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Fundamentalismo

Religioso e
Estado Laico
Reunião Ampliada
Fundamentalismo
Religioso e
Estado Laico
Reunião Ampliada

Parceria:

Rio de Janeiro, novembro de 2015


Memória
Fundamentalismo Religioso e Estado Laico: Reunião Ampliada
12 e 13 de outubro de 2013

Realização
Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Fundação Heinrich Böll e
Instituto de Estudos da Religião (ISER)

Parceria: Movimento Estratégico pelo Estado Laico (MEEL)

Edição e Revisão
Marilene de Paula

Revisão
Marilene de Paula
Bruna de Lara

Apoio logístico
Helena Mendonça (ISER)
Sabrina Strauss (Fundação H. Böll)

Pesquisa Iconográfica
Manoela Vianna

Transcrição
Paula Pinto Rodriguez

Capa, projeto gráfico e diagramação


Beto Paixão

Os textos que se seguem são trechos das falas colhidas durante a Reunião Ampliada
Fundamentalismos Religiosos e Estado Laico, ocorrida nos dias 13 e 14 de Outubro de
2013, no Rio de Janeiro.

Índice de fotos
Fotos da capa: Mídia Ninja (CC BY-NC-SA 2.0) e Maria Objetiva (CC – BY – SA 2.0)
Foto 1: Mídia NINJA (CC – BY – SA 2.0)
Foto 2: Maria Objetiva (CC – BY – SA 2.0)
Foto 3: Mídia Ninja / CC BY-NC-SA 2.0
Foto 4: Maria Objetiva (CC BY-SA)
Foto 5: Eurritimia (CC – BY – SA 2.0)
Foto 6: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto 7: Agência Brasil Fotografias (CC BY-NC-SA 2.0)
Foto 8: José Cruz/Agência Brasil
Foto 9: Manoela Vianna / CC BY-NC-SA 2.0
Foto 10: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto 11: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Foto 12: Arquivo MEEL
Foto 13: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foto 4ª Capa: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Creative Commons Attribution-NonCommercial


No Derivatives 4.0 International License

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

Rio de Janeiro, novembro de 2015.


Sumário
1. Introdução...................................................................................... 6
2. Laicidade: um conceito em disputa............................................. 9
3. As dinâmicas dos grupos fundamentalistas............................ 13
4. Liberdade de expressão versus direitos + 2 casos:
Suprema Corte canadense e o Caso Datena............................ 15

5. O braseiro e o fogo de palha: realinhando estratégias.......... 20


6. Para além do fundamentalismo religioso:
um discurso conservador direitista.......................................... 25

7. A religião e os neopentecostais................................................ 28
8. Religião e política....................................................................... 32
9. Neopentecostais, população LGBT
e religiões de matriz africana.................................................... 37

10. O MEEL: estratégias possíveis................................................. 40


11. Pensando as alianças: o papel dos religiosos
progressistas e de outros movimentos................................. 45

12. Voltando à discussão sobre laicidade.................................... 48


1. Introdução

Foto 1 Nos dias 12 e 13 de novembro de


Marcha das Vadias - Brasília (DF) 2013, ativistas, pesquisadores e re-
presentantes de ONGs e de insti-
tuições religiosas se reuniram para
debater a visibilidade crescente de
um discurso e prática fundamen-

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talista religiosa que tem gerado impac- e respeito e com impactos no campo
tos negativos no campo político e no das políticas públicas.
campo social.
Com as boas vindas de Marilene de
O Acordo Brasil-Vaticano legitimando o Paula (F. Böll), Joluzia Batista (CFEMEA)
poder da Igreja Católica, o incremento e Pedro Strozenberg (ISER) deu-se início
de casos de intolerância religiosa contra ao debate do primeiro dia com as con-
as religiões de matriz africana, o uso siderações iniciais e provocadoras de
cada vez maior do discurso religioso Tatiana Lionço, do Conselho Regional de
como ferramenta política eleitoral, a Psicologia e da Companhia Revolucioná-
ofensiva de representantes da banca- ria Triângulo Rosa e Fabio Leite, da PUC/
RJ. No segundo dia tivemos as contribui-
da religiosa no Congresso aos direitos
ções de Luiz Antônio Cunha, do Obser-
sexuais e reprodutivos das mulheres e
vatório da Laicidade na Educação (OLÉ)
o discurso de ódio contra LGBTs têm se
e Marcio Marins, do Fórum Nacional das
mostrado elementos importantes para
Religiões de Matriz Africana. Apostamos
pensarmos nas contradições do Esta-
na metodologia de roda de conversa, na
do laico brasileiro. Esse cenário aponta
qual os participantes interagiam livre-
para o recrudescimento de um discurso mente. Essa é uma edição das falas e
e de um imaginário conservador funda- comentários dos participantes.
mentalista que pune e coloca à margem
aqueles e aquelas que não se encaixam Um agradecimento a todos pela dispo-
em definições preconcebidas de moral nibilidade de tempo e conversa!

Marilene de Paula

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Boas
vindas:
Marilene de Paula - Fundação H. Böll
Pedro Strozenberg – ISER
Joluzia Batista - CFEMEA
Foto 2 - Manifestação 8 de Março,
Dia Internacional da Mulher

Pedro Strozenberg Nosso encontro não é um lugar para se


construir unanimidades superficiais, mas
ISER serve para se debater livremente, discor-
dar eventualmente e com o desafio, por
Para nós do ISER fazer esse debate é uma
exemplo, de termos uma pastora na sala,
motivação especial, não só porque reco-
religiosos, praticantes da religião. Como
nhecemos o desafio dessa agenda para
conviver com o mundo da religião sem
o cenário brasileiro e para o movimento
produzir a discriminação que muitas ve-
de direitos humanos, mas também para
zes o fundamentalismo religioso produz?
avançarmos num processo mais sólido da
Somos capazes de lidar com a diversi-
nossa democracia. O ISER leva o nome de
dade religiosa ou pluralidade religiosa,
estudo sobre a religião e durante muito
como preferimos falar, como elemento
tempo ficou essa pergunta: religião? de
da democracia e não como elemento
que religião vocês são? qual é a deno- excludente da democracia?
minação religiosa de que vocês fazem
parte? E durante 20 anos nós escutamos Portanto, devemos também vivenciar
essas perguntas e hoje percebemos o com coragem e clareza a diversidade que
inverso: o reconhecimento da importân- esse campo produz. Não há soluções
cia de estarmos discutindo religião, na fáceis, nem imediatas e nem tudo será
perspectiva dos Direitos Humanos, da decidido nessa sala. Se vivenciarmos mais
Sociologia, da Antropologia, que é o lu- os desacordos, as diferenças, estaremos
gar que apostamos estar. É com enorme mais preparados para o debate lá fora e
alegria que fazemos essa parceria com o certamente temos mais proximidade do
CFEMEA e com a Fundação Böll. que distância.

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2.
Laicidade:
um conceito
em disputa
Foto 3 Tatiana Lionço
CLANDESTINAS
em Marcha | Rio De Janeiro, 2015 Conselho Regional de
Psicologia; Companhia
Revolucionária Triângulo Rosa
Uma das questões importantes
a ressaltar é a compreensão de
que a laicidade é um conceito em
disputa, a ser amadurecido cole-
tivamente. Inclusive as ações que
já chegaram ao Supremo Tribunal

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Federal (STF) demonstram que não há mos muito genéricos ou não acredita.
um consenso na compreensão coletiva. Para mim Estado respeita a religião ou
não respeita.

Quais são os limites para o que chama-


Fabio Leite mos por laicidade? Porque como valor
Pontifícia Universidade Católica todos estamos de acordo. Não somos
(PUC) contra nenhum valor constitucional; nin-
guém é contra o direito à vida, o direito
Laicidade está no texto constitucional, à autonomia, à liberdade de expressão.
assim todos serão laicos. A questão é A nossa discussão é em relação ao caso
justamente o que é laicidade e aí criou- concreto. Até onde vai o direito à vida, à
se um inimigo: o laicismo. Se você não autonomia e à liberdade de expressão?
concorda com os meus termos de lai- Então é aqui que temos de avançar, pois
cidade, você é um intolerante, ou seja, o Direito não avança nesse ponto.
um laicista. O pe. Jesus Hortal escreveu
um artigo no Jornal da PUC e disse: tudo É possível limitar o discurso religioso se
bem, devemos defender a laicidade, ela for homofóbico? Ou a liberdade religiosa
é muito importante, no entanto temos protege o discurso homofóbico? Essas
de ter o ensino religioso confessional, são questões a serem discutidas, mais do
crucifixo no espaço público, nos tribu- que a importância da liberdade religiosa.
nais etc. Mas para mim isso é o oposto
da laicidade. Aqui está a divergência.
Luiz Antônio Cunha
Todos nós somos a favor da laicidade, a
questão é o que entendemos por laici- Observatório da Laicidade na
dade. Assim, laicismo é um conceito que Educação
começo a questionar e se efetivamente é
uma perseguição ao fenômeno religioso. A laicidade é um conceito em disputa,
assim como o de democracia. Se nós
Conceitos que não me agradam, que es- passarmos um questionário aqui para
tão indo por um caminho equivocado: a perguntar o que é democracia teremos
ideia de Estado ateu, que só não é mais umas 20 respostas diferentes. Democra-
estranha do que o Estado que acredita. cia está em disputa muito antes do que
A sociedade acredita em Deus em ter- Estado laico.

10 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


O primeiro livro publicado no Brasil que estamos tentando fazer ao lutar em
com o título Estado laico é de 2006. torno de um conceito? Uma definição
Em toda disputa política que houve clara de laicidade não quer dizer neces-
no Brasil do século XIX pela laicidade, sariamente que a laicidade será efetiva-
com o nome de separação da Igreja do da, até porque o Estado tem diferentes
Estado, essa expressão não aparecia. No níveis e espaços.
máximo era uma expressão equivoca-
da, Estado leigo, que é outra coisa, pois O dissenso é importante e precisamos
leigo é distinto de laico. Nós não temos entender que não temos de convencer
tradição sobre essa discussão. Nossa o outro. O que temos de fazer é tentar
tradição é autoritária, ou policialesca, modificar certa correlação de forças a
mas, sobretudo, de dissimulação. nosso favor.

A expressão laico, nem laicidade, estão


na Constituição brasileira.
Fabio Leite
Pontifícia Universidade Católica
Paulo Victor Leite (PUC)
ISER Eu sempre provocava, até no meu gru-
po de pesquisa, e dizia “se pergunta por
Uma coisa que discutíamos no evento
que tirar, mas não se pergunta por que
da Marcha das Vadias aqui do RJ: um
colocar”. Ou seja, eu vou criar um tribu-
dos benefícios da discussão sobre a laici-
nal agora; tem que ter a mesa do juiz,
dade em disputa é o potencial que pode
um martelo, um crucifixo e um pastor
ter em agregar o campo progressista de
para benzer ou um padre, pera aí... tem
esquerda; reunir uma série de atores que
que ter o crucifixo? O que fundamenta
a princípio não estariam tão juntos. Por
colocá-lo? Se eu dissesse está aqui há
exemplo, o problema que temos hoje
100 anos? Quer dizer, tem essas coisas
em dia é que os movimentos LGBT e
que acontecem no dia a dia e não se
Mulheres não estão reunidos.
debate muito. Existem valores, e valo-
Por outro lado, até que ponto o deba- res estão aí para serem interpretados
te/noção de laicidade é tão fundamen- de forma muito subjetiva e altamente
tal em nossos debates cotidianos? O idiossincrática.

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Nos Estados Unidos tem vários debates eu fui contra, é obvio que já ia perder.
sobre símbolos religiosos em locais E perdeu! O que me chama atenção: a
públicos. Há alguns anos a Suprema questão do CNJ era parecida com o que
Corte julgou dois casos envolvendo se discutiu nos Estados Unidos e a deci-
um monumento dos Dez Mandamen- são tinha dois parágrafos. Uma questão
tos. Um caso era um monumento na tão complexa e eles conseguiram deci-
Assembleia Legislativa do estado do dir em dois parágrafos! Porque esse é o
Texas. No pátio da instituição havia nível do debate no Brasil.
vários monumentos e um deles era o
dos Dez Mandamentos. Outro caso era
em um Tribunal de Justiça do Condado
Alexandre Freitas
de Kentucky. A Suprema Corte julgou o
do Texas constitucional e do Kentucky Associação Brasileira de Ateus e
inconstitucional, mandando remover. Agnósticos (ATEA)
E um disse: “aqui é inconstitucional, lá
no Texas está há 40 anos na Assem- A ATEA combate também as obras que
bleia Legislativa”. O caso do Kentucky dizem ser a favor da Bíblia, como placas
está gerando uma grande polêmica sinalizando que determinada cidade é
e eles conseguiram encontrar algu- de nossa senhora ou Jesus Cristo. Não
ma diferenciação. É uma decisão bem combater a intrusão da religião no Es-
fundamentada, com bons argumentos tado acaba prejudicando todo mundo,
para os dois lados. Eles não utilizam a porque você acaba empobrecendo o
expressão laicidade, mas falam sobre a debate, inclusive nas questões relacio-
separação entre Igreja-Estado. nadas à religião.

Também surgiu no Brasil esse debate.


Numa reunião administrativa do Tribu-
nal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul a questão foi levantada pelo Juiz
Roberto Loreia e o tribunal deliberou se
deveria remover os crucifixos das salas
de audiência. Por um voto essa pro-
posta perdeu. Mas quiseram levar isso
para o Conselho Nacional de Justiça e

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3.
As dinâmicas
dos grupos
fundamentalistas

Foto 4 Tatiana Lionço


Marcha Fora (IN) Feliciano
Belo Horizonte, 2013 Conselho Regional de
Psicologia; Companhia
Revolucionária Triângulo Rosa
Um primeiro ponto para enten-
dermos esse fundamentalismo
religioso: é uma estratégia de to-
mada de poder de extrema direita
e que se reveste da autoridade
religiosa para justificar a inflexibi-

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lidade de suas posições no processo de sidade de um deslocamento da lógica
regulação e políticas públicas. da culpa individualizante, associada à
mulher que aborta, ao usuário de dro-
Três pontos de análise da dinâmica ga, a quem tem uma vida sexual fora da
de funcionamento desses grupos. O relação monogâmica, à prostituição, à
primeiro: alta capilaridade dos espa- homosexualidade etc. Essa lógica não
ços de formação de opinião política, e
contribui com o processo social, na ver-
temos vários elementos por meio do
dade desconsidera os processos sociais.
YouTube para entendermos que muitas
Seria necessário deslocar essa culpa
das pregações desses políticos-pas-
individualizante para responsabilização
tores consistem em palanque político.
estatal e olhar para esses processos
Essa capilaridade é feita por meio da
discriminatórios inclusive como pro-
multiplicação dessas igrejas. Uma estra-
cessos que vulnerabilizam os direitos
tégia política voltada para a captação
sociais. Essa lógica, revestida de discur-
de eleitores para fins de legitimação de
so religioso, tem investido maciçamente
autoridades públicas, que se autointitu-
no apontamento para quem aderiu a
lam autoridades religiosas. No fim das
essas práticas, o que justifica que tenha
contas não desempenham tanto essa
de ser excluído da sociedade, porque
função social para a comunidade, como
ele tem uma culpa, tem uma falha, uma
algumas outras igrejas.
infração moral.
O segundo ponto seria a ocupação
Terceiro ponto: ao mesmo tempo que
dos espaços de poder público, com
se atribuem uma superioridade moral,
ênfase no Legislativo. Cada vez mais
remetem-se a uma posição políti-
representantes de instituições religio-
ca transcendental – eximem-se do
sas vêm ocupando espaço como par-
debate, porque não há o que falar, o
lamentares e prioritariamente fazem
um trabalho de retroceder direitos na que discutir, ou mesmo pactuar. Essa
agenda dos DSDR, mas também de estratégia é desqualificadora, a par-
acirrar o estado penal. tir da moral do outro. E não estamos
conseguindo discutir com essas pes-
A filósofa política Iris Marion Young, soas. Então temos de criar outras di-
que escreveu o livro “Responsibility for nâmicas de diálogo, prezar pelo bom
justice”, chama a atenção para a neces- uso das palavras.

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4.
Liberdade
de expressão
versus
direitos Fabio Leite
+ 2 casos: Suprema Pontifícia Universidade
Corte canadense Católica (PUC)
e o Caso
A solução para os problemas com
Luiz Datena os quais nos deparamos em rela-
ção à laicidade virão muito mais
de debates como esse, numa esca-
Foto 5
la muito maior do que do Direito.

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Estava debatendo com alguns colegas o medida não era suficiente. Ajuizaram uma
caso da guarda de sábado pelos judeus ação e perderam em primeira instância.
e adventistas do sétimo dia e qual seria Recorreram ao Tribunal e ganharam.
a resposta do Judiciário para isso. Num
Eu fiquei impressionado como um
levantamento de decisões judiciais que
desembargador conseguiu decidir uma
eu pesquisei sobre isso percebi que mais
questão tão complexa (parece um nú-
de 80% eram contra a mudança de data
mero de mágica) sem acionar nenhum
(era um levantamento por amostragem,
dispositivo jurídico. O texto da decisão
sem grandes metodologias) ou qualquer
é idiossincrasia do início ao fim; o que
outra medida alternativa para quem esta-
ele pensa que é liberdade religiosa. E
va pedindo um tratamento diferenciado.
o STF disse com muita dificuldade, que
Entretanto, de uma forma ou de outra a
apesar de não terem esse direito, enal-
fundamentação era péssima.
teceu o fato de que foi dada essa alter-
Há alguns anos um grupo de adventista nativa pelo Ministério da Educação. Essa
do sétimo dia (uma liderança religiosa) alternativa não foi um presente dado
pelo ministro Fernando Haddad. Foi
não deixou esse tipo de problema para
construída pelas lideranças adventistas
o Judiciário. Eles foram ao Ministério da
(não sei se houve outras lideranças) que
Educação para discutir o problema. O
foram atrás de uma solução razoável.
ENEM de 2010 iria acontecer num sábado
e os adolescentes, estudantes que profes- A Suprema Corte canadense tomou
savam essa religião, iriam ter esse proble- em 2013 uma decisão interessante. O
ma. Eles construíram politicamente uma caso era de um religioso que citava
alternativa, na forma de um horário alter- trechos da Bíblia para fundamentar
nativo, no qual o aluno chega e aqueles seu discurso homofóbico e a Suprema
que quisessem poderiam fazer a prova Corte entendeu que aquele discurso
após as 18h, depois do pôr-do-sol. Um não estava protegido pela liberdade de
grupo de 20 alunos judeus de São Paulo expressão. Responderam a pergunta: o
se recusou porque entendia que essa discurso homofóbico é uma limitação

Caso Datena. Ver mais em:


https://atea.org.br/index.php/component/con%20tent/article/192-datena-e-os-ateus;
Ou
http://oglobo.globo.com/brasil/sp-mpf-entra-com-acao-para-que-programa-brasil-ur-
gente-se-retrate-de-declaracoes-2916218

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ao discurso religioso? Ou o discurso eles podem mudar de canal. Eu não
religioso estará protegido por aquilo faço nenhuma questão que os ateus
que estou chamando de “uma exceção assistam ao meu programa!”. Ele foi
do religioso”? processado por conta disso, uma ação
civil pública do MPF.
O discurso religioso parece ter um
tratamento às vezes privilegiado, por- O MPF estaria violando o direito de li-
que é religião. O discurso homofóbico berdade de expressão? A minha discus-
baseado na Bíblia, por ser uma opinião são é se o discurso dele está protegido
religiosa, tem uma proteção especial? A ou não. A liberdade de expressão não é
Suprema Corte do Canadá decidiu que a garantia de que podemos falar qual-
não. Não sei se foi uma decisão acerta- quer coisa, sem haver censura prévia. Eu
da ou equivocada, mas foram coeren- quero discutir a liberdade de expressão
tes. Não existe a exceção do religioso: num aspecto material, ou seja, o que eu
aceitamos o discurso homofóbico ou posso falar e o que não posso.
não aceitamos. O que não é possível,
e me incomoda no Brasil, é dizermos Meu raciocínio foi o seguinte: imaginem
que esse é um discurso criminalizado, se ele dissesse num primeiro momento:
mas se for religioso tem um tratamento uma pessoa que faz uma coisa dessa,
excepcional. um assassino, não tem Jesus no coração.
Isso afeta quem? Aqueles que não têm
A solução para os problemas com os Jesus no coração. E depois alguém diz
quais nos deparamos em relação à laici- no ponto: olha, os judeus não têm Jesus
dade virão muito no coração. E ele fala: quer saber, se os
judeus estiverem incomodados podem
Luiz Datena, apresentador do progra- mudar de canal. Eu não faço nenhuma
ma Brasil Urgente, da Rede Bandeiran- questão que os judeus assistam o meu
tes, fez um comentário sobre um assas- programa. Eu acho que as pessoas te-
sinato, um crime bárbaro e disse: “um riam uma percepção diferente disso. Se-
sujeito para cometer um crime como ria muito mais chocante. Por que então
esse não tem Deus no coração”. Essa foi com ateus é possível fazer essa discrimi-
a primeira frase, eu imagino que al- nação, a exclusão de um grupo?
guém falou algo no ponto eletrônico a
respeito dos ateus e ele em sua postura A primeira frase dele está protegida
de macho alfa, arrematou: “quer saber, pela liberdade de expressão, porque
se os ateus estiverem incomodados, eu não estou preparado para dizer que

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 17


qualquer religião não possa pregar que haver normas jurídicas, formas de limi-
acham que as pessoas devem ter Deus tar a liberdade de expressão. Eu consi-
no coração para serem pessoas me- go rapidamente pensar em duas coisas
lhores. Então é possível fazer o primei- (e olha que o debate na Alemanha
ro comentário. Potencialmente se eu sobre esfera pública e religião é muito
proibir muitas pessoas serão atingidas. complicado – pode ter crucifixo na sala
O segundo, não, pois ele começa a se de aula, a questão do véu das alunas
voltar contra um grupo e não apenas mulçumanas); ou dois limites claros, a
dizer o que ele acha que uma pessoa meu ver: um se chama hate speech, o
deve ter no coração. discurso do ódio, e o outro discrimina-
ção de modo mais geral. E aí os casos
que estamos falando, pelo menos uma
grande parte deles, preenchem esses
Dawid Bartelt
requisitos.
Fundação Heinrich Böll
O próprio conceito de fundamen- Fabio Leite
talismo é ligado à ideia do Estado
Pontifícia Universidade Católica
moderno e laico, ou seja, é quando o
(PUC)
exercício da religião e da crença sai
do privado e invade o público, criando Qualquer demanda que for levada ao
problemas para as normas da esfera Judiciário, ele será obrigado a resolver
pública. Importante também salientar e julgará procedente ou improcedente.
que não falamos do exercício da reli- Mas ele está preparado para proferir
gião em si, mas quando esse exercício, uma decisão legítima, de qualidade,
ou alegado exercício, é travestido de sobre liberdade de expressão, liberda-
um discurso fundamentalista. de religiosa? É isso que estou de certa
forma, alertando. Eu acho que não.
Já que o Estado brasileiro juridicamente
é um Estado laico e religiosamente neu- Me separo, talvez, dos meus amigos de
tro, então quais são os limites? Porque esquerda, porque não concordo com
eu entendi da sua fala (Fabio Leite – o controle. Claro, tem de haver limi-
Pontifícia Universidade Católica (PUC) te para a liberdade de expressão, não
que realmente não há, pois a esfera estou tratando disso. A regra tem de
jurídica não é o campo onde iremos so- ser realmente a liberdade, o que sig-
lucionar as questões, mas eu não posso nifica que vamos ter de aceitar certas
aceitar isso. Isso não pode ser, tem de coisas, e esse é o preço que a liberdade

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de expressão paga: aceitar um discurso ofendido recorreu ao Tribunal, perdeu
que incomoda. Porque se você apenas de novo pelos mesmos fundamentos,
concorda com liberdade de expressão chegou ao STJ. O STJ nesse recurso,
em tese, mas não consegue me dar um chamado “Recurso Especial”, não pode
exemplo de um discurso que te afete e apreciar fatos. Mas disse: “a liberdade
que você admite, então eu não sei exa- de expressão é muito importante, é
tamente do que você está falando. Aqui fundamental, mas não é absoluta; não
no Brasil todo mundo fala que liberda- pode ofender, mesmo que seja políti-
de de expressão é importante, mas na co não perde seus direitos”. Mas será
hora de dar um exemplo, mesmo nos que o STJ está dizendo isso pra todo
tribunais, quando é uma decisão sobre mundo? Ou foi só naquele caso, por
a liberdade de expressão, geralmente é que conhece aquele político? Será que
condenado. ele poderia dizer agora liberdade de
expressão tem limite no Direito brasi-
Eu fiz uma pesquisa de 2002 a 2010 no
leiro? Então o que pode exatamente?
Tribunal de Justiça, casos envolvendo o
O que está permitido pela liberdade
direito à honra, à privacidade, sobretu-
de expressão? Esse passo acho que o
do à honra e à liberdade de expressão.
Consegui levantar 58 acordos, só 12 Judiciário brasileiro, o Direito brasileiro
no fim não condenaram o discurso, 44 não consegue dar, a parte mais difícil.
condenaram. De todos esses que con- Tem um livro que eu recomendo cha-
denaram o começo é assim: “a liberda- mado “Liberdade para as ideias que
de de expressão é muito importante, odiamos”. É uma biografia da primeira
fundamental, sem ela não há democra- emenda americana.
cia, MAS...não é absoluta” e aí vem a
Então a pergunta, já que sempre fa-
condenação.
lamos sobre respeito, é: o que isso
Tem um caso em que um político cha- impõe? Todos nós concordamos com
mou o outro de mentiroso em época de esse imperativo: devemos respeitar ao
campanha eleitoral, dizendo assim num próximo, às ideias etc, mas o que signi-
programa de rádio: “é incrível como o fica isso? O que isso me obriga a fazer?
candidato tem uma facilidade de faltar Se eu tenho que respeitar uma religião,
com a verdade”, um eufemismo. O ou- por exemplo, isso significa exatamente
tro se sentiu ofendido e ajuizou a ação. o quê? Eu vou ter um conceito mínimo
O Juiz então disse: “bom... é político em relação a isso e que tem de ser coe-
contra político, época de campanha rente, porque o tratamento que vou dar
eleitoral... liberdade de expressão”. O a uma, vou dar a todas.

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5.
O braseiro
e o fogo
de palha:
Igreja Católica e
Luiz Antônio Cunha
neopentecostais
Observatório da Laicidade na
Educação

Foto 6 Precisamos deixar, ao pensar o


Católicos celebram missa Estado laico, de nos fascinar com
de Corpus Christi
“fogo de palha”. Se nos fascina-
na Esplanada, 2015
mos com o fogo da palha ou nos
amedrontamos, esquecemos o
braseiro ali do lado. O braseiro

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que não tem chamas, mas é de onde A Concordata é um tratado
essa palha foi acesa e onde as outras internacional entre o Brasil
achas e palhas serão acesas. O que e o Vaticano e foi assinado
significa essa metáfora? O braseiro é pelo ministro de Relações
a Igreja Católica. Estou falando não Exteriores do Brasil, o atual
do “povo de Deus”, estou falando da ministro da defesa, Celso
burocracia eclesiástica, que serviu de Amorim e pelo secretário do
imagem para a construção da burocra- Vaticano, Tarcisio Bertone.
cia estatal, da militar e da empresarial. Foi também aprovado
Essa é importante, unificada, com chefe, pelo Congresso Nacional e
subchefe, assessor de chefe, um bai- homologado pelo Presidente
ta orçamento. Aqui no Rio de Janeiro, da República.
por exemplo, grandes bairros pagam
Os dois assinaram com
a presença do Papa e do
laudêmio para a Igreja Católica, para
Presidente Lula. A Igreja
as irmandades, na hora de vender uma
Católica é a única instituição
sala, um terreno, e sobre isso ninguém
religiosa que tem um
fala, nem ninguém sabe o valor desse
Estado, criado na época do
dinheiro transferido. Está todo mundo
fascismo italiano (isso não
de olho nos evangélicos: “olha, eles
é pouca coisa, nem coin-
estão cheios de grana; olha lá levando
cidência). Esse Estado tem
dinheiro!”. Eu digo: “eles levam sim! e é representação internacional
um escândalo”. Mas esse outro é silen- e foi aceito na ONU como
cioso, tipo aquele braseiro sem fogo de observador.
palha. Então precisamos ver o braseiro
que já acendeu muita palha e vai conti- Luiz Antônio Cunha –
nuar acendendo. Observatório da Laicidade na
Educação
Quero insistir nessa metáfora do brasei-
ro. A Concordata é o melhor exemplo.
Quando já tinha gente criticando seve-
ramente os pentecostais, a concordata

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 21


foi aprovada em ritmo de urgência na escolas do município do Rio de Janeiro,
Câmara e no Senado. Não tivemos uma favorece o catolicismo. Se é evangélico
concordata com o Vaticano nem na pentecostal como em Duque de Caxias,
época em que tínhamos uma religião por exemplo, favorece a ação daqueles
de Estado, no Império. Pois hoje temos grupos. Ou seja, é uma espécie de terra
e faz parte do Direito Público brasileiro. de ninguém e de quem botar a pata
Isso é gravíssimo. Gerou também seu primeiro.
clone: a lei geral das religiões, que já
foi aprovada nas comissões da Câmara. A lei geral das religiões foi elaborada
Está no Senado e em condições de ser no Congresso por iniciativa do dep.
aprovada e virar uma lei. Eduardo Cunha. Pode ser modificada a
qualquer momento. Concordata, não.
Os movimentos feministas estão na Denúncia de tratado internacional é
vanguarda da luta pela laicidade. muito mais complicada.
Está escrito lá no artigo 14 que todo
planejamento urbano no Brasil a par-
tir de hoje tem que indicar áreas para Joluzia Batista
atividades religiosas. Não sei o que será
isso, mas as igrejas podem reivindicar, CFEMEA
por exemplo: “Eu quero uma praça do
Concordo com a metáfora do braseiro,
Papa”, como tem em Belo Horizonte.
mas eu me proponho sempre a pensar
O ensino religioso católico e de outras
que precisamos construir estratégias de
confissões serão ofertas das escolas
duas ordens. A questão da legalização
públicas em horário facultativo, sabe-
do aborto é a principal luta. Sabemos
mos que na prática vira outra coisa. O
muito bem como é lidar com esse
que vai acontecer neste cipoal jurídico
discurso, com essa pressão, essa força,
-político brasileiro? Uma confusão que
com parlamentares, com lobby, com
propicia o avanço do clericalismo e o
dinheiro, com poder de mídia, ou seja, a
do fundamentalismo.
força da Igreja Católica. Então, costumo
O que está acontecendo na área da dizer nas palestras que nós mulheres
educação e reclamamos, acontece lá somos aparelhos ideológicos do Esta-
dentro das escolas. Se o diretor/a é do. São os mesmos que mandam nas
católico, como acontece na maioria das nossas vaginas: a família, a igreja, a co-

22 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


munidade, todo mundo manda, menos de saúde, sendo que é uma determinação
a gente. É um poder muito forte essa federal, logo isso é inconstitucional. Na
ideia de que somos seres tutelados, SOF temos discutido como a direita ou
assim como as crianças. Nesse debate o conservadorismo criam mecanismos
público sempre tinha o padre e o médi- para nos deixar ocupadas o tempo inteiro
co para falar sobre aborto. brigando contra isso, e não conseguimos
chegar ao braseiro.
Esse novo cenário nos exige também
estratégicas e táticas de como dialogar Por outro lado não quero pensar em uma
face a face com a população. Insisto sociedade estruturada em religiões; em
num dado não pouco relevante de que que cada religião tenha também seu pe-
existem mais afrontamentos, confrontos, daço. Por isso eu sou bastante contrária
tipo exorcizar a mulher tatuada, a mulher ao ensino religioso, porque é justamente
com piercing etc. junto às populações da quando ainda temos certo grau de ima-
periferia. Assim, temos que ter estratégia turidade da sociedade que as religiões
para lidar com esse poder da Igreja Ca- vão lá para angariar novos adeptos mais
tólica, que é o braseiro, e também cuidar cedo. Quanto mais cedo for à escola,
do fogo de palha, porque ele está corro- mais cedo vai conseguir ampliar o seu
borando práticas profundamente opres- curral eleitoral ou seu templo, ou seu ter-
reno, ou seu rebanho. Eu não quero uma
soras, misóginas, machistas e violentas.
sociedade assim. Eu também não quero
acreditar no santo do Candomblé, ou no
Maria Fernanda Marcelino santo da Igreja Católica, nem na ausência
de santos das igrejas neopentecostais. Eu
MMM quero ter liberdade de poder em algum
momento escolher para onde ir. Não ser
Nós, do movimento feminista, temos saí-
julgada por isso ou violentada.
do bastante sapecadas de muitos fogos
que se espalham muito rápido. O Estatuto
do Nascituro ainda não foi aprovado. Mas
em vários municípios, onde nosso poder Dimas Galvão
de resistência é menor, foram aprovados CESE
estatutos municipais. Lá na cidade de São
José dos Campos (SP) é proibido distri- Estava lendo um texto antes de vir para
buir a pílula do dia seguinte nos postos cá sobre os preceitos religiosos nos

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 23


espaços públicos. O autor conta que ca romana que é enorme, tem mídia,
quando a estátua do Cristo Redentor foi jornal, televisão. É esse fogo que está
inaugurada, em 1931, tinham 50 bispos queimando. As pessoas estão criando
reunidos no local e o cardeal Sebastião terror nas comunidades. Pessoas que
Leme teria dito para Getúlio Vargas du- antes frequentavam outras comunida-
rante o ato da inauguração: “o Estado des religiosas, não vão mais, porque
reconhece o Deus do povo ou o povo hoje estão dentro das igrejas e a cabeça
não reconhecerá o Estado”. Acho que está sendo feita. A impressão é de que
está implícita um pouco a metáfora do esse fogo não passa e cada vez mais se
braseiro. Mas me incomodou a parte alastra, como uma grande fogueira. Esse
do fogo. Lembro quando o fenômeno fenômeno parece fazer com que a gente
das igrejas neopentecostais começou caminhe para um enfraquecimento da
a aparecer mais ou menos há 15 ou
secularização; e para o fortalecimento
20 anos atrás. Imaginávamos que seria
de uma visão cada vez mais religiosa.
um fogo, uma coisa que passaria. Mas
Pessoas que nunca iam para a igreja
percebemos que esse negócio foi to-
estão falando sobre religião, assistindo a
mando corpo e aparecem igrejas, hoje,
programas do Marcelo Rossi e fazendo
na mesma velocidade e quantidade que
viagem para os lugares etc. A seculariza-
dupla sertaneja.
ção está cada vez mais distante e todo
Quando me refiro a igrejas neopen- mundo está sendo tragado por uma
tecostais, estou também me referindo onda meio conservadora, que não é
à igreja neopentecostal católica. Exis- evangélica, não é pentecostal, é religio-
te uma igreja neopentecostal católi- sa, conservadora e católica também.

24 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


6.
Para além do
fundamentalismo:
um discurso conservador direitista

Foto 7 Iradj Eghrari


Pastor Silas Malafaia
na Comissão Especial sobre o Comunidade Bahá’í
Estatuto da Família, 2015

Qual o risco de colocarmos todo


nosso poder de fogo na questão
do fundamentalismo versus Estado
laico: é deixarmos passar ao largo
outras espécies de ocupação da
máquina do Estado por religiões

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 25


que passam despercebidas ou são Tatiana Lionço
muito mais “elegantes”? Temos registro
de casos, por exemplo, de defensores Conselho Regional de Psicologia;
do Estado laico que ocupam a máquina Companhia Revolucionária
estatal, aparelham-na com uma deter- Triângulo Rosa
minada linha religiosa e isso é Brasil. Vá
ao Executivo Federal e veja quem ocupa A nossa compreensão no Movimento
a máquina do Estado. Não podemos Estratégico pelo Estado Laico (MEEL)
jogar o jogo de quem está interessado tem sido de que isso que chamamos de
em não discutir essa pauta, colocando fundamentalismo religioso, do ponto de
o foco apenas no diabólico, no funda- vista conceitual, não exatamente consis-
mentalista. te numa dinâmica de fundamentalismo
religioso. Porque não consiste em um
esmiuçamento da doutrina religiosa,
Érika Lula Medeiros na especificação de propostas políticas,
não é disso que se trata. Nós diríamos
CFEMEA
que se trata de um fundamentalismo da
Tem uma ligação ali, que junta o fun- direita, que oportunamente se reveste
damentalismo religioso com ruralistas. de uma autoridade religiosa para se
A bancada religiosa votou a favor do eximir do compromisso democrático do
Código Florestal, em troca os ruralistas debate que implica em dissenso, que
votaram contra os direitos previden- implica em divergência de opiniões e
ciários da população LGBT. As arti- que implica em pactuações políticas.
culações entre esses grupos estão o
tempo todo e se envolvem, sim, com o
Rafael Soares
debate sobre Estado laico e a laicida-
de. O debate do Estado laico tem que Koinonia
passar pela cidadania no Brasil que
hoje tem cara, sexo, cor, orientação Quando falamos de Estado laico, a
sexual, classe. Não podemos fazer esse polarização se tornou pública; nós não
debate de cidadania, sem fazer o de inventamos essa polarização. Também
Estado laico, sem conseguir destrinchar estamos diante de uma história, na
esse conceito e criar articulações com qual nunca tivemos plenamente Estado
outros movimentos. democrático no Brasil, então falar de

26 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


Estado laico é um capítulo do desejo com um universo que cada vez mais se
de Estado democrático de direito. Nós, autoidentifica como universo ruralista,
como agentes públicos, devemos nos country, associado a uma enorme franja
perguntar por que estamos disputando de capital social e econômico que não
o conceito de laico. Na verdade, esta- tem vergonha de ser isso e não tem
mos disputando o conceito de Estado. vergonha de ser de direita. E isso não é
Os discursos fundamentalistas que porque as pessoas não têm vergonha,
estamos criticando são discursos da é porque ele passou a ter relevância
direita e sem vergonha de ser. Se pe- social. Essa dialética é o que me preo-
gássemos esses discursos há dez anos cupa. O discurso contra o Estado laico
teríamos conseguido confiná-los ou já estava na sociedade, mas ganhou
isolá-los em determinado campo. Hoje, relevância e tem pessoas que o defen-
temos um enfrentamento à direita, dem ativamente.

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 27


7.
A religião
e os
neopente-
costais
Joluzia Batista
Foto 8 CFEMEA
3ª Marcha para Jesus no DF, 2015
A Igreja Católica é uma religião
secularizada, então sabemos por
onde as artimanhas estão passando,
como a estratégia do poder está
se organizando ou se organizou;
temos um mapeamento. Para mim,

28 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


o desafio é mapear a movimentação dos evangélicos; quando o Malafaia este-
setores fundamentalistas neopentecos- ve amplamente envolvido na tentativa
tais. Esse debate cruza com o que fizemos de difamar a campanha e fazer com
recentemente sobre a nova classe mé- que ele ganhasse. Então até que pon-
dia. Nós não temos ainda os dados, mas to a produção das nossas leituras e da
empiricamente podemos ver que onde mídia não acabam supervalorizando o
o Estado se ausentou ou falhou essas potencial desses caras e ao supervalo-
instituições ocuparam as escolas públi- rizar produzimos o poder desses caras?
cas, as comunidades periféricas. Estão lá Logo, é importante que, quando formos
disseminando os discursos do ódio, da criticar, pensemos as lutas e os termos
intolerância religiosa, da violência contra de como conduzimos essas disputas,
as mulheres, do estupro corretivo, do a partir de linguagens que não poten-
linchamento de homossexual etc. É uma cializem essas disputas. Inegavelmente
estratégia de poder organizada. Recente- são poderosos sim, mas até que medida
mente o Congresso foi visitado por orga- estamos lendo desse jeito.
nizações de extrema direita. Uma delas, a
Exodus Cry, está pregando a culpabiliza-
ção dos clientes da prostituição.

Livro Religião e Política:


Paulo Victor Leite http://www.br.boell.org/
web/136-1519.html
ISER
Até que ponto as nossas reações, os
nossos movimentos estão potenciali-
zando a força desses caras? Os casos
analisados no livro “Religião e Política”
Celina
mostram isso. É muito interessante ISER
ouvirmos a afirmação de que o Silas
Malafaia e os evangélicos foram funda- Na pesquisa que estamos desenvol-
mentais para a ida ao segundo turno vendo sobre assistência religiosa em
da Dilma Rousseff. Mas não se diz que presídios, estamos tendo dificuldade
a vitória do Fernando Haddad, em São em entender como definir assistên-
Paulo, foi uma derrota para os grupos cia religiosa. A assistência religiosa é

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 29


um direito fundamental, previsto no Iara Moura
artigo 501 da Constituição brasileira,
e por lei quem regula isso nos cen- Coletivo Intervozes
tros penitenciários são os assistentes
Uma discussão que fazemos no Inter-
sociais. A coordenação de serviço
vozes é sobre a venda de horários das
social teve dificuldade de entender o
televisões, numa espécie de terceiriza-
que isso significa. A visão dos repre-
ção para grupos religiosos professa-
sentantes das instituições religiosas rem as suas crenças. Os horários são
que estão lá é como se fosse mais um concessões públicas. Temos um marco
direito deles, em vez de um direito legal constitucional que estabelece as
do preso. Aí vemos uma mudança de diretrizes da programação de radiodifu-
lógica: de ser um direito individual do são, a partir da laicidade e do respeito
preso (ser assistido). Isso fica bem cla- à diversidade. Entretanto, sabemos que
ro em algumas falas, como “eu que- infelizmente algumas instituições não
ro aquela unidade pra mim; por que cumprem esse papel.
eu não estou lá? Por que fulano que
é meu diretor consegue entrar e eu
não?” e “se sou de uma determinada Tatiana Lionço
igreja eu demoro para ser atendido”. Conselho Regional de Psicologia;
O Estado tem que regular de alguma Companhia Revolucionária
forma e também há uma porção de Triângulo Rosa
regulações que na prática não são
respeitadas. Outra questão também é O direito de comunicação é fundamen-
quando tem diretor religioso. tal. O Amartya Sen, autor do livro “A
ideia de justiça”, discutiu bastante isso.
O trabalho dessas instituições reli- A livre comunicação é fundamental na
giosas não se resume a um culto ou democracia, porque a comunicação de
alguma atividade nesse sentido. Eles massa forma opinião, determina o que
estão lá também dando kit de higiene, pensar, quais aspectos da sociedade
aulas de alfabetização e computação; são relevantes para serem considera-
de uma porção de outras coisas que a dos nesse momento. Os veículos de
própria administração penitenciária diz comunicação de massa determinam em
ter uma carência. grande medida o imaginário social.

30 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


É muito chocante o baixo alcance das
nossas comunicações nas redes sociais.
Os religiosos, o blog mulheres contra o
feminismo, é fundamentalismo religioso
misturado com blog de extrema direita
etc. O nosso alcance nas comunidades
de base basicamente é nulo.

Lusmarina Campos Garcia


Conselho Nacional das Igrejas
Cristãs, Regional Rio de Janeiro
(CONIC-Rio)
Precisamos, os movimentos sociais, a
sociedade civil, de um canal de televi-
são. Não estou brincando, eu sei que
parece brincadeira, mas sabe por quê?
Lá no interior do Brasil, minha irmã, por
exemplo, que vive no interior de São
Paulo, não tem computador, não tem
um tablet, não está nas redes sociais,
mas ela vê televisão todo dia. Eu acho
que precisamos de fato entrar nessa
mídia, que é mais massiva, para poder
oferecer à população a noção clara de
que outra religião é possível. Porque
não podemos ignorar o dado religioso
no Brasil, de jeito nenhum; é bobagem
tentar ignorar. Os temas das feministas
precisam ser explicados. A minha irmã
precisa ver uma mulher feminista falan-
do. Outra religião é possível, outro jeito
de ler a Bíblia é possível.

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 31


8.
Religião
e política

Foto 9 Darci Frigo


Lançamento do livro Religião
e Política, F. Böll e ISER, 2013 Terra de Direitos
A religião no espaço público e no
espaço privado é uma equação
que parece estar resolvida, mas
cada vez mais estamos ouvindo
argumentos no sentido contrá-
rio. A religião ou quem está nas

32 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


igrejas reivindica um lugar no espaço Câmara, pelo fato de as nossas forças
público. Assim, não basta dizermos considerarem que comissões de rela-
que estamos contra a religião no espa- ções de exteriores ou ligadas à área
ço público, porque ela irá se estabele- econômica eram mais importantes do
cer a partir de uma forte correlação de ponto de vista da estratégia atual de
forças. Após a experiência de lidar com poder, e direitos humanos era menos
comunidades de terreiro, indígenas importante. Mas esses setores conser-
ou similares nós reivindicamos outro vadores entenderam que esse projeto
jeito de ver a religião, como um espa- político da direita deveria disputar e
ço coletivo. Temos então uma questão desconstruir os conceitos de direitos
que precisa ser enfrentada e eu não sei humanos. E foi para isso que eles foram
como enfrentar. para a Comissão de DH.

Eles vieram para a ofensiva e estão ata-


cando a partir da esfera pública, tanto
do ponto de vista de ocupar o debate Dimas Galvão
em geral, quanto de ocupar o Estado CESE
para que possam estabelecer as polí-
ticas. É então uma ofensiva que tem a Todos lembram o José Serra indo
ver com os projetos políticos de direita, para Aparecida do Norte, os outros
projetos que querem ser hegemônicos candidatos indo para as marchas de
na sociedade. Nesse momento, ateus e Jesus na eleição de 2010. Marina Silva
crentes, uni-vos! Tem de haver uma uni- recentemente, quando estava lutando
dade política fundamental. Por exem- para criar o partido Rede, esteve na
plo, expressões da Igreja Católica po- Marcha para Jesus em SP arrecadando
deriam estar conosco, pois são aliados assinaturas.
históricos das lutas sociais, têm capaci-
dade de entrar nos debates públicos e Como temos uma formação religio-
poderiam estar somando forças. sa muito pesada, desde as origens,
enquanto o europeu sofreu todo um
Nesse embate que aconteceu sobre a processo desde a idade das luzes, nós
vinda desse setor religioso fundamenta- ainda somos reféns de uma visão re-
lista para o espaço público vimos al- ligiosa muito marcada na população.
guns reflexos concretos, como a perda Então uma fala dizendo que o aborto é
da Comissão de Direitos Humanos da crime, é pecado, abala muito as pessoas

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 33


comuns e isso tende a ter um efeito sília num feriado, e partici-
devastador, do ponto de vistas das pei daquele tour ao Senado.
posições na sociedade brasileira. Então Quando chegamos na sala
quando estamos falando em disputar principal do Senado, eu fiz
o conceito de Estado laico temos di- um comentário (tinha umas
ficuldades. Porque Estado laico é um 30 pessoas): deviam retirar
conceito teórico, uma abstração. O esse crucifixo daqui, porque
povo entende quando o pastor fala que o Estado é laico. Eu quase fui
aborto é crime, que é contra as leis de trucidado pelos participan-
Deus. Temos quase uma luta de Davi tes, dizendo que eu ia para o
contra Golias. inferno, que era um absurdo.

A direita da CNA se alia à direita religio- E outra experiência foi em


sa, que depois vai contra os direitos dos 2008 durante a Campanha
homossexuais, dos povos indígenas e da Fraternidade (da CNBB)
quilombolas e cria-se aí uma teia, uma que defendia a vida. Chegou
rede da direita, que junta religiosos à minha caixa de mensagem
de um lado, ruralistas do outro, gran- uma desconhecida dizen-
des empresários, e vão todos marchar do que deveria ser retirado
numa mesma força contra os valores um vídeo que polemizava
que estamos defendendo aqui, os DHs. a questão do aborto. E eu
Nós, da CESE, estamos atuando junto ingenuamente respondi,
aos movimentos ecumênicos e a ou- dizendo que achava que de-
tros espaços religiosos justamente para veria ficar para suscitar um
oxigenar aquilo que seria uma trajetória debate na campanha.
do movimento ecumênico, a defesa do
Depois disso eu recebi de-
Estado laico. Não é possível defender
zenas de mensagens, falan-
direitos se não for pelo Estado laico do absurdos, dizendo que
aquela posição era assinada
só por homens e que não
tinha nenhuma mulher de-
fendendo a manutenção do
Gostaria de contar duas vídeo... e por que só tinham
pequenas histórias que eu homens? E depois também
vivenciei ultimamente. Dois recebi um email de uma
meses atrás eu fui para Bra- mulher que ia rezar por

34 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


mim, que minha alma estava relação a isso. Não podemos fazer nada
perdida. No final das con- em relação à ocupação de cargos, so-
tas fizeram uma pesquisa e mente a atos praticados, concretos, se
descobriram que eu traba- não seria preconceito. Por que alguém
lhava na CESE e acharam um de uma religião não pode assumir?
absurdo uma entidade com- Na verdade, o que acaba sendo mais
posta por igrejas que defen- eficiente são atuações estratégicas na
dia a liberdade religiosa, a mídia que deem justamente visibilidade
livre orientação sexual etc. a atos concretos resultantes da atuação
Foi um negócio de 2 meses de certos grupos de interesse através
e depois eu bloquei. Penso de blog, internet, enfim.
que um grupo meio medie-
val da Igreja Católica.

Esses dois casos ilustram um Érika Lula Medeiros


pouco o debate. O Estado é
laico juridicamente, mas cul-
CFEMEA
turalmente ele é impregnado Quando eu estava participando das ma-
de religiosidade. nifestações na época do “Fora Felicia-
Dimas Galvão no” junto com o movimento feminista e
CESE LGBT, me chamava atenção a simbolo-
gia de ser o Feliciano na presidência da
Comissão de Direitos Humanos. As con-
ferências de Direitos Humanos eram em
parceria com aquela comissão; quando
a sociedade civil, todos os segmentos
de movimentos sociais, queria pautar
alguma coisa no Congresso Nacional
Fabio Leite era a Comissão que puxava uma au-
Pontifícia Universidade Católica diência pública. Porém, quem se mobili-
(PUC) zou com força, com manifestações que
demoraram muito a parar, foram quatro
A questão que foi colocada em relação meses ali, toda semana indo para fazer
a postos estratégicos ocupados pela mobilização, era o movimento LGBT,
Igreja Católica, eu concordo plenamen- o movimento feminista, o movimento
te, mas a questão aqui é o que fazer em negro de religiões de matriz africana.

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 35


Porque na fala de Feliciano estava o gay sem deixar vestígios. O
ataque ao negro, à mulher e aos gays. roteiro dizia: “siga a vítima,
Eu particularmente senti muita falta dos faça amizade”, ensinando
outros movimentos sociais, cadê eles? inclusive como se desfazer
do corpo.
Não estou dizendo que eles foram
omissos, depois inclusive houve muitas Esse tipo de atitude gera
manifestações, notas etc. Mas fazê-los uma onda de impunidade
priorizar essa pauta de alguma forma e tão grande que outros gru-
levar aquilo até chegar nos outros mo- pos, sem a mesma ideologia
vimentos levou 2 meses. religiosa, mas igualmente
violentos, os grupos neona-
zistas, por exemplo, estão se
sentindo fortalecidos para
atuar cada vez mais. Com
base nesse discurso que não
respeita o diferente, de que
No movimento LGBT temos somos pecadores endemo-
um número muito grande de niados, doentes mentais etc.
defensores e defensoras de A análise dentro do movi-
direitos que estão em situa- mento LGBT é de que a úni-
ção de ameaça. Eu mesmo ca estratégia viável para o
estou no Programa de Prote- enfrentamento é articulação
ção de Defensores de Diretos com outros segmentos e
Humanos. Um louco ou uns movimentos sociais. Conti-
loucos do estado do Paraná nuamos fazendo advocacy,
em nome de Deus começa- tentando implementar ações
ram a fazer ligações e amea- do plano nacional LGBT.
ças. Quatro defensores de di-
reitos humanos estão nessa Marcio Marins
situação na cidade de Curiti- Fórum Nacional das Religiões
ba. Primeiro foi uma onda de de Matriz Africana
ligações, depois hakearam o
site da ABGLT e colocaram
um roteiro de como estu-
prar uma lésbica e matar um

36 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


9.
Neopentecostais,
população LGBT
e religiões
de matriz
africana Marcio Martins
Karina Coelho, mãe de Kayllane Campos, Fórum Nacional das Religiões
menina de 11 anos que levou uma de Matriz Africana
pedrada, vítima de intolerância religiosa
no Rio de Janeiro, 2015.
O que pode significar a crescente
ofensiva política e social dos gru-
Foto 10 pos religiosos fundamentalistas?
Primeiro cabe dizer que o cresci-
mento dessa ofensiva tem, de fato,

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 37


servido de combustível para o aumento letivo Identidades Negras há três anos
(não só de denúncias) mais significati- chamada “QUEM É DE AXE DIZ QUE É”.
vo das violações de direitos, tanto da Precisamos de fato repensar estraté-
comunidade LGBT, quanto das religiões gias que apontem principalmente para
de matriz africana. o fortalecimento dos movimentos em
prol da laicidade do Estado e da inte-
Citarei exemplos rápidos: mais de 60% gração e articulação das redes de direi-
dos atendimentos do disque 100, da tos humanos.
SDH (que hoje não é o mais eficaz, mas
é o canal de denúncia mais divulgado
que temos), são de violações de dire-
tos da população LGBT. Em algumas
unidades federativas, como Paraná, são
76% de todas as denúncias do Disque Chegou um projeto de um ter-
100. Podemos pensar que é resultado reiro de Candomblé na CESE.
da forma com que o movimento LGBT Quando chega um grupo novo
vem trabalhando nesse estado, incenti- que não conhecemos, não é
vando a denúncia por meio da campa- parceiro ainda, nós visitamos
nha “Denuncie Não Fique em Silêncio”. para verificar como é esse gru-
po. Umas colegas foram visitar
Com as religiões de matriz africana não esse terreiro de Candomblé e
é diferente. Há quatro anos tivemos contaram uma história incrível.
uma onda de invasão de terreiros de Tinha uma igreja neopentecos-
Umbanda e Candomblé, inclusive al- tal ao lado do terreiro e um dia
guns casos tiveram repercussão nacio- a mãe de santo dormiu fora e
nal, como aqui no Rio de Janeiro. E no quando chegou de manhã o
estado do Paraná de 2012 até agora terreiro estava todo destruído;
tivemos pelo menos seis registros de sal grosso jogado para todo
invasão e depredação de patrimônio. lado. Ela sabia de onde veio a
destruição: foram os membros
Um exemplo é quando chega @ recen- da igreja. O que ela fez? Ela se
sead@r e pergunta: “Religião?” “Ah! paramentou na melhor rou-
Católico”. Essas pessoas estão cada pa que tinha, roupa de santo,
vez com mais medo. Por conta disso, esperou a hora de começar o
lançamos uma campanha com o Co- culto, e no meio do culto ela

38 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


entrou na igreja. Todo mun-
do ali, pessoas que eram do
Candomblé, inclusive vizinhas,
parentes dela que antigamente
frequentavam e depois foram
captadas pela igreja estavam lá,
fazendo essa loucura de per-
seguição. Ela levantou, chegou
ao meio do culto e falou assim:
“Bom... vocês fizeram aqui-
lo comigo e dizem que nosso
terreiro é do demônio, pois
eu vou virar um demônio se
não forem lá e arrumar e colo-
car tudo como estava! porque
vocês têm a liberdade de culto.
Nós nunca nos manifestamos,
nunca reclamamos do culto que
vocês fazem. No entanto, nosso
terreiro está sendo agredido.
Portanto se vocês não forem lá
e não arrumarem do jeito que
estava ... aí vocês vão ver o que
pode acontecer. Eu vou virar
o Demônio que vocês dizem
que a gente é!”. Ninguém falou
nada. No dia seguinte estava
tudo arrumado do jeito que
era, colocado no lugar.

Dimas Galvão
CESE

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 39


10.
Voltando
à discussão
sobre
laicidade
Foto 11 Pedro Strozenberg
Milhares de fiéis acompanham
procissão do Círio de Nazaré, 2014 ISER
Na minha visão estamos discutin-
do que tipo de Estado laico que-
remos ver efetivamente praticado.
Por exemplo, quem pega trem
sabe que grupos religiosos rezam
dentro do vagão; quem frequenta

40 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


o sistema prisional vê a religião atuando reita, se ele não vem com aquele verniz
lá dentro; os estados aplicando diferen- da religião. A religião de alguma ma-
temente a questão do ensino religioso, neira nos facilita identificar os discursos
em grande medida privilegiando deter- conservadores. E o desafio é tentar
minadas culturas ou práticas religiosas. reconhecer onde estão nossos aliados.
Temos uma série de manifestações no
cotidiano que mostram que o Estado Queria dizer três coisas básicas: uma é
não se organiza para coibir ou regular do cotidiano dos/as brasileiros/as. E a
essas manifestações. Quando o Estado minha pergunta é se a expressão reli-
tenta regulamentar é pela imposição, giosa tem se tornado mais importante
o que também não é um processo de no cotidiano das pessoas. Se tem assu-
construção. No RJ, na Central do Brasil mido um papel de maior destaque na
há uma placa com “é proibido culto em sociabilidade. O Brasil sempre foi um
trens” -percebemos a ação do Estado. espaço multirreligioso, será que esta-
O que a prática permitiria; a convivência mos perdendo isso? Será que estamos
das pessoas possibilitaria o culto no mudando essa marca identitária da
trem. Nesse caso o Estado está sendo cultura brasileira?
respeitoso com a laicidade? Ou está
cerceando uma expressão do uso do
espaço público por uma determinada
Luiz Antônio Cunha
convivência entre as pessoas? Quando
se organizam as celas pelo religioso, o Observatório da Laicidade na
Estado está reconhecendo um campo Educação
de convivência social ou está discrimi-
Uma coisa importantíssima é distinguir
nando aqueles que não seguem de-
o que é secularização e o que é laicida-
terminadas práticas? Temos de enten-
de. No meu entender, isso não é con-
der não só o discurso, mas também a
sensual, não está nos dicionários. No
expressão da organização das pessoas
meu entender secularização diz respeito
nos espaços públicos.
à cultura e laicidade ao Estado. É impor-
Hoje temos mais facilidade de reconhe- tantíssimo distinguir isso, porque pode-
cer um discurso anti-direitos de um (in) mos ter uma sociedade profundamente
Feliciano, do que de uma Kátia Abreu. religiosa, em que a secularização da
De alguma maneira estamos invisibili- sociedade é muito pequena. Na Índia o
zando um discurso conservador de di- Estado é laico. Lá é proibido ter ensino

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 41


religioso em escola pública, não impor- e desfavorece, atrapalha e não atrapa-
ta se a maioria daquele bairro, daquela lha grupos religiosos. Mas também não
cidade é sikh, muçulmana ou hinduísta. é estado confessional. E aí não adianta
No entanto, é uma sociedade que respi- colocar preposição, “interconfessional”,
ra religião por todos os poros ou trans- “pluriconfessional”, “multi”, só atrapa-
pira, não sei qual é a melhor metáfora. lha. Então não é Estado ateu, nem con-
fessional, mas uma superação dialética
A laicidade diz respeito ao Estado, pode- dessas duas forças.
mos ter o contrário também. A Inglaterra
é uma sociedade em que a seculariza- Hoje, no Brasil o movimento ateísta é
ção da cultura é muito maior do que na uma força pequena, mas está aí. Aliás, o
Índia. No entanto, o Estado é laico “pero que mais está crescendo no Brasil não
no mucho”. Na Câmara dos Lordes, os são os evangélicos, são os que se decla-
bispos da Igreja Anglicana têm repre- ram sem religião. Se verificamos a estatís-
sentação relevante e cativa. A chefe da tica, a inclinação da curva é maior para os
Igreja Anglicana é a rainha da Inglaterra. sem religião. No Rio de Janeiro a propor-
ção de evangélicos no estado é só um
O Brasil não é um Estado laico; é um pouquinho maior do que a média nacio-
Estado concordatário devido ao Acordo nal, ao contrário do que muita gente pos-
Santa Sé/Vaticano - Brasil. É um Estado, sa pensar. Na Baixada Fluminense, sim!
ao meu entender pluriconfessional, com Mas a capital é católica por declaração. O
uma franja do confessionalismo. que é muito maior é o dos sem religião,
que é o dobro da média nacional.
A laicidade é um processo no Brasil,
como em qualquer lugar do mundo.
Aconteceu com a democracia; tem
avanços e recuos. Érika Lula Medeiros
CFEMEA
O que é um Estado laico? Todo mundo
diz “não é um Estado ateu”, certíssimo. Sobre o crescimento de ateus e da
Aliás, Estado ateus na história da hu- curva ser muito maior dos sem religião,
manidade só teve um durante 10 anos, porém, não podemos desprezar que os
apenas a Albânia, na segunda metade sem religião não estão organizados e
dos anos 1940 até comecinho dos anos mobilizados como os grupos religiosos
1950. Podemos ter Estado que favorece que vêm crescendo, no caso, os evan-

42 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


gélicos. Os grupos fundamentalistas Rosangela Talib
estão crescendo em uma taxa menor,
Católicas pelo Direito de Decidir
mas se organizam e se mobilizam com
estratégias cada vez mais bem delinea- A nossa sociedade está acostumada a
das de ocupar o poder público, o Con- símbolos principalmente católicos, mui-
gresso etc. Então não necessariamente to mais do que cristãos. Temos crucifixo
essa diferença quantitativa representa em todo lugar, nas salas de aula, nos
uma vantagem ou uma vitória da pau- tribunais, nunca ninguém se preocupou
ta de Estado laico, em detrimento das com isso. Qual é o problema de ter um
outras limitações.
crucifixo lá? Minha filha mais nova estu-
dou em escola pública no primário e a
professora rezava no início da aula o Pai
Lusmarina Campos Garcia Nosso todos os dias. Eu moro em São
Conselho Nacional das Igrejas Bernardo e a comunidade mulçumana
Cristãs, Regional Rio de Janeiro é muito grande. Portanto, temos alunos
(CONIC-Rio) mulçumanos e nunca foi convidado um
sacerdote para ir lá. E a comunidade
Então, quero dizer que nós mulheres, nunca se incomodou com isso. Quando
teólogas, também enfrentamos isso, e eu dizia: “mas como é possível?”. Os
o pessoal de esquerda dentro da igre- pais dos alunos replicavam: “mas o que
ja está passando por um momento de tem de mais, afinal de contas é religião,
silenciamento, por conta das ondas está ensinando alguma coisa de bom
conservadoras que estão assolando para essas crianças”.
todas as igrejas. Assim, temos de fazer
um exercício interno, dentro de nos- O sino de uma igreja próxima ao nosso
sas próprias instituições e encontrar os escritório em São Paulo tocava de hora
pares. E eu sei que há pares dentro da em hora, 24 horas. Precisou uma mo-
Igreja Luterana do Brasil, que apoia as radora nova reclamar na prefeitura e aí
mulheres. Por exemplo, a Federação Lu- eles falaram: “ah! Mas custa muito caro,
terana Mundial acabou de aprovar uma precisa vir um técnico do exterior para
política de gênero para suas igrejas no desligar o aparelho”, mas desligaram. E
mundo inteiro. Assim, essa política vem as pessoas diziam: “ah, mas isso sempre
com certa força, mas esbarra nessa cul- teve, já estou acostumada com os sinos
tura conservadora local. da igreja baterem”. A gente considera

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 43


isso parte da nossa cultura, parte da
nossa formação e não nos damos conta
de que estamos violando o direito dos
outros, de mulçumanos, de budistas,
de todas as outras religiões que estão
postas no Brasil. Quando essas religiões
começam a mostrar a cara dizemos:
“pera lá, até onde você quer chegar?”.

Sempre nos contrapomos como Católi-


cas pelo Direito de Decidir toda vez que
a Igreja Católica tenta ter privilégios
que as outras não têm. Não é por acaso
que os evangélicos estão ocupando o
Parlamento. Por quê? Porque é a única
possibilidade de eles se manifestarem
e terem voz. Mas quais são os limites
desses direitos? Porque nós não coloca-
mos limites para a Igreja Católica. Nós
deixamos a Igreja Católica continuar
administrando colégio, confessionário,
sem pagar impostos.

44 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


11.
O MEEL:
estratégias
possíveis
Foto 12 Luiz Antônio Cunha
Manifestação em Brasília,
integrantes do MEEL, 2014 Observatório da
Laicidade na Educação

Precisamos pensar em estimular e


agregar outros setores ao MEEL.
Porque no meu entender não será
possível construir um Estado laico
a partir da esquerda. Isso não vai

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 45


acontecer nos próximos 2.000 anos! Se protagonismo importante na crítica à
nós pensarmos só nos “bons”, não vai Concordata Brasil-Vaticano.
acontecer. O máximo serão pequenos
mecanismos de autodefesa.

Se o MEEL for apenas uma frente LGBT Iradj Eghrari


como no lançamento, estará fracassado.
Comunidade Bahá’í
Porque a soma do total será no máximo
igual à soma das entidades participan- Eu vejo dois conjuntos de estratégias.
tes e poderia ser muito mais. A outra A primeira estratégia se baseia forte-
coisa é o MEEL atuar permanentemente mente na presença de representantes
no Congresso. A promoção do Feliciano
de movimentos religiosos que dizem
foi feita muito tempo atrás. Ele foi autor
“olha, outra religião é possível”. Eu
de um projeto sobre ensino religioso
acredito num outro ensino religioso
com temas como a formação de profes-
e que é possível trazer o pilar do co-
sores, a contratação etc., muito promo-
nhecimento religioso, não enquanto
vido no Congresso. Era o projeto do
confessional, nem enquanto proseli-
FONATER – Fórum Nacional Permanen-
tista, mas a escola pode ser um es-
te do Ensino Religioso.
paço de debate das questões do que
Precisamos agregar parlamentares, que significa a construção de um aspecto
não são muitos. Não aqueles parlamen- fundamental para nós seres huma-
tares que se reúnem lá no Congresso, nos, ou boa parte, que têm a espiri-
na Câmara, para fazer culto a Jesus; tualidade como elemento importante
nem aqueles que vão em silêncio assis- da sua vida.
tir a missa toda semana na CNBB. Mas
há de ter laico e tem no Congresso. Pre- No segundo conjunto eu vejo a impor-
cisamos atuar nos Conselhos do Exe- tância da recuperação/retomada de
cutivo. Penso no Conselho Nacional de atores históricos dos segmentos religio-
Educação, o qual fiz parte durante um sos que trabalharam, por exemplo, du-
ano como proponente de um parecer rante todo o período militar e trouxe-
sobre o ensino religioso nas escolas. E ram a luta pelos Direitos Humanos para
as outras instâncias, o Conselho Nacio- dentro do nosso país. Que não podem
nal da Juventude – ConJuve. O ConJuve ser esquecidos e, de certa forma, tam-
é de maior importância, pois teve um bém estão excluídos.

46 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


Temos de ir às periferias e fazer um
contraponto dentro da dimensão da
religiosidade também. Retomar o papel
da religião na sua centralidade e na
defesa de direitos numa relação com a
dignidade humana. Quando eu falo de
religião não estou falando dessa coisa
esquisita que está aí no mercado. Es-
tou falando de outra religião possível;
aquela que me traz compreensão, en-
tendimento, autopercepção e me ajuda
a perceber qual é a minha dignidade.

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 47


12.
Pensando as
alianças: o
papel
dos religiosos
progressistas
e de outros Fábio Borges da Silva
Comissão da Verdade da UNB
movimentos
É fundamental que os grupos
Foto 13 religiosos mais progressistas
Devotos celebraram assumam essa luta. O movimento
Dia de Iemanjá no pela laicidade deve ser construí-
Rio de Janeiro, 2015 do com o movimento religioso
progressista. Tem de haver um

48 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


movimento por dentro do pensamento lações monárquicas e eu não quero isso
religioso para tentar sensibilizar, pois para a sociedade. Eu vivo ali, dirigido
nós do movimento LGBT quando che- por mulheres que são sacerdotisas, as
gamos sofremos um rechaço. quais eu acredito que são determinadas
pelo oráculo para que o sejam e eu não
quero isso para a sociedade. Pois, não
sou só isso, sou cidadão. E as alianças
Lusmarina Campos Garcia
para esse enfrentamento a favor do
Conselho Nacional das Igrejas Estado laico têm de passar pela nossa
Cristãs, Regional Rio de Janeiro totalidade como seres. É importante,
(CONIC-Rio) para nós religiosos, sabermos quem são
os religiosos que estão nos outros mo-
Eu quero confessar para vocês que eu
vimentos . Só saber que estão lutando,
sofro uma angústia: a angústia da invi-
é pouco. Nós temos múltiplas perso-
sibilidade. Porque a parte progressista,
nalidades. E a gente não se encontra
que vai junto para rua fazer a marcha
para conversar sobre religiosidade e,
das vadias e defendem a causa LGBT
sim, para promoção de direitos. É muito
etc. (e são as teólogas feministas), nós
difícil de enfrentar essas questões se
nos sentimos invisibilizadas diante da
nós não demonstrarmos na sociedade
profusão das igrejas que têm acesso à
que há outro campo. Aquele que não é
mídia. Então fica parecendo que essa
o das igrejas, mas da sociedade. A per-
religião é “a religião”. Tenho muitos(as)
gunta se a religiosidade está ou não na
colegas, amigos(as) que fazem parte
sociedade é uma pergunta para todos.
dessa igreja progressista e que não têm
essa força de expressão, a visibilida- Há religiosos contra a intolerância, há
de que outras igrejas, em especial as religiosos a favor da diversidade.
neopentecostais, têm.

Joluzia Batista
Rafael Soares CFEMEA
Koinonia
As articulações junto aos grupos re-
Eu sou um ogan de candomblé e no ligiosos progressistas continuam. No
meu microcosmo religioso existem re- auge da questão do Feliciano, com

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 49


Estatuto do Nascituro e reforma política entre homem e mulher, monogâmico,
bombando, a plataforma dos movimen- reprodutivo, família, propriedade? Não
tos sociais e a AMB fizeram uma ação combina!
estratégica. Entendemos que as possi-
bilidades de enfrentamento estavam na
reforma do sistema político como uma
Liliam Litsuko Huzioka
possibilidade de reposicionar as forças
dentro do Congresso depois de uma Plataforma DHESCA
eleição. Fizemos uma reunião e chama-
Temos que pensar em planos de comu-
mos vários representantes religiosos,
nicação para chegar até as periferias,
inclusive o CONIC.
combatendo essa teologia da prospe-
As manifestações de junho foram um ridade que articula não só a dimensão
grande alento, porém uma pena que a religiosa, mas também a dimensão
pauta que mais se aproximou do que econômica, cultural e moral.
estamos discutindo nessa sala foi cura
A superioridade moral que é inculca-
gay. O Estatuto do Nascituro apareceu
em algumas manifestações e mes- da na cabeça das pessoas são valores
mo assim com rechaço na hora que a construídos, logo podemos descons-
feminista levantava o cartaz. A Marcha truir, mas não é uma desconstrução
Mundial das Mulheres de São Paulo fácil. É preciso pensar muito bem. Falo
foi altamente agredida. Mas a cura gay isso pensando na necessidade de des-
caiu, tanto é que retiraram como uma construir esses modelos e padrões
opção estratégica, para não ver o PL não só morais, mas sexuais, de gênero,
derrubado na Câmara. daquilo que é considerado bom em
termos de religiosidade Por isso essa
É difícil pensar alianças tão largas, oportunidade de fazermos campanhas
meu limite são os maçons. Tem que para o ano que vem é um momento es-
ter cuidado. Como vamos propor tratégico. Como difundir tudo isso para
tolerância em diferentes perspectivas um público no qual normalmente não
morais? Com a direita não dá! Como conseguimos chegar? Como dialogar
vamos propor para eles que travestis, para além do nosso discurso bastante
transexuais, transgêneros tenham direi- politizado? Na verdade, como politizar
to a nome social? Como vamos deba- o debate, uma vez que o Estado despo-
ter com quem acha que casamento é litiza e esses grupos também.

50 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


Érika Lula Medeiros Os fundamentalistas estão utilizando
estratégias que nós utilizamos. Nós,
CFEMEA
enquanto movimento LGBT, primei-
Concordo com as estratégias de co- ro nos mobilizamos para a ocupação
municação que são centrais; conseguir dos espaços; depois, mobilização das
dialogar de forma ampla. Por exemplo, nossas comunidades: “deputado fulano
na periferia as religiões estão todas lá; de tal apresentou um projeto de lei
entram no presídio, no sistema sócioe- que fere os direitos das transvestis e
ducativo e conseguem dialogar. Nessa transexuais”, fizemos uma articulação
estratégia de comunicação devemos em massa para lotar a caixa de e-mails
envolver os movimentos sociais que deles. Esses movimentos fundamenta-
estão historicamente há décadas na rua listas estão fazendo as mesmas coisas
com suas bandeiras e mostrar que há agora. A publicação do nosso site sai
sim uma ligação da pauta do Estado do ar no mesmo dia e uma que viola
laico, da laicidade, com essas outras direitos não sai.... Não é porque o Goo-
pautas de Direitos Humanos, sobretu- gle julga quem tem que sair ou quem
do na atual conjuntura de um projeto não tem que sair, claro que o Google é
de direita se revestindo dessa questão uma desgraça também, mas existe uma
religiosa de forma oportunista. estratégia, uma organização suficiente
do tipo “vamos todos fazer denúncia”
e no facebook 40 denúncias tiram do
ar a sua postagem. Corre-se o risco de
Marcio Martins perder o perfil com 40 denúncias. Nós
Fórum Nacional das Religiões de estamos organizados, mas trabalhamos
Matriz Africana de forma isolada.

Acredito que nós precisamos ter estra- Sobre alianças, eu não consigo, de onde
tégias de comunicação junto com os eu falo, enxergar uma negociação com
movimentos sociais. As frentes estão alguns setores conservadores da direita.
trabalhando de forma isolada, não têm Nos municípios que têm lei discrimina-
o mesmo entendimento, mas não pre- tória no Paraná, que são poucos, todas
ciso sonhar com uma unidade; precisa- as iniciativas foram apoiadas pelo DEM.
mos combatê-los de forma articulada Só pontuando que alguns partidos de
por vários segmentos sociais. esquerda tiveram que inclusive expulsar

R e u ni ã o A mpliada - F u ndamentalismo R eligioso e E stado L aico 51


parlamentares, porque estavam apre-
sentando projetos de lei que eram
verdadeiras aberrações contra o direito
das mulheres e direitos de LGBT e eram
teoricamente de esquerda. Deveriam
ser parceiros. Temos de fazer essa aná-
lise nacional e ver as estratégias locais.
Tomara que o MEEL tenha desdobra-
mento nos estados.

Luiz Antônio Cunha


Observatório da Laicidade na
Educação
O Estado laico não é um Estado que
defende nome social para o travesti. O
Estado laico não é o Estado que des-
criminaliza o aborto. O Estado laico é
aquele que permite uma discussão e
decisão pública sobre esses dois pontos
e qualquer outro sem veto religioso.
Se o cardeal tirar o telefone e em dez
minutos falar com o presidente e disser
“eu veto” ou bispo de igreja evangélica,
não estamos falando de Estado laico.

52 R e u ni ã o A mpliada - F undamentalismo R eligioso e E stado Laico


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