
pedagógicas em educação do campo, mas também para mobilização e luta por uma política
pública em educação do campo que reflita o legado dessa construção histórica.
Assim, é fundamental que cada membro e lideranças do movimento sindical dos
trabalhadores e trabalhadoras rurais conheça, compreenda e participe da organização de
iniciativas voltadas a criação de escolas com propostas pedagógicas de educação do campo de
norte a sul, leste a oeste do Brasil.

Elementos para o diálogo:

• Em sua região existem iniciativas pedagógicas dos movimentos sociais e programas


governamentais em educação do campo sendo desenvolvidos? Você conhece estas
experiências, qual sua avaliação delas?
• Em sua região tem acontecido a participação dos membros do MSTTR no movimento
de educação do campo?
Você conhece os fóruns do movimento da educação do campo, como avalia a
possibilidade de participação do MSTTR nesse movimento?

Educação do Campo
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44 Para não concluir...

Essas iniciativas são demonstrações de como, em meio à luta pela terra, os camponeses e
suas organizações desenvolveram historicamente uma “pedagogia do campo”, em que a organização
dos tempos, espaços e relações que envolvem a escolarização consideram e privilegiam os tempos,
espaços e relações sociais e culturais dos educandos e do contexto em que a escola está inserida,
desenvolvendo formação escolar em momentos e através de práticas educativas diferenciadas, estando
para além da tradicional sala de aula e buscando no estudo e apropriação dos saberes científicos
sistematizados [conteúdos escolares] meios que ajudem os educandos a utilizar tais saberes para
compreender e intervir na realidade social em que vive.
A compreensão dos sujeitos sobre si e sobre suas realidades exige uma compreensão de mundo
a que eles inevitavelmente hoje se integram e/ou pelo qual são impactados, direta ou indiretamente -
o mundo da sociedade capitalista - e a compreensão e tomada de atitude diante deste mundo exige
fundamentalmente uma compreensão de si e das realidades em que vivem, como coletivo singular,
com identidade, saberes, práticas e histórias, que podem guardar possibilidades de uma existência não
subalternizada e vitimada pelas contradições da sociedade mais abrangente.
Quando os educandos são provocados ao estudo por meio de atividades que partem do
levantamento e análise de dados sobre a realidade em que vivem [pesquisa], eles acabam aprendendo
os conteúdos escolares que permitem essa compreensão do local [sua comunidade] na relação com o
global [mundo]. Isto faz com que aquilo que se estuda na escola tenha um significado importante e a
vida escolar se faça com muito mais sucesso, pois realizam as atividades exercitando na prática o uso
crítico e criativo dos conteúdos ensinados nas aulas.
Assim, as iniciativas em educação do campo desenvolvem processos de escolarização em que
os educandos são empoderados como produtores de conhecimento, se formando como profissionais
e dirigentes políticos com capacidade crítico-criativa de colaborar concretamente com a melhoria das
condições de vida de suas comunidades.
Por tudo aqui apresentado, só podemos concluir dizendo que é preciso continuar organizando
processos pedagógicos que estimulem educandos das escolas do campo ao estudo das relações sociais
e produtivas, da natureza, da cultura, da história e possibilidades de futuro de suas comunidades. É preciso
continuar a desenvolver as iniciativas pedagógicas em educação do campo que têm assumido como
desafio realizar a escolarização pautada pelo estudo, pesquisa, reflexão e experimentação sobre a realidade.
É preciso continuar realizando processos em que os educandos construam aprendizados de
como se situar e posicionar diante dos problemas de sua comunidade e do mundo como sujeitos
autônomos, críticos e criativos, capazes de continuar organizando processos que tragam conquistas
políticas e sociais aos trabalhadores e trabalhadoras rurais porque assumem com consciência e ética
o legado histórico das lutas do MSTTR e dos povos do campo.
Eis o papel e importância da educação e escola do campo, é preciso lutar por ela. Neste sentido,
a Direção da CONTAG vem assumindo um compromisso de fazer a pauta da educação do campo uma
pauta coletiva e articulada, que dialogue com as demandas dos sujeitos do campo e possibilite uma
mudança no cotidiano de milhões de brasileiros que vivem do e no campo e continuam acreditando
que é possível viver com dignidade.

Educação do Campo
Dimensão Educativa da Luta Sindical e práticas pedagógicas na Educação do Campo

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