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O DIÁLOGO HERMENÊUTICO: ENTRAVES E EXIGÊNCIAS PARA O AUTÊNTICO DIÁLOGO

INTRODUÇÃO

 Falar sobre o DIÁLOGO HERMENÊUTICO na obra VERDADE E MÉTODO (1960) de Hans-

Georg GADAMER. Para isso, recupero o que GADAMER compreende como LINGUAGEM,

seguindo as influências que ele teve de outros pensadores da linguagem, como HEIDEGGER

E WITTGENSTEIN. Também irei expor através de alguns exemplos algumas posições em que

pode-se perceber a realização ou o impedimento do diálogo verdadeiramente hermenêutico.

Além disso, irei mostrar algumas exigências que o diálogo tem para que possa se realizar.

AUTOR

 Um pouco sobre o autor: GADAMER é considerado o filósofo mais longevo dos últimos tempos.

Ele nasceu em 11 de fevereiro de 1900, teve uma vida muito ativa na universidade, concluiu o

doutorado com 22 anos de idade, foi assistente de Heidegger, foi professor substituto, titular.

Enfim, teve uma vida agitada. Se aposentou em 1968, e continuou ativo, viajando, lecionando

como convidado em muitas universidades do mundo, especialmente nos Estados Unidos.

Faleceu em 13 de março de 2002, com 102 anos de idade.

CONTEXTO

 O posicionamento de Gadamer é contrário ao da ciência moderna, enquanto esta tenta atrair

para si a legitimação do conhecimento, fundamentando-se na SEPARAÇÃO entre SUJEITO E

OBJETO.

 Ele não foi o único, outros pensadores como Schleiermacher, Dilthey, Heidegger, também se

opuseram a esse posicionamento da ciência, e conceberam uma doutrina do compreender que

recolocasse o envolvimento do homem no processo do saber. Nascia a HERMENÊUTICA

MODERNA (como que uma ferramenta que auxilia na interpretação, especialmente de textos

filosóficos, uma arte do compreender).

 Gadamer, indo além, desenvolve o que chama de HERMENÊUTICA FILOSÓFICA para

“DESCOBRIR E TORNAR CONSCIENTE ALGO QUE PERMANECE ENCOBERTO E


DESCONHECIDO. ALGO QUE ANTES DE TRAÇAR LIMITES E RESTRINGIR A CIÊNCIA

MODERNA, PRECEDE-A E EM PARTE TORNA-A POSSÍVEL” (GADAMER, 1999, P. 15).

LINGUAGEM

 Antes de falar sobre diálogo, precisamos ter presente o que GADAMER entende por linguagem.

 Assim como para outros pensadores, não como uma FORMA DE COMUNICAÇÃO, ou de

TRANSFORMAÇÃO DO PENSAMENTO EM PALAVRAS.

 A partir do momento que o homem COMEÇA A PENSAR, ele JÁ ESTÁ USANDO A

LINGUAGEM. É DA ESSENCIA DO SER HUMANO SER UM SER LINGUÍSTICO. Não é

possível SEPARAR HOMEM E LINGUAGEM, e falar e pensar sobre linguagem é em certa

medida (se não toda) falar e pensar sobre o próprio pensamento.

 Nesse sentido, na impossibilidade de separar homem e linguagem (e dificuldade de perceber

isso também), identifica-se no pensamento de GADAMER, TRÊS MOMENTOS DA

LINGUAGEM.

 1. AUTO ESQUECIMENTO: a linguagem enquanto ciência tematiza sobre si uma diversidade

de regras e estruturas, que no diálogo são de difícil percepção. Ex: aprender um novo idioma:

O CONTEÚDO DO DITO ATRAI PARA SI O INTERESSE, DESVIANDO DO OBJETIVO.

 2. AUSÊNCIA DE UM EU: o diálogo não pode ser fechado em si, nem a linguagem. Quando

algo é dito, traz a mente a coisa de que diz, e isso atinge sua finalidade quando traz à mente

do outro essa mesma coisa. Portanto na linguagem não há um EU. Ela é da esfera do nós, não

do individuo.

 3. UNIVERSALIDADE DA LINGUAGEM: ela abarca TODA A EXISTÊNCIA. WITTGENSTEIN

já dizia que NÃO EXISTE LINGUAGEM PRIVADA, ela ENVOLVE TODOS OS SERES. É por

ela que toda a experiência humana é passada adiante.

 Assim PODE-SE DIZER QUE NÃO HÁ PENSAMENTO, NEM RAZÃO, NEM DIÁLOGO, NEM

SER HUMANO SEPARADO DA LINGUAGEM.

 SEGUNDO GADAMER, há TRÊS modos de realização da linguagem: o jogo, o círculo

hermenêutico e o diálogo:
DIÁLOGO

 O diálogo era o exercício filosófico primeiro, SÓCRATES E PLATÃO são exemplos.

 A linguagem conduz de um monólogo, de um discurso fechado em si, para o diálogo, discurso

aberto ao outro.

 Ele precisa ser LIVRE, não pode ser condicionado pela vontade ou pela intenção de um ou

outro participante.

 Para facilitar a compreensão, alguns exemplos em que podemos identificar as exigências e os

entraves para o diálogo:

 1. PEDAGÓGICO: entre mestre e discípulo. RELAÇÃO DE ALTERIDADE E ABERTURA,

POSIÇÃO DE IMPOSIÇÃO DE VERDADE.

 2. COMERCIAL: o objetivo é a efetuação de uma troca, em que o diálogo se realiza um acordo

entre as partes, mas se esse acordo se for livre, for de alguma forma imposto, o diálogo,

enquanto hermenêutico, falhou.

 3. TERAPÊUTICO: mais ligado à psicologia, nesse caso o ponto inicial é justamente a

incapacidade para o diálogo que produz patologias. Portanto usa o diálogo para curar a

incapacidade de realização do mesmo.

 4. CONFIDENCIAL: no qual um participante, não somente não participa como também impede

a participação do outro, e em certa medida até causa a desconsideração do outro.

EXIGÊNCIAS

 ABERTURA A SI ( é a posição que mantém a mente aberta, que percebe aquilo que fala, e que

pela necessidade inclusive muda de tese, muda de opinião, não impõe a verdade sobre o outro,

essas posições possibilitam as tentativas de entendimento, antes de definição do verdadeiro

ou falso)

 ABERTURA AO OUTRO: vimos antes que a linguagem é da esfera do nós e não do eu,

portanto, é exigido uma abertura não só àquilo que O OUTRO DIZ, mas também a carga de

experiência que o outro carrega consigo e transfere pelo que fala. Também a PERCEPÇÃO
DO OUTRO, faz com que se perceba se o outro está acompanhando o desenrolar do assunto,

do diálogo. Sem isso, alguém fica para trás e o dialogo hermenêutico não se realiza.

 TEMPORALIDADE: ALGO SÓ TEM SENTIDO DE ACORDO COM CONTEXTO DEFINIDO.

Isso é a temporalidade. A PALAVRA CERTA NA HORA CERTA, é fruto da relação entre os

indivíduos, respeitado mutuamente em suas particularidades.

 OUVIR. Até agora só se falou da fala, mas não há diálogo sem a escuta. As tradições mais

antigas, passavam adiante o saber pela oralidade.

 Para GADAMER, o falar e o ouvir é algo simultâneo. E essa relação já está presente na origem

mítico-etimológica da hermenêutica, onde para cumprir a vontade dos deuses, o consulente

necessitava ouvir o oráculo.

CONCLUINDO

 Quando essas aberturas não acontecem, surgem na sociedade, posições superiores, egoístas,

contrárias à alteridade, que se impõem como detentores de verdades absolutas, doadoras de

conhecimento e de saberes, e que veem no diálogo apenas um modo de tirar vantagens

financeiras ou pessoais.

 No fundo, para além da linguagem, a hermenêutica nos convida à vivência de uma

solidariedade, num modo de agir – podendo até ser chamado de ética – em que valoriza o outro

acima do que ele diz, faz ou sabe. O diálogo é aproximação, é contribuir para um caminhar

junto através de uma transformação mútua não orientada senão para um horizonte de comum

acordo. Ainda que quanto ao comum acordo, GADAMER faz uma RESSALVA:

 Eu diria, do ponto de vista hermenêutico, que não há nenhum diálogo que chegue

ao fim antes que tenha conduzido a um acordo real. Talvez se precise acrescentar

que por isso, no fundo, não há diálogo que realmente chegue ao fim, porque um

verdadeiro acordo, um acordo inteiramente completo entre duas pessoas contradiz

a essência da individualidade. O fato de nós na verdade não conduzirmos nenhum

diálogo ao fim e frequentemente não chegarmos ao acordo são limitações de nossa

temporalidade e finitude e parcialidade (GADAMER apud ROHDEN, 2002, p. 219).


 Não atingir um fim, um acordo real, é o que faz da filosofia, que se faz enquanto diálogo, não

ter um ponto final. A linguagem não tem ponto final. O diálogo não tem ponto final. O indivíduo,

por sua vez, o tem. Contudo, ele não se faz sozinho, nele está a história que pode vir a ser

redescoberta, recuperada, trazida outra vez ao presente, e tudo aquilo que dele descender,

devido a temporalidade passará a ser também história. Relação que não é cíclica, nem linear,

mas que no presente tem força para trazer ao momento o dito, e com ele, o necessário daquele

tempo, daquele contexto, para que a compreensão possa se fazer mais precisa.

 O movimento de compreensão não nos transporta para o antes, mas sim, traz o antes para o

agora e a hermenêutica nos ajuda a ver e a ouvir com nossos olhos e ouvidos não só o que se

apresenta, mas além do visível o invisível perceptível.

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