Professional Documents
Culture Documents
INTRODUÇÃO
Não podemos deixar nos envolver em demasia pela beleza da atitude do bom
samaritano e assim deixarmos de percebermos a profundidade do todo do ensino de Jesus
contido nela. É tentador e não incomum reduzir essa parábola a meros ensinos éticos e
morais. Seu ensino principal não deve se perder de vista. Essa parábola não foi escrita com o
propósito de ensinar simples lições de comportamento, em como ajudar ao pobre, ou como
uma lição para crianças em como não serem mesquinhas e assim aprenderem a
compartilhar seus brinquedos ou seu lanchinho com o coleguinha. Muito menos serve pra
ensinar como, pelas boas obras, se tornar participante do Reino celestial.
1 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 2
Será que admitiríamos alguém se utilizar de 1Co 15.18 para afirmar que os
que morreram em Cristo pereceram? Ou então se utilizarem de alguma versão bíblica não
tão clara para dizerem, com base em 1Tm 2.15 que somente a mulher com filhos será salva?
A maioria dos cristãos acharia estranhas essas afirmações e correriam para o contexto a fim
de verificarem essa veracidade, talvez até buscassem outras versões para uma melhor
compreensão.
ANÁLISE DO TEXTO
25 E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e
disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
Primeiro é necessário notar a posição que esse homem ocupava em seu povo.
Seja o que a ARA traz com intérprete da lei, ou o que a AA traz como doutor da lei, ou a NVI
como perito na Lei, ou a KJA como advogado da Lei, ou qualquer outro título que se dê em
2 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 3
alguma outra versão, é evidente, à vista de como a sociedade israelita vivia, que esse
homem não era apenas uma espécie de jurista como também um teólogo, uma vez que por
Lei, compreende-se aqui a Lei de Deus, de forma mais abrangente compreendendo todo o
ensino do Antigo Testamento.
A atitude que esse homem teve, de se levantar diante de Jesus quando lhe foi
dirigir uma pergunta era a forma tradicional em que um aluno se dirigia ao seu mestre. Pelos
costumes, o professor se assentava e seus alunos, ao seu redor, ouviam seus ensinos. Ao
levantarem alguma questão, em sinal de respeito os alunos deveriam se levantar. Além
disso, o mestre da Lei se dirige a Cristo chamando-o de mestre. No mínimo ele reconhece a
Cristo como seu par, sendo, tanto quanto ele, um mestre na lei. Talvez até pretendesse ir
além, demonstrando aos que os cercavam que ele reconhecia a Cristo como um mestre
superior a ele, uma vez que, na qualidade de mestre, submeteu-se aos ensinos de outro
mestre. Mas não se engane, a atitude respeitosa desse homem era apenas superficial. Sua
real intenção era pôr Jesus a prova.
Sua pergunta: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Não foi uma
pergunta incomum no ministério de Jesus. O jovem rico (Mt 19.16) também foi até Ele com a
mesma intenção. Talvez por que essa expressão, “vida eterna”, tenha tido um importante
destaque nos ensinos de Cristo (Mt 19.29; 25.46; Jo 3.15,16,36; 4.14,36; 5.24,39;
6.27,40,47,54,68; 10.28; 12.25, 50; 17.2,3).
Olhando mais atentamente vê-se que a pergunta é sem sentido. Herança tem
a ver com ligação consanguínea ou por adoção. O que alguém pode fazer para herdar algo?
No Antigo Testamento a ideia de herança era aplicada a Israel e está mais especificamente
relacionada à terra de Canaã prometida por Deus a Abraão. Israel nada fez para herdar, foi
por espontânea disposição de Deus em concedendo-lhe. No Novo Testamento a herança
divina é colocada num padrão espiritual de concessão da vida eterna.
26 Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas?
27 A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua
alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a
ti mesmo.
A resposta desse homem é uma citação de Dt 6.5 e Lv 19.18. Como tem sido
sugerido, a união desses textos foi feita pelo próprio Jesus (Mt 22.38,39; Mc 12.30,31; Lc
10.27) ou então, Jesus só segue e consequentemente endossa o que já se fazia nalguma
tradição. Em ambos os casos, no ato de recitar o resumo da Lei na mesma linha que Cristo o
fazia, aquele homem pode ter pretendido reafirmar sua intenção em testar a Jesus Cristo.
Seria uma forma de devolver a “batata quente", uma vez que esse homem provavelmente
reafirmava a tradição a quem Cristo criticou em Mateis 5.43 que ensinava o amor ao
próximo (compatriotas), mas ódio ao inimigo. Seguindo o oposto Cristo recomenda amar os
inimigos e orar pelos perseguidores (v.44).
Esse resumo da Lei da forma com fora recitada segue uma linha incomum,
uma vez que não segue a ordem cronológica dos registros; primeiro é citado Deuteronômio
e depois Levíticos. De qualquer forma, é fantástica a quebra de sua ordem cronológica e
estabelecimento de sua ordem lógica. Nosso amor para com Deus é o padrão do amor para
com o próximo. Nas palavras de Kenneth E. Bailey, “A experiência preceitua que é muito
difícil amar o desagradável próximo enquanto o coração do discípulo não está cheio do amor
de Deus, que dá a energia e motivação necessárias para a árdua tarefa de amar o próximo”.
Jesus está levando esse homem para onde pretende. Daqui pra frente isso
ficará mais claro. Ele é quem está direcionando o rumo na conversa. Ficará claro também
que essa fala de Cristo não é um elogio àquele homem. A sentença “faze isso é viverá”
deixará isso explícito.
O que esse homem não tem ideia é que acaba de impor, para si mesmo, um
padrão inalcançável. Em Lucas 18.18-30 algo semelhante acontece quando um jovem rico
procura Jesus com a mesma intenção, a de herdar o reino dos céus. Jesus estabelece um
4 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 5
padrão pela observância da Lei, ao que o jovem, de pronto afirma observar. Jesus então
aponta para o seu coração atraído pelas coisas desse mundo e que uma coisa só lhe faltava:
vender tudo o que possuía, distribuir o dinheiro aos pobres e segui-Lo. Ao que a própria
passagem afirma que o homem saiu entristecido, pois possuía muitas riquezas. O que aquele
homem dizia praticar, agora demonstra claramente que não. Dando prosseguimento ao
ensino Jesus disse que muito mais fácil seria um camelo passar pelo fundo de uma agulha do
que um rico entrar no reino de Deus. Seus discípulos ouvindo isso chegam a conclusão de
que então seria impossível ao homem se salvar, ao que Cristo afirma que aquilo que é
impossível aos homens não o é para Deus. Há uma nítida afirmação de que a salvação não
vem por vias do esforço humano, mas que é pelo poder de Deus.
Não há diferença entre esse homem e o jovem rico. Lá, Cristo demonstrou a
real intenção do coração do jovem e que o que ele entendia por cumprimento da lei cairia
por terra quando lhe fosse apontado sua disposição interna. Aqui, o amor a Deus sobre
todas as coisas e ao próximo como a si mesmo desmoronaria quando o sentido pleno da Lei
fosse aplicado.
O próximo, dentro do contexto desse homem, era limitado aos seus irmãos
judeus; os gentios não eram incluídos. É aqui que a cena para a parábola se desenrola e o tal
doutor na lei será pego por um argumento tanto lógico quanto bíblico. Isso será
demonstrado por sua resposta final à última pergunta de Jesus. Aqui serão postos frente a
frente as Escrituras e a tradição, a Lei é a jurisprudência.
5 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 6
30 Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em
mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos
ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto.
Por mais que a história contada por Cristo seja fictícia, ela parte de pontos
comuns e possíveis. Não só a estrada com todo o seu risco, a existência de salteadores por
lá, as atitudes do sacerdote e do levita, enfim, todo o cenário, é pintado partindo do ponto
daquilo que era provável. Apenas a atitude do samaritano é que é apresentado como um
ponto surpresa.
6 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 7
A Lei estabelecia que aquele que tocasse num corpo morto deveria ser
considerado imundo por sete dias, devendo passar por um processo de purificação nesse
mesmo período (Nm 19.11-22). É digno ainda de nota que Arão e seus demais filhos foram
até impedidos de tocarem os corpos de Nadabe e Abiú – filhos de Arão – quando esses
foram mortos pelo Senhor ao Lhe oferecerem fogo estranho. Nem ainda puderam prantear
e velar seus mortos (Lv 10.1-7). As consequências para o sacerdote eram mais pesadas uma
vez que sendo considerado imundo não poderia, dentro desse período, se alimentar dos
dízimos que também eram considerados santos. Deveria ainda retornar pra Jerusalém a fim
de passar pelo processo de purificação durante os mesmos sete dias. Logo, vê-se que sua
família também sofreria as consequências de seu ato. Mas, perceba, o sacerdote nem se dá
ao trabalho de descer de sua cavalgadura a fim de verificar se o moribundo estava morto.
Certamente, estava muito longe do sentimento que deveria nortear sua função (Hb 5.2) ou
ainda o exposto em Tiago 2.13, cujo princípio se encontrava também no Antigo Testamento.
O Antigo Testamento exigia um alto padrão de misericórdia (Êx 23.4-5).
32 Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo.
7 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 8
33 Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se
dele.
Mas, para surpresa de seus ouvintes, Jesus não segue a sequência lógica
aguardada e os surpreende inserindo um personagem inesperado e inimaginável – um
samaritano. Eles eram muito mais desprezados do que os próprios incrédulos, eram uma
8 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 9
classe de heréticos. Os samaritanos não eram gentios, eram judeus mistos (2Rs 17.6),
reconheciam a mesma Torá 1, mas ainda assim eram heréticos, odiosos heréticos.
Aqui o primeiro paralelo é traçado com o levita, ao contrário dele que podia,
mas não o fez, o samaritano fez a aplicação dos primeiros procedimentos de socorro.
1
Só reconheciam a Torá. Não reconheciam os profetas e nem adotaram o templo em Jerusalém
como centro da adoração. Seu centro de adoração era o monte Gerizim. Lá existia um templo em
que oficiavam culto e sacrifícios que foi destruído cerca de 130 anos a.C., pelo rei judeu João Hircano,
da dinastia dos macabeus. Mesmo sem reconstruir o templo, asseguraram que aquele era o local de
adoração (Jo 8.48)
9 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 10
Poderia levar o homem até um local seguro e lá deixá-lo, mas, mais uma vez
seu amor se demonstra abnegado.
35 No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste
homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar.
Com tudo o que fora feito, poderia dar-se por contente, mas o samaritano
conhece as leis e sabendo que o homem não teria dinheiro pra cobrir os custos da
estalagem, uma vez que foi roubado, podendo assim ser preso e decretado como escravo
até que sua dívida fosse paga com serviços (Mt 18.25), assumiu os custos de hospedagem
pelo tempo necessário. Paga primeiro dois denários, o que seria equivalente para cobrir os
10 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 11
custos entre uma ou duas semanas, e promete retornar para cobrir eventuais custos que
ultrapassassem seu aprovisionamento. Ele simplesmente não pretendia recuperar esse
valor, uma vez que ao retornar o homem já poderia ter se recuperado e deixado o local ou,
mesmo que ainda estivesse lá, naquela condição – em terra judia – jamais poderia forçar o
homem a devolver seu dinheiro ou então forçá-lo a serviços escravos até que a dívida fosse
paga. Seu amor e sua misericórdia se demonstram de fato, abnegados.
36 Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos
salteadores?
A primeira pergunta restringe-se no ato de bondade por aquele que faz por
merecer. A segunda é abrangente e contempla a todos aqueles que estão ao meu alcance.
Portanto, o alvo de Cristo sou eu e não o outro. A própria ideia de amar o outro como a ti
mesmo trás a ideia de que sempre começa por mim.
Fica aqui evidente de que o alvo da parábola não é o que posso fazer para ser
salvo, mas surge em resposta a pergunta do doutor da Lei sobre quem seria seu próximo.
37 Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe
disse: Vai e procede tu de igual modo.
Ainda pode ser percebido certo preconceito no religioso. Ele não ousou nem
falar que o samaritano foi o próximo do moribundo, apenas respondeu que foi aquele que
usou de misericórdia, talvez por medo dos sees compatriotas que o circundavam, mas,
mesmo assim foi obrigado a admitir aquilo que, de outra forma, jamais o faria.
ALGUNS ENSINOS
11 de 12
LIÇÃO 10 A PARÁBOLAS DO BOM SAMARITANO 12
“Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é
escravo do pecado.” (João 8:34)
“Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando.”
(Tiago 4:17)
BIBLIOGRAFIA
• NEALE, David A. – Novo comentário bíblico Beacon – Lucas 9-24, Ed. Central Gospel
• MORRIS, Leon L. – Lucas – introdução e comentário – série cultura bíblica, Ed, Vida
Nova
• MACARTHUR, John – As parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson Brasil
• BAILEY, Kenneth – As Parábolas de Lucas, Ed. Vida Nova
• BAILEY, Kenneth – Jesus pela ótica do oriente médio – estudos culturais sobre os
evangelhos, Ed. Vida Nova
12 de 12