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Douglas Fischer,
1. Tema abordado.
2. Entendimento jurisprudencial.
Trata-se de ação rescisória ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com
fundamento no art. 485, V, do Código de Processo Civil, objetivando rescindir sentença prolatada pelo
MM. Juiz Federal do Juizado Especial Federal Cível da Circunscrição Judiciária de Ponta Grossa/PR.
Preliminarmente, sustenta que a vedação à propositura da rescisória no âmbito do juizado
especial é inconstitucional, ferindo o art. 108, I, " b" , da Constituição Federal, bem como seus arts. 5º,
caput, e 37, caput.
Pede, pois, a declaração de inconstitucionalidade do art. 59 da Lei nº 9.099/95, que teve
seu alcance jurídico ampliado com a entrada em vigor da Lei nº 10.259/01. No mérito, sustenta a
inicial que o acórdão rescindendo violou o art. 2º da CF, os arts. 195, §5º, da CF, e 125 da Lei nº
8.213/91, assim como os arts 194, IV, e 201, §4º, da CF.
Citado, o réu apresentou resposta (fls. 96-101), postulando a improcedência do pedido
relativo à declaração de inconstituicionalidade do art. 59 da Lei n.º 9.099/95. No mérito, requer a
improcedência da ação.
O benefício da assistência judiciária gratuita foi deferido à parte ré na fl. 106.
A Procuradoria Regional da República a 4ª Região ofertou parecer, opinando pela
procedência da ação (fls. 110/111).
É o relatório.
Trago o feito em mesa.
VOTO
A hipótese vertente versa sobre a rescisão de sentença proferida pela Justiça Federal
Especializada, cujas decisões não se submetem à revisão por parte desta Corte, por não haver
vinculação jurisdicional entre os Juizes das Turmas Recursais e este Tribunal.
Os Juizados Especiais Federais constituem um microssistema dentro da Justiça Federal.
Conquanto nela estejam inseridos, a despeito de sua inegável hierarquia administrativo-funcional em
relação aos Tribunais Regionais Federais (v.g., arts. 18, 21, 22 e 26 da Lei nº 10.259/01), os Juizados
Especiais Federais têm, quanto ao aspecto jurisdicional, estrutura peculiar e apartada, além de
princípios próprios (art. 2º da Lei nº 9.099/95). Essa a razão pela qual as decisões proferidas por
Juízes Federais investidos de jurisdição nos Juizados Especiais Federais não estão submetidas à revisão
pelos Tribunais Regionais Federais. Nesse sentido, os seguintes precedentes do STF e do STJ,
aplicáveis, mutatis mutandis, ao caso em testilha:
DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA,
ENTRE A TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE E O
TRIBUNAL DE ALÇADA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA PARA DIRIMI-LO (ART. 105, I, 'd', DA C.F.). E NÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ART.
102, I, 'o').
1. As decisões de Turma Recursal de Juizado Especial, composta por Juízes de 1° Grau, não estão
sujeitas à jurisdição de Tribunais estaduais (de Alçada ou de Justiça).
2. Também as dos Tribunais de Alçada não se submetem à dos Tribunais de Justiça. [...]" (STF,
Plenário, CC nº 7081/MG, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 19/08/2002, DJU 27/09/2002)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TURMA RECURSAL E TRIBUNAL DE ALÇADA DO MESMO
ESTADO. COMPETÊNCIA DO STJ PARA DIRIMIR O CONFLITO. INTELIGÊNCIA DO ART. 105, I, d, da CF.
DECISÃO PLENÁRIA DO STF. PRECEDENTES DO STJ. CRIME DE PREVARICAÇÃO. INFRAÇÃO DE MENOR
POTENCIAL OFENSIVO. ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 10.259/01. RECURSO DE APELAÇÃO.
JULGAMENTO SOB A ÉGIDE DA LEI NOVA. NORMA PROCESSUAL. INCIDÊNCIA IMEDIATA.
1. A Eg. Terceira Seção, em consonância com o Plenário da Suprema Corte, consolidou o entendimento
de que, por não haver vinculação jurisdicional entre Juízes das Turmas Recursais e o Tribunal local (de
Justiça ou de Alçada) - assim entendido, porque a despeito da inegável hierarquia administrativo-
funcional, as decisões proferidas pelo segundo grau de jurisdição da Justiça Especializada não se
submetem à revisão por parte do respectivo Tribunal - deverá o conflito de competência ser decidido
pelo Superior Tribunal de Justiça, a teor do art. 105, inciso I, alínea d, da Constituição Federal, que
dispõe ser da competência deste Tribunal processar e julgar, originariamente, 'os conflitos de
competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, o, bem como entre
tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos'." [...] (STJ, 3ª
Seção, CC nº 39876/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/11/2003, DJU 19/12/2003)
Dessa forma, a teor do disposto nos artigos 102, I, j e 105, I, e, da Constituição Federal, a
rescisão das decisões proferidas pelos órgãos judiciários compete a si próprios, quando colegiados, ou
àquele de hierarquia superior ao que proferiu o julgado.
Em consonância com tais dispositivos constitucionais e amparada em decisão do Superior
Tribunal de Justiça, com as mencionadas acima, a Terceira Seção deste Tribunal proferiu entendimento
expresso nos seguintes termos:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA, SENTENÇA DO JEF. COMPETÊNCIA. Tratando-se de rescisória
que ataca sentença proferida por juiz federal investido de jurisdição do Juizado Especial, a competência
para seu exame é atribuída às Turmas Recursais.
Inteligência do artigo 493 do Código de Processo Civil. (Questão de Ordem na AR nº
2004.04.01.005199-0/PR, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Victor Luiz do Santos Laus, julgado em 13-05-
2004).
Conseqüentemente, a matéria não merece maiores digressões, razão pela qual suscito questão
de ordem que solvo no sentido de declinar da competência para a Turma Recursal da Seção Judiciária
de Paraná. É o voto.”
De outra banda, ainda que não desconheça a disposição contida no art. 59 da Lei nº 9.099/95,
que veda a proposição de ação rescisória nos Juizados Especiais, cuja manutenção configuraria afronta
aos princípios regentes do microssistema, sobretudo da economia processual e da celeridade, e por
conseguinte afastaria o escopo perseguido pelo legislador, qual seja o de limitar as dilações indevidas
no processo, quem teria competência para afirmar o não-cabimento da ação, como já dito, é a própria
Turma Recursal.
3. Doutrina.
Joel Dias Figueira Júnior e Maurício Antônio Ribeiro Lopes [8] são expressos ao
assentar que “não encontramos razões plausíveis para excluir a ação rescisória do elenco dos
meios de impugnação contra as decisões proferidas nestes Juizados, porquanto não nos
parece razoável admitir (seria até ingenuidade) que os Juízes de primeiro grau ou os Colégios
Recursais não incidirão jamais em quaisquer das hipóteses figuradas no art. 485 do CPC.
Assim como a estabilidade da relação jurídica entre as partes litigantes depende no futuro,
após a decisão definitiva, da segurança da coisa julgada, a manutenção no mundo jurídico de
sentenças proferidas ao arrepio da Lei ou dos verdadeiros fatos causam, sem dúvida, o efeito
reverso” [9] .
Alex Perozzo Boeira [11] defende que o impedimento da ação rescisória viola
literalmente o disposto na alínea “b” do inciso I do artigo 108 da Constituição Federal [12],
bem assim que a competência para apreciar tais pedidos é dos Tribunais Regionais Federais.
Enfatiza que “muito embora as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais gozem da
competência para o julgamento dos recursos previstos nos arts. 4° e 5° da Lei n° 10.259/01
(recurso contra medida cautelar e contra a sentença definitiva, respectivamente), a previsão
da Carta Maior quanto ao manejo do remédio rescisório é imperativa e inafastável”,
concluindo que “não se pode olvidar que (...) a decisão trânsita em julgado, objeto da
demanda constitutiva negativa, deve gozar da natureza de sentença de mérito, proferida por
magistrado federal”.
Assim, a questão que reclama solução inicial é saber se a limitação imposta pelo
artigo 59 da Lei n° 9.099/95 atenta contra princípios constitucionais, especialmente os do
devido processo legal, contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
(art. 5°, incisos LIV e LV, CF/88).
Registre-se que ação rescisória não é recurso. Depois, não se pode afastar o
norte de que, como inclusive reconhecem Joel Dias Figueira Júnior e Maurício Antônio Lopes
[13], para que se tenha êxito na aplicação da Lei dos Juizados Especiais se torna
imprescindível uma readaptação de concepções consagradas válidas para o macrossistema do
Código de Processo Civil, sem que, por óbvio, implique em negativa aos ditames
constitucionais.
A partir deste exemplo, quer-se demonstrar que não se admitir ações rescisórias
de decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Federais não significa violação de
princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, na medida
em que, como dito, estes princípios não podem ser analisados de formas estanque e absoluta,
bem assim porque a própria Constituição remete à legislação ordinária o estabelecimento de
quais as regras que norteiam os Juizados Especiais Federais.
[2] Dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito
da Justiça Federal..
[8] Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, 3.ed., São
Paulo: RT, 2000, p. 407.
[12] “Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I – processar e julgar,
originariamente: (...) b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos
juízes federais da região”.
[18] Ação Penal nº 290-PR, Rel. Ministro Félix Fischer, Corte Especial, DJU
26/09/2005.
[20] Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I – processar e julgar,
originariamente: (...) d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal.