Professional Documents
Culture Documents
fraudes espíritas?
agosto 16, 2014agosto 16, 2014 / Ana Burke
As iniciativas comerciais de Mme Kardec, que eram, em parte, o esforço de uma viúva
para garantir a própria subsistência, aborreceram muitos espíritas. Ela havia estabelecido
a Caisse Générale como uma instituição oficialmente separada, mas organizacionalmente
intimamente conectada, à não comercial e “puramente científica” Société Parisienne. De
acordo com um relatório da polícia, uma facção dos espíritas dissidentes acreditava que
na nova organização Mme. Kardec “usava a ciência como um pretexto, e parecia ter um
acentuado caráter comercial que a levaria, mais cedo ou mais tarde, a fazer uso da Société
Parisienne des Etudes spirites — como um instrumento, e subordinar os seus interesses
aos da nova sociedade. A linha entre a sociedade comercial e a científica pareceu
desconcertantemente embaçada para muitos que viam o Espiritismo como uma empresa
fundada em estudo objetivo. Em 1871, no entanto, as várias facções tinham alcançado
uma paz inquieta, e Leymarie consolidou sua posição como sucessor de Kardec.
Uma vez que nenhum fotógrafo espírita francês tinha aparecido em cena, Leymarie
começou a vender reproduções de fotografias de espíritos norte-americanos. Estas
imagens, acreditava ele, eram elementos de prova extraordinariamente convincentes para
a realidade do mundo espiritual e, portanto, viriam a ser estímulos eficazes para a
conversão. Quando confrontado com um grande álbum dessas imagens, todos mostrando
a presença palpável dos espíritos, mesmo os mais tenazes negadores seriam fortemente
pressionados para encontrar uma explicação terrestre, Leymarie acreditava.
Até o final do ano, Leymarie e Buguet havia estabelecido uma relação de negócios: O
editor emprestou ao fotógrafo de 3.500 francos da Caisse Général para expandir sua firma
de fotografia de espíritos.[1] O empréstimo foi sem juros e o reembolso seria em espécie,
com fotografias de espíritos. A Revista Espírita, em seguida, vendia as imagens para seus
assinantes em um prêmio, como tinha feito anteriormente com as imagens importadas
americanas. Leymarie também começou a escrever extensivamente sobre Buguet na
Revista, enfatizando a capacidade do fotógrafo de resistir ao escrutínio “experimental”
de vários especialistas. O primeiro artigo de Leymarie sobre as fotografias espíritas de
Buguet apareceu na edição de janeiro de 1874 da Revista. […]
Depois de ter descoberto dom de Buguet, Leymarie foi o tema de uma série de
experimentos. O primeiro destes, que Leymarie descreveu exaustivamente, era típico das
suas sessões de teste. Leymarie e um grupo de “várias pessoas” chegaram ao estúdio do
fotógrafo; no caminho, compraram um pedaço de vidro para servir como o negativo
fotográfico deles. Eles marcaram o vidro, cortando um dos seus cantos, então o
entregaram a Buguet, que o poliu e imergiu em banho de colódio usual. Leymarie e seus
companheiros supervisionaram esta preparação e viram quando Buguet pegou o vidro e
colocou-o em sua câmera, que havia sido exaustivamente examinada “interna e
externamente”. Após os convidados haverem assumido suas posições na frente da
câmera, Buguet pediu “calma e silêncio”, fez uma “invocação mental”, e tirou a foto. A
impressão que ele fez, novamente, sob supervisão, mostrou “imagens de espíritos … com
suas faces meio veladas”, junto com os dos assistentes humanos. Como uma verificação
final, Leymarie encaixou o canto removido com a placa exposta. Em nenhum lugar neste
processo elaborado, Leymarie afirmou, ele ou seus convidados detectaram a menor
fraude.
Leymarie, por sua vez, parece ter sido convencido da autenticidade das imagens que ele
descreveu, embora os eventos subseqüentes indicassem que seu escrutínio provavelmente
não foi tão rigoroso como ele alegou.
Deve-se entender que estes homens serão apenas simples espectadores — isso quer dizer
que eu não irei permitir que ninguém toque nos meus produtos. Se eu tenho a capacidade
de magnetizá-los, isso é o meu negócio, eu não quero que seja como foi com Flammarion,
eu só vou realizar uma única sessão. Eu [só] farei com estes homens nestas condições. Eu
assisti duas sessões realizadas por Williams e Firman, e elas foram suficientes para me
deixar saber o que os céticos são.
Buguet parece ter tido menos dificuldade em convencer os observadores britânicos, que
o estudaram durante uma viagem a Londres no verão de 1874. No decurso da sua visita
prolongada, ele realizou experimentos com W. H. Harrison, o editor do The Spiritualist,
e com Stainton Moses, que fez dos dons do fotógrafo o assunto de uma série de artigos
na revista espiritualista Human Nature. Buguet ainda ganhou o apoio do próprio Crookes.
Em uma carta a Leymarie, Buguet escreveu triunfante: “No sábado passado eu tive uma
experiência com M. Crookes, da Royal Academy [sic], foi uma das mais completas. Este
senhor deu-me todos os seus parabéns, e prometeu enviar-me uma carta de Londres,
quando eu voltasse a Paris; ele levou a chapa fotográfica com ele”. Outros observadores
são mais céticos: um escritor para o British Journal of Photography, por exemplo, não
conseguiu detectar quaisquer sinais de fraude, mas observou que os espíritos de Buguet
sempre tinham “um elenco de características francesas inconfundível.” Hesitações deste
tipo fizeram pouco para diminuir o entusiasmo do Leymarie. As imagens de Buguet
haviam recebido o aval do expoente mais ilustre da pesquisa psíquica britânica e,
portanto, parecia ser a prova definitiva da “hipótese espírita” que os seguidores de Kardec
tinha antecipado com firme convicção. […]
Em 22 de abril de 1875, após ter recebido uma ordem do juiz encarregado do caso,
Lombard e de Ballu, o inspetor principal, foram para o estúdio de Buguet na avenida
Montmartre. Eles se apresentaram como clientes comuns. […]. Quando Buguet entrou na
sala da frente, os policiais lhe disseram que tinham esperança de obter o retrato do
falecido pai de Ballu. Buguet escoltou-os ao estúdio, deixou-os por quinze minutos, e
voltou com uma placa de vidro, que depois introduziu na câmera. Assim que Buguet
“entregou-se às suas invocações”, Lombard anunciou que ele era um policial e pediu para
ver a placa. Depois de mostrar uma breve resistência, Buguet entregou a placa. Pouco
tempo depois, Clemente, um comissário de polícia, e Lessondes, que comandava o
serviço de fotografia da Prefeitura, chegaram. Eles desenvolveram uma impressão da
placa confiscada. Ela já “revelava duas imagens bem visíveis de pessoas, cuja reprodução
um pouco indistinta poderia justificadamente ser chamada fantasmagórica.”
Para o juiz, a massa de testemunhas que afirmou ter amigos e parentes identificados em
suas fotografias de espíritos diversos, simplesmente mostrou o grau da credulidade
humana. Todas elas haviam “alucinado” as semelhanças que elas percebiam; elas viram
o que elas queriam ver, não o que estava lá. Ser um espírita sincero era ser insano.
*****
A Revue de junho de 1874 reproduz uma narrativa assinada pela Sra. Kardec, redigida
nos seguintes termos:
– “Declaro que terça-feira, 12 de maio de 1874, fui à casa do Sr. Buguet em companhia
da Sra. Bosc e do Sr. Leymarie, e que a ninguém revelei quem eu desejava evocar. O Sr.
Buguet, a despeito de estar doente, concordou em comparecer, apoiado em duas bengalas,
à sala das tomadas fotográficas; estendido sobre uma cadeira, ele sofria atrozmente; os
preparativos foram feitos pelo Sr. Leymarie e pelo operador. Obtive, na mesma chapa,
duas provas, sobre as quais atrás de mim, meu bem-amado companheiro de trabalho,
Allan Kardec, era visto nas seguintes posições: na primeira prova ele sustenta uma coroa
sobre minha cabeça; na segunda, ele mostra um quadro branco, com alguns milímetros
de largura, no qual estão escritas, com letras somente legíveis sob uma lente poderosa, ou
microscópio, as seguintes palavras: “Obrigado, querida esposa. Obrigado, Leymarie.
Coragem Buguet.” Infelizmente o Sr. Buguet prolongou por alguns segundos a exposição
e o rosto de meu marido não aparece tão nítido como eu desejava. Agradeçamos a Deus
este consolo de poder obter os traços de uma pessoa amada e de obter a escrita direta.
Assinado: Madame Allan Kardec.” (Extraído do livro “Processo dos Espíritos”)
Vejamos as fotos.
A data não pode ser 14 de novembro de 1874, já que a Sra. Kardec diz ter ido em 12 de
maio de 1874 à casa de Buguet e a publicação na Revue se deu em junho de 1874. Seja lá
o que está escrito, a data correta tem que ser 12 de maio de 1874. O resto parece estar
certo. Daí já podemos concluir que Kardec definitivamente não escreveu a carta. O
próprio Buguet, em sua retratação, disse que ele fraudou “só” 30% das fotos – acredite
quem quiser – e na mensagem Kardec diz que ele só é verdadeiro – ou seja, nunca teria
fraudado. A mensagem, portanto, é falsa. Não foi o espírito de Kardec quem escreveu. E
quem foi que escreveu a mensagem, então? Vejamos o que aconteceu no julgamento para
responder a essa pergunta.
(Fala o Juiz a Leymarie) – Diz-se que o senhor conhecia perfeitamente a letra de Allan
Kardec. Essa letra, o senhor a possuía nos seus arquivos; o senhor a conhecia
perfeitamente. Ora, a escrita que figura na fotografia de Allan Kardec é da
recepcionista de Buguet, e o senhor, Leymarie, certificou que é a letra de Allan Kardec.
O senhor mentiu para induzir os seus assinantes em erro.
Era certamente difícil garantir sem sombra de dúvida que a letra era de Kardec, pois
naquele tempo não era fácil fazer uma ampliação como hoje: dispunha-se apenas de uma
mensagem escrita no espaço de alguns milímetros, e a Senhora Ménessier afirmou,
taxativamente, que ela havia escrito o texto. Por que o afirmou? Não ficou claro no
decorrer do processo, que não foi formado para alcançar a verdade, mas sim para
reviver as técnicas tenebrosas dos interrogatórios inquisitoriais, certamente inspirado e
alimentado pelas trevas. Em nota de rodapé, Madame Leymarie afirma que a letra que
figura na foto “não tem a menor semelhança” com a da Senhorita Ménessier. Tinha em
seu poder uma grande quantidade de cartas com a letra dessa moça – que funcionava
também como correspondente de Buguet naqueles tempos anteriores à datilografia – e
não havia termo de comparação entre o traçado de uma e de outra. Se é que a Senhorita
Ménessier havia escrito aquilo, ela “teve o bom senso de contrafazer inteiramente a sua
letra”. Mesmo assim, o juiz desejava comparar a letra de Kardec com a da foto,mas
Leymarie argumentou que isso era impraticável, porque não tinham um texto reduzido
fotograficamente da letra de Kardec vivo.
É certo que a Revue afirmara que a letra era de Kardec, pois, com efeito, várias pessoas
reconheceram-na, depois de examiná-la cuidadosamente, mas não se emprestou muita
importância a isso. O juiz declara, então, que foi veiculada uma falsa informação, porque
o texto fora preparado por Buguet, com a ajuda da Senhorita Ménessier. Como a Senhora
Kardec afirmasse que, não obstante, a letra era de seu marido, o juiz chama a Senhorita
Ménessier.
– Sim, senhor.
– Isso pode ser dito, mas não prova nada – insiste a Senhora Kardec.
– Será que diante dessa declaração madame ainda acreditava que Buguet fosse médium?
– Como não? Há 200 cartas vindas do interior afirmando tais fatos.
Embora o juiz persista em afirmar que se trata de ilusão, tanto quanto no caso da escrita,
a Senhora Kardec permanece inabalável:
– Se fosse apenas uma pessoa, o senhor poderia ter razão, mas quando há centenas delas
que afirmam o mesmo fato a questão é outra.
O juiz não compreende como pode ela insistir na sua convicção, quando, para ele, é claro
que se trata da uma grosseira mistificação de Buguet.
– A Senhorita Ménessier talvez não esteja dizendo a verdade – retruca a Senhora Kardec
–. Isso não prova coisa alguma, tanto quanto aquilo que afirma Buguet. Desde que ele
afirma o contrário da verdade, sua recepcionista pode fazer o mesmo.
A Sra. Allan Kardec estava envolvida, e isto é certo uma vez que a mensagem de Allan
Kardec é falsa. Ela não conhecia a letra do marido? De qualquer forma ela mentiu. Se ela
não estava envolvida, nem Leymarie, então os dois confirmam as palavras de Monroe
quando disse que os espíritas “haviam ‘alucinado’ as semelhanças que percebiam; viram
o que queriam ver, não o que estava lá.
[1] Em inglês: “to expand his spirit photography concern”. Outra possível tradução: para
expandir seu interesse em fotografias de espíritos. (N. T.)
[2] No livro “Processo dos Espíritas” publicado no Brasil, apenas informam: “Camille
Flammarion, cuja capacidade científica ninguém poderia pôr em dúvida, igualmente
experimentou com Buguet e nada encontrou para incriminar o fotógrafo de fraude.”
Observem como informações importantes são escondidas em tais palavras…
[3] “Chère femme: Veillez sur notre médium Buguet: de faux spirites le tracassant em CE
moment. Lui Seul est Le vrai. C’est surtout lui que fera prosperer notre doctrine. Leymarie
doit l’aider. Je suis avec vous. Courage ET adieu. 14 novembre 74. Allan Kardec.
Fonte: http://obraspsicografadas.org/2012/a-viva-de-allan-kardec-era-uma-fraudadora/
https://anaburke.com/2014/08/16/a-viuva-de-allan-kardec-envolvida-em-fraudes-espiritas/