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COLÉGIO ALLAN KARDEC, ESCOLA EURÍPEDES BARSANULFO E

INCLUSÃO ESCOLAR

Jaqueline, PEIXOTO VIEIRA DA SILVA, UFU1


Rafael, CORREIA ROCHA, UFU2

Resumo: Esse trabalho apresenta o Colégio Allan Kardec, primeiro colégio espírita
kardecista do Brasil fundado em 1907, e sua atuação na inclusão escolar. Trata-se de
pesquisa sobre a história dessa instituição e o trabalho pedagógico realizado para a
inserção de sujeitos discriminados devido ao preconceito social. Em 1975, os
trabalhadores desse colégio se transferiram para a Escola Eurípedes Barsanulfo, onde
continuaram as atividades escolares até os dias atuais.

Palavras-chave: Colégio Allan Kardec. Escola Eurípedes Barsanulfo. Inclusão


Escolar.

1
Graduada em História e graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia/UFU. Estagiária/Bolsista do LEAH – Laboratório de Ensino e Aprendizagem em
História da Universidade Federal de Uberlândia – Instituto de História / UFU. Lattes: <
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4238309P8 >
2
Mestre em Educação pela Universidad de la Empresa - MERCOSUL Educacional, Uruguai.
Professor pesquisador; realiza pesquisa sobre jogos, educação e movimentos sociais no
projeto FAPEMIG - Cidade de Uberlândia: História Local, Ensino-aprendizagem e jogos
narrativos, coordenado pelo Professor Dr. Sergio Paulo Morais, do Instituto de História UFU.
Lattes: < http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4209565D0 >
1. INTRODUÇÃO

Em 1907 foi fundada uma escola em Sacramento-MG, chamada Colégio


Allan Kardec, pelo educador Eurípedes Barsanulfo. Esse foi o primeiro colégio
regular espirita kardecista do Brasil.3 Uma experiência inovadora no ensino e
aprendizagem naquela região e com a perspectiva da inclusão social.
A exclusão escolar foi característica marcante nos primeiros anos do
século XX; muitas crianças, jovens e adultos não frequentavam instituições de
ensino. No interior do Brasil tínhamos algumas escolas públicas que ofertavam,
principalmente, os anos iniciais da educação, e outras privadas, onde, aqueles
que podiam pagar tinham acesso. Nessas condições, Eurípedes Barsanulfo,
fundou um colégio para atender a comunidade em geral, inclusive as classes
desfavorecidas economicamente, e obteve apoio de pessoas influentes na
cidade que colaboraram para a fundação e manutenção. O colégio se tornou
referência em qualidade de ensino na região. Após a sua morte, em 1918, os
trabalhos no colégio continuaram com continuidades e descontinuidades.
O que atrai nossa atenção no Colégio Allan Kardec são os métodos de
ensino e aprendizagem aplicados. As atividades escolares eram realizadas nas
salas de aula e fora dela, com o objetivo de explorar espaços e produzir
experiências para fins de reflexão e conhecimento.
Havia uma única sala de aula dividida entre os grupos escolares,
formados por crianças e jovens, do nível elementar, médio e superior que nos
dias atuais correspondem aos níveis fundamental e médio. Cada grupo ali
presente estava em um nível de ensino e aprendizagem. Em cada grupo havia
um professor que trabalhava como mediador do conhecimento. Nessa escola o
professor não era compreendido como transmissor de informações, mas um
agente que se envolvia no ensino e aprendizagem; compartilhava experiências;
sentimentos; opiniões e necessidades. A perspectiva da inclusão perpassava o
estudante e o professor. Incluir era valorizar um e outro na mesma proporção.
3
O espiritismo kardecista nasceu na França com os trabalhos do professor Hippolyte Léon
Denizard Rivail (1804 – 1869), que usou o pseudônimo Allan Kardec. Em estudos de
fenômenos paranormais que ocorriam na França e em outros países da Europa e até nos
Estados Unidos, o professor Rivail pesquisou e escreveu diversos trabalhos, entre eles, livros e
revistas. E na religião espírita kardecista as obras: O Livro dos Espíritos (1857), O Livro dos
Médiuns (1861), O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A
Gênese (1868), de Allan Kardec, são consideradas fundamentais.
E ao estudante era oferecido condições para aprender com a expansão da sua
consciência: aprender sabendo interpretar, comparar, analisar, valorizar,
interligar informações, experimentar e sentir. O estudante tradicional não era o
foco desta pedagogia, mas sim aquele que mais interagia a experiência com o
conhecimento. Isso gerava uma outra dimensão de ensino e aprendizagem, o
parâmetro da inclusão. Os estudantes não só frequentavam a escola, mas
também participavam ativamente.
No Colégio Allan Kardec, as meninas e meninos estudavam juntos, na
mesma turma. Isso foi motivo de estranhamento de muitas pessoas na
comunidade sacramentana, mas Eurípedes Barsanulfo manteve essa
dinâmica, assim como, a valorização da educação pautada no afeto, abolição
de castigos e recompensas, e fim dos exames tradicionais. No Brasil do final do
século XIX e início do século XX, uma estrutura escolar assim, significava
inovação. Tanto que o professor e educador José Pacheco - um dos
idealizadores da Escola da Ponte, em Portugal - em visita ao Brasil, após
conhecer essa história, afirmou em entrevista:

(...) em 1907, o Brasil teve aquilo que eu considero o projeto


educacional mais avançado do século 20. Se eu perguntar a cem
educadores brasileiros, 99 não conhecem. Era em Sacramento,
Minas Gerais, mas agora já não existe. O autor foi Eurípedes
Barsanulfo, que morreu em 1918 com a gripe espanhola. Este foi,
4
para mim, o projeto mais arrojado do século 20, no mundo.

O Colégio Allan Kardec tinha o compromisso do ensino, aprendizagem e


inclusão social, por isso mantinha essa estrutura educacional inovadora
visando a formação do sujeito completo: o sujeito que vive no mundo e não
apenas o sujeito que está no mundo. Ao longo dos anos, crianças e
adolescentes estudaram no Colégio Allan Kardec. Para muitos foi a
oportunidade inclusiva mais significativa que tiveram.
Após a morte de Eurípedes Barsanulfo, o Colégio Allan Kardec foi
mantido com dificuldades financeiras e de gestão. Os irmãos de Eurípedes
Barsanulfo assumiram a direção do colégio e várias mudanças estruturais e

4
Entrevista concedida a UOL Educação. Disponível em:
<http://educacao.uol.com.br/noticias/2009/06/30/escola-sem-aula-serie-e-prova-da-certo-ha-
mais-de-30-anos-diz-educador.htm> Acesso em: 24/11/2014
pedagógicas foram realizadas ao longo dos anos, com momentos de
fechamento e reabertura do mesmo.
Sobre os estudantes que frequentaram o colégio, direcionamos a
atenção para a história de Carolina Maria de Jesus, a qual aprofundamos uma
análise diante dos efeitos de sua educação. Carolina vivenciou o paradigma da
mulher negra e pobre. Nasceu em Sacramento-MG, em 1914; e em 1923 foi
matriculada no Colégio Allan Kardec com a ajuda e assistência da senhora
Maria Leite Monteiro de Barros, para quem a sua mãe trabalhava como
lavadeira. Ficou no colégio por dois anos, onde aprendeu a ler e a escrever;
essa foi a sua única experiência escolar. Posteriormente, teve uma vida difícil
em Sacramento e migrou para São Paulo em 1947, em busca de emprego e
melhores condições, indo morar na favela. Trabalhou como empregada
doméstica e depois como catadora de papel. Tinha personalidade forte, não se
deixava dominar e gostava muito de ler e escrever. Carolina registrava o seu
cotidiano nos cadernos velhos que encontrava no lixo. Escrevia sobre a sua
vida, a criação dos seus filhos, a miséria, a fome, a desigualdade social, seus
sonhos, anseios políticos, a sua convivência com os vizinhos na favela.
Ela nasceu vinte e seis anos depois da abolição da escravidão no Brasil,
o que afetou o seu convívio e mobilidade social, vivenciando assim um estigma
de exclusão. Não tinha trabalho digno e enfrentava o preconceito e desrespeito
constantemente. Ela sonhava e desejava outra vida, sem fome e sem miséria.
Apesar de tudo buscava viver da melhor maneira que podia, sempre reflexiva
sobre aquela realidade social.5
Foi então, que em 1958, um jovem repórter, chamado Audálio Dantas,
conheceu-a. Ele iria registrar uma matéria sobre a vida dos moradores na
favela do Canindé, as margens do Rio Tietê, em São Paulo.
“Naquela ocasião começavam a falar do problema da favela em São
Paulo, era uma coisa de 50 mil favelados na cidade, que começaram
a aparecer nas margens do Rio Tietê, que era algo simbólico,
estavam enterrados, sumidos na lama”, conta Audálio, que se propôs
a fazer uma reportagem sobre a vida daquelas pessoas.
(...)
“Ela sabia da minha presença. Ela anunciou que ia registrar uma
cena que estava ocorrendo no livro, aí quis saber que livro e pedi pra
ela me mostrar. No barraco dela, tinha uma pilha de cadernos, onde
estavam registrados o dia-a-dia dela e parte da favela. Já naquele

5
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Editora
Paulo de Azevedo Ltda, 1960.
momento, eu percebi que não tinha mais nada para escrever. Na
6
verdade ela parecia um presente. A reportagem estava feita.”

Da esquerda para a direita: Carolina Maria de Jesus, Audálio Dantas e Ruth de Souza, na
Favela do Canindé.

Assim, essa mulher que sofreu tantas exclusões, começava a vivenciar


um novo momento. A educação que recebeu na infância e o aprendizado para
a leitura e escrita permitiu certa inclusão.
Ela publicou Quarto de Despejo: diário de uma favelada (1960); Casa de
Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961); Provérbios (1963) e Pedaços da
Fome (1963). O livro Diário de Bitita foi publicado postumamente, em 1982.
Depois, outros textos de Carolina Maria de Jesus também foram publicados,
pois ela deixou muitos cadernos manuscritos que ainda são estudados.
Quarto de Despejo, tornou-se seu livro mais expressivo, com tiragem
inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana. Em cinco anos já
tinha alcançado mais de 40 países, como, Dinamarca, Holanda, Argentina,
França, Alemanha, Suécia, Itália, Tchecoslováquia, Romênia, Inglaterra,
Estados Unidos, Rússia, Japão, Polônia, Hungria e Cuba.
Carolina Maria de Jesus representa a literatura afro-brasileira, a luta da
mulher negra no Brasil e a luta pela inclusão social. Ela tinha consciência de
sua vida e sobre o que se desenrolava no mundo. Fazia reflexões e menções
às notícias cotidianas, certamente de acordo com o que lia nas bancas de
jornal e revistas e também fazia referências a outros grandes escritores, como,
Casimiro de Abreu e Castro Alves. Sua escrita oscilava entre a norma culta e a
norma popular, usava muitos termos da linguagem oral e cometia algumas

6
Disponível em: <http://www.revistabrasileiros.com.br/2014/03/os-cadernos-de-carolina/>
Acesso em: 23/11/2014
incorreções na ortografia, na sintática e pontuação, talvez pela pouca
alfabetização que teve. Não se acomodou diante da diversidade e das
dificuldades que enfrentou e reivindicou a conquista dos seus sonhos. Nasceu
pobre e morreu pobre, mas sempre em luta social.
A pesquisadora Marília Novais da Mata Machado considera:
Carolina Maria de Jesus foi portadora de novo imaginário
social e de transformações sociais que não se esgotaram. Há ainda
que se ler todos os seus escritos, decifrar sua bagagem, apropriar-se
de sua contribuição e reconhecer que ela exerceu sua autonomia
como poucos, alterando o “tecido imensamente complexo de
significações que impregnam, orientam e dirigem toda a vida dessa
[nossa] sociedade e de todos os indivíduos concretos que
corporalmente, a constituem” (Castoriadis, 1987, p. 230).
A análise aqui realizada permitiu compreender melhor a
grande aceitação de Quarto de despejo e o paradoxal abandono da
autora no Brasil. Tudo se passou como se bastasse a aceitação de
seu livro. Quanto a ela, melhor ignorá-la, esquecê-la, por ser
insubmissa, desenvolta e à vontade demais num mundo que
supostamente, não lhe pertencia; preconceituosa e conservadora
7
demais para a sua época.

Os livros de Carolina Maria de Jesus tiveram visibilidade social, mas a


autora continuou sofrendo preconceitos e discriminação. Sua história nos leva
a refletir porque ainda não estamos todos incluídos.
Além de Carolina Maria de Jesus, o Colégio Allan Kardec, contribuiu
para a inclusão de outras crianças, pobres e órfãos, que estudaram lá e tiveram
a oportunidade de realizar caminhos consideráveis e importantes em um
momento da nossa história em que as oportunidades não eram para todos e
todas. Os excluídos estavam nas ruas, nas cidades, nos campos, ansiosos por
uma oportunidade. Hoje temos mudanças, mas, ainda há muito para construir.
Em pesquisa sobre o Colégio Allan Kardec, sua história e metodologias
de ensino e aprendizagem, percebemos o quanto essa instituição foi
importante na Inclusão social de diversos sujeitos.
Atualmente o Colégio Allan Kardec foi desativado e em seu prédio
funciona o Grupo Espírita Esperança e Caridade, mas uma continuidade desse
colégio permanece em Sacramento-MG, é a Escola Eurípedes Barsanulfo, cujo
prédio foi inaugurado em 1975 e idealizado por um ex-aluno de Eurípedes
Barsanulfo, o médico Tomás Novelino (1901 – 2000).

7
MACHADO, Marília Novais da Mata. Os escritos de Carolina Maria de Jesus: determinações e
imaginário. Psicologia & Sociedade, 18 (2): 105-110, mai./ago. 2006. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/psoc/v18n2/13.pdf>Acesso em: 23/11/2014
A Escola Eurípedes Barsanulfo é uma continuidade do Colégio Allan
Kardec, em outro momento histórico, com outras experiências vivenciadas e
com o trabalho de outros sujeitos. Essa escola também atende crianças
carentes e promove a inclusão social. Em pesquisa estamos estudando essas
duas instituições: o Colégio Allan Kardec e a Escola Eurípedes Barsanulfo (que
está em funcionamento atualmente).

2. OBJETIVOS
2.1. OBJETIVO GERAL

O objetivo dessa pesquisa é estudar a história do Colégio Allan Kardec e


Escola Eurípedes Barsanulfo e as metodologias de ensino e aprendizagem
aplicadas nessas instituições.

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

A) Estudar a História do Colégio Allan Kardec para fim de compreender o


processo de estruturação metodológica, assim como as condições em que se
fundamentavam seu funcionamento;
B) Estudar a História da Escola Eurípedes Barsanulfo a fim de compreender
continuidades e rupturas com o Colégio Allan Kardec;
C) Investigar como se dava o processo de ensino e aprendizagem dos
estudantes, em suas peculiaridades quanto ao aspecto da inclusão social;
D) Estudar a trajetória de Eurípedes Barsanufo como educador, para fim de
identificar seus objetivos e pensamento diante da ótica da educação inclusiva;
E) Investigar quais as principais influências que o método aplicado nessas
instituições apresenta como distintos quanto à aprendizagem dos estudantes;
F) Identificar a possível estruturação inclusiva nessas instituições;

3. REFERENCIAL TEÓRICO
Alessandro Cesar Bigheto estudou e pesquisou para o mestrado na
UNICAMP, com a orientação do Professor Doutor Sérgio Castanho, a história
de Eurípedes Barsanulfo; o trabalho intitulado: Eurípedes Barsanulfo: um
educador de vanguarda na Primeira República.8 Esse trabalho nos permite
referencia para continuarmos a pesquisa sobre o Colégio Allan Kardec. O autor
consultou várias fontes, entre elas, relatos orais e atas da câmara dos
vereadores de Sacramento do início do século XX. Ele também procurou
conhecer e entender: como o colégio era organizado, como eram as aulas,
quais os pressupostos e objetivos do Colégio Allan Kardec.
Já, a autora Dora Incontri é referencia no estudo da Pedagogia Espírita:
ela inaugurou esse termo na academia. Entretanto, no Colégio Allan Kardec
não se usa essa expressão para o método pedagógico de Eurípedes
Barsanulfo. E também, na Escola Eurípedes Barsanulfo, não se usa esse nome
para definir o método pedagógico. As diretoras e trabalhadores/as da escola
chamam o método de Educação do Espírito – para se referenciarem ao espírito
humano em plenitude, em uma concepção não só de religiosidade, mas
também filosófica sobre o ser humano. Também utilizam o termo Pedagogia do
Amor, ressaltando a importância do afeto no bom desenvolvimento da
educação.
Dora Incontri, realizou mestrado, doutorado e pós-doutorado em
Filosofia da Educação, na USP. Em sua tese de doutorado, com financiamento
do CNPq, defendida em 2001: Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas
raízes9; Incontri apresenta as origens desse modelo pedagógico e as
experiências de Eurípedes Barsanulfo, Anália Franco, Tomás Novelino, Ney
Lobo, Vinicius e Herculano Pires. Também apresenta o Manifesto da
Pedagogia Espírita, com os seus pressupostos metodológicos.
Incontri, apresenta a tese de que a Pedagogia Espírita tem como
referencial teórico o pensamento filosófico de Sócrates e Platão; perpassa por
Comenius, Rousseau e Pestalozzi; e recebe nova contribuição do educador
Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec). Ela estuda a contribuição
desses filósofos para a Educação e suas influências no método de ensino da

8
BIGHETO, Alessandro Cesar. Eurípedes Barsanulfo: um educador de vanguarda na
Primeira República. 2. ed. Bragança Paulista-SP: Editora Comenius, 2007.
9
INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas raízes. 3. ed. Bragança
Paulista-SP: Editora Comenius, 2012.
Pedagogia Espírita. Ela ainda faz uma análise do espiritismo nos séculos XIX e
XX. Também com esse referencial teórico vamos buscar o conhecimento e
entendimento sobre o método de ensino no Colégio Allan Kardec e na Escola
Eurípedes Barsanulfo: vamos dialogar, problematizar e questionar.
Antes da tese de doutorado, Dora Incontri, realizou pesquisa para a
dissertação de mestrado sobre Pestalozzi. A documentação utilizada foi
levantada na Alemanha e na Suíça, entre os documentos pesquisados estavam
escritos de Pestalozzi: obras completas, cartas, rascunhos e anotações; além
de entrevistas com outros pesquisadores. Esse trabalho: Pestalozzi: educação
10
e ética , também é para nós uma referência bibliográfica importante para
entendermos o método de ensino de Pestalozzi e verificar sua influência no
método de ensino utilizado na Escola Eurípedes Barsanulfo, pois a comunidade
da escola faz várias menções a Pestalozzi.
Tanto no Colégio Allan Kardec quanto na Escola Eurípedes Barsanulfo,
o estudante é considerado o foco principal, é para eles que o olhar é
direcionado durante o desenvolvimento do trabalho escolar. Então, também
estamos verificando se isso é efetivo, partindo dos trabalhos de Pozo 11 e
Veiga12 como referenciais.
Já no trabalho com as fontes históricas os documentos são analisados
com o método e rigor apreendido de Burke13 e Le Goff 14, entendendo que todo

10
INCONTRI, Dora. Pestalozzi: Educação e ética. São Paulo: Scipione, 1997.
11
POZO, J. I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed,
2002.
12
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Lições de didática. 2. ed. Campinas-SP: Papirus,
2007.
13
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução Vera Maria Xavier dos
Santos. Bauru-SP: EDUSC, 2004.
BURKE, Peter. A escola dos annales (1929 – 1989): a revolução francesa da historiografia.
Tradução de Nilo Odalia. São Paulo: Editora da UNESP, 1990.
BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes.
São Paulo: Editora da UNESP, 1992.
14
LE GOFF, Jacques. História e memória. Tradução Irene Ferreira, Bernardo Leitão, Suzana
Ferreira Borges. 5. ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 2003.
LE GOFF, Jacques. A história nova. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 1990.
LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: novas abordagens. Tradução de
Henrique Mesquita. Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.
LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org.). História: novos problemas. Tradução de Theo
Santiago. 3. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1988.
LE GOFF, Jacques. et al. A nova história. Tradução de Ana Maria Bessa. Lisboa: Edições
70, 1978.
documento deve ser questionado pelo pesquisador e atentar para a História e
Memória e o uso dos diversos tipos de fontes documentais.
É a partir desses referenciais bibliográficos e teóricos que estamos
desenvolvendo esse trabalho, sob as bases da História e da Educação. Um
trabalho com rigor acadêmico e interdisciplinar.

4. METODOLOGIA

Nossa proposta é realizar essa pesquisa em três etapas. Primeiramente,


buscar compreender a história e memória do Colégio Allan Kardec (1907 –
1918). Como era essa escola? Quem foram os sujeitos que fundaram e
trabalharam na escola? Quem eram os estudantes dessa escola? Como era a
gestão escolar? Como eram os métodos de ensino e aprendizagem? Houve
conflitos sociais e políticos entre os sujeitos dessa escola e outros que tinham
concepções de ensino e religião diferentes? Como a escola era mantida
financeiramente? O Colégio Allan Kardec foi significativo, enquanto primeira
escola espírita kardecista no Brasil? Na inclusão social, ele foi um colégio
importante, por quê? Vamos utilizar todas as fontes históricas levantadas em
busca dessas questões.
Em segundo momento, vamos conhecer, analisar e problematizar a
Escola Eurípedes Barsanulfo (1975 – 2015), que foi fundada com enorme
influência da memória sobre o Colégio Allan Kardec. Vamos buscar
compreender quem foram os sujeitos fundadores dessa escola? Quais eram
seus objetivos? Quais meios financeiros utilizaram para construir e manter a
escola? Quais são as semelhanças e diferenças entre o Colégio Allan Kardec e
Escola Eurípedes Barsanulfo? Como são seus currículos escolares? Como a
escola se relaciona com o ensino do espiritismo kardecista, já que atualmente,
segundo a legislação federal, as instituições públicas de ensino devem ser
laicas? Quem são os atuais estudantes? Quem são os professores? Como a
comunidade escolar se relaciona socialmente e politicamente? Quem são as
gestoras dessa escola? Quais são as influências teóricas e metodológicas para
a prática do ensino e aprendizagem?
Na terceira etapa desse trabalho, vamos realizar as considerações que
fomentaram a nossa problemática: conhecer a História dessas duas instituições
e a metodologia de ensino e aprendizagem aplicada, e pensar se ela pode ser
utilizada em outras escolas de educação básica. Ao que percebemos não se
trata apenas de uma metodologia para as escolas espíritas, mas a
possibilidade de uma metodologia inclusiva para a educação formal.

5. DESENVOLVIMENTO

Sobre o Colégio Allan Kardec (1907 – 1918), há dois livros de


memorialistas que se destacam e que usamos como fontes históricas:
- NOVELINO, Corina. Eurípedes: o Homem e a Missão. 8. ed. Araras-SP: IDE,
1987.
- FERREIRA, Inácio. Subsídio para a história de Eurípedes Barsanulfo.
Uberaba, MG, 1962.
Corina Novelino (1912 – 1980) conviveu com Eurípedes Barsanulfo e
com a família dele. Para a produção dessa obra, a autora recolheu relatos e
informações sobre Eurípedes Barsanulfo e sobre o Colégio Allan Kardec. A
autora entrevistou familiares, amigos e ex-estudantes de Eurípedes Barsanulfo.
Esse trabalho continua sendo publicado e vendido no Brasil.
Já, Inácio Ferreira15 (1904 – 1988), era médico e morava em Uberaba.
As informações sobre Eurípedes Barsanulfo e sobre o Colégio Allan Kardec
chegavam às cidades da região e Inácio Ferreira quis publicar um livro sobre o
assunto. A publicação e os custos foram bancados pelo próprio autor. Hoje é
um livro raro e felizmente nós conseguimos comprar um exemplar em sebo on
line. Essa obra também nos servirá como importante fonte histórica.
Na cidade de Sacramento-MG ainda há pessoas que contam sobre o
Colégio Allan Kardec. A atual coordenadora pedagógica da Escola Eurípedes

15
Na tese de doutorado do pesquisador Raphael Ribeiro, ele apresenta o trabalho do médico
Inácio Ferreira. Ver em: RIBEIRO, Raphael Alberto. Loucura e Obsessão: entre psiquiatria e
espiritismo no Sanatório Espírita de Uberaba-MG (1933 – 1970). 2013. 205 f. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de História/Programa de Pós-Graduação em História, Universidade
Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, 2013.
Barsanulfo, Alzira Bessa França Amui, sobrinha neta de Eurípedes Barsanulfo
e ex-aluna de Corina Novelino, ouviu muitas histórias e relatos sobre o Colégio
Allan Kardec; atualmente ela conta o que já ouviu e preserva essas memórias.
Outras fontes encontram-se no museu da memória de Eurípedes
Barsanulfo, em Sacramento-MG, localizado no prédio do Colégio Allan Kardec
(muito bem preservado). Há documentos a serem pesquisados: cartas, fotos,
objetos, móveis, livros, documentos escolares, boletins de antigos estudantes
do colégio. O local é aberto para visitação e pesquisa. Já estivemos no museu
para conhecer e conferir a documentação.
Para a pesquisa sobre a Escola Eurípedes Barsanulfo (1975 – 2015),
vamos focar nas entrevistas e história oral para conhecermos e entendermos a
história e o funcionamento dessa escola e suas metodologias de ensino.
Vamos entrevistar as gestoras, Alzira Bessa França Amui e Francine Amui.
Também vamos entrevistar professoras e professores, estudantes, ex-
estudantes e seus familiares. Queremos entender, questionar e problematizar
sobre o cotidiano escolar nessa instituição. Queremos saber como as crianças
são ensinadas e como é a aprendizagem.
Na Escola Eurípedes Barsanulfo, diretoras, professores, funcionários e
estudantes se dispuseram a realizar entrevistas para essa pesquisa. A
comunidade escolar externa também irá oferecer seus relatos e memória.
Queremos entrevistar pessoas diversas para um aparato maior de informações.
Já realizamos algumas entrevistas, que estão conosco em arquivo pessoal.
Também fizemos fotos da Escola Eurípedes Barsanulfo e seu cotidiano,
que contribuirão para análise nessa pesquisa. Essas fotos mostram os espaços
físicos da escola, as atividades de ensino e aprendizagem e a interação entre
os sujeitos que trabalham e estudam na escola. Durante a pesquisa também
vamos continuar fotografando as atividades observadas.
As fontes históricas relacionadas acima serão analisadas, interpretadas
e problematizadas para a realização desse trabalho.

6. RESULTADOS PARCIAIS
Realizamos a leitura bibliográfica para essa pesquisa, realizamos
entrevistas com diversas pessoas que nos contou memórias sobre o Colégio
Allan Kardec, conversamos com professores e gestores da Escola Eurípedes
Barsanulfo, participamos de eventos na Escola Eurípedes Barsanulfo:
palestras, seminários de educação, oficinas sobre ensino e aprendizagem.
Iniciamos essas atividades em 2012, quando conhecemos a Escola
Eurípedes Barsanulfo, e todo esse trabalho está sendo realizado para pesquisa
de mestrado.

7. DISCUSSÃO

As escolas podem oferecer muito aos estudantes e todas devem ter o


compromisso da inclusão social. A sociedade também deve se organizar para
oferecer a inclusão de qualidade nas escolas públicas, nos hospitais, nas
cidades, no campo. Esse é um desafio urgente.
Outro compromisso que as escolas não podem perder é o de ensinar
ampliando a consciência: ensinar a analisar, a entender, a interpretar, a realizar
escolhas, a criar; ou seja, promover o conhecimento e não somente repassar a
informação.
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIGHETO, Alessandro Cesar. Eurípedes Barsanulfo: um educador de


vanguarda na Primeira República. 2. ed. Bragança Paulista-SP: Editora
Comenius, 2007.

BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução de


Magda Lopes. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.

BURKE, Peter. A escola dos annales (1929 – 1989): a revolução francesa da


historiografia. Tradução de Nilo Odalia. São Paulo: Editora da UNESP, 1990.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução Vera Maria


Xavier dos Santos. Bauru-SP: EDUSC, 2004.

CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo:


EdUNESP, 1999.

COMENIUS, Jan Amos. O Labirinto do Mundo e o Paraíso do Coração. São


Paulo: Editora Comenius, 2010.

DARNTON, Robert. O lado oculto da Revolução: Mesmer e o final do


iluminismo na França. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

DELEUZE, Gilles; GATTARI, Felix. O que é a filosofia. Rio de Janeiro: Ed. 34,
1992.

FERREIRA, Inácio. Subsídio para a história de Eurípedes Barsanulfo.


Uberaba, MG, 1962.

HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita: um projeto brasileiro e suas raízes. 3.


ed. Bragança Paulista-SP: Editora Comenius, 2012.

INCONTRI, Dora. Pestalozzi: Educação e ética. São Paulo: Scipione, 1997.

JESUS, Carolina Maria de. Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada. São
Paulo: Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1961.

JESUS, Carolina Maria de. Diário de Bitita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986.

JESUS, Carolina Maria de. Pedaços da Fome. São Paulo: Editora Áquila Ltda,
1963.

JESUS, Carolina Maria de. Provérbios. São Paulo: s/editora, s/data.


JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São
Paulo: Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1960.

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FIGURA

Foto: Disponível em: <http://www.revistabrasileiros.com.br/2014/03/os-


cadernos-de-carolina/> Acesso em: 23/11/2014

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