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INCLUSÃO ESCOLAR
Resumo: Esse trabalho apresenta o Colégio Allan Kardec, primeiro colégio espírita
kardecista do Brasil fundado em 1907, e sua atuação na inclusão escolar. Trata-se de
pesquisa sobre a história dessa instituição e o trabalho pedagógico realizado para a
inserção de sujeitos discriminados devido ao preconceito social. Em 1975, os
trabalhadores desse colégio se transferiram para a Escola Eurípedes Barsanulfo, onde
continuaram as atividades escolares até os dias atuais.
1
Graduada em História e graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia/UFU. Estagiária/Bolsista do LEAH – Laboratório de Ensino e Aprendizagem em
História da Universidade Federal de Uberlândia – Instituto de História / UFU. Lattes: <
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4238309P8 >
2
Mestre em Educação pela Universidad de la Empresa - MERCOSUL Educacional, Uruguai.
Professor pesquisador; realiza pesquisa sobre jogos, educação e movimentos sociais no
projeto FAPEMIG - Cidade de Uberlândia: História Local, Ensino-aprendizagem e jogos
narrativos, coordenado pelo Professor Dr. Sergio Paulo Morais, do Instituto de História UFU.
Lattes: < http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4209565D0 >
1. INTRODUÇÃO
4
Entrevista concedida a UOL Educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/noticias/2009/06/30/escola-sem-aula-serie-e-prova-da-certo-ha-
mais-de-30-anos-diz-educador.htm> Acesso em: 24/11/2014
pedagógicas foram realizadas ao longo dos anos, com momentos de
fechamento e reabertura do mesmo.
Sobre os estudantes que frequentaram o colégio, direcionamos a
atenção para a história de Carolina Maria de Jesus, a qual aprofundamos uma
análise diante dos efeitos de sua educação. Carolina vivenciou o paradigma da
mulher negra e pobre. Nasceu em Sacramento-MG, em 1914; e em 1923 foi
matriculada no Colégio Allan Kardec com a ajuda e assistência da senhora
Maria Leite Monteiro de Barros, para quem a sua mãe trabalhava como
lavadeira. Ficou no colégio por dois anos, onde aprendeu a ler e a escrever;
essa foi a sua única experiência escolar. Posteriormente, teve uma vida difícil
em Sacramento e migrou para São Paulo em 1947, em busca de emprego e
melhores condições, indo morar na favela. Trabalhou como empregada
doméstica e depois como catadora de papel. Tinha personalidade forte, não se
deixava dominar e gostava muito de ler e escrever. Carolina registrava o seu
cotidiano nos cadernos velhos que encontrava no lixo. Escrevia sobre a sua
vida, a criação dos seus filhos, a miséria, a fome, a desigualdade social, seus
sonhos, anseios políticos, a sua convivência com os vizinhos na favela.
Ela nasceu vinte e seis anos depois da abolição da escravidão no Brasil,
o que afetou o seu convívio e mobilidade social, vivenciando assim um estigma
de exclusão. Não tinha trabalho digno e enfrentava o preconceito e desrespeito
constantemente. Ela sonhava e desejava outra vida, sem fome e sem miséria.
Apesar de tudo buscava viver da melhor maneira que podia, sempre reflexiva
sobre aquela realidade social.5
Foi então, que em 1958, um jovem repórter, chamado Audálio Dantas,
conheceu-a. Ele iria registrar uma matéria sobre a vida dos moradores na
favela do Canindé, as margens do Rio Tietê, em São Paulo.
“Naquela ocasião começavam a falar do problema da favela em São
Paulo, era uma coisa de 50 mil favelados na cidade, que começaram
a aparecer nas margens do Rio Tietê, que era algo simbólico,
estavam enterrados, sumidos na lama”, conta Audálio, que se propôs
a fazer uma reportagem sobre a vida daquelas pessoas.
(...)
“Ela sabia da minha presença. Ela anunciou que ia registrar uma
cena que estava ocorrendo no livro, aí quis saber que livro e pedi pra
ela me mostrar. No barraco dela, tinha uma pilha de cadernos, onde
estavam registrados o dia-a-dia dela e parte da favela. Já naquele
5
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Editora
Paulo de Azevedo Ltda, 1960.
momento, eu percebi que não tinha mais nada para escrever. Na
6
verdade ela parecia um presente. A reportagem estava feita.”
Da esquerda para a direita: Carolina Maria de Jesus, Audálio Dantas e Ruth de Souza, na
Favela do Canindé.
6
Disponível em: <http://www.revistabrasileiros.com.br/2014/03/os-cadernos-de-carolina/>
Acesso em: 23/11/2014
incorreções na ortografia, na sintática e pontuação, talvez pela pouca
alfabetização que teve. Não se acomodou diante da diversidade e das
dificuldades que enfrentou e reivindicou a conquista dos seus sonhos. Nasceu
pobre e morreu pobre, mas sempre em luta social.
A pesquisadora Marília Novais da Mata Machado considera:
Carolina Maria de Jesus foi portadora de novo imaginário
social e de transformações sociais que não se esgotaram. Há ainda
que se ler todos os seus escritos, decifrar sua bagagem, apropriar-se
de sua contribuição e reconhecer que ela exerceu sua autonomia
como poucos, alterando o “tecido imensamente complexo de
significações que impregnam, orientam e dirigem toda a vida dessa
[nossa] sociedade e de todos os indivíduos concretos que
corporalmente, a constituem” (Castoriadis, 1987, p. 230).
A análise aqui realizada permitiu compreender melhor a
grande aceitação de Quarto de despejo e o paradoxal abandono da
autora no Brasil. Tudo se passou como se bastasse a aceitação de
seu livro. Quanto a ela, melhor ignorá-la, esquecê-la, por ser
insubmissa, desenvolta e à vontade demais num mundo que
supostamente, não lhe pertencia; preconceituosa e conservadora
7
demais para a sua época.
7
MACHADO, Marília Novais da Mata. Os escritos de Carolina Maria de Jesus: determinações e
imaginário. Psicologia & Sociedade, 18 (2): 105-110, mai./ago. 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/psoc/v18n2/13.pdf>Acesso em: 23/11/2014
A Escola Eurípedes Barsanulfo é uma continuidade do Colégio Allan
Kardec, em outro momento histórico, com outras experiências vivenciadas e
com o trabalho de outros sujeitos. Essa escola também atende crianças
carentes e promove a inclusão social. Em pesquisa estamos estudando essas
duas instituições: o Colégio Allan Kardec e a Escola Eurípedes Barsanulfo (que
está em funcionamento atualmente).
2. OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Alessandro Cesar Bigheto estudou e pesquisou para o mestrado na
UNICAMP, com a orientação do Professor Doutor Sérgio Castanho, a história
de Eurípedes Barsanulfo; o trabalho intitulado: Eurípedes Barsanulfo: um
educador de vanguarda na Primeira República.8 Esse trabalho nos permite
referencia para continuarmos a pesquisa sobre o Colégio Allan Kardec. O autor
consultou várias fontes, entre elas, relatos orais e atas da câmara dos
vereadores de Sacramento do início do século XX. Ele também procurou
conhecer e entender: como o colégio era organizado, como eram as aulas,
quais os pressupostos e objetivos do Colégio Allan Kardec.
Já, a autora Dora Incontri é referencia no estudo da Pedagogia Espírita:
ela inaugurou esse termo na academia. Entretanto, no Colégio Allan Kardec
não se usa essa expressão para o método pedagógico de Eurípedes
Barsanulfo. E também, na Escola Eurípedes Barsanulfo, não se usa esse nome
para definir o método pedagógico. As diretoras e trabalhadores/as da escola
chamam o método de Educação do Espírito – para se referenciarem ao espírito
humano em plenitude, em uma concepção não só de religiosidade, mas
também filosófica sobre o ser humano. Também utilizam o termo Pedagogia do
Amor, ressaltando a importância do afeto no bom desenvolvimento da
educação.
Dora Incontri, realizou mestrado, doutorado e pós-doutorado em
Filosofia da Educação, na USP. Em sua tese de doutorado, com financiamento
do CNPq, defendida em 2001: Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas
raízes9; Incontri apresenta as origens desse modelo pedagógico e as
experiências de Eurípedes Barsanulfo, Anália Franco, Tomás Novelino, Ney
Lobo, Vinicius e Herculano Pires. Também apresenta o Manifesto da
Pedagogia Espírita, com os seus pressupostos metodológicos.
Incontri, apresenta a tese de que a Pedagogia Espírita tem como
referencial teórico o pensamento filosófico de Sócrates e Platão; perpassa por
Comenius, Rousseau e Pestalozzi; e recebe nova contribuição do educador
Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec). Ela estuda a contribuição
desses filósofos para a Educação e suas influências no método de ensino da
8
BIGHETO, Alessandro Cesar. Eurípedes Barsanulfo: um educador de vanguarda na
Primeira República. 2. ed. Bragança Paulista-SP: Editora Comenius, 2007.
9
INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas raízes. 3. ed. Bragança
Paulista-SP: Editora Comenius, 2012.
Pedagogia Espírita. Ela ainda faz uma análise do espiritismo nos séculos XIX e
XX. Também com esse referencial teórico vamos buscar o conhecimento e
entendimento sobre o método de ensino no Colégio Allan Kardec e na Escola
Eurípedes Barsanulfo: vamos dialogar, problematizar e questionar.
Antes da tese de doutorado, Dora Incontri, realizou pesquisa para a
dissertação de mestrado sobre Pestalozzi. A documentação utilizada foi
levantada na Alemanha e na Suíça, entre os documentos pesquisados estavam
escritos de Pestalozzi: obras completas, cartas, rascunhos e anotações; além
de entrevistas com outros pesquisadores. Esse trabalho: Pestalozzi: educação
10
e ética , também é para nós uma referência bibliográfica importante para
entendermos o método de ensino de Pestalozzi e verificar sua influência no
método de ensino utilizado na Escola Eurípedes Barsanulfo, pois a comunidade
da escola faz várias menções a Pestalozzi.
Tanto no Colégio Allan Kardec quanto na Escola Eurípedes Barsanulfo,
o estudante é considerado o foco principal, é para eles que o olhar é
direcionado durante o desenvolvimento do trabalho escolar. Então, também
estamos verificando se isso é efetivo, partindo dos trabalhos de Pozo 11 e
Veiga12 como referenciais.
Já no trabalho com as fontes históricas os documentos são analisados
com o método e rigor apreendido de Burke13 e Le Goff 14, entendendo que todo
10
INCONTRI, Dora. Pestalozzi: Educação e ética. São Paulo: Scipione, 1997.
11
POZO, J. I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed,
2002.
12
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Lições de didática. 2. ed. Campinas-SP: Papirus,
2007.
13
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução Vera Maria Xavier dos
Santos. Bauru-SP: EDUSC, 2004.
BURKE, Peter. A escola dos annales (1929 – 1989): a revolução francesa da historiografia.
Tradução de Nilo Odalia. São Paulo: Editora da UNESP, 1990.
BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes.
São Paulo: Editora da UNESP, 1992.
14
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Irene Ferreira, Bernardo Leitão, Suzana
Ferreira Borges. 5. ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2003.
LE GOFF, Jacques. A história nova. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 1990.
LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: novas abordagens. Tradução de
Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.
LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: novos problemas. Tradução de Theo
Santiago. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1988.
LE GOFF, Jacques. et al. A nova história. Tradução de Ana Maria Bessa. Lisboa: Edições
70, 1978.
documento deve ser questionado pelo pesquisador e atentar para a História e
Memória e o uso dos diversos tipos de fontes documentais.
É a partir desses referenciais bibliográficos e teóricos que estamos
desenvolvendo esse trabalho, sob as bases da História e da Educação. Um
trabalho com rigor acadêmico e interdisciplinar.
4. METODOLOGIA
5. DESENVOLVIMENTO
15
Na tese de doutorado do pesquisador Raphael Ribeiro, ele apresenta o trabalho do médico
Inácio Ferreira. Ver em: RIBEIRO, Raphael Alberto. Loucura e Obsessão: entre psiquiatria e
espiritismo no Sanatório Espírita de Uberaba-MG (1933 – 1970). 2013. 205 f. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de História/Programa de Pós-Graduação em História, Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, 2013.
Barsanulfo, Alzira Bessa França Amui, sobrinha neta de Eurípedes Barsanulfo
e ex-aluna de Corina Novelino, ouviu muitas histórias e relatos sobre o Colégio
Allan Kardec; atualmente ela conta o que já ouviu e preserva essas memórias.
Outras fontes encontram-se no museu da memória de Eurípedes
Barsanulfo, em Sacramento-MG, localizado no prédio do Colégio Allan Kardec
(muito bem preservado). Há documentos a serem pesquisados: cartas, fotos,
objetos, móveis, livros, documentos escolares, boletins de antigos estudantes
do colégio. O local é aberto para visitação e pesquisa. Já estivemos no museu
para conhecer e conferir a documentação.
Para a pesquisa sobre a Escola Eurípedes Barsanulfo (1975 – 2015),
vamos focar nas entrevistas e história oral para conhecermos e entendermos a
história e o funcionamento dessa escola e suas metodologias de ensino.
Vamos entrevistar as gestoras, Alzira Bessa França Amui e Francine Amui.
Também vamos entrevistar professoras e professores, estudantes, ex-
estudantes e seus familiares. Queremos entender, questionar e problematizar
sobre o cotidiano escolar nessa instituição. Queremos saber como as crianças
são ensinadas e como é a aprendizagem.
Na Escola Eurípedes Barsanulfo, diretoras, professores, funcionários e
estudantes se dispuseram a realizar entrevistas para essa pesquisa. A
comunidade escolar externa também irá oferecer seus relatos e memória.
Queremos entrevistar pessoas diversas para um aparato maior de informações.
Já realizamos algumas entrevistas, que estão conosco em arquivo pessoal.
Também fizemos fotos da Escola Eurípedes Barsanulfo e seu cotidiano,
que contribuirão para análise nessa pesquisa. Essas fotos mostram os espaços
físicos da escola, as atividades de ensino e aprendizagem e a interação entre
os sujeitos que trabalham e estudam na escola. Durante a pesquisa também
vamos continuar fotografando as atividades observadas.
As fontes históricas relacionadas acima serão analisadas, interpretadas
e problematizadas para a realização desse trabalho.
6. RESULTADOS PARCIAIS
Realizamos a leitura bibliográfica para essa pesquisa, realizamos
entrevistas com diversas pessoas que nos contou memórias sobre o Colégio
Allan Kardec, conversamos com professores e gestores da Escola Eurípedes
Barsanulfo, participamos de eventos na Escola Eurípedes Barsanulfo:
palestras, seminários de educação, oficinas sobre ensino e aprendizagem.
Iniciamos essas atividades em 2012, quando conhecemos a Escola
Eurípedes Barsanulfo, e todo esse trabalho está sendo realizado para pesquisa
de mestrado.
7. DISCUSSÃO
DELEUZE, Gilles; GATTARI, Felix. O que é a filosofia. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1992.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
JESUS, Carolina Maria de. Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada. São
Paulo: Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1961.
JESUS, Carolina Maria de. Diário de Bitita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986.
JESUS, Carolina Maria de. Pedaços da Fome. São Paulo: Editora Áquila Ltda,
1963.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. Tradução de Salvador Gentile. 85. ed.
Araras-SP: IDE, 2008.
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