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UFRJ

AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:


O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)

Gabriela Klôh Müller Neves

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.

Orientadora: Eli Diniz

Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
i

AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:


O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)

Gabriela Klôh Müller Neves

Eli Diniz

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Ciência Política.

Aprovada por:

_____________________________
Presidente, Profª. Eli Diniz

_____________________________
Profª. Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna

_____________________________
Prof. João Trajano Sento-Sé

Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
UFRJ

AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:


O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)

Gabriela Klôh Müller Neves

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.

Orientadora: Eli Diniz

Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
ii

Neves, Gabriela Klôh Müller.

Ações e descontinuidades na política habitacional no


Rio de Janeiro: o descompasso entre a concepção e a
implementação de programas habitacionais nos governos
Leonel Brizola e Moreira Franco (1983-1995) / Gabriela Klôh
Müller Neves – Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2007.

xii, 197 f.

Orientadora: Eli Diniz.

Dissertação (Mestrado) – UFRJ / IFCS / Programa de


Pós-Graduação em Ciência Política, 2007.

Referências Bibliográficas: f. 177 - 183.

1. Política Habitacional. 2. Rio de Janeiro. 3.


Concepção e implementação de Programas habitacionais. 4.
Instituições políticas. I. Diniz, Eli. II. Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais,
Programa de Pós-Graduação em Ciência Política. III. Ações e
descontinuidades na política habitacional no Rio de Janeiro: o
descompasso entre a concepção e a implementação de
programas habitacionais nos governos Leonel Brizola e
Moreira Franco (1983-1995).
iii

AÇÕES E DESCONTINUIDADES NA POLÍTICA HABITACIONAL NO RIO DE JANEIRO:


O DESCOMPASSO ENTRE A CONCEPÇÃO E A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS
HABITACIONAIS NOS GOVERNOS LEONEL BRIZOLA E MOREIRA FRANCO
(1983-1995)

Gabriela Klôh Müller Neves

Orientadora: Eli Diniz

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-


Graduação em Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Ciência Política.

As favelas são reconhecidas como um problema secular na dinâmica da


urbanização carioca. Ao longo desses 100 anos de vida, tiveram um crescimento
desordenado, tendo sido objeto de algumas iniciativas do poder público no sentido
de enfrentar, ao menos parcialmente, os problemas que apresentavam. Os planos e
regulamentos urbanísticos as colocavam fora da legalidade urbana. A presente
dissertação pretende, através da observação do planejamento e concepção de
políticas voltadas para a habitação popular, identificar as prováveis causas das
descontinuidades no que se refere à implementação de programas habitacionais na
cidade do Rio de Janeiro, no primeiro e segundo governos Leonel Brizola,
respectivamente entre os anos 1983-1987 e 1991-1995, e o governo Moreira
Franco, 1987-1991. Para isso, a pesquisa faz uma viagem na história e literatura
sobre favelas, levantando os principais programas habitacionais em seus contextos
políticos, na busca por respostas sobre a possível paralisia decisória que cria um
verdadeiro descompasso entre a concepção e a implementação destes programas.

Palavras-chave: favela; política habitacional; Leonel Brizola; Moreira Franco;


programas habitacionais burocracia; instituições políticas.

Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
iv

ACTIONS AND DISCONTINUITIES ON THE DWELLING POLITICS IN RIO DE


JANEIRO: THE DISORDER BETWEEN THE CONCEPTION AND THE
ACCOMPLISHMENT OF DWELLING PROGRAMMES IN THE GOVERNMENTS OF
LEONEL BRIZOLA AND MOREIRA FRANCO (1983–1995)

Gabriela Klôh Müller Neves

Orientadora: Eli Diniz

Dissertation abstract of Master’s degree concerning to the Postgraduation


Program in Political Science, Philosophy and Political Science Institute, from the
Federal University of Rio de Janeiro, as part of the necessary requirements to the
achievement of Master’s Degree in Political Science.

The slums are known as an archaic problem on the dynamics of Rio


urbanization. Along these hundred years of life, they had a disordered
increase, as purpose of some initiatives taken by the State in order to
face, at least partially, the problems they represented. The urban plans and rules
used to place them out of the urban legality. The present dissertation intends,
through the planning observation and politics conception directed to popular
habitation, to identify the probable causes of discontinuities relating to the
accomplishment of dwelling programmes in Rio de Janeiro city, on the first and
second governments of Leonel Brizola, particularly among the years of 1983 – 1987
and 1991 – 1995, and the government of Moreira Franco, 1987 – 1991. For that,
the research should come back to the history and literature of slums, raising the
main dwelling programmes in their political contexts, seeking for answers about the
potencial power to decide paralysis which produces a real difficult situation between
the conception and the accomplishment of these programmes.

Key words: slum; dwelling politics; Leonel Brizola; Moreira Franco; bureaucracy;
political institutions;

Rio de Janeiro
Dezembro de 2007
v

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a minha família: Volnei, Angela, Gustavo,

Cristina, Paulo, Mariana, Eduardo, Sergio, Catia, Vitor e Luisa. Sem o seu apoio

nada seria possível.

Agradeço aos professores José Ricardo Ramalho e Ingrid Sarti por me

inspirarem e motivarem na carreira das Ciências Sociais, e conseqüentemente na

Ciência Política.

À professora Eli Diniz, que me inspira e orienta com tanta sabedoria. Aos

professores: Maria Lucia T. Werneck Vianna e João Trajano Sento-Sé, por

aceitarem participar da banca de defesa da dissertação e pelo apoio. Agradeço

também, a todos os professores que participaram da minha formação na Pós-

Graduação em Ciência Política do IFCS/UFRJ.

Muito obrigada aos amigos que tanto me incentivaram e sempre acreditaram

em mim: André, Agatha, Alina, Bianca, Bruno, Elim, Débora, Flavia, Fernanda,

Gustavo, Lia, Luisa, Nabuco, Nathália, Farrah, Thiago, aos amigos da turma 2005, e

tantos outros que sempre estiveram ao meu lado me apoiando.

E por fim, agradeço a todos os pensadores, pesquisadores e personalidades

da Ciência Política por tornaram este trabalho possível, e por iluminarem a minha

vida com suas idéias, conceitos e filosofias, mostrando a todo o momento, que nem

tudo é o que parece ser.


vi

A Meus Pais,
pelo apoio e pela confiança.
vii

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AID – Agência Internacional de Desenvolvimento.


ALEG – Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara.
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.
BIRD – Banco Mundial.
BNH – Banco Nacional de Habitação.
CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos.
CEF – Caixa Econômica Federal.
Cehab–RJ - Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro.
Cetel – Companhia Estadual de Telefones.
Chisam – Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do
Grande Rio.
CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.
CIDE – Centro de Informações e Dados do Estado do Rio de Janeiro.
CIEP – Centros Integrados de Educação Pública.
Codesco – Companhia de Desenvolvimento das Comunidades.
Cohab – RJ – Companhia de Habitação do Estado do Rio de Janeiro.
Coophab-GB – Cooperativa Habitacional do Estado da Guanabara.
DFL – Fundo de Empréstimo para o Desenvolvimento.
DHP – Departamento de Habitação Popular.
FAL – Fundo de Assistência à Liquidez.
Famerj – Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro.
FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional.
FCP – Fundação da Casa Popular.
FCVS – Fundo de Compensação das Variações Salariais.
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos.
Fundhap – Fundo de Desenvolvimento da Habitação Popular.
Fundrem – Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana.
GEROE – Grupo Executivo de Recuperação e Obras de Emergência.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística.
IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão.
Iapfesp – Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados dos
Serviços Públicos.
IPEG – Instituto de Previdência do Estado da Guanabara.
Iplanrio – Instituto de Planejamento do Rio de Janeiro.
IPMF – Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras.
viii

IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional.


IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.
MBES – Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social.
MDB – Movimento Democrático Brasileiro.
MDU – Ministério do Desenvolvimento Urbano e meio Ambiente.
MHU – Ministério de Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente.
Novacap – Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil.
PAIH – Plano de Ação Imediata para a Habitação.
PCB – Partido Comunista Brasileiro.
PDS – Partido Democrático Social.
PDT – Partido Democrático Trabalhista.
Planhap – Plano Nacional de Habitação Popular.
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro.
PNB – Programa Nova Baixada.
PRN – Partido da Reconstrução Nacional.
Proface – Programa da Cedae de construção de redes de água e esgoto nas
favelas.
Promorar – Programa de Erradicação e Subhabitação.
PT – Partido dos Trabalhadores.
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro.
Salte – Saúde, Alimentação, Transporte e Energia.
SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
SEAC – Secretaria Especial de Habitação e Ação Comunitária.
Secplan – Secretaria de Planejamento e Controle.
Sedec – Secretaria de Estado de Defesa Civil.
Sehaf – Secretaria de Habitação e Assuntos Financeiros.
Serfha – Serviço Especial de Recuperação de Favela e Habitações Anti-higiênicas.
Serfhau – Serviço Federal de Habitação e Urbanismo.
Serla – Secretaria Estadual de Rios e Lagoas.
Sifhap – Sistema Financeiro de Habitação Popular.
SETH – Secretaria do Estado de Trabalho e Habitação.
SFH – Sistema Financeiro de Habitação.
SPH – Superintendência de Política Habitacional.
Sursan – Superintendência de Urbanização e Saneamento.
Telerj – Telecomunicações do Estado do Rio de Janeiro.
USAID – United States Agency for International Development.
ix

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Número de votos nas eleições de 1982 por candidato 72

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: História da urbanização da cidade do Rio de Janeiro: ações federais,

estaduais e municipais 45

Quadro 2: Síntese do processo de favelização da cidade do Rio de Janeiro 62

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Crescimento da população do estado e da cidade do Rio de Janeiro 62

Tabela 2: Crescimento da população favelada, por década, na cidade do Rio de

Janeiro 62

Tabela 3: Programa “Cada Família, Um Lote” – regularização de propriedades.

Levantamento até Setembro de 1985 99

Tabela 4: Número de lotes titulados por favelas 100

Tabela 5: Cada ano / total de lotes 101

Tabela 6: Produção Cehab-RJ – décadas de 60, 70 e 80 107

Tabela 7: Porcentagem de votos dos candidatos do PDT, Leonel Brizola e

Darcy Ribeiro, às eleições de 1982 e 1986, por região fluminense 110

Tabela 8: Porcentagem de votos de Darcy Ribeiro e Moreira Franco por região

(1986) 110

FLUXOGRAMA

Programa “Cada Família, Um Lote” 85

ORGANOGRAMA

Organograma do governo do estado no Projeto Reconstrução-Rio 142


x

SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo 1. Uma breve viagem à história e literatura sobre os


processos de urbanização e favelização no município do
Rio de Janeiro (1902-1982) 23

A evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro


A Reforma Passos (1902-1918)
Os anos 1920 e 1930
Presidência de Getúlio Vargas e o Golpe do Estado Novo (1930-1945)
Os governos democráticos de 1945-1964
O Segundo mandato de Getúlio Vargas (1951-1954)
Presidência de Juscelino Kubitscheck (1956-1965)
O estado da Guanabara: a conjuntura da metrópole carioca nos anos 1960
Governo Negrão de Lima e o Regime Militar (1965-1970)
Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e o fim do Regime
Militar (1975-1979)

Governo Chagas Freitas (1979-1983)


Considerações finais do capítulo 1

Capítulo 2. O primeiro governo Leonel Brizola no estado do


Rio de Janeiro: efeitos sobre a cidade (1983-1987) 67

As Eleições de 1982: contexto


Brizola Governador (1983-1987)
O período das invasões
Objetivos e Programas do governo Brizola (1983-1987)
O Programa “Cada Família, Um Lote”
Outros Programas do Governo Brizola: infra-estrutura
Resultados do governo e avaliação das políticas urbanas
Resultados e avaliação do Programa “Cada Família, Um Lote”
Considerações finais do capítulo 2
xi

Capítulo 3. O governo Moreira Franco: início da descontinuidade


de programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro(1988-1991) 106

Contexto das Eleições de 1986

Diretrizes do Governo Moreira Franco: Habitação

Programas Habitacionais e Áreas de Atuação do Governo

Governo Moreira Franco (1987-1991)

Projeto Reconstrução-Rio (1988-1991)

Considerações finais do capítulo 3

Capítulo 4. Instituições políticas e processos decisórios:


um debate sobre a concepção e a implementação
de programas habitacionais durante o segundo governo
Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1991-1995) 131

Quadro político nacional: Eleições Presidenciais de 1989

A situação habitacional no início dos anos 1990

As eleições estaduais de 1990

Segundo Governo Brizola: Projeto Reconstrução-Rio (1991-1995)

Papel das Instituições e da Burocracia Estatal na implementação

de programas habitacionais no estado do Rio de Janeiro

Uma breve passagem pelo programa Favela-Bairro

Considerações finais do capítulo 4

Considerações finais 168

Referências bibliográficas 188

Anexo 1 195

Anexo 2 207

Anexo 3 209
Introdução

Vê legal que há mais favela do que bairro


e agora os bairros tão dentro da favela
Vê legal então... já não é alguma pobreza
dentro de muita riqueza
agora é alguma riqueza dentro de muita pobreza
Vê legal então, se favela hoje é regra
então se bairro é exceção. 1

Em 1998 cheguei à cidade do Rio de Janeiro, para cursar Ciências Sociais na

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi o primeiro grande passo rumo ao

futuro. Da cidade maravilhosa, conhecia apenas o centro. Ao descer a serra e

chegar à cidade, uma imagem marcou minha memória: a Favela da Maré. Nunca

tinha visto de perto o problema real da habitação e da completa falta de infra-

estrutura, em que a população carente do Rio se encontrava. Com o passar dos

anos, conheci a fundo a cidade e pude presenciar a completa ausência de políticas

de cunho social, que atendessem principalmente as classes mais pobres da

população.

Após me formar no ano de 2003, recebi o convite para trabalhar como

consultora num projeto que visava elaboração de relatórios sobre a situação

econômica, política e social em diversas favelas em toda cidade, através da

avaliação de questionários que seriam aplicados na comunidade e em suas

lideranças locais. Infelizmente o trabalho não se concretizou na época, mas foi

definitivo na minha escolha do tema.

Com vistas a ingressar no Mestrado em Ciência Política, comecei a

amadurecer a idéia de me envolver em algum trabalho que contribuísse, de alguma

forma, para futuras análises sobre o problema das favelas na cidade. Ao ler alguns

autores que tratam do tema, percebi uma carência no quesito ineficácia das

políticas públicas de habitação do governo para comunidades de baixa renda.

O Rio de Janeiro apresenta singularidades naturais que definem sua

evolução. De frente para a entrada da Baía de Guanabara, a cidade cresceu a partir

1
Poema Regras e Excreções, de Deley de Acari.
dali, como centro do poder político-capital do Vice-Reino, do Reino, do Império e da

República. Circunstâncias históricas e geográficas que imprimem particularidades à

sua organização territorial. A proximidade entre diferentes estratos sociais é

característica da cidade desde a sua fundação. Além da falta de solo edificável, o

Rio sofria da falta de políticas públicas voltadas às populações de baixa renda,

levando os mais pobres a se aglomerarem. Desta forma, a cidade se justapôs, se

amontoou, multiplicando quartos em cima de quartos, escravos e senhores

dividindo a mesma casa, trabalhadores e patrões a mesma vizinhança.

As favelas surgiram no Rio de Janeiro, no final do século XIX. São lugares

onde habitam irregularmente as populações pobres da cidade. Até hoje, a maioria

dos habitantes das favelas não tem a posse do terreno e vive com medo da

desapropriação. Acrescenta-se, ainda, que a pobreza estava vinculada à

precariedade legal.

Embora, hoje, o poder público procure um discurso não estigmatizante,

devido às próprias demandas democráticas, dos movimentos sociais e de novos

atores sociais oriundos das favelas, ainda se percebe uma intervenção autoritária e

segregadora sobre o espaço da favela e sobre a vida dos seus moradores. O estudo

da arrumação do espaço urbano no Rio de Janeiro, relatado brevemente nesta

pesquisa, possibilita-nos o entendimento da construção de espaços diferenciados e

estigmatizados na cidade. Embora não haja consenso na literatura sobre a favela

em relação ao seu surgimento, muitos especialistas afirmam que esta começou nos
2
anos 1920 do século XX.

As favelas são reconhecidas como um problema secular na dinâmica da

urbanização carioca. Ao longo desses 100 anos de vida, cresceram de forma

desordenada, tendo sido objeto de algumas iniciativas do poder público no sentido

de enfrentar o desafio que representavam para a sociedade carioca. Os planos e

regulamentos urbanísticos as colocavam fora da legalidade urbana, recomendando

2
FERRAZ, J. As reformas do espaço urbano e o lugar da pobreza, 2005: 1.
a sua remoção, sob argumentos inspirados, principalmente no sanitarismo e

também em aspectos estéticos e funcionais.

O tema da favela inicialmente foi tratado, nas Ciências Sociais, como um

vasto terreno para estudos acerca do desenvolvimento da marginalidade, assim

como estudos sobre o mercado de trabalho, a migração, o aumento populacional

das metrópoles, que desencadeou no aumento dos índices de desemprego e de

habitações informais.

Entre os anos 1960 e 1970, uma gama de autores, entre eles John Turner,

Anthony Leeds, Elizabeth Leeds, Janice Perlman, Milton Santos, Luiz Antonio

Machado da Silva, Carlos Alberto de Medina, Licia do Prado Valladares, entre

outros, abordaram o tema da favela, questionando principalmente as teorias sobre

marginalidade e as políticas de erradicação, características do período anterior. Na

década de 1970, os estudos são direcionados para o âmbito das políticas públicas, a

crítica ao autoritarismo e à análise dos impactos da política de construção de

conjuntos habitacionais, no qual também se destacaram autores como Gisélia

Grabois e Linda Gondim.

Nos anos 1980, o debate teórico se desenvolveu entre os significados reais

da autoconstrução e do “bem-moradia” no quadro do processo de acumulação

capitalista, em que se destacam os autores Carlos Nelson Ferreira dos Santos e

Ermínia Maricato. Nesta década, os estudos sobre favelas situaram-se no âmbito

das políticas públicas, também associados aos movimentos sociais urbanos e à

institucionalização democrática. Durante todo este período o debate foi marcado

pela implementação de novas práticas relacionadas à busca de formas

democráticas de gestão e de barateamento de custos, assim como, estudos de caso

sobre experiências de autoconstrução e de gestão participativa, como destaca a


3
autora Maria Lais Pereira da Silva.

3
SILVA, M. Favelas Cariocas, 1930-1964, 2005: 16.
Nos anos 1990, os trabalhos desenvolvidos sobre as favelas passam a se

dirigir à questão da violência urbana, do crime organizado e suas conseqüências,

com destaque para autores como Alba Zaluar, assim como o tema da organização

interna das favelas, seus novos significados e implicações espaciais e territoriais, a

degradação ambiental, integração e diversidade cultural, havendo por fim uma

retomada da favela como objeto das políticas públicas, destacando-se autores como

Licia do Prado Valadares e Pedro Abramo. 4

Ao realizar uma retomada desta bibliografia, é possível constatar que o

problema da favela está longe de ser solucionado. Contudo, foi nos estudos das

políticas públicas de habitação, que encontrei a mais vasta bibliografia,

principalmente nos centros de pesquisa política e urbana, onde encontrei meu

primeiro objeto de estudo: o programa “Cada Família, Um Lote”, implantado no

primeiro governo Brizola (1983-1987). No Instituto de Pesquisa e Planejamento

Urbano Regional, o Ippur, levantei a maior parte da bibliografia necessária entre

teses, monografias, dissertações, cadernos, folhetos e livros. Outras bibliotecas

como as da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC, do Instituto

Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, o IUPERJ, na Fundação Getúlio Vargas,

foram consultadas. Estas bibliotecas ofereceram uma vasta coleção de obras que

enriqueceram o debate sobre as políticas públicas, do governo do estado, voltadas

para as classes menos favorecidas da sociedade, revelando o papel da burocracia,

das instituições, dos governantes e da sociedade, no processo de implementação

dos programas habitacionais, com ênfase na cidade do Rio de Janeiro.

Os programas de habitação popular desta pesquisa foram levantados no

nível municipal, estadual e federal. Porém, a escolha da ênfase nos governos

estaduais como fonte de pesquisa se deu principalmente, devido ao mais ambicioso

dos planos habitacionais, elaborado para o estado e para a cidade do Rio de Janeiro

―o Programa “Cada Família, Um Lote”, implementado durante o primeiro governo

Leonel Brizola (1983-1987). No estado do Rio de Janeiro, a eleição de Leonel

4
Idem: 18.
Brizola em 1982 criou grande expectativa em relação ao atendimento às

necessidades básicas das populações carentes, devido ao anúncio de que na área

habitacional seria implementado o Programa “Cada Família Um Lote”, com a meta

de distribuir 1 milhão de lotes urbanos, suburbanos e rurais num prazo de 5 anos,

como veremos no decorrer do trabalho.

Visto estes fatores, e tendo em mente a importância da retomada de

questões do passado para se compreender o problema recente da explosão de

favelas na cidade do Rio de Janeiro, a história da concepção e implementação dos

programas habitacionais voltados para a população carente será contada nesta

dissertação, percorrendo quase todo o século XX (1902-1995). Na busca de fatores

que indiquem, como foi frisado anteriormente, as possíveis causas das

descontinuidades existentes na implementação destes programas, o período

escolhido é muito longo. Nestes 93 anos o Rio de Janeiro teve 3 Governadores do

atual estado do Rio de Janeiro (1975-1991): Chagas Freitas, Leonel Brizola, Moreira

Franco e novamente Leonel Brizola; 27 prefeitos do Rio de Janeiro enquanto

Distrito Federal; 5 Governadores da Guanabara; 8 Prefeitos da cidade do Rio de

Janeiro; 37 governantes do período republicano (1889-1975); e 28 Presidentes da

república, dentre eles 6 militares. Devido à impossibilidade de relizar um trabalho

completo sobre a atuação de cada um dos representantes, somente alguns deles,

que se destacaram no cenário da elaboração de políticas públicas de habitação e

infra-estrutura, voltadas para as populações carentes, foram selecionados.

O recorte temporal de destaque da pesquisa foi determinado —período que

antecede o Programa “Cada Família, Um Lote” e o período posterior ao Programa

(1982-1991)— e os representantes de governo ligados diretamente a este período

tiveram sua trajetória de elaboração e implementação de políticas públicas de

habitação e infraestrutura postas em evidência, já que estas políticas estão

diretamente ligadas à essa imensa teia de muitos planos e pouca ação, do qual

queremos tratar.
Para ilustrar, mais claramente, a proposta desta pesquisa, o trabalho foi

dividido em quatro capítulos: Capítulo 1, Uma breve viagem à história e literatura

sobre os processos de urbanização e favelização no Rio de Janeiro (1902-1982);

Capítulo 2, O primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1983-

1987): efeitos sobre a cidade; Capítulo 3, O governo Moreira Franco: início da

descontinuidade de programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro; Capítulo

4, Instituições políticas e processos decisórios: um debate sobre a concepção e a

implementação de programas habitacionais durante o segundo governo Leonel

Brizola no estado do Rio de Janeiro (1989-1995).

No Capítulo 1, foi realizada uma viagem à história e literatura sobre os

processos de urbanização e favelização do município do Rio de Janeiro. Trata,

principalmente, da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, através,

primeiramente, da Reforma Passos (1902-1918), observando a atuação dos

governos federal, estadual e municipal nos anos 1920 e 1930. Em seguida, revela

as transformações ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, e no Brasil, em

decorrência do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Parte, então, para

o estudo dos governos democráticos de 1945-1964, abrangendo o segundo

mandato de Getúlio Vargas (1951-1954) e a presidência de Juscelino Kubitscheck

(1956-1965). Neste capítulo é descrita a conjuntura da metrópole carioca nos anos

1960, quando Estado da Guanabara, assim como, no governo Negrão de Lima e no

Regime Militar (1965-1970). O capítulo 1 se encerra com a fusão dos Estados da

Guanabara e do Rio de Janeiro; o fim do Regime Militar (1975-1979); e o Governo

Chagas Freitas (1979-1983). O propósito desta etapa da pesquisa é situar em que

circunstâncias políticas, sociais e econômicas, Leonel Brizola assume o governo do

estado do Rio de Janeiro, em 1983, para assim, caracterizar sua política, dentro de

um contexto mais amplo de políticas públicas em desenvolvimento.

O capítulo 2 focaliza o primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de

Janeiro (1983-1987), inicia-se a trajetória de análises de políticas públicas de

habitação, realizadas pelo governo do estado, focando principalmente sua ação na


cidade do Rio de Janeiro. Para uma melhor compreensão deste processo, foi

observado o contexto das eleições para governador do estado do Rio de Janeiro em

1982; o desenrolar dessas eleições até a escolha popular por Leonel Brizola, e, em

seguida, a sua gestão e os respectivos programas apresentados em seu plano de

desenvolvimento econômico e social (1983-1987), com ênfase no Programa “Cada

Família, Um Lote”; o período das invasões na cidade do Rio de Janeiro; e, por fim,

este capítulo realizou uma breve avaliação dos resultados tanto do Programa “Cada

Família, Um Lote”, quanto do governo, no que se refere às políticas públicas de

habitação popular. O objetivo deste capítulo é mostrar como, no início dos anos 80,

depois da falência das políticas de remoção e recolocação de moradores para a

periferia da cidade, as favelas passaram a ser palco de projetos de urbanização

que, muitas vezes, faziam parte de uma política governamental maior. Lidando, em

geral, com saneamento e regularização fundiária, tais projetos tiveram efeitos

diversos, como a expansão das atividades locais de geração de renda.

O capítulo 3 focaliza o governo Moreira Franco: início da descontinuidade de

programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro aborda, além do contexto das

eleições para governador do estado do Rio de Janeiro, em 1986, as diretrizes do

governo Moreira Franco, no que se refere à habitação, assim como, alguns

programas habitacionais e as áreas de atuação do governo. O objetivo deste

capítulo é identificar os principais problemas quanto à implementação de novos

programas e a descontinuidade dos programas desenvolvidos no governo anterior.

O capítulo também privilegia em sua análise o Projeto Reconstrução-Rio (1987-

1991). O Projeto Reconstrução-Rio foi concebido originalmente em 1988, como um

projeto emergencial. O projeto visava a recuperar rapidamente as áreas destruídas

pela grande enchente ocorrida em Fevereiro daquele ano, além de realizar obras de

prevenção contra futuras enchentes, principalmente na Região Metropolitana do Rio

de Janeiro. Previsto para ser executado em 4 anos, o projeto levou mais que o

dobro de tempo para ser concluído. Institucionalmente contou, tanto no âmbito do

planejamento quanto na gestão e execução de cada um de seus aspectos, com


diferentes órgãos financeiros —Banco Mundial (BIRD), Caixa Econômica Federal

(CEF) e Governo do Estado— envolvendo direta e indiretamente órgãos


5
governamentais federais, do estado e dos municípios diretamente beneficiados.

O capítulo 4 de nome Instituições políticas e processos decisórios, apresenta

um debate sobre a concepção e a implementação de programas habitacionais

durante o segundo governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro (1991-

1995). Inicia-se com a contextualização do quadro político nacional e as eleições

presidenciais de 1989. Em seguida, faz um levantamento da situação habitacional

no início dos anos 1990. O capítulo também contextualiza as eleições

governamentais de 1990, e a conseqüente reeleição de Leonel Brizola (1991-1995).

Na área da habitação, o capítulo continua o debate sobre as ações do Projeto

Reconstrução-Rio, no governo Brizola, observando, ao longo dos anos, o papel das

instituições e da burocracia estatal na implementação de programas habitacionais

(1983-1995). Assim, em sua fase final, o capítulo 4 debate o tema da

descontinuidade nas políticas de habitação na cidade do Rio de Janeiro, à luz do

descompasso existente entre a concepção e implementação de programas

habitacionais, voltados para a população de baixa renda, principalmente no local

onde a crise habitacional é mais aguda em todo o estado, a cidade do Rio de

Janeiro. Apesar da pesquisa estar voltada para as ações do governo do estado, a

cidade do Rio de Janeiro destacou-se no período analisado, por receber maior

número de programas habitacionais, advindos também da prefeitura da cidade,

fazendo com que esta se destacasse em relação as demais cidades do estado.

A presente pesquisa visa, através do estudo dos programas habitacionais

implementados entre os anos de 1983 e 1995, desvendar algumas causas da

descontinuidade destes programas. Para isso, no capítulo 4 elaborou-se uma

análise das principais dificuldades vivenciadas, ao longo destes 12 anos e três

5
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública: o Projeto Reconstrução-Rio do Governo do Estado do Rio de Janeiro:
24.
gestões, quanto à implementação de tais programas, observando o papel da

burocracia técnica estatal e o papel das instituições ligadas a este processo.

O que se pretende é investigar o descompasso entre a concepção e a

implementação dos programas habitacionais voltados para a população de baixa

renda. Por quê afinal os programas não se concretizam da maneira como foram

planejados? Quais são as verdadeiras razões para estas descontinuidades nos

programas de habitação para a população de baixa renda? Quais são as possíveis

barreiras a serem quebradas para que os programas sejam contínua e efetivamente

implantados no estado e na cidade do Rio de Janeiro? Para enriquecer este debate,

além de outros autores, dialoguei com Max Weber e os autores Marcus André de

Melo, Marcelo Baumann, Rose Compans, Laura Mancini, entre outros.

Nas considerações finais, retomo o debate, com diversos autores, acerca das

dificuldades encontradas pelos governos Leonel Brizola e Moreira Franco, na

implementação dos Programas “Cada Família, Um Lote” e o projeto Reconstrução-

Rio, e seus respectivos programas de infra-estrutura. Para isso, desenvolvo um

diálogo entre os autores sobre a produção da habitação, observando os entraves

burocráticos e institucionais, destacando em quais pontos os programas falharam,

tanto em sua concepção quanto em sua implementação, sugerindo algumas

mudanças.

A metodologia aplicada foi levantamento da bibliografia em diferentes

bibliotecas e universidades; levantamento dos principais programas de habitação

entre os anos 1902-1985; levantamento dos Planos de Desenvolvimento Econômico

e Social do Estado do Rio de Janeiro 1980-1983: Governo Chagas Freitas, 1984-

1987: Governo Leonel Brizola, 1988-1991: Governo Moreira Franco; pesquisa

histórica sobre a evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro; extensa pesquisa de

autores em diferentes revistas na internet; entrevistas em jornais e revistas; e

coleta de dados no inventário da ação governamental da Financiadora de Estudos e

Projetos - Finep.
Capítulo 1

Uma breve viagem à história e literatura sobre os processos de


urbanização e favelização no município do Rio de Janeiro
(1902-1982)

No início do século XX, a industrialização autárquica, de caráter urbano 1 , teve de

garantir as condições de reprodução de uma parcela da força de trabalho via

construção de vilas operárias, assegurando uma força de trabalho cativa. A

industrialização, no Brasil, teve de ser inteiramente urbana com taxas de

urbanização além das necessidades de preenchimento dos postos de trabalho. A

intervenção do Estado foi fundamental na redefinição do padrão de acumulação e

industrialização, pela incapacidade da burguesia nacional em dar conta das novas

necessidades antepostas à aceleração do processo de acumulação. A

regulamentação das relações capital-trabalho pelo Estado, levou ao surgimento de

um novo urbano e criou um novo mercado de força de trabalho, antes cativa.

Através da articulação do novo processo de acumulação pelo Estado permitiu o

surgimento de novas relações de produção, reforçando a interação entre a indústria


2
e o urbano e elevando as taxas de urbanização.

A evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro no decorrer do período 1906-

1930 reflete claramente as contradições existentes no sistema político e econômico

do país naquela época. É possível constatar que, neste período, os governos da

União e do Distrito Federal, representantes da classe dominante, atuavam

preferencialmente na esfera do consumo, incentivando a continuidade do processo

de renovação urbana da área central e de embelezamento da Zona Sul da cidade,

enquanto, sem qualquer apoio do Estado, as indústrias se multiplicavam na cidade,

expandindo-se para os subúrbios, criando novas áreas, dotando-as, precariamente,

1
Devido à inexistência de uma rede urbana e uma divisão territorial e social do trabalho
diversificada que a ligasse ao campo como na Europa do século XVIII e XIX, dado o caráter
auto-suficiente da produção agrícola voltada para a exportação (CLAVAL, 1979; OLIVEIRA,
1982).
2
LIMONAD, Os lugares da urbanização: o caso do interior fluminense, 1996: 117.
de infra-estrutura e gerando empregos. Estes empregos atraem mão-de-obra

numerosa, que tanto se instala nos subúrbios, como também acaba por originar as
3
favelas próximas a essas áreas. A partir daí, Centro, Zona Sul e subúrbios

começaram a se desenvolver de forma diferente, porém com a mesma

necessidade: a acumulação de capital. Desta forma, a cidade se justapôs, se

aglomerou, multiplicando quartos em cima de quartos, trabalhadores e patrões na

mesma vizinhança. Forças divergentes cresciam no mesmo espaço, acentuando as

contradições de tal forma que se tornara imperativa a intervenção do poder político

sobre o processo de crescimento da cidade como um todo, moldando-o de acordo


4
com seus interesses. A proximidade entre diferentes estratos sociais é

característica da cidade desde a fundação. Além da falta de solo edificável, o Rio

sofria da falta de políticas públicas voltadas às populações de baixa renda, levando

os mais pobres a se aglomerarem.

A Reforma Passos (1902-1918)

A cidade do Rio de Janeiro passou por um primeiro projeto de reestruturação

urbana: a Reforma Passos, em vigor nos anos de 1902 a 1906, porém, seu desenho

inicial foi elaborado em 1874. O rascunho do primeiro plano urbanístico do Rio de

Janeiro foi feito ainda no II Reinado, pela Comissão de Melhoramento da Cidade,

nomeada pelo Imperador, em 27/05/1874. Esta Comissão foi encarregada de criar

a Carta Cadastral. A cidade do Rio de Janeiro era a mais desenvolvida do país,

devido ao sucesso da lavoura do café. Um dos seus idealizadores foi o engenheiro

Francisco Pereira Passos. Seu principal objetivo era fazer uma "cirurgia" em toda a

cidade, a fim de higienizá-la, acabando com a epidemia de febre amarela e, ao

mesmo tempo, traçar um novo alinhamento das praças, ruas e casas, em diversos

bairros da cidade, para facilitar a circulação de mercadorias e de pessoas e o

embelezamento da cidade. Devido à ausência de um financiamento para um

3
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 72.
4
Idem: 73.
investimento, este projeto fracassou. Após a Proclamação da República, no governo

Rodrigues Alves, ocorreu a primeira reforma urbana do Rio de Janeiro, sob a

intervenção do Estado. Neste período, Pereira Passos foi escolhido prefeito do Rio

(1902-1906). Seu primeiro ato foi reorganizar a antiga Comissão da Carta

Cadastral, da qual fez parte, e aproveitar a maioria das propostas deste projeto de

1874 para o plano de remodelação, na sua gestão. A população pobre foi retirada
5
dos cortiços no centro e levada para lugares afastados da cidade.

A Reforma Passos representa uma alteração substancial do padrão de

evolução urbana que seria seguido pela cidade no século XX. Tal Reforma

representa também um momento de corte na relação entre estado e urbano, onde

o primeiro passa a intervir diretamente sobre o segundo levando à transformação

acelerada da forma da cidade, tanto em termos de aparência, ou seja, morfologia

urbana, como de conteúdo, isto é, a separação de usos e classes sociais no espaço.

Contudo, a longo prazo, as conseqüências foram graves. O Estado agora atua sobre

um espaço cada vez mais dividido entre bairros burgueses e proletários, e ao

privilegiar o primeiro grupo, acelera o processo de estratificação espacial,

contribuindo para a consolidação de uma estrutura núcleo/periferia que perdura até


6
os dias de hoje.

O período entre 1917 e 1918 foi extremamente benéfico ao crescimento

industrial do Rio de Janeiro. Conseqüentemente, observa-se uma intensificação da

atividade fabril, beneficiada principalmente pelo novo porto do Rio de Janeiro.

Nesta fase, houve um primeiro fluxo de grande capital industrial em direção aos

subúrbios. O desenvolvimento industrial da cidade, nessa época, ocorre sem apoio

do Estado, e em pouco tempo o índice de migração para os novos bairros aumentou

consideravelmente. Em decorrência deste fato, as freguesias suburbanas —onde

5
Ver FERRAZ, Joana D’Arc Fernandes. As reformas do espaço urbano e o lugar da pobreza.
XXIII Simpósio Nacional de História. Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 17 a 22 de
Julho de 2005: 2-3.
6
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 74.
através da iniciativa de inúmeros loteadores, vendiam-se terrenos e moradias a

preços módicos —apresentaram uma taxa de crescimento maior do que aquela das
7
freguesias urbanas.

Os anos 1920 e 1930 para a cidade do Rio de Janeiro.

Em decorrência destes fatos, na década de 1920 surge a idéia de se ter um plano

urbanístico para a cidade. O plano fora elaborado, mas nunca implementado,

devido ao novo momento de organização social da cidade e do país, iniciado em

1930.

Na década de 1920 intensifica-se a primeira expansão das favelas na cidade.

A partir desta década a favela é problematizada, assumindo os contornos de uma

questão social, embora envolvida ainda com a questão higienista. O

desenvolvimento dos setores secundário e terciário da economia, aliado a um

processo de industrialização bastante incipiente, suscita novos contornos urbanos.

A fim de abrir o acesso para mercadorias e serviços, iniciam-se as grandes obras

públicas. Neste contexto, surge o Plano Agache, elaborado por um grupo de

técnicos e urbanistas estrangeiros, chefiados pelo urbanista francês Alfred Agache,


8
a pedido do prefeito Antonio Prado Junior (1926-1930).

Este plano constitui o exemplo mais importante da tentativa da classe

dominante da República Velha de controlar o desenvolvimento da forma urbana


9
carioca, já por demais contraditória. A partir deste Plano foi elaborado o Código

de Obras da Cidade, de 1937. Este documento tinha como objetivo principal a

erradicação das favelas, e o impedimento à construção de novas moradias nas

áreas das favelas ou impossibilidade da melhoria das existentes. O Plano se

constitui, na verdade, no documento oficial a tratar explicitamente dessa nova

7
Idem: 79-80.
8
Nunca foi cumprido em sua totalidade. Seu projeto só foi concluído em 1930, ano do golpe.
Ver REIS, José de Oliveira. O Rio de Janeiro e seus Prefeitos. Evolução urbanística da cidade.
Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1977: 90.
9
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 86.
10
forma de habitação popular, que proliferava na cidade. O Plano Agache pretendia

transformar o Rio de Janeiro segundo critérios funcionais e de estratificação social

do espaço. Apesar de o Plano sugerir que o Estado assuma um papel mais ativo na

reprodução da força de trabalho industrial dos subúrbios, através do barateamento

dos custos via programas habitacionais e adoção de políticas setoriais específicas,

pretende, na verdade, controlar este processo de reprodução, assegurando a


11
separação espacial das classes sociais.

Jaime Benchimol descreve que até os anos 20 do século passado, toda a

política relacionada às habitações das populações de baixa renda (seja os antigos

cortiços, as recentes favelas ou as habitações precárias nos morros e encostas)

resume-se à busca pela sua eliminação ou à transferência dos pobres para longe,

onde não pudessem ser vistos. Prevalecia a visão de que pobreza era sinônimo de
12
doença e de fraqueza moral.

Nos anos 20 e 30 deste século, as favelas são consideradas como manchas

na paisagem urbana da cidade, sendo invariavelmente recomendada a sua

extinção. Os planos e regulamentos urbanísticos as colocavam fora da legalidade

urbana, recomendando a sua remoção, sob argumentos inspirados, principalmente,

no sanitarismo, mas também em aspectos estéticos e funcionais.

A carência habitacional do Estado do Rio de Janeiro, nesta época, espelha

um problema de caráter mundial dos mais característicos: o rápido crescimento dos

grandes centros urbanos, face à transferência da mão-de-obra do setor primário

para os setores secundário e terciário da economia, resultante do processo de

industrialização. No Brasil, este fenômeno fez-se sentir mais agudamente em

decorrência de sua economia encontrar-se em estado de mudança, crescimento e

adequação à capacidade produtiva de sua população. É claro que a urbanização no

10
Idem: 87.

11
Idem: 90.
12
Ver BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical, 1992: 137-141.
Brasil não foi deflagrada apenas com o advento da industrialização. Vale salientar

que nos primeiros anos da década de 1930 a industrialização decorreu,

indiretamente, de medidas adotadas em defesa do setor cafeeiro. Porém, este

processo contribuiu para a redefinição qualitativa do urbano, e comandou as

modificações na divisão social e territorial do trabalho, adequando o espaço às suas

necessidades e, conseqüentemente, redefinindo o caráter da urbanização e das


13
relações entre a cidade burocrático-comercial e o campo agro-exportador.

Como foi dito anteriormente, a Revolução de 30 impediu que a

implementação do Plano se concretizasse. O Plano teria que se adequar às novas

contradições decorrentes do novo momento de organização social que se

implantava no país, superando as contradições da República Velha. Contudo, o

Código de Obras colaborou para tornar a favela juridicamente ilegal.

Em suma, este período caracterizou-se pela expansão notável do tecido

urbano do estado do Rio de Janeiro, processo esse que se efetuou de maneira

distinta. De um lado, a ocupação das Zonas Sul e Norte pelas classes média e alta

intensificou-se comandada pelo Estado e pelas companhias concessionárias de

serviços públicos. De outro, os subúrbios cariocas e fluminenses se solidificaram

como local de residência do proletariado, sem qualquer apoio do Estado ou das

concessionárias de serviços públicos, o que resultou em uma paisagem


14
caracterizada pela ausência de benefícios urbanísticos.
15
Segundo Lucia Lippi de Oliveira , o Plano Agache serviu de orientação para

todos os projetos urbanísticos até a década de 60 do século XX —quando este foi

substituído por um novo plano para a cidade, o Doxiadis 16 , na gestão Carlos

13
LIMONAD, E. Os lugares da urbanização: o caso do interior fluminense, 1996: 116-118.
14
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 82.
15
OLIVEIRA, L. Cidade, hHistória e desafios, 2002: 162.
16
O Plano Doxiadis propunha a descentralização urbana a ser realizada a partir de uma
estrutura polinucleada, desenvolvida em relação a dois eixos dominantes: o eixo norte-sul,
de penetração metropolitana, e o eixo leste-oeste, que acompanhava a linha férrea
coincidente no plano com a linha do metropolitano preposto. Ver SANTOS, A.P. Economia,
espaço e sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 48.
Lacerda —e se constituiu inclusive na mola mestra do novo regime que Getúlio

Vargas implanta no país, conforme será analisado a seguir.

Presidência de Getúlio Vargas e o Golpe do Estado Novo (1930-1945)

A atuação do Estado Novo representará uma inflexão importante em relação aos

primeiros anos que se seguiram à Revolução de 1930. Abandonou-se tanto o

liberalismo econômico quanto o político. A partir do Estado Novo, a política

econômica favoreceu sistematicamente a empresa industrial que vai

transformando-se na unidade mais rentável do sistema econômico. Vale destacar

que o Estado Novo constitui-se na ditadura pessoal de Getúlio Vargas, que passa a

desempenhar o papel de moderador da ordem social, contemporizando e

manipulando habilmente os movimentos sociais, conciliando os interesses


17
divergentes e evitando choques entre vários setores da burguesia.

Com a crise de 1929 e a Revolução de 1930, que conduziram Getúlio Vargas

ao poder, houve uma transformação no padrão de acumulação vigente. Foram

criadas bases para o desenvolvimento de uma estrutura produtiva urbano-

industrial, de substituição de importações, alterando a postura do poder público em

relação à indústria e acentuando a concentração de investimentos na rede urbana

no Rio de Janeiro. Este período foi marcado por um intenso deslocamento campo-

cidade, que estimulou de forma contraditória, particularmente no Rio de Janeiro, as

pressões da classe operária urbana por assistência-médico-hospitalar e

habitacional. O surgimento de novas classes sociais, isto é, a constituição de um

proletariado urbano e a configuração de classes médias 18 , a partir de 1930,

estimulou o crescimento da cidade, intensificando as migrações rurais e urbanas.

É relevante destacar que após o ciclo cafeeiro do século XIX, a

industrialização da capital impôs uma nova divisão social e territorial do trabalho no

17
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 53.
18
Ver F. Oliveira. A economia brasileira: crítica à razão dualista., 1975; F. Weffort. O
populismo na política brasileira, 1980.
início do século XX, estimulando a migração do capital comercial e cafeeiro para

empreendimentos imobiliários no Distrito Federal.

Pode-se ver na Revolução de 1930 a aglutinação de diferentes grupos como

a burguesia industrial e financeira, o proletariado, a pequena classe média, as

forças armadas, a burguesia agrária não cafeicultora. Diversas tentativas frustradas

de coalizão destes grupos, nos primeiros anos do período revolucionário, levaram

ao Estado Novo e ao regime ditatorial. Em 1930, a cidade já se encontrava

bastante estratificada e a variedade de classes sociais que deram origem à

Revolução de 1930, implicou a necessidade do governo alternar períodos de

favorecimento de uma classe com épocas em que privilegiava as demandas de

outros setores sociais. 19 Segundo Maria Lais Pereira da Silva 20 , neste momento, o

proletariado urbano e os movimento operários estavam em parte nucleados em

associações de vários tipos e suas ações passam ao largo da vida política

institucional.

O período entre Revolução e instituição do Estado Novo engloba a

administração municipal de Pedro Ernesto e o decreto que instituiu o primeiro

código de obras da cidade, onde as favelas são oficialmente reconhecidas e

regulamentadas. O primeiro prefeito eleito, de forma indireta, foi o médico e

político Pedro Ernesto do Rego. Sua trajetória política inicia em 1922, apoiando o

movimento tenentista e, por imposição dos tenentes, o presidente Getúlio Vargas o

nomeou prefeito-interventor do então Distrito Federal. Com a força conquistada por

uma administração popular e humanista, funda o Partido Autonomista, que vence

as eleições municipais de 3 de maio de 1935, conquistando a esmagadora maioria

de 18 dos 20 vereadores eleitos. Conforme a legislação da época, Pedro Ernesto,

como vereador mais votado, foi aclamado prefeito (1931-1936), dando

continuidade a sua gestão como interventor. Segundo Maria Lais Pereira da Silva,

19
ABREU, M. Políticas Públicas, estrutura urbana e distribuição de população de baixa renda
na área metropolitana do Rio de Janeiro, 1987: 94.
20
SILVA, M. Favelas Cariocas, 1930-1964, 2005: 34.
em sua gestão, as favelas assumem importância como fato político inserido na

questão social.

No campo da habitação este período se caracteriza por uma primeira

tentativa de registro de habitações ilegais existentes, a Estatística Predial do

Distrito Federal, assim como de registro das primeiras informações mais

consistentes sobre a intensificação da atuação da prefeitura do Distrito Federal (RJ)

no programa de erradicação de favelas.

Do final da década de 1920 até as proximidades do golpe que implantou o

Estado Novo em 1937 destacam-se, no plano político institucional, duas

importantes tentativas de ordenamento e controle urbanos: a elaboração do

primeiro plano diretor da cidade do Rio de Janeiro, o Plano Agache, e o decreto

6000 21 de 1937, que expressava a regulamentação e o direcionamento que o poder

público desejava para a cidade, já considerada problemática no que se refere às

favelas.

É possível considerar que o início das políticas públicas em favelas da cidade

do Rio de Janeiro remonta à década de 40. A partir dos anos 40, inicia-se uma nova

etapa para as populações de baixa renda, marcada por intervenções pontuais,

desarticuladas, como a proposta dos chamados Parques Proletários Provisórios,

numa visão “autocrática de reeducar, reajustar e recuperar” o morador, com o

propósito de abrigar provisoriamente a população de algumas favelas da cidade do

Rio de Janeiro. Em 1942 o programa realizou a transferência de um grande número

de pessoas para os Parques Proletários. A decisão de construir conjuntos


22
habitacionais constituiu uma nova orientação construtiva.

Neste período, é preciso salientar a aceleração do desenvolvimento do setor

industrial e o crescimento da concentração espacial nas grandes cidades e em suas

21
O Decreto 6000 foi promulgado em 1° de Julho de 1937, definia as zonas industriais da
cidade, influindo nas formas futuras de apropriação do espaço.
22
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 54.
periferias. A favela ganhou importância como representação nacional do problema

habitacional, numa nítida projeção da realidade do Rio de Janeiro para todo o país.

Neste período, quanto à questão da moradia popular, nota-se que a

intervenção do Estado se expressa em nível nacional em três direções: a

intervenção do mercado privado de habitação por meio da Lei do Inquilinato 23

(Decreto-lei 4598/42), 24 a estruturação das carteiras prediais dos Institutos de

Aposentadorias e Pensões – IPAs e , a criação de órgãos encarregados de políticas

nacionais mais abrangentes , como a Fundação da Casa Popular, em 1946. Neste

período, destaca-se também a mudança de status da questão habitacional,


25
desencadeando uma proliferação de órgãos estaduais e municipais.

Os governos democráticos de 1945-1964: reflexos sobre a cidade do Rio de


Janeiro.

Na segunda metade da década de 1940, no plano político local, surgem novas

condições políticas com a liberalização política havida no final do Estado Novo,

iniciando um processo de reorganização de movimentos associativos com

características basicamente urbanas. Nesta mesma época, Hildebrando de Góis

assume a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.

Empossado o presidente Eurico Gaspar Dutra, em Janeiro de 1946, o Estado

passara a criar condições institucionais e econômicas para o desenvolvimento da

economia urbana e industrial voltada para o mercado interno, mantendo as

condições que permitiam ao setor agrário expandir-se horizontalmente com baixos

coeficientes de capitalização. Para a economia urbano-industrial, o setor rural

fornecia, pela migração da mão-de-obra abundante, matérias-primas e alimentos

baratos, além de supri-la com equipamentos e materiais importados via confisco

23
Nos anos de guerra, a partir de 1942, com esta Lei, houve uma tentativa de controlar os
aluguéis e manter a oferta de imóveis.
24
A Lei do Inquilinato representou o congelamento dos aluguéis, com a justificativa
emergencial do período de Guerra. Contudo, a Lei desestimulou a construção de novas
moradias por parte do capital rentista , motivando o aumento de despejos judiciais e a
redução da oferta de habitação no mercado urbano, estimulando um intenso mercado negro
nas transferências de imóveis. Ver SILVA, M. Favelas cariocas, 2005: 42.
25
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 40.
cambial. Tem início, assim, a aceleração do processo de urbanização brasileiro e as

pressões populares sobre o governo para a solução dos novos problemas

decorrentes do desenvolvimento industrial de pós-guerra. Neste contexto, é criada


26
a Fundação da Casa Popular.

Este período caracteriza-se principalmente por ser uma época de transição

na evolução social brasileira. Após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1946, foi

criada a Fundação da Casa Popular, órgão especificamente habitacional que

privilegiava o atendimento às camadas de menor poder aquisitivo, incorporando

funções ligadas a intervenções de cunho urbano. A Fundação se propunha a

proporcionar a aquisição ou construção de moradia própria, em zona urbana ou

rural. Destinava-se também a financiar estabelecimentos industriais que

construíssem residências para os respectivos trabalhadores.

Através do decreto-lei n° 9.777 de 06 de Setembro de 1946, as funções da

Fundação foram ampliadas 27 , dentre elas: financiar, na zona rural, a construção,

reparação ou melhoramento de habitações para os trabalhadores; financiar as

construções de iniciativas, ou sob responsabilidade de Prefeituras Municipais,

empresas industriais ou comerciais, de residências de tipo popular, destinadas à

venda ou locação a trabalhadores, sem objetivo de lucro; financiar obras

urbanísticas, de abastecimento de água, esgotos, suprimento de energia elétrica,

assistência social e outras que visem à melhoria das condições de vida e bem-estar

das classes trabalhadoras; estudar e classificar os tipos de habitações denominadas

populares; proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos que visem ao

barateamento da construção quer isolada, quer em série, de habitações do tipo

popular; preparar normas ou cadernos de encargos, tendo em vista, especialmente,

a máxima ampliação possível da área social de seus benefícios; financiar as

indústrias de materiais de construção; estudar, projetar ou organizar planos de

26
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 61.

27
Idem: 65.
construção de habitações de tipo popular a serem executadas pela própria

Fundação ou por terceiros; cooperar com as prefeituras dos pequenos municípios

que não dispuserem de pessoal técnico habilitado; e realizar todas as operações

que digam respeito à melhor execução de suas finalidades.

Apesar de representar um avanço, a Fundação apresentava fragilidade

financeira e institucional e inviabilidade política e técnica. De acordo com Maria Lais

Pereira da Silva, os problemas estavam ligados ao contexto populista, que dava

margem a uma grande ambigüidade político-institucional, às dificuldades de

negociação dos recursos, a inúmeras pressões clientelísticas e, à dificuldade de

sustentar um subsídio quase integral à habitação numa economia que sofria uma

alta inflacionária. Logo, a produção da Fundação da Casa Popular foi muito

dispersa. Construiu somente 18.132 unidades em todo o Brasil. No Rio de Janeiro

foram construídos apenas 3% do total de conjuntos (cinco), mas eles totalizavam

cerca de 24% das habitações, isto é, 3.993 unidades, repetindo-se o padrão dos

IAPs. 28 Este período, por outro lado, fora marcado pela criação de uma grande

quantidade de instituições criadas para a habitação popular em várias cidades,

mostrando que a questão da habitação tornava-se cada vez mais um problema

governamental. No Rio de Janeiro destaca-se a construção de parques proletários

provisórios e a criação de órgãos como a Fundação leão XIII, 29 em 1947, bem

como a presença do Departamento de Habitação Popular – DHP, da Prefeitura do

Distrito Federal, que construíram conjuntos habitacionais, visando o


30
“desfavelamento” da capital da República. A Fundação desenvolveu um trabalho

até 1955, quando então reduz o ritmo de construções até paralisar praticamente

suas atividades no início dos anos 1960.

28
Idem: 43.
29
Fruto da articulação entre o cardeal dom Jaime de Barros Câmara e o prefeito Hildebrando
de Góis, tendo como motivação principal neutralizar e eliminar a influência dos comunistas
nas favelas por outros métodos que não os da repressão policial. Foi um ator importante por
sua ação continuada nas favelas e por ser um projeto disseminador de um trabalho social
autônomo, apesar de sua ligação com o poder público.
30
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 44.
O mandato do prefeito Hildebrando de Góis (1946-1947) ocorreu em meio a

uma crise no Poder Executivo e grande instabilidade no Legislativo. Em decorrência

desta crise este foi demitido, e o general Mendes de Morais assume a prefeitura em
31
24 de Abril de 1947. Em sua gestão, a questão social e urbana passou

novamente para primeiro plano, com propostas e tentativas de intervenção na crise

habitacional, que girava em torno da Lei do Inquilinato e de sua principal

conseqüência expressa no crescimento descontrolado das favelas na cidade.

Durante seu mandato, os projetos e intervenções urbanas se voltam para a

consolidação e abertura de novos espaços para o capital imobiliário, através do

parcelamento fundiário e a valorização dos terrenos, procurando estimular e

consolidar também o acesso e o transporte rodoviário para determinadas áreas do

Rio de Janeiro. Nesta mesma época, assumiu particular visibilidade o crescimento

das favelas da cidade. Em torno desta questão, as ações institucionais ocorreram

através de importantes projetos habitacionais que se desenvolveram no

Departamento de Habitação Popular, mas que foram pouco implementados. No

plano político-assistencial, as ações giraram em torno das propostas da Prefeitura

contidas no Plano de Extinção das Favelas. Porém, a ação realmente se


32
desenvolveu no plano policial-repressivo.

Neste período, ocorre uma multiplicação de favelas no Rio de Janeiro. De

acordo com Mauricio Abreu 33 , a região da Leopoldina passou por duas grandes

melhorias: o saneamento do rio Faria-Timbó (em 1942) e a inauguração da Avenida

Brasil (em 1946). O objetivo destas obras é incentivar o processo de

industrialização na Região. Porém, a ausência de obras de infra-estrutura nesta

área, impossibilita a implantação regular das indústrias. Ocorre uma ocupação

desordenada de pequenas indústrias, e os bairros cortados pela Avenida Brasil

31
Mendes de Morais foi o prefeito com maior tempo de gestão no período imediatamente
anterior à transferência da capital, governando a cidade até 1951. Ver SILVA, M. Favelas
cariocas, 1930-1964, 2005: 63.

32
Idem: 65.
33
Ver ABREU, Mauricio de Almeida. EvoluçãouUrbana do Rio de Janeiro, 1987.
empobrecem, sofrem com as inundações e com a falta de saneamento básico. A

impossibilidade do estabelecimento de importantes indústrias ao longo da Avenida

Brasil, como era previsto, criou nesta área, grandes vazios, possibilitando o

processo de favelização em seu percurso. Como foi visto anteriormente, em 1947

criou-se uma comissão específica para a erradicação das favelas, fracassada devido

à falta de recursos e de poder. Tem início, assim, o processo de urbanização

brasileiro e as pressões populares sobre o Governo para a solução de novos

problemas decorrentes do desenvolvimento industrial de pós-guerra. Neste

contexto, enquadra-se o Plano Salte —Saúde, Alimentação, Transporte e Energia—

e a criação da Fundação da Casa Popular.

Embora, na década de 50, ainda houvesse um discurso que relacionava os

males físicos aos males morais da população, três fatores, conjugados,

redirecionam o problema favela para outro eixo de discussão: o aparecimento de

lideranças mais amadurecidas politicamente, já organizadas em partidos políticos; o

assustador avanço das favelas e, finalmente, a dificuldade das remoções. Incluiu-se

ao discurso da remoção, o da urbanização de algumas favelas, principalmente

quanto ao saneamento da rede de esgoto.

O Segundo mandato de Getúlio Vargas (1951-1954).

Eleito em 1950, Getúlio Vargas retorna à Presidência da República em 1951. Vargas

iniciou o governo com postura conservadora, mantendo a transferência de renda do

setor exportador para o industrial, via política cambial. Desde o fim do governo

Dutra, o setor operário sofrera algumas modificações que tiveram importantes

repercussões políticas no governo Vargas. O governo era pressionado pelos

sindicatos, que desejavam realizar a escolha de seus representantes entre os

operários, contra o controle do Ministério do Trabalho. Nesta conjuntura, perdendo

suas bases populares, Vargas resolve mudar a política e remodelar seu Ministério

colocando João Goulart na pasta do Ministério do Trabalho, o que desencadeará


uma drástica mudança na política trabalhista anterior, substituindo o velho

populismo por alianças do Estado com o movimento operário.

Dentre as realizações mais notáveis do período destaca-se a construção, em

1952, pelo Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito federal

(RJ), do Conjunto Habitacional do prefeito Mendes de Moraes, com 328 unidades.

Conhecido como Conjunto do Pedregulho 34 tornou-se exemplo por incorporar

criativamente os princípios da arquitetura e urbanismo modernos à solução de um

conjunto habitacional para camadas populares.

Desde 1953, a crise exacerbava-se provocando o esvaziamento político e

militar do governo. Vargas, devido a suas medidas nacionalistas, logo foi acusado

pela oposição de pretender implantar no país uma República Sindicalista, nos

moldes do peronismo argentino. O atentado ao jornalista Carlos Lacerda, principal

autor de ataques ao Governo, faz com que a pressão militar se intensifique,

culminando na exigência de renúncia de Getúlio Vargas, que se suicidou logo em

seguida, no ano de 1954. Neste ano, as contínuas manifestações populares

continuaram garantindo a sobrevivência do populismo, e asseguraram a eleição de

um continuador de Vargas, o candidato Juscelino Kubitscheck de Oliveira.

No contexto das condições político-institucionais da crise habitacional,

permanece o debate em torno das freqüentes prorrogações da Lei do Inquilinato,

que se repetiam, a cada dois anos, particularmente a partir de 1950. As

repercussões na cidade se agravavam principalmente por causa da maior pressão

dos fluxos migratórios. No caso da questão da habitação, a imprensa noticiou a

“onda de despejos”, entre 1950 e 1954, sendo o motivo principal a falta de


35
pagamento, gerando uma categoria somente de inquilinos.

34
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 66.

35
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 68.
Os prefeitos que assumiram a cidade com o segundo Governo de Getúlio

Vargas, João Carlos Vital (1951-1952) e Dulcídio do Espírito Santo Cardoso (1952-

1954), mantiveram estreita ligação com as linhas nacionalistas, no quadro do

trabalhismo da época, e com relações políticas populistas. Nesta época, a crescente

crise habitacional fortaleceu movimentos sociais e políticos, reforçando mais uma

vez a continuidade das características conjunturais do segundo período Vargas.

Uma breve passagem pela presidência de Juscelino Kubitscheck (1956-


1965).

Juscelino Kubitscheck foi o último presidente da República a assumir o cargo no

Palácio do Catete, na cidade do Rio de Janeiro, em 31 de janeiro de 1956. Em seu

mandato presidencial, Juscelino lançou o Plano Nacional de Desenvolvimento,

também chamado de Plano de Metas, que tinha o célebre lema "Cinquenta anos em

cinco". O plano tinha 31 metas distribuídas em seis grandes grupos: energia,

transportes, alimentação, indústria de base, educação e —a meta principal—

Brasília, inaugurada em Abril de 1960. Visava a estimular a diversificação e o

crescimento da economia, baseado na expansão industrial e na integração dos

povos de todas as regiões com a capital no centro do território brasileiro. Com JK

ocorreu considerável aceleração do desenvolvimento econômico e do processo de

urbanização, em decorrência, principalmente, da implantação das indústrias de

bens de produção e a automobilística, assim como a expansão de infra-estrutura de

estradas de rodagem e energia elétrica.

Em sua gestão, uma parcela crescente da alta burguesia estava convencida

da necessidade de uma política econômica de estabilização e austeridade, mesmo

que isto custasse uma parada temporária do desenvolvimento. Contudo, o

problema habitacional ainda não havia assumido o status de crise que irá ocorrer

no início dos anos 1960, tanto que no Plano de Metas não há qualquer referência

expressa à habitação. 36

36
FINEP. Habitação popular: inventário sobre a ação governamental, 1985: 62.
No governo Kubitscheck (1956-1961), a pouca atenção dada à questão

habitacional aprofundou a crise da habitação. A questão a partir deste momento

estava relacionada com o destino do campo e da cidade, vale dizer, com problemas

de reforma agrária e urbana, e com o próprio desenvolvimento do país.

O estado da Guanabara: a conjuntura da metrópole carioca nos anos 1960

Em 1834, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada em "município neutro",

permanecendo como capital do Império do Brasil, enquanto que Niterói passou a

ser a capital da província do Rio de Janeiro. Em 1889, a cidade transformou-se em

capital da República, o município neutro em Distrito Federal e a província em

estado. Com a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, a cidade

do Rio de Janeiro tornou-se o estado da Guanabara, de acordo com as disposições

transitórias da Constituição de 1946 e com a Lei nº 3.752, de 14 de abril de 1960.

A transferência da capital do país para Brasília, realizada por Juscelino

Kubitschek, provocou grande especulação sobre o futuro político-administrativo da

cidade do Rio de Janeiro. Os debates versaram sobre a possibilidade de transformar

o Distrito Federal em um estado semelhante às demais unidades da federação,

idéia já preconizada nas constituições de 1891, 1934 e 1946. Em 14 de abril de

1960, o Congresso Nacional decretou e Juscelino sancionou a lei nº 3.752,

conhecida como Lei San Tiago Dantas 37 , que estabelecia normas para criação do

estado da Guanabara (o 21º estado da União) e convocação de sua Assembléia

Constituinte. Na mesma data da mudança da sede do governo, em 21 de abril de

1960, foi instalada a Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara - ALEG.

A eleição do candidato Jânio Quadros em fins de 1960, respondia aos

anseios da sociedade nacional, ao combinar uma política interna conservadora

37
De acordo com a Lei Santiago Dantas os vereadores da Câmara do Distrito Federal, eleitos
em 03 de outubro de 1958, tornavam-se deputados constituindo o Poder Legislativo até que
fosse promulgada a Constituição do novo estado. Desta forma, a Câmara de Vereadores do
Distrito Federal funcionou como Assembléia Legislativa até a promulgação da Constituição
estadual em 27 de março de 1961.
deflacionista com uma política externa independente, atrativa para os setores

populares de esquerda. Após sua posse em 1961, obstáculos começaram a surgir

em decorrência destas políticas de governo, causando descontentamento tanto da

classe trabalhadora, quanto do Congresso, levando ao encaminhamento de sua

renúncia à presidência, apenas sete meses após a posse. Com a renúncia de

Quadros, em Setembro deste mesmo ano, o Congresso Nacional aprova uma

Emenda Constitucional adotando o Parlamentarismo, que viabilizava a posse de

João Goulart, deflagrando ainda mais a instabilidade do regime, trazendo à tona a

luta política sobre a volta do Presidencialismo. Neste período, sob o impacto dos

processos de industrialização, de urbanização e de maior liberdade das camadas

operárias e rurais, o problema habitacional foi transformado em uma questão mais

complexa do que a simples construção de casas ou conjuntos habitacionais.

Associado à própria discussão do modelo de desenvolvimento, diante da escala e

velocidade que adotara, o equacionamento do problema habitacional passa a

envolver questões como reforma agrária e urbana (propriedade da terra), captação

e manutenção do valor real dos recursos financeiros.

Do final do período Kubitscheck ao curto governo Quadros, fatos externos ao

país vão transformar a compreensão da questão habitacional no continente latino-

americano. Suas origens podem ser encontradas na Revolução Cubana de 1959, na

promessa de Fidel Castro de reforma social para o proletariado urbano e, mais

especificamente, em sua Reforma Urbana. Para combater a possível repercussão

dessas medidas, a Agência para o Desenvolvimento Internacional –AID decidiu

dinamizar o Fundo de Empréstimos para o Desenvolvimento –DFL, autorizando

empréstimos e garantias para fins habitacionais, aos países da América Latina, em

1961. O Brasil, incluído no grupo de países que se beneficiariam do empréstimo,

procura, no governo Jânio Quadros, instrumentar-se para responder ao desafio

habitacional, através de tentativas como o Instituto Brasileiro de Habitação e

criação do Conselho Federal de Habitação em 1961. Nesta época, o Instituto dos

Arquitetos do Brasil alertava o povo e as autoridades para as imperfeições do plano


para enfrentar a crise residencial, pois este visava à construção de casas destinadas

somente à venda.

Com a posse de João Goulart os problemas relacionados à moradia, em

particular nos grandes centros urbanos, serão objeto de mensagem especial ao

Congresso Nacional, na qual se dará o primeiro passo para a formulção de uma

política habitacional capaz de disciplinar o vertiginoso e desordenado crescimento

urbano. Neste contexto, a falta de uma legislação reguladora permitiu que a

indústria de construção se transformasse em presa fácil de especuladores,

impedindo o acesso à residência própria das camadas mais pobres da população.

A partir daí, o Conselho Federal de Habitação passa a ter um papel

altamente significativo na execução desta política, submetendo ao Congresso

Nacional um projeto de lei de reforma urbana, que propõe novas soluções para o

problema da habitação e para a questão da moradia popular. Portanto, o contexto

que surge em decorrência da mudança na situação político-institucional brasileira e

da cidade, trouxe importantes tranformações nas políticas habitacionais e sociais.

A História recente do Rio de Janeiro pode ser dividida em três momentos:

Distrito Federal Republicano (1889-1960), Estado da Guanabara (1960-1975) e

Município do Rio de Janeiro (a partir de 1975). Em um primeiro momento, o Rio de

Janeiro era visto como o elo entre o país e a civilização Européia, tornando-se a

vitrine dessa cultura para o resto do país; como cidade-capital, o Rio de Janeiro

deveria ser o baluarte da unidade e da centralização, o que significava enfrentar o

desafio de unificar uma vasta região pontuada por ilhas econômicas e culturais,

desejosas de emancipação política, suprema ameaça. Como sede do governo

federal, e espaço de representação política da cidade do Rio de Janeiro, a capital

possuía duas funções de caráter dúbio: administrativa, e, portanto, subordinada

aos interesses federais; e política, na qual defendia sua autonomia política. Essas
duas propostas refletem e reforçam a ambigüidade do lugar que o Rio de Janeiro,
38
na condição de Distrito Federal, ocupava na federação.

No segundo momento, após a aprovação pelo Congresso da transferência da

Capital para Brasília, o espaço do Rio de Janeiro no país mudou profundamente.

Podemos separar esse período em alguns momentos distintos e bastante marcantes

para o desenho político carioca.

Em 1958, os jornais cariocas publicavam opiniões de personalidades do

Distrito Federal e do Rio de Janeiro sobre os destinos da cidade. As três propostas

que surgiram na época apoiavam a criação do território da Guanabara; do estado

da Guanabara; do município do Rio de Janeiro, incorporado ao Estado do Rio de

Janeiro. No início de 1960, intensificou-se o debate parlamentar, devido à

indefinição do futuro da cidade do Rio de Janeiro no cenário político nacional. A

capital seria transferida em 21 de Abril de 1960 e não havia sido definido ainda o

arcabouço jurídico político. Na Constituição de 1891, estava previsto que, caso a

capital se transferisse para o interior, a cidade do Rio de Janeiro se fundiria com a


39
Velha Província. No entanto, a falta de entendimento político postergou esta

fusão por 15 anos.

No processo de elaboração da Constituição da Guanabara, uma das

principais questões levantadas na elaboração da Constituição era se o Estado da

Guanabara deveria ter uma organização municipal clássica, assim como os outros

estados (com municípios, prefeitos e câmaras de vereadores), ou ser uma cidade-

estado, sem divisão municipal. A decisão caberia ao novo Governador, Carlos

Lacerda (1960-1965), primeiro governante eleito diretamente pelos cariocas. Nos

dois primeiros anos de governo, Lacerda privilegiou a montagem do arcabouço

jurídico-institucional do novo estado. Candidato à presidência em 1965, Lacerda

investiu na transformação do Estado da Guanabara em um estado capital, onde a

38
Ver MOTTA, M. O lugar da cidade do Rio de Janeiro na Federação Brasileira: uma questão
em três momentos, 2001.

39
Ver Motta, M. & Sarmento, C. A construção de um estado: a fusão em debate, 2001.
cidade não perderia sua condição de vitrine da nação. No entanto, ao reafirmar o

papel tradicionalmente exercido pela cidade, não por acaso chamada de Belacap, o

governo Lacerda não conseguiu estabelecer os alicerces fundadores de um novo


40
lugar para o Rio de Janeiro na federação, o de estado “federado”. Eleito o

governador e criado o corpo legislativo, o desafio seguinte foi organizar

administrativamente o município do Rio de Janeiro, agora transformado em Estado

da Guanabara. O Executivo e a Assembléia Legislativa foram contra a divisão do

estado em municípios, tese vencedora no plebiscito popular realizado em 21 de

abril de 1963.

O Governo Lacerda dinamizou mudanças radicais na cidade, ao promover a

remoção de favelas para outras regiões (e a conseqüente criação da Vila Kennedy e

da Cidade de Deus), a construção da adutora do Guandu para o abastecimento de

água à cidade, e implementou uma série de modificações paisagísticas. Dentre as

principais obras realizadas na cidade nesse período, destacam-se a abertura do

Túnel Rebouças, o alargamento da praia de Copacabana, e a construção da maior

parte do Aterro do Flamengo, sobre o qual foi formada a mais extensa e completa

área de lazer da cidade, o Parque do Flamengo, hoje denominado oficialmente de

Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, situado junto à orla da Baía de Guanabara, com

121,9 hectares e que se estende desde o Aeroporto Santos Dumont até o Morro da

Viúva, em Botafogo.

No governo Lacerda, a dimensão habitacional foi largamente tratada, mas

segundo parâmetros modificados no início do governo. Segundo Maria Lais Pereira

da Silva, o Rio de Janeiro continuou sendo uma cidade de inquilinos: cerca de 50%

dos domicílios eram alugados, com as favelas crescendo e uma situação de moradia

considerada dramática para os pobres da cidade. A autora constata que num

primeiro momento, a política relacionava-se às propostas que vinham sendo

construídas numa linha de urbanização pela recém montada Coordenação do

40
Ver MOTTA, M. S. O lugar da cidade do Rio de Janeiro na Federação Brasileira: uma
questão em três momentos, 2001.
Serviço Social, sob a direção do sociólogo José Arthur Rios, que baseava suas ações

nas associações de moradores, atribuindo-lhes um importante papel intermediário

na relação com o poder público. 41 Contudo, quando o acordo entre o governo do

estado e a United States Agency for International Development —Usaid (organismo

do governo dos Estados Unidos) foi firmado em 1962, desapareceram quase que

completamente os recursos para a urbanização das favelas, prevalecendo a partir

daí a ideologia da casa própria, da remoção das populações das favelas e a

construção de conjuntos habitacionais na periferia.

Nesse período, também foi organizada a Companhia Estadual de Telefones -

Cetel, cuja missão foi a de instalar serviço de telefones automáticos nos afastados

subúrbios, como Irajá, Bento Ribeiro, Bangu, Campo Grande e Santa Cruz, na

baixada de Jacarepaguá e na Barra da Tijuca, assim como na Ilha do Governador e

na ilha de Paquetá. Anos mais tarde, a companhia estadual foi incorporada ao

sistema telefônico fluminense que, através da agência de Telecomunicações do

Estado do Rio de Janeiro —Telerj, passou a atender o restante do estado após a

fusão.

De 1960 a 1962 abrandaram-se as relações entre o estado e os moradores,

período em que foram criadas a maior parte das Associações dos Moradores. Neste

período, devido à transferência da capital da cidade para Brasília, a cidade perde


42
várias de suas funções e precisa reordenar o seu espaço. Encomendado por

Carlos Lacerda, o Plano Doxiadis, plano de desenvolvimento urbano para a cidade,

definiu as principais propostas para as várias políticas, inclusive a habitacional, que

somente ficará pronto em 1965, no final do seu governo. As enchentes ocorridas no

Rio de Janeiro vão agravar a situação de crise da cidade e impedir a sua realização.

Caracteriza-se pela busca de modelos importados de cidade e técnicas sofisticadas

de trabalho. O planejamento físico proposto visa a pensar o espaço de forma

41
SILVA, M. Favelas cariocas, 1930-1964, 2005: 73.

42
OLIVEIRA, L. Cidade história e desafios, 2002 : 265.
compartimentada, de acordo com as necessidades dos indivíduos: espaço para

morar, espaço para o trabalho etc., com base nas propostas dos Congressos

Internacionais de Arquitetura Moderna —CIAM. 43

É neste contexto que o governo Negrão de Lima e o Regime Militar (1965-

1970), serão analisados na próxima etapa da pesquisa. A seguir, para a melhor

visualização do período, utiliza-se um quadro com a ação dos governos federal,

municipal e estadual, de 1937 a 1964, na área das políticas de habitação, com

destaque para a cidade do Rio de Janeiro.

Quadro 1.
História da urbanização da cidade do Rio de Janeiro:
ações federais, estaduais e municipais.

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS INICIATIVAS


Parques Proletários
Provisórios: construção de
1937-1945 novas habitações para
H. Dodsworth moradores de favelas, se
possível no próprio local ou
próximo dali.

O Presidente Dutra nomeia


Comissão Interministerial
para estudar e apresentar
soluções para as favelas e, ao
01/05/1946 mesmo tempo, cria a
Fundação da Casa Popular. A
Comissão apenas reforçou
medidas coercitivas
semelhantes ao código de
obras de 1937.

1946 Criação do Departamento de


Habitação Popular pelo
Prefeito Mendes de Moraes.

43
Idem: 266-267.
Autorizada Criada pela Criação da Fundação Leão
por decreto Prefeitura do XIII, na busca por uma
presidencial Distrito Federal solução a longo prazo, que
N° 22498 de 1947 priorizasse a promoção
22/01/1947 humana. Segundo analistas,
sua criação também era
motivada pelo combate a
comunistas.

O Prefeito Mendes de Moraes


cria o Serviço de Extinção de
1946-1950 Favelas e desenvolve plano
que deveria estimular o
retorno ao campo de parte da
população favelada.

1946-1950 Novo tratamento Fundação


Leão XIII.

Batalha do Rio de Janeiro:


campanha lançada pelo
jornalista Carlos Lacerda no
1946-1950 Jornal Correio da Manhã
propondo uma mobilização
nacional para resolver o
problema da favela.
Nomeação pelo Prefeito
Mendes de Moraes, de sete
subcomissões subordinadas a
uma comissão central, com o
objetivo de propor
encaminhamentos para a
questão da favela.

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS INICIATIVAS

1946-1950 Censo de Favelas

Urbanização da Favela
Barreira do Vasco, pela
Fundação Leão XIII. Pára de
1948-1950 se destinar verba municipal,
pois se alega que a Fundação
contribuiu para a
consolidação das favelas.

Recenseamento Geral.
Comissão Nacional de Bem-
1950 Estar Social realiza estudos
sobre o tema favela,
relacionando as ocorrências a
nível federal.

João Carlos Vital, nomeado


prefeito por Vargas, cria o
serviço de recuperação de
favelas, que traz novidades
1952 em relação à gestão Mendes
de Moraes. Pela primeira vez,
a urbanização in loco começa
a aparecer na discussão
pública sobre as favelas.

Fundação Cruzada São


Sebastião: construção de
1955 habitação e melhorias de
equipamentos coletivos em
várias favelas da cidade do
Rio de Janeiro.

Serfha: criação do Serviço


1956 Especial de recuperação de
Favelas e habitações Anti-
Higiênicas por Negrão de
Lima.

Leis das Favelas. Lei


autorizando os Ministérios da
1956-1960 Justiça e do Interior a
alocarem fundos a órgãos que
lidassem com a melhoria das
condições habitacionais nas
favelas.

Criada no Governo Lacerda a


1960-1965 Coordenação de Serviços
Sociais para integrar as ações
das diferentes instituições
que lidavam com as favelas.

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL OUTROS INICIATIVAS

Pesquisa desenvolvida pela


1960 Sociedade de Análises
Jornal Gráficas e Mecanográficas
Estado de aplicadas aos Complexos
São Paulo Sociais - Sagmacs, que
deveria orientar as
atividades da coordenação
de Serviços Sociais.

Operação Mutirão da
Coordenação de Serviços
Junho de 1961 Sociais, com urbanização
parcial da Vila da Penha,
Jacarezinho, Salgueiro e
Rocinha.

Junho de 1961 Serfha passa a fazer parte


a Dezembro de da Coordenação de Serviços
1962 Sociais.

25/06/1962 Criação do Conselho Federal


de Habitação.

Criação da Cohab
(Cooperativa de Habitação
1962 Popular) como resposta à
criação do Conselho Federal
de Habitação, que defendia
a erradicação.

1962 Proposta de Reforma


Urbana.

1963 “Seminário de Habitação e


reforma Urbana”

Março de Articulação que visava à


1964 intervenção do Ministério da
Justiça nas remoções
durante o governo Lacerda.

44
Fonte: Parisse (1969).

Governo Negrão de Lima e o Regime Militar (1965-1970)

Em 1965, Negrão de Lima foi eleito governador da Guanabara pela coligação

formada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e pelo Partido Social Democrático

(PSD). No período da formação do Estado da Guanabara, o Estado comprometeu-se

a fortalecer a associação de moradores; a substituir os barracos por construções

adequadas, utilizando a força de trabalho local e a autorizar a melhoria dos já

existentes, atuando de acordo com o Serviço Especial de Recuperação de Favela e

Habitações Anti-higiênicas - Serfha, criado em 1956 pelo governo municipal e

ligada a duas instituições da Igreja: Cruzada São Sebastião e Fundação leão XIII.

Com o Governo Negrão de Lima, a ideologia da Serfha seria retomada, porém, no

Regime Militar, esta se tornou interlocutora do Estado junto aos moradores das

favelas. As associações de moradores, a partir de 1967, foram colocadas pelo

governo do estado a cargo da Secretaria de Serviços Sociais. No contexto do AI-5,

o governador Negrão de Lima assina um decreto que estabelecia as finalidades das

associações de moradores, subvertendo o papel destas, que passaram a seguir a

orientação do poder público para as favelas. Neste período, o Governador organizou

a Companhia de Desenvolvimento das Comunidades ―Codesco. Esta Companhia

44
Fonte: Parisse (1969) apud CARVALHO, R. M. A expansão das favelas na cidade do Rio de
Janeiro na década de 80: 38-40.
enfatizava a posse legal da terra. Porém, esta alternativa foi suprimida pela

retomada do ideal de remoção por parte do Governo Federal através da

Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Grande Rio

―Chisam.

A Codesco ditava uma política única para os Estados do Rio de Janeiro e da

Guanabara, retomando a idéia de “erradicação”, subordinando a Companhia de

Habitação do Estado do Rio de Janeiro —Cohab-RJ, politicamente controlada pelo

Banco Nacional de Habitação —BNH, iniciando um grande programa de construção

de conjuntos habitacionais, que em tese seriam ocupados por moradores das

favelas. Criado em 1964, o BNH era um banco de segunda linha, ou seja, não

operava diretamente com o público. Sua função era realizar operações de crédito e

gerir o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço —FGTS, por intermédio de bancos

privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais

e as companhias de água e esgoto. O BNH foi a principal instituição federal de

desenvolvimento urbano da história brasileira, na qualidade de gestor do FGTS e da

formulação e implementação do Sistema Financeiro da Habitação —SFH e do

Sistema Financeiro do Saneamento —SFS.

A grande maioria dos programas de habitação popular do BNH estava

voltada para as periferias das cidades, onde o acesso é difícil e onde há natural

empobrecimento das famílias. Entre 1968 e 1975, foram muitos os conflitos, a

recusa e a resistência dos moradores removidos para os conjuntos habitacionais,

desencadeando a venda dos imóveis e o retorno à favela. Em torno de 100 mil

pessoas foram removidas e excluídas do processo de organização e participação


45
política da cidade. Somado ao processo de industrialização, este é um dos

motivos para o crescimento do número de favelas no Rio de Janeiro. O

autoritarismo que caracteriza o período pós-golpe militar terá, nesse processo de

retomada de uma tendência anterior, um papel fundamental. Não mais dependente

do julgamento popular via eleições livres, o Estado intensifica a sua ação

45
Idem: 36.
discriminatória sobre o espaço, privilegiando claramente as áreas mais ricas da

cidade, especialmente o centro e a zona sul. A intensificação do processo de

concentração de renda, viabilizada pela política de arrocho salarial pós-64, levou a

dois efeitos significativos sobre a evolução da forma urbana. Primeiramente,

resultou num processo drástico de remoção de favelas dos locais valorizados da

Zona Sul, e em segundo lugar, levou a um processo de intensa especulação

imobiliária, que por sua vez, determinou a expansão horizontal da parte rica da

cidade. Fica claro, aqui, que a atual estrutura metropolitana do Rio de Janeiro nada

mais é do que a expressão mais acabada de um processo de estratificação espacial


46
que vem se desenvolvendo há bastante tempo.

Segundo Gabriel Bolaffi, embora a criação do BNH tenha significado o

reconhecimento explícito de um grave problema habitacional nos grandes centros

urbanos do país e, por mais que sucessivos governos federais tenham assegurado

ao BNH as condições financeiras para enfrentar este problema, nem a Federação,

nem seus estados e municípios jamais chegaram a definir uma política de habitação

popular clara e conseqüente, capaz de minorar os graves problemas das populações

de baixa renda. O autor prossegue, constatando que o BNH foi criado basicamente

para atender aos requisitos políticos, econômicos e monetários dos governos que

conduziram ao efêmero “milagre” brasileiro, e não para solucionar o problema da

habitação. 47

A experiência da institucionalização do planejamento urbano e econômico foi

muito rica no Brasil dos anos 60 e 70. Na primeira metade dos anos 1960, antes da

quebra da ordem institucional em 1964, alguns governos estaduais já vinham

experimentando o uso do planejamento para orientar suas políticas num contexto

de forte impacto demográfico, social e econômico da industrialização, como eixo

econômico no país. Esse era o caso da cidade-estado Guanabara. Após a

46
Dados Iplanrio.
47
BOLAFFI, G. Para uma nova política habitacional e urbana: possibilidades econômicas,
alternativas operacionais e limites políticos. In: VALLADARES, L. Habitação em questão,
1981: 167.
centralização política e financeira imposta pelo regime militar, contudo, as

experiências estaduais de planejamento só tinham possibilidade de êxito se

estivessem identificadas com as prioridades do projeto federal de modernização das

estruturas espaciais, políticas e econômicas. O planejamento urbano tornou-se um

instrumento fundamental deste projeto modernizador, e o Banco Nacional de

Habitação, o principal agente financiador da política urbana do país. Nos estados

onde havia uma região metropolitana, como o estado do Rio de Janeiro, foram

criados órgãos especializados no planejamento metropolitano, como era o caso da


48
Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana ―Fundrem.

Entre os anos 1940 e 1965 constata-se um processo evolutivo de ocupação

do solo urbano, agravado pela elevada migração das áreas rurais para as cidades.

Através da análise do Regime Militar poderemos expor a essência do problema

habitacional, decorrente da má distribuição. A política habitacional desde 1964,

reduziu-se a uma série de decisões setoriais, sobretudo na educação, na saúde

pública, na Previdência e na assistência social, servindo em geral para desmobilizar

as camadas carentes da sociedade. Com o golpe, o Estado colocara um grande

efetivo de soldados para a remoção de aproximadamente 30 mil pessoas. Entre

1962 e 1965, o governo do estado trabalhou com duas perspectivas diferentes: a

remoção e a urbanização. 49 Neste período, a construção de conjuntos habitacionais,

para a futura remoção de moradores, gerou descontentamento devido à má


50
localização e à precariedade dos imóveis e dos meios de transporte.

É importante destacar que o exame dessas intervenções públicas nas favelas

nos autoriza a concluir que o principal obstáculo à sua solução foi a interrupção da

48
SANTOS, A. Economia, espaço e sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 180-181.
49
Desde os anos 60, foram muitas as iniciativas voltadas para a urbanização das favelas,
como por exemplo, o BNH, Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), o Fundo de
Garantia por Tempo e Serviço (FGTS), e a Cohab.
50
Ver ZALUAR & ALVITO. Um século de favela, 2004: 35.
luta democratizante desenvolvida por organizações de favelas entre os anos 50 e
51
60, pelo Regime Militar.

A crise do modelo econômico vigente durante o Regime Militar; o período

subseqüente à queda do Regime, marcado pela modernização e pela profunda crise

econômica do BNH; e o processo de abertura política no final dos anos 70 e início

dos anos 80, desencadeou transformações profundas na sociedade brasileira e um

movimento de crescente organização política da sociedade civil, conduzindo ao

maior poder de barganha da população perante o Estado. A relação do poder

público com as favelas tornara-se menos autoritária e as políticas de remoção

deram lugar às políticas de urbanização. Tal fato indicava a necessidade de

aplicação de recursos em grande escala, visando à construção de habitações em

níveis aceitáveis, equipamentos urbanos e condições mais satisfatórias de

transporte urbano para o atendimento desta população. Desta forma, evidencia-se

a premente necessidade de atuação dos poderes públicos em programas de

natureza social, objetivando dotar esta população de condições dignas de

habitação.

Fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro e o fim do Regime


Militar (1975-1979).

A idéia da fusão é antiga, decorre das primeiras discussões sobre a

transferência da capital federal do Rio de Janeiro e a preocupação com o futuro da

cidade. Isso proporcionou uma cultura favorável à fusão. Mas, provavelmente, sem

a ditadura militar esta não teria ocorrido. Em 1967 e 1969 este regime de governo

realizou profundas mudanças na ordem constitucional de modo que viabilizou

mudanças na federação, como a fusão, sem a necessidade de um plebiscito —como

era indicado, para um caso como este, na Constituição de 1946.

Havia uma visão técnica (econômica) para se defender a fusão como uma

forma de otimizar o desenvolvimento regional. A idéia era de que havia um pólo

51
Idem. Ibidem.
rico (a cidade do Rio de Janeiro), com grande arrecadação, e uma periferia pobre (a

Baixada Fluminense) com muita carência de infra-estrutura. Assim, como um

estado não poderia investir no outro, a fusão faria desaparecer o impedimento

político-administrativo da transferência de recursos entre as duas áreas. Os

empresários cariocas se empenharam na defesa técnica da fusão, através de

argumentos econômicos. No entanto, essa fase aconteceu em 1969, logo após a

edição do Ato Institucional nº5 e não próximo ao período que ocorreu a fusão
52
(1973-1974).

Segundo Helio de Araujo Evangelista, também existia uma visão política,

para a qual a cidade do Rio de Janeiro era um foco de oposição ao regime militar.

Como o Estado da Guanabara era o único estado governado pelo MDB, partido da

oposição, esperava-se com a fusão debelar este foco ao juntar o conservadorismo

fluminense com a vanguarda carioca. A perspectiva era de que com a fusão seria

possível alterar a representatividade da população numa Assembléia Legislativa

Estadual unificada, através de uma nova correlação de forças entre os partidos, o

Movimento Democrático Brasileiro - MDB e a Aliança Renovadora Nacional - ARENA.

No entanto, ao longo da pesquisa, percebe-se que tanto a visão política,

quanto a econômica, acima expostas, era insuficiente para compreender o episódio.

A rigor, a fusão deve ser vista à luz de uma agenda de governo, envolvida em um

projeto geopolítico de Brasil Potência, que tinha uma nova forma de pensar a

federação brasileira. Esta visão vai privilegiar a fusão como uma decisão decorrente

de um plano de governo que visava a alavancar o desenvolvimento sócio-

econômico através de mega-projetos. Este plano era corporificado pelo Programa

Nacional de Desenvolvimento –PND– programas que estabeleciam as principais


53
metas de cada presidente no tempo do governo militar.

52
Entrevista com Helio de Araujo Evangelista, professor de geografia da Universidade
Federal Fluminense, de 11/10/02, concedida ao jornalista Pedro Dória que a utilizou na
elaboração do seu artigo – O destino da Guanabara – divulgado em 15/10/02 no jornal
virtual www.nominimo.com.br

53
Idem.
Em março de 1975, ocorre a fusão do estado da Guanabara com o antigo

estado do Rio de Janeiro, onde se instalou a Assembléia Constituinte Estadual. A

capital passou a ser a cidade do Rio de Janeiro. O poder legislativo foi alojado no

Palácio Tiradentes, que após abrigar a Assembléia Constituinte do Estado da

Guanabara, entre 1960 e 1961, ficou, até 1974, servindo a convenções e a

congressos. Considerando a fusão dos antigos estados do Rio de Janeiro e da


54
Guanabara como marco inaugural do período em questão, esta causou grande

polêmica entre os cariocas à época, haja vista não ter havido consulta popular nos

estados que se fundiam. Apesar disso, vantagens de ordem econômica foram

geradas na nova capital, sendo o município do Rio de Janeiro, atualmente, a sede

de muitos negócios e empreendimentos do estado do Rio.

A partir desta data, é possível constatar as expectativas de estruturação do

novo Estado com base na racionalidade e no planejamento das ações político-

administrativas. Como será abordado adiante, este clima esteve presente nos

diagnósticos e nas soluções apresentadas nos planos de governos que se

sucederam, assim como também animou a crença na possibilidade de promover

mudanças no funcionamento do sistema estadual de habitação. Nesta fusão, o

estado desempenhou muitas funções da prefeitura, e esta, por sua vez,

encontrava-se sufocada com funções estaduais. Evidentemente, a transferência

destes encargos para o estado, repercutiu sobre o orçamento da prefeitura,

comprometida com obras e com o custeio da máquina administrativa que lhe


55
coube.

Além das expectativas abertas, com a reestruturação administrativa, pós-

fusão, a livre expressão do protesto e da defesa da participação popular na vida

social, alimentou a formulação de propostas habitacionais que tinham como eixo

54
A Lei Complementar nº 20 de 1 de julho de 1975 determinou a fusão da Guanabara com o
Estado do Rio de Janeiro, a partir de 15 de março de 1975.

55
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1980-1983: Governo Chagas Freitas). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1980-1983/ Estado do Rio de Janeiro, Governo Chagas
Freitas. Secretaria de Estado de Planejamento e Controle. Rio de Janeiro, 1979.
central a idéia de que o acesso à habitação de qualidade era pré-requisito para a

extensão dos direitos civis à população.

Com esta fusão foi criada a Companhia Estadual de Habitação do Rio de

Janeiro —Cehab-RJ 56 , em decorrência da reestruturação dos organismos de política

habitacional desses estados, assumindo o papel antes exercido pela Cohab-RJ e da

Chisam, que era responsável pela elaboração e execução de projetos no período

anterior. As razões em que se fundou este projeto de fusão foram de caráter

geoeconômico se referiam à necessidade de se dar território à Guanabara, e por

outro lado, uma grande urbe ao estado do Rio de Janeiro. A Cehab-RJ era uma

sociedade por ações, órgão da administração indireta do estado do Rio de Janeiro,

vinculada à Secretaria de Habitação e Assuntos Financeiros —Sehaf. Esta repassava

os recursos do governo federal e estadual, administrava e supervisionava a


57
execução das obras.

Marcus André de Melo analisa as continuidades e rupturas na política de

habitação popular no período pós-1979, assim como, a crise que paralisou a política

nos anos 80, discutindo os impasses e dilemas atuais da política de habitação. O

autor aponta para a fragmentação institucional e paralisia decisória, que tipificam a

política no período recente.

Em sua análise, o autor constata que o governo Geisel (1974-1979) assinala

um período de redefinição da política de habitação popular. Nesta gestão

emergiram alguns programas de caráter reformista. O autor considera que o

56
A Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro, Cehab - RJ, criada pela Lei No. 263
de 29/12/1962, com o objetivo de desenvolver a política habitacional e, principalmente, a
erradicação das favelas, sob a supervisão da Secretaria de Serviços Sociais, à época, com a
razão social de Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara, Cohab-GB. Depois
da fusão do antigo Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro, e por determinação
do Decreto-Lei Estadual, número 39 de 24/03/75, a Cohab-GB incorporou ao seu patrimônio,
o da antiga Companhia Estadual de Habitação do Estado do Rio de Janeiro Cohab-RJ. A
Cehab - RJ foi responsável pela produção de unidades habitacionais, urbanização de favelas,
titulação de lotes em áreas próprias ou desapropriadas pelo Governo do Estado. A
urbanização e a regularização de favelas não é novidade no Brasil, onde já em 1947, a
Fundação Leão XIII realizava trabalhos de melhorias em favelas.

57
ARAÚJO, A. A política habitacional a partir de 88: a ação da Cehab - RJ em Angra dos Reis
e a estratégia de intervenções dos assistentes sociais, 1997: 18-19.
processo decisório que está na base destas mudanças se traduz num conjunto mais

amplo de reformas, que se inscreve na estratégia de transição democrática,

avançado pelo núcleo dirigente do regime militar. Na esfera habitacional, a nova

estratégia reformista foi formulada num órgão colegiado instituído em 1974: o


58
Conselho de Desenvolvimento Social.

Em seu trabalho Políticas Públicas e Habitação popular: continuidade e

ruptura, 1979-1988, o autor Marcus André de Melo coloca em evidência os

principais programas reformistas deste período: o Programa de Financiamento de

Lotes Urbanizados ―Profilurb; o programa de Financiamento de Construção,

Conclusão, Ampliação ou Melhoria de Habitação de Interesse Social – FICAM; e o

Programa de Erradicação de Subhabitação ―Promorar.

O Profilurb instituído em 1975 buscava ampliar a clientela atendida pelo

antigo Plano Nacional de Habitação Popular ―Planhap, incorporando famílias com

precária ou instável inserção no mercado de trabalho, isto é, famílias com renda de

1 a 3 salários mínimos. O Programa representa uma inflexão na política das

Cohabs. A Cohab passa, a partir deste momento, a contemplar a produção de lotes

urbanizados, indo de encontro à construção convencional de grandes conjuntos

habitacionais. Este Programa representou a incorporação de uma clientela, antes

marginalizada pela política do período anterior (1967-1974). A partir deste

programa, a questão da terra urbana passa a ter papel central no quadro

habitacional. Contudo, Marcus André de Melo constata em sua pesquisa a

ineficiência e a baixa efetividade do Programa. Segundo Melo, o Programa foi

criticado por ser incentivador do surgimento de “favelas organizadas”, e também

recebeu duras críticas do empresariado da construção civil, que por sua vez
59
comportava pouco volume de obras. Somente em 1978, houve uma revitalização

58
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 2.
59
Idem: 3.
de curto prazo no Programa, quando ao Profilurb foram incorporados esquemas
60
mais vantajosos de financiamento, assim como, uma Unidade Sanitária ao lote.

O Ficam, instituído em 1977, articulado ao Profilurb, buscava consolidar a

autoconstrução quanto à alternativa efetiva aos programas convencionais,

representando uma clientela de menor renda dos esquemas de financiamento


61
individual de materiais de construção existentes.

Destaca-se, neste período, também como projeto habitacional de nível

federal, o Programa de Erradicação e Subhabitação —Promorar, instituído em 1979

pelo recém-empossado presidente Figueiredo, representando a versão mais

acabada da nova política habitacional que acompanhou o processo de abertura

política do regime militar. Segundo S. M. Souza e Silva, 62 o Programa organizado

pelo Banco Nacional de Habitação —BNH, tinha por objetivo recuperar as faixas

alagadas habitadas, pretendendo com a valorização das áreas assim conquistadas,

recuperar os investimentos feitos com as vendas dos terrenos remanescentes. O

estado do Rio de Janeiro foi escolhido para ser palco do primeiro programa a ser

executado pelo Promorar: o Projeto-Rio, que seria desenvolvido em área próxima

ao aeroporto internacional, alcançando seis favelas na área da maré: Parque União,

Rubem Vaz, Nova Holanda, Baixa do Sapateiro, Timbau e Maré.

O Promorar objetivava erradicar “subhabitações” a partir de intervenções,

visando à melhoria dos núcleos habitacionais de favelas sem implicar, portanto, a

remoção dos moradores. É com o Promorar, que a produção de habitações

populares nos moldes dos programas alternativos atinge o recorde histórico em

termos quantitativos, superando as Cohabs. Essa expansão notável esteve

60
Ver BNH. Avaliação do Profilurb no Brasil. Fundação João Pinheiro, 1982.
61
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 3.
62
Ver SILVA, S. M. Souza e. Espaço favela: o Projeto-Rio e a favela da Maré. Ippur / UFRJ,
1984. (Tese de Mestrado)
associada à campanha concertada do Ministério do Interior e se pautou por uma
63
lógica tipicamente clientelista quanto aos critérios de alocação de conjuntos.

Com a transferência de poder dos militares para os civis, a Nova República

assinala historicamente uma mudança efetiva no regime político com repercussões

amplas nas alianças políticas e nas políticas públicas em geral. Em nível de políticas

de corte social, o projeto de reestruturação ampla das políticas públicas setoriais

passa a dar lugar a um conjunto de ações pontuais, muitas das quais de caráter

assistencial. Assiste-se, portanto, a uma banalização da política social. Isso se

manifesta na institucionalização quase que exclusiva, no conjunto da política de um


64
conjunto de ações de caráter emergencial. O que vemos crescer aqui é uma

política de acomodação e interesses setoriais, inexistindo na estrutura interna do

Estado, um centro organizador e unificador capaz de dar direção e sentido à ação


65
do Estado.

Governo Chagas Freitas (1979-1983)

O governo de Chagas Freitas (1979-1983) ocorre num momento de intenso

centralismo financeiro, político e administrativo, e nem mesmo o governador foi

eleito por voto popular, diferentemente de seus antecessores Carlos Lacerda e

Negrão de Lima. Nesse contexto, a estrutura dos gastos públicos estaduais foi

muito diferente, em que se implementaram os investimentos de uma maneira mais

atomizada. Essa menor concentração setorial dos gastos não pode ser dissociada

da suspensão das eleições diretas para governador, uma vez que, sem eleições, os

deputados tornaram-se o veículo das demandas populares. Diante desta questão, o

discurso de Chagas Freitas tinha muito mais sintonia com o do governo federal do

que o de seus dois antecessores, apesar de ser o único dos governadores estaduais

63
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 3-5.
64
Idem. Ibidem.
65
FARIA, V. & GUIMARÃES E CASTRO, M. Política social e consolidação democrática no
Brasil: 18-20 apud MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura,
1979-1988, 1988: 6.
que não estava filiado ao partido do executivo federal, mantendo-se no partido
66
oposicionista, Movimento Democrático Brasileiro —MDB.

Mesmo com a atuação da Cehab-RJ na produção de unidades habitacionais,

o período que se segue, 1980-1983, do governo Chagas Freitas, teria que alcançar

índices significativamente superiores aos conseguidos até o presente momento. As

diretrizes básicas do programa habitacional, a ser executado pela Cehab-RJ neste

período foram: dinamização do programa, diversificando os mecanismos de

produção e unidade através da aquisição de empreendimentos prontos, conforme

instituído pelo BNH; interiorização da habitação popular, apoiando pequenos

núcleos de caráter rural; estabelecimento de efetiva coordenação central, através

da Secretaria de Planejamento —Secplan, integrando diversos organismos públicos

atuantes na produção destas unidades; institucionalização de instrumentação

jurídica específica, para agilizar processos de aquisição e legalização; criação de

rotinas burocráticas específicas para a aprovação destes projetos; suprimento da

deficiência dos serviços e equipamentos de infra-estrutura urbana em conjuntos

habitacionais; utilização de programas de lotes urbanizados; integração dos

empreendimentos habitacionais com os demais empreendimentos públicos e

privados otimizando a aplicação dos recursos; implementação de uma eficaz política

de aquisição de áreas; institucionalização de normas específicas para a aprovação

de projetos de cunho popular, e de instrumentos legais que possam estimular a

liberação de solo urbano inerte aproveitável; adequação do sistema de transporte

de massa às necessidades desta população.

Com a implementação deste programa, o governo Chagas Freitas objetivava

o desenvolvimento de um processo sistemático de erradicação de favelas. Através

deste programa, os governos estadual e federal programaram a construção de 100

mil unidades de habitação a serem concluídas até o ano de 1983. Para a execução

desta programação a Cehab-RJ contará com recursos do BNH para o financiamento

das obras de construção das unidades, contabilizando um investimento de Cr$

66
SANTOS, A. Economia, Espaço e Sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 171.
24.821.901.000,00, divididos entre os governos e o Banco nacional de Habitação.
67
A liderança de Chagas Freitas, porém, estava longe de ser unanimidade. Ele

controlava o PMDB com mão de ferro, utilizando toda sorte de recursos para

manter à margem aqueles que a ele não se alinhavam. Seu estilo de atuação era

marcado pelo clientelismo e por uma falsa docilidade para com o governo federal, o
68
que lhe valeu seguidas ameaças de intervenção.

No início da década de 80, houve um processo de abertura política com a

participação intensa dos movimentos sociais na esfera política. O próprio BNH entra

em crise. No entanto, os governos estadual e municipal, eleitos no âmbito do

processo de redemocratização que se instaura no país neste momento, buscaram

desenvolver iniciativas que tratavam desta questão, mesmo não contando com o

apoio do governo federal. A política habitacional na Nova República apresentava-se

comprometida com a crise econômica do Sistema Financeiro de Habitação ―SFH,

órgão gestor do BNH. Na época predominava o discurso voltado para o social.

Contudo, havia uma incompatibilidade entre as funções sociais preconizadas e o

modelo de sustentação até então adotado.

No Rio de Janeiro, a eleição de Leonel Brizola em 1982 criou grande

expectativa em relação ao atendimento às necessidades básicas das populações

carentes, devido ao anúncio de que na área habitacional seria implementado o

Programa “Cada Família Um Lote”, com a meta de distribuir 1 milhão de lotes

urbanos, suburbanos e rurais num prazo de 5 anos, como veremos a seguir. Do

ponto de vista dos excluídos, estes, através das eleições de 1982, poderiam
69
manifestar-se perante o Executivo. Foi Brizola que iniciou, no Rio de Janeiro, a

67
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1980-1983: Governo Chagas Freitas). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1980-1983/ Estado do Rio de Janeiro, Governo Chagas
Freitas. Secretaria de Estado de Planejamento e Controle. Rio de Janeiro, 1979: 252-256.
68
Sobre o chaguismo no Rio de Janeiro, ver Eli Diniz. Voto e Máquina Política. Patronagem e
Clientelismo no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.

69
ZALUAR & ALVITO. Um século de favela, 2004: 41.
política pública de urbanização de favelas, que substituiu a prática antiga das

remoções desumanas e arbitrárias de governos anteriores.

A eleição de Leonel Brizola em 1982 para o Governo do Estado do Rio de

Janeiro, marcou uma inversão de rumos nas ações relativas às camadas populares,

com novos projetos de urbanização. Pode-se afirmar que, ao longo dos anos 80,

consagra-se a urbanização como resposta adequada ao problema vigente e ainda


70
se cria um acúmulo de experiências técnicas e administrativas.

É este o ponto de partida da presente pesquisa, como será visto a seguir. Na

realização do Programa “Cada Família Um Lote” / Secretaria Estadual de Trabalho e

Habitação, em 1983, os poderes públicos acabaram por reconhecer a

impossibilidade de se opor ao processo, fruto da evolução urbana do Rio de

Janeiro 71 desde sua estruturação enquanto cidade capitalista. 72


Porém, a vitória de

Brizola nestas eleições não pode ser vista como uma ruptura por inteiro com os

anos 70. Apesar de o governo Brizola desenvolver uma agenda social

especialmente voltada para a precária situação das favelas do Rio, a nova

democracia teria de comportar a presença dos excluídos, diferente do que ocorrera

no período autoritário.

70
As principais informações sobre as medidas da política habitacional entre 1902-1983,
encontram-se no Anexo 1.
71
No início de 83, começaram a ocorrer invasões de terras no Estado do Rio, como
conseqüências da campanha, fazendo uso do mote “invade que o Brizola garante”. Era
necessário que se tomassem medidas de emergência e no governo não havia uma estrutura
que funcionasse com agilidade para isso. Para contornar tal fato, criou-se em Março de 83, a
Secretaria de Trabalho e Habitação (SETH), encarregada de administrar e encaminhar os
conflitos de posse de terra urbana. ARAÚJO, M. Possibilidades e Limites de uma Política
Habitacional: O Programa Cada Família um Lote, 1988: 12.
72
SANTOS, A. Economia, espaço e sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 38.
Quadro 2.
73
Síntese do Processo de Favelização da cidade do Rio de Janeiro.
Início do Séc. Década de 30 / anos 70
Grupos / anos 30 Migrantes do Norte e Década de 80
Sociais Ex-escravos Nordeste Grupos Urbanos

Habitações precárias Morros e alagados nas áreas Favelas,


Aspectos nos morros central, Sul periferia e
Físico- próximos da área e adjacências do eixo rodo- Logradouros
Territoriais central ferroviário públicos

Higienismo e Marginalidade e Involução


Sanitarismo- Desenvolvimentismo- Metropolitana-
Paradigmas Saúde Pública Ausência de integração sistêmica Violência Urbana

Tabela 1.
Crescimento da população da cidade e do Estado do Rio de Janeiro.

Regiões 1960-1970 1970-1980 1980-1991

Estado do Rio de Janeiro 35,9% 25,3% 13,7%

Município do Rio de Janeiro 30,2% 19,8% 7,6%

Fonte: IBGE – Censos demográficos

Tabela 2.
Crescimento da população favelada, por década,
na cidade do Rio de Janeiro.
Taxa de
Crescimento da Taxa de
População População População Crescimento da (1) / (2)
Ano Favelada (1) Favelada Total (2) População Total %

1950 169.305 ---------------- 2.336.000 ---------------- 7,2%

1960 335.063 97,9 3.307.167 41,6 10%

1970 554.277 65,4 4.285.738 29,6 13%

1980 716.843 29,33 5.090.790 18,78 14%

1991 950.960 32,66 5.472.967 7,51 17%


Fontes: Plano Diretor RJ (1991) apud Ribeiro e Lago, 1991.

73
SANTOS, J. Favelas e Território: tendências recentes da favelização no Rio de Janeiro,
1993: 75.
Iplanrio (1991) apud Ribeiro e Lago, 1991. Iplanrio (1992).

Considerações Finais

No presente capítulo, através de uma incursão pela história do período e da

discussão da literatura, sobre os processos de urbanização e favelização do

município e do estado do Rio de Janeiro, analisou-se a evolução urbana da cidade

entre 1902-1982.

Para melhor compreender o processo político de urbanização na cidade do

Rio de Janeiro, entre os anos de 1983 e 1995, ou seja, no período dos governos

Leonel Brizola e Moreira Franco, torna-se de suma importância situar as

transformações ocorridas dentro do seu contexto histórico mais amplo. Neste

sentido, fez-se necessário abordar a etapa da industrialização tardia e o

deslocamento populacional do campo para a cidade; as transformações político-

institucionais e econômicas, através da observação da “Era Vargas”, da gestão de

Juscelino Kubitscheck e do período de Ditadura Militar e sua queda; o projeto de

fusão dos antigos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro; o plano de

desenvolvimento econômico e social dos Governos Negrão de Lima e Chagas

Freitas; e, por fim, as eleições de 1982.

Ao observar estas passagens históricas, foi possível determinar as principais

características territoriais, políticas e geoeconômicas do Estado e da cidade do Rio

de Janeiro nas décadas de 80 e 90. Para isso, realizou-se uma pesquisa sobre a

ação governamental e suas tentativas de solução para o problema das favelas,

observando seus mecanismos e instrumentos legais.

No decorrer do período examinado, observam-se numerosas alterações na

política habitacional brasileira e do estado do Rio de Janeiro. Em um primeiro

momento, vê-se que a meta era construir casas para atrair mão-de-obra. Em um

segundo momento, a intenção era a de proporcionar moradia para o operariado

urbano, chegando-se à criação de BNH e do Sistema Financeiro de Habitação. Neste

período, é possível constatar uma progressiva desatenção para com a qualidade


das habitações destinadas à população de baixa renda. Segundo o relatório da ação

governamental, da Financiadora de Estudos e Projetos —FINEP, este fato pode ser

explicado pelas mudanças de objetivos da política adotada em cada momento

histórico. O relatório descreve que, no início, a principal preocupação era atrair,

mediante a oferta de boas moradias, a mão-de-obra livre ainda escassa. Ao final,

quando a mão-de-obra se torna abundante, a preocupação está em ampliar a

oferta de empregos através de incentivos à maior produção de moradias. 74

No relatório da ação governamental, consta que as alterações sucessivas

nas políticas de habitação popular revelam a crescente intervenção dos governos no

equacionamento dos problemas da moradia, o que está inteiramente de acordo com

a tendência internacional. Contudo, a partir da II Guerra Mundial se acentua, no

caso brasileiro, uma progressiva transferência da responsabilidade de concepção,

execução e comercialização das moradias para as mãos do empresariado privado.

Vale relembrar que, a partir da segunda metade do século passado, mais

precisamente, após a II Guerra Mundial, iniciou-se um processo que culminou na

institucionalização do “Estado assistencial”.

De acordo com Gabriel Bolaffi, do pós-guerra para cá, o Estado brasileiro

concentrou todos os seus esforços para favorecer um processo de industrialização e

de acumulação capitalista. Para tanto, recorreu a todos os meios que fossem

compatíveis com esses objetivos, sem jamais se deter perante a flagrante

iniqüidade social das políticas adotadas. 75

Gabriel Bolaffi faz ainda uma reflexão acerca do papel do Estado na solução

dos problemas habitacionais para a população de baixa renda e se questiona: é

legítimo esperar ou exigir do estado, tal como se apresenta instituído no Brasil, que

assuma os problemas habitacionais daqueles cidadãos cuja renda não é suficiente

74
FINEP, Habitação popular: inventário da ação governamental, 1985: 21.
75
BOLAFFI, G. Para uma nova política habitacional e urbana: possibilidades econômicas,
alternativas operacionais e limites políticos, In VALLADARES, L. Habitação em questão,
1981: 174.
para solucioná-los nas condições do mercado? Esta pergunta, para o autor, embora

respondida afirmativamente ao nível do discurso, vem sendo invariavelmente

negada ao nível das ações do Estado e de suas instituições. Segundo o autor, se a

habitação é uma mercadoria como qualquer outra, o Estado brasileiro, sendo

autoritário, tecnoburocrático ou relativamente liberal, está constituído por uma

economia de mercado onde as mercadorias se vendem por quanto o consumidor

pode pagar. Desta forma, é cabível exigir do Estado que intervenha no mercado, ou

por meio de medidas jurídicas e fiscais, ou por meio de subsídios, ou mesmo por

meio de investimentos estratégicos, capazes de reduzir os custos da habitação

satisfazendo as necessidades mínimas do cidadão. 76 O autor então conclui que se o

Estado, durante todo o período descrito anteriormente, intervém nas relações

trabalhistas para conter a elevação dos salários, tendo em vista reduzir uma

inflação cujas origens são comprovadamente alheias ao preço da remuneração do

trabalho, esse mesmo Estado tem a obrigação política de atuar no sentido de

assegurar condições satisfatórias de habitação e um padrão de vida compatível com

o aumento da produtividade e da riqueza nacional. 77

Na década de 1980 o problema da habitação se torna cada vez mais grave,

e os conflitos sociais em decorrência dele cada vez mais constantes, e quase

sempre violentos. Nesta década, o que se espera não é uma ação paternalista do

Estado para a resolução da crise na habitação. O que se espera é que os políticos

próximos aos centros de decisão do Estado saibam reconhecer a autenticidade do

conflito, permitindo que possa manifestar-se legal e legitimamente. Para que estes

conflitos não fujam ao controle ao Estado, será preciso atender às reivindicações

populares, traduzindo em fatos as sucessivas promessas das últimas décadas. A

partir dos anos 1980, como será constatado a seguir, um maior grau de

organização social, traduzido no surgimento de grande quantidade de associações

de moradores, provocou uma mudança na atitude diante do problema. Além disso,

76
Idem: 173.
77
Idem: 175.
nos anos 1980 o país já conta com um instrumental capaz de enfrentar, em
78
melhores condições, a carência de moradias.

78
Idem: 22.
Capítulo 2

O primeiro governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro: uma


avaliação do Programa “Cada Família, Um Lote” (1983-1987)

No início dos anos 80, depois da falência das políticas de remoção e recolocação de

moradores para a periferia da cidade, as favelas passaram a ser palco de projetos

de urbanização que muitas vezes faziam parte de uma política governamental

maior. Lidando em geral com saneamento e regularização fundiária, tais projetos

tiveram efeitos diversos, como a expansão das atividades locais de geração de

renda, que ocorre desde que o projeto é anunciado e se estende mesmo após o

término de sua implantação.

Como foi salientado no capítulo anterior, o período que antecede as eleições

de 1982 apresenta um quadro nacional que configura uma crise de proporções

graves, gerada pelo fracasso do modelo econômico da industrialização por

substituição de importações, endividamento externo e inflação crescentes, levando

o país a um estado de profunda recessão. Em reação, o governo federal induziu de

forma compulsória à contenção artificial de gastos públicos, com conseqüências

graves para a habitação popular, assim como as demais políticas públicas básicas,

tais como a assistência médica, a previdência social e a educação. O Rio de Janeiro

reproduziu intensamente este padrão de políticas, vivenciando uma grande

concentração de renda e formação de miséria absoluta, um crescimento

desequilibrado do setor econômico e uma organização espacial descontínua e

caótica, com uma predominância do urbano sobre o rural, sem paralelo na história
1
do Brasil.

Desta forma, o contexto a ser enfrentado pelo governador eleito nas eleições

de 1982 seria de carência aguda de infra-estrutura urbana, produto de uma

expansão desordenada e de uma estrutura concentrada de propriedade de solo

1
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1984-1987: Governo Leonel Brizola). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1984-1987/,1983: 2.
urbano e, por conseguinte, de má distribuição dos investimentos em equipamento
2
urbano, principalmente na estrutura viária.

Neste Capítulo, será exposto um levantamento sobre o primeiro Governo

Brizola (1983-1987). A pesquisa que começa a se desenvolver realizará um recorte

histórico das etapas pré e pós-eleições de 1982, em que Brizola saiu vitorioso. Em

seguida, analisará seu governo no que diz respeito à política habitacional adotada

neste período. Para isso, serão observadas as organizações sociais; relações de

poder e a dinâmica interna e externa envolvida neste processo; o papel do Estado;

a máquina eleitoral; os partidos políticos envolvidos no processo; as prioridades

estabelecidas; e os programas de habitação do governo do estado, para assim

realizarmos uma avaliação dos efeitos dos últimos anos de políticas públicas na

cidade do Rio de Janeiro.

Se for observado o peso da política habitacional no âmbito da política

urbana, nota-se que este é relativamente pequeno, e principalmente, que este tipo

de intervenção depende de formas de financiamentos externos diferente de outros

tipos de iniciativas. A política habitacional no Rio de Janeiro é bastante

diversificada. Todavia, não inclui iniciativas ligadas à ampliação da oferta de novas

oportunidades habitacionais. Os objetivos dos programas são tratados tão somente

do ponto de vista físico-urbanístico.

Vale destacar que os avanços constitucionais em relação ao problema da

moradia devem ser analisados frente ao agravamento da crise habitacional, ao

longo da década de 80. Esse período é marcado, em função da crise econômica, por

um conjunto de transformações na estrutura dinâmica do espaço urbano brasileiro.

Verifica-se por um lado, o colapso dos mercados para camadas médias e da

intermediação financeira na produção de habitação e a especialização em unidades

de altíssimo luxo. Por outro lado, há uma informalização brutal da produção de

moradia para os setores de baixa renda através, principalmente da periferização

das favelas. Assim, o padrão periférico de ocupação do solo e a produção extensiva

2
Idem. Ibidem.
de loteamentos populares, vigentes nas décadas de 60 e 70, são substituídos pelo
3
adensamento dessas áreas via ocupação ilegal. Inflação, achatamento salarial e

valorização da terra foram os principais fatores que levaram ao colapso o mercado

de lotes populares.

Pode-se dizer, assim, que o objetivo da política habitacional é o atendimento

das questões habitacionais, mas o âmbito para sua validação abrange aspectos

administrativos, políticos, financeiros, e legais, estendendo-se por espaços e

ambiente urbanos de diferentes escalas e matizes. Esta política visa à instalação de

um processo permanente, cuja contrapartida é o compromisso de mudança de

comportamento administrativo, de textos legais, de procedimentos de trabalho, e

de mobilização social que garantam a sua viabilidade, e se traduza em importante

componente de qualificação de vida urbana da cidade do Rio de Janeiro.

Contexto das eleições para governador do estado do Rio de Janeiro (1982)

Somente para se ter a noção de quão grave o problema habitacional se tornou na

década de 80, deve-se expor aqui alguns números de suma importância. No ano de

1981, foram consideradas, para efeito de avaliação de infra-estrutura, 377 4 favelas,

resultado do acerto feito no Cadastro de Favelas com base no censo IBGE 80. Nesta

avaliação, os resultados revelam que, por exemplo, apenas 1% das 364 favelas

inicialmente cadastradas era servida por rede oficial de esgoto completa e 6% eram

dotadas com rede parcial de caráter oficial, e apenas 17% apresentavam coleta de

lixo adequada. Estes dados dão a dimensão da gravidade da situação no que

concerne aos investimentos em infra-estrutura nas áreas de habitação de baixa

renda, no início da década.

3
LAGO, L. Política Urbana e a questão habitacional: novas tendências face à crise econômica
brasileira, 1992: 43
4
Postura também adotada em VALLADARES & DINIZ. Nouvelles Formes d’Intervention dans
les Favelas – le cas de Rio de Janeiro, 1987)
A esta precariedade somam-se outras muitas mudanças que ocorreram nas

favelas neste curto período que antecede as eleições como o intenso processo de

auto-urbanização, onde barracos de madeira foram gradualmente substituídos

pelos de alvenaria, ruas foram pavimentadas, e novas formas de comércio

surgiram. Enfim, deparando-se com propostas e posicionamentos políticos das

favelas do início dos anos 80, pode-se dizer que as mesmas haviam se

transformado, devido ao aprofundamento do sentido de resistência na favela e a

valorização do seu espaço interno.

É preciso destacar, de antemão, que as eleições de 1982 representam um

marco definitivo para a política brasileira, em geral, e para o Brizolismo, 5 em

particular. 6 O autor João Trajano Sento–Sé, especialista sobre o caso do Brizolismo

no Rio de Janeiro, lança-se em uma jornada a este período, em que finalmente

novas eleições democráticas foram realizadas, após a queda do Regime Militar.

Sento-Sé expõe em sua pesquisa que a movimentação eleitoral começou ainda em

81, quando o governo federal, lançando mão mais uma vez de seus recursos

extraordinários para beneficiar o partido da situação, o PDS, realiza o chamado

“Pacote de Novembro”. Este “Pacote” proibia a coligação eleitoral entre os partidos,

estabelecendo o voto vinculado, nas eleições para governadores, deputados

estaduais e federais, senadores, vereadores e prefeitos. Nesta época, fora o PMDB

e o PDS, nenhum outro partido dispunha de uma máquina partidária estruturada,

de modo a fazer frente às exigências legais que regeriam o processo eleitoral

daquele ano. Assim, partidos como o PDT, que lança o candidato Leonel Brizola e o

PT, ficaram sob risco de extinção, caso não alcançassem o coeficiente mínimo

exigido para a obtenção do registro definitivo, lançando candidatos para disputar

todos os cargos.

5
O “Brizolismo”, aqui, se refere ao período governado por Leonel Brizola, e não qualquer
indicação pro ou contra o candidato/Governador, assim, sem conotação ideológica ou
partidária.
6
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 236.
Segundo Sento-Sé, tanto para o PDT quanto para Brizola, a eleição se

mostrava um empreendimento desafiador e poucos acreditavam no seu sucesso. A

posição nitidamente secundária que Brizola ocupava no início do processo dá

contornos quase que espetaculares para sua vitória final. Embora o pleito de 1982

fosse regido ainda pela Lei Falcão, 7 os debates realizados na televisão e no rádio

mudaram completamente o rumo desta disputa. Além do candidato Miro Teixeira do

PMDB, líder nas pesquisas até este momento, ter se afastado das práticas

chaguistas que regiam sua conduta, gerando um racha dentro do partido, 8 o

candidato Leonel Brizola radicaliza seu discurso oposicionista, abandonando o tom

prudente e conciliador que adotara desde seu retorno do exílio. Sua campanha

exigia que o povo votasse com consciência e, no decorrer do ano, com um discurso

cada vez mais agressivo, consolidando-se como um candidato oposicionista, Leonel

Brizola passa a ser o centro das atenções do processo e assume a liderança nas

pesquisas. Mesmo se apresentando como um candidato de perfil popular, o discurso

de Brizola obteve, naquela campanha, excelente penetração junto às classes média

e média-alta, devido à reiteração de seu caráter oposicionista, a alusão ao legado

varguista, a ênfase em questões de grande apelo em amplos setores da população.

Brizola enfatizava a bandeira de que a política deveria ser uma atividade popular

acessível a todos.

A candidatura de Brizola foi marcada por sua fortíssima capacidade de

comunicação e seu estilo mordaz de debater. As reações de setores conservadores

à arrancada inesperada e vertiginosa de Brizola acabaram por conferir-lhe maior


9
carga dramática.

Os militares, comandados pelo Presidente Figueiredo e seus Ministros da

Marinha e Aeronáutica, alertavam sobre o perigo que representava para o processo

7
Esta Lei cerceava fortemente a propaganda eleitoral.
8
Os chaguistas a partir deste momento apóiam o candidato Moreira Franco.
9
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 246.
de “abertura” a eleição de Brizola para governador do Rio. Porém, quanto mais

Brizola era pressionado, mais a população o via como o melhor representante nesta

represália ao regime autoritário. Contra as máquinas federal e estadual, Brizola

contava com sua impressionante performance pessoal e um grupo de militantes,

extremamente coeso e combativo. Terminada a campanha, ficava evidente a vitória

do candidato do PDT. O desencontro entre resultados veiculados pela imprensa. As

projeções das pesquisas e os dados oficiais levaram o PDT a desmascarar uma

tentativa de manipulação dos resultados em favor de Moreira Franco. Contudo,

Brizola, ligado a alguns órgãos internacionais e apoiado por seus assessores,

conseguiu tirar dividendos de mais uma tentativa de golpear sua candidatura, e


10
vendo, enfim, confirmar-se sua vitória.

Gráfico 1

Número de Votos nas Eleições de 1982 por Candidato

30,60%

Leonel Brizola
Moreira Franco
Miro Teixeira
21,45%

34,19%

No Rio de Janeiro foi eleito, para governo estadual, o partido cuja plataforma

política demonstrou um maior comprometimento com os estratos populacionais de

10
Idem: 240-249.
baixa renda. O PDT era um partido sem a mínima estrutura operacional, valendo-se

de alguns dirigentes e militantes que se definiam a si próprios como componentes

de um exército engajado numa campanha, que era tida como fadada ao fracasso.

No cômputo geral, o PDT saía das eleições como o terceiro maior partido nacional.

Elegia 26 deputados federais, sendo 19 pelo Rio e 7 pelo Rio Grande do Sul. Logo,

construíra sua bancada federal nos dois estados em que a figura de Brizola tinha

maior penetração e passado político; 24 das 70 cadeiras na Assembléia Legislativa

do estado do Rio de Janeiro; 12 das 33 cadeiras da Câmara dos Vereadores,

confirmando-se como grande partido. 11

Segundo o autor Trajano Sento-Sé:

Enfim, Brizola vence a eleição na capital, rachando os


setores médios com Moreira Franco e obtendo grande
aceitação das classes baixas das áreas urbanas do estado.
Toma a cidade de assalto com seu “Exército de
Brancaleone”, com as armas do oposicionismo, da reforma
social, da retomada do fio da história. A máquina
peemedebista, poucos meses antes tida como imbatível,
funcionou bem no interior, travando disputa equilibrada com
a também poderosa máquina amaralista, a serviço do
PDS. 12

Brizola venceu as eleições, segundo ele, graças ao que definia como a “força

do povo”, numa histórica campanha que ele próprio avaliou só sendo comparável à

de Getúlio Vargas em 1950. Em 1982, embora o PDT praticamente não tivesse

estrutura orgânica ou apoio financeiro, Brizola partiu do zero nas pesquisas pré-

eleitorais, que davam ampla vitória à candidata do PTB, Sandra Cavalcanti, para a

vitória graças ao amplo acesso que teve à opinião pública, via debates. Brizola

derrotara máquinas poderosíssimas, levara o eleitorado do Rio de Janeiro a ignorar

as ameaças do poder autoritário, arrebatara as massas e comprovara a sua

capacidade de fazer as mesmas votarem com independência. A partir de então,

11
Idem: 250-251.
12
Idem. Ibidem.
Brizola voltava ao centro do poder, quebrando no Rio de Janeiro a supremacia do
13
antigo MDB, redefinindo, desta forma, o arranjo político estadual.

Brizola Governador (1983-1987)

Neste tópico, serão abordados: o período das invasões; objetivos do governo

Brizola; os Programas de seu governo, com ênfase no Programa “Cada Família, Um

Lote”; os resultados do governo e a avaliação das políticas urbanas, através da

observação dos resultados do Programa “Cada Família, Um Lote” e de outros

programas de infra-estrutura, entre os anos de 1983 e 1987.

O período das Invasões na cidade do Rio de Janeiro

Nos meses de Março, Abril e Maio de 1983, período da posse de Leonel Brizola

como Governador do estado do Rio de Janeiro, a imprensa carioca divulgou, em

destaque, a explosão de um movimento de invasões de terrenos vazios dos

subúrbios (Zona Norte) da cidade do Rio de Janeiro por centenas de pessoas de

baixa renda. Estas pessoas, rapidamente, demarcavam os terrenos e levantavam

edificações para moradia com todo tipo de material de construção. Segundo Lícia

do Prado Valladares, no Rio de Janeiro o padrão de ocupação tem sido a invasão

gradual e/ou ocupação promovida pelos proprietários e também por cabos eleitorais
14
políticos. Portanto, a tática ou a manobra para conquistar e assegurar “moradia”

utilizada por muitos dos pobres, nesta cidade, consistia na invasão clandestina,

sempre constituída, em início, incerta e precariamente, muitas vezes procurando a

comiseração pública, para depois irem chegando, lentamente novos invasores até a

saturação máxima e quase impenetrabilidade do espaço invadido. As invasões

foram feitas “às claras”, por massas de pessoas em um curto período de tempo.

Como a nova, recém-eleita, administração pública ligada à cidade, nas esferas do

poder executivo estadual e municipal, interviria para lidar com esse fenômeno?

Pode-se dizer que este período se destaca por um fato social reivindicado

como histórico, marcando a introdução de uma nova forma de apropriação de

13
Idem. Ibidem.
14
Ver VALLADARES, L. P. Habitação em questão, 1981.
espaços vazios nesta localidade pela população mais pobre; provocando a definição

precoce da política habitacional da administração Rio/83, e sendo a primeira

demanda social que exigiu a inibição da política de segurança do novo sistema

político empossado em 1983. Esta temática é, ao mesmo tempo, político–ideológica

e estratégico-administrativa, pois diz respeito à transmissão, conquista e

manutenção do poder, seu exercício administrativo e a legitimação de seu uso.

Tanto a decisão da invasão, como o estilo das respostas governamentais, são

determinados por regras de natureza política. Invadir, nos anos 80, traduz um juízo

de valor político.

Também é certo que a mudança no comportamento dos pobres do Rio de

Janeiro, na forma das invasões está relacionada com o ato maior deste processo de

abertura, que foi a mudança de eleições indiretas para eleições diretas dos

governadores em 1982. Parece claro que, sendo a maior parte da população pobre,

e valendo o voto como “moeda eleitoral”, as articulações de poder têm que

estender seu discurso aos interesses daquela fração da sociedade. Aquela mudança

institucional teve rápida e profunda repercussão na organização social brasileira e

carioca, principalmente porque aqui o apelo e os compromissos com as camadas de

baixa renda, estabelecidos pelo governo, geraram as mais fortes expectativas do

país.

A regularização fundiária das áreas ocupadas por favelas confere a seus

moradores mais segurança quanto à sua permanência no local e garantia de

prestação regular de serviços públicos. Entretanto, são muitos os entraves legais e

burocráticos para a efetivação da titulação da propriedade em áreas ocupadas

irregularmente.

Objetivos e Programas do Governo Brizola (1983-1987)

Como foi destacado na etapa anterior, no Rio de Janeiro, foi eleito para o governo

estadual o partido que trouxe na sua plataforma política maior comprometimento

com as classes de baixa renda da sociedade. No discurso de Leonel Brizola, a


mudança de conduta do governo em relação à comunidade deve começar pelo

respeito aos direitos humanos em todos os níveis, particularmente no que diz

respeito à segurança do cidadão comum. O Conselho de Direitos Humanos, criado

por decreto do governador, é marca de um compromisso democrático e de uma

prática voltada para a defesa dos direitos da população, cuidando das garantias das

liberdades individuais e coletivas, assistindo o Chefe do Executivo nestes assuntos.

A administração deverá se pautar por critérios de probidade e austeridade no setor

público, com combate aos desperdícios, mordomias, corrupção e tráfico de

influências em todos os níveis. Sua administração estadual definiu um projeto social

ambicioso, prevendo a ampliação de serviços, obras e investimentos voltados para

a satisfação das necessidades básicas da população no momento em que a

economia e as finanças estaduais e nacionais estavam numa situação deteriorada.

Mais que isso, a proposta do governo era a de renovar os padrões estabelecidos da

administração pública, aproximando-a da comunidade e envolvendo a todos num

esforço comum de transformação da sociedade no rumo da democracia. Para

adequar a administração estadual às suas novas prioridades, o governo propôs a

criação de novas Secretarias de Estado, como por exemplo, as Secretarias de

Estado de Promoção Social, Trabalho e Habitação e do Desenvolvimento da Região

Metropolitana, além do desmembramento de outras.

É possível afirmar que a proposta central deste governo era a de reconhecer

a importância do planejamento, encarando-o, contudo, de modo inteiramente

diferente: o Estado deveria se preocupar menos em planejar a sociedade e mais em

planejar a si mesmo. 15

Assim, a proposta deste governo é de mobilizar os mecanismos à sua

disposição no sentido de um desenvolvimento equilibrado, voltado para atender às

necessidades básicas das classes trabalhadoras em termos de educação, saúde,

15
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1984-1987: Governo Leonel Brizola). Plano de
desenvolvimento econômico e social1984-1987, 1983: 11.
habitação, saneamento básico e transporte coletivo, procurando reverter o

cristalizado quadro de carências dos últimos anos. 16

Em seu Plano de Desenvolvimento, Brizola expõe que, para tanto, deve-se

mobilizar não apenas seu poder de investimento, mas também seu poder

normativo de planejamento, de incentivo indireto e de compras. Neste sentido,

adquirem importância estratégica: uma política de zoneamento urbano e

econômico, voltada para a desconcentração dos principais núcleos urbanos, tanto

em termos de controle imobiliário, quanto em termos econômicos; uma política

econômica que privilegie as micro, pequenas e médias empresas, estimulando o

emprego, o aperfeiçoamento tecnológico e o desenvolvimento do interior; uma

política de desenvolvimento regional que conceda prioridade ao interior do estado.

Dentro das diretrizes e metas políticas estabelecidas neste período (1984-

1987), a problemática urbana e regional do estado do Rio de Janeiro assume um

enfoque particular. As políticas urbanas devem estar subordinadas às perspectivas

de transformações sociais, traduzindo todo um esforço em promover a

redistribuição dos benefícios produzidos pelo estado, através da reversão do

processo de concentração capitalista, atividades e benefícios observados nas

décadas anteriores.

Em Setembro de 1983, Leonel Brizola divulga seu Plano de Desenvolvimento

Econômico e Social do estado, no qual as políticas urbanas seriam formuladas a

partir de iniciativas 17 que visassem:

a) Melhoria nas condições de vida das classes trabalhadoras, através da

oferta adequada de habitação, saneamento básico, transporte,

assistência médica, escolas, emprego e abastecimento alimentar;

16
Idem. Ibidem.
17
Estas iniciativas foram retiradas do próprio Plano de Desenvolvimento do Governo Brizola,
presente na bibliografia, para demonstrar o que na realidade pretendia esta gestão: 127-
135.
b) O controle do uso do solo urbano, visando conter a violência social

exercida pelos grupos de pressão monopolistas, através da especulação

das terras e imóveis;

c) Reconhecimento dos direitos dos que na terra habitavam e trabalhavam,

com atenção especial para as favelas;

d) Fortalecimento das economias locais, absorvedoras de mão-de-obra,

principalmente na periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e

cidades médias do interior, visando a reverter os processos de

polarização, concentração econômica e demográfica exercida pelo núcleo

metropolitano, responsável em parte, pelos desequilíbrios econômicos e

sociais observados;

e) Definição de critérios que contemplem adequadamente as formas de

adensamento populacional e intensificação no uso do solo urbano das

áreas já congestionadas, notadamente da Região Metropolitana do Rio de

Janeiro, tendo em vista a crescente inversão de recursos públicos e o

baixo retorno social;

f) Fortalecimento do Poder Municipal, dentro de uma estratégia de

desenvolvimento local e tendo por base as forças sociais e econômicas

ascendentes, através do estreitamento da cooperação entre Estado e

Municípios e os Municípios entre si;

g) O estabelecimento de bases claras de participação da comunidade na

formulação e acompanhamento das iniciativas governamentais, voltadas

para o desenvolvimento social urbano.

Para atingir tais metas o poder público, resumidamente, deveria:

- Impedir a desativação de usos produtivos, como o agrícola, pela

especulação;

- Garantir espaços de uso coletivo para equipamentos sociais;

- Preservar as condições ambientais vitais;


- Facilitar às camadas sociais menos favorecidas o acesso à terra

urbana.

Neste Plano de Desenvolvimento, é exposta a situação em que se encontra a

moradia popular. A falta de acesso à moradia em condições mínimas de dignidade,

é a maior demonstração de exclusão social de uma parcela imensa da população.

Este déficit habitacional crônico, enraizado na estrutura concentrada da propriedade

do solo urbano, deu lugar historicamente aos assentamentos populares autônomos,

em solos ocupados com autoconstrução, quase sempre fora de qualquer diretriz

comum, ou padrão urbanístico definido, e carente de infra-estrutura básica. A

autoconstrução é um processo que marca um modo de vida por permear quase

todas as esferas do quotidiano dos trabalhadores empenhados nela. Determina

também um modo específico de morar. De fato, do processo penoso, moroso e

descontínuo, resulta uma casa permanente inacabada e com precárias condições de

habitabilidade.

Este quadro, caracterizado pelo não atendimento à população carente em

favor das áreas privilegiadas, aliado à incompetência do setor público de oferecer

respostas e ações concretas, ofereceu bases suficientes para a reformulação total

da política habitacional e urbana para o período de 1984 a 1987. Esta política, de

acordo com o novo enfoque, estará voltada para o atendimento preferencial das

áreas carentes do Estado, privilegiando a regularização da situação quanto à posse

da terra e moradia junto com o saneamento básico. Esta etapa deve ser vista

também como geradora de empregos e como estímulo para o desenvolvimento das

economias locais.

Segundo João Trajano Sento-Sé, quando se tratava do tema habitação, lê-se

que o governo estadual assumia posição oficial de reconhecer os assentamentos

informais, aí compreendendo as favelas e, mais do que isso, considerar essas áreas

como prioridade para os programas de investimento, obras e serviços públicos.

Alegava-se que aí é que estavam as maiores concentrações de miséria urbana e daí


18
a necessidade de formular as políticas apropriadas. No início da gestão de Leonel

Brizola, já se observa a instituição de alguns programas de ação, em áreas de

favela tais como: o “Cada Família, Um Lote”, voltado para a regularização fundiária;

o Proface, programa de construção de redes de água e esgoto nas favelas a ser

implementado pela Cedae; e o Projeto Mutirão, programa de melhorias de infra-

estrutura e equipamentos comunitários promovido pela Secretaria Municipal de

Desenvolvimento Social, que já existia e tomou novo impulso nesta fase.

O Programa “Cada Família Um Lote”

No Governo Brizola, uma das áreas mais privilegiadas foi a da habitação. A

Secretaria de Habitação e Trabalho, entregue ao ex-militante do partido comunista

Carlos Alberto Caó, lançou um projeto de assentamento urbano e rural, em vários

pontos do estado, na capital e no Grande Rio: o “Cada Família, Um Lote”. Em

entrevista ao autor João Trajano Sento-Sé, em 23/07/1996, o Secretário Caó expõe

alguns dos pontos básicos do programa:

No início de 1983, quando assumimos o governo, o


problema habitacional e de desenvolvimento urbano era,
sem dúvida, um elemento crítico, que estava claramente
colocado, tanto nos questionamentos que as camadas
médias faziam ao regime em declínio, quanto nos que o
povão também fazia. Do ponto de vista das camadas
médias, a política do BNH, que era órgão formulador e
executor da política habitacional, já tinha se esgotado. Já
não atendia às demandas das classes médias por
financiamentos em condições que ela pudesse pagar. Do
lado do povão, o que ocorria era a violência aberta,
encarada com remoção e conjuntos habitacionais de
qualidade extremamente precária. Havia àquela época,
alguns dogmas: 1. a habitação tinha que ser financiada a
preço de mercado; 2. o governo não podia subsidiar o preço
final da habitação popular; 3. a urbanização das favelas é
inviável. Nossa política foi construída exatamente em
resposta a esses três preconceitos. Não à remoção,
urbanização, não a preços de mercado. A prestação teria
que ser compatível com a capacidade de pagar desta
população que está na faixa de uns cinco salários mínimos.
Sim aos subsídios. Assegurara a moradia às famílias que
estão na faixa de pobreza e pobreza absoluta. 19

18
Idem. Ibidem.
19
SENTO-SÉ, Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 214-215.
a) Elaboração do Programa

O diagnóstico em relação à situação habitacional do estado indica como

causa deste quadro dramático o modelo de desenvolvimento distorcido e perverso

que teve como conseqüência, no estado do Rio de Janeiro, um déficit habitacional

significativo como foi dito anteriormente. Logo depois de empossado, o Governo

reconheceu como entidade de utilidade pública a Federação das Associações de

Moradores do Rio de Janeiro —Famerj, com vistas a facilitar e estimular a

aproximação das associações de moradores com órgãos do governo, participando

de programas governamentais, encaminhando propostas específicas.

No Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Governo Estadual, para

o período de 1984/1987, o programa básico na área de habitação e

desenvolvimento urbano foi o “Cada Família, Um Lote”, através da cooperação do

estado com órgãos municipais e federais e colaboração da comunidade. A gestão

deste Programa ficou a cargo da então recém-criada Secretaria do Estado de

Trabalho e Habitação —SETH, ao passo que a Cehab era o órgão responsável por

sua implementação. Os procedimentos adotados para a regularização de favelas

eram diferenciados, dependendo da titularidade do imóvel em que se situava.

Segundo Rose Compans, se o levantamento junto ao registro de imóveis mostrasse

que a propriedade pertencia a particular, optava-se pela ação de desapropriação

por interesse social. Caso a propriedade fosse do estado ou do município, procedia-

se à transferência para o patrimônio do estado, e deste para a Cehab. Já se o

terreno pertencesse à União, solicitava-se ao órgão que detivesse a propriedade a

regularização da situação dos moradores. Paralelamente à pesquisa da propriedade,

a SETH realizava o contrato com a comunidade a ser beneficiada, o cadastramento

das famílias e a medição dos respectivos lotes a partir do levantamento

aerofotogramétrico. A transferência da propriedade da terra do Estado para os

moradores tinha como contrapartida o pagamento de uma quantia simbólica,


20
jamais ultrapassando a 15% do salário mínimo. O Programa utilizou o sistema de

Contratos Particulares de Promessa de Compra e Venda entre cada morador e a

Cehab-RJ, sob orientação política da SETH. As condições de pagamento previam um

máximo de 48 prestações não reajustáveis.

O Programa “Cada Família, Um Lote”, foi o primeiro programa a ser

desenvolvido no Rio de Janeiro com fins de regularização fundiária em áreas

favelizadas. Foi sancionado pelo Governador Leonel Brizola, através da Lei nº 705,

de 21/12/1983, e pretendia repassar os lotes ocupados irregularmente a seus

moradores. O Programa visava à regularização da propriedade de lotes clandestinos

em todo o estado, que seriam urbanizados por etapas, até se transformarem em

bairros populares.

b) Metas do Programa

Segundo o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio

de Janeiro –1984/1987, as metas a serem atingidas pelo programa seriam:

- Promover a integração de infra-estrutura básica, regularização e

legalização de 400 mil lotes já ocupados, localizados em favelas e

loteamentos clandestinos, levando-os a uma satisfatória

urbanização;

- Promover a urbanização de 250 mil lotes na Região Metropolitana,

para receber a população sem moradia própria ou que vive em

áreas de urbanização impraticável;

- Desenvolver, nas mesmas condições, 150 mil lotes no interior

urbano e rural do estado;

- Desenvolver projetos para 200 mil novos lotes, que atenderão ao

crescimento vegetativo e à inevitável migração;

- Promover a melhoria de conjuntos habitacionais e completar seu

equipamento, de modo a melhorar as condições de vida de seus

habitantes;

20
COMPANS, R. A regularização fundiária de favelas no Estado do Rio de Janeiro, 2006: 46.
- Promover a construção de habitações rurais e urbanas, que

venham atender a demanda nas zonas rurais ou populações

deslocadas de forma emergencial.

Desta forma, o programa propõe-se a atingir a meta de 1 milhão de lotes

urbanos, suburbanos e rurais, ordenando e legalizando, promovendo a urbanização

e fornecendo materiais de construção e serviços mínimos indispensáveis. A

implementação do Programa “Cada Família, Um Lote” segue as seguintes

orientações:

- Preferência para áreas públicas em desuso e desocupadas,

cabendo à comunidade a construção de sua própria casa e aos

poderes públicos, a promoção da infra-estrutura e o apoio no

financiamento do material de construção;

- A localização para a construção de conjuntos, em áreas onde

esteja prevista a expansão da oferta de empregos, procurando-se

ainda, provê-las de equipamento social básico, transporte, etc.;

- Regularização da situação jurídica e fiscal das áreas faveladas e

dos loteamentos clandestinos e irregulares, junto às prefeituras

municipais, e aos registros de imóveis, permitindo aos

proprietários o registro dos terrenos em seus nomes e a

legalização das benfeitorias neles existentes;

- Deve-se proceder a um levantamento de estoque de lotes

urbanos vagos, ou seja, uma avaliação da disponibilidade de terra

urbana, seja para projetos de interesse social, seja para subsidiar

medidas que induzam sua ocupação, nos termos da legislação

vigente;

- A Cehab-RJ encarregar-se-á da produção e comercialização de

habitações destinadas às classes de baixa renda, melhoria e

complementação de conjuntos já existentes, bem como a

implantação de infra-estrutura e equipamentos necessários.


A seguir, é apresentado um fluxograma 21 do Programa “Cada Família, Um

Lote”, com o objetivo de melhor visualização das instituições e órgãos

colaboradores:

21
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote: 44.
Iniciativa da Dificuldade para
Associação de encontar
Mordores certidão(s) com
Contato com Abertura do dado(s)
comunidade processo impreciso(s)

Iniciativa
da Negociação
SETH

Terrenos
privados
Desapropriação

Plantas Avaliação das


Pesquisa de
aerofotograméti- condições Certidão
propriedade
cas habitacionais com dados
Terrenos
precisos
públicos
União

Acordo do preço
por M2. Trabalho Terrenos
em campo municipais ou
estaduais Negociação

Cadastramento Medição Termo de


transferência do
terreno p/ Cehab

Ficha com
Titledados Aprovação
Titledo des-
dos lotes e dos membramento da
posseiros
Name gleba.
Name

Averbação da
Confecção dos gleba no
contratos particu- R.I.
lares de promessa
de compra e venda Averbação da
gleba desmem-
brada no R.I.
Fluxograma do Programa CFUL
Solenidade de en-
trega dos contratos e carnês
de pagamento

Escritura
Carnê quitado
definitiva
O governo Brizola viu na regularização fundiária, uma forma de se resolver,
22
a baixo custo, questões de urbanização fomentando a autoconstrução. Por outro

lado, a complexidade do tema nos conduz a observar que muitos destes projetos

passem ao largo da titulação, ficando esta para ser resolvida pela informalidade que

já existe nestas localidades. O Programa “Cada Família, Um Lote” conferiu à

propriedade da terra o traço fundamental para a solução da questão da moradia; o

governo optou pela solução jurídica da regularização fundiária como a maneira de

se consolidar e elevar a qualidade de vida nos assentamentos existentes. Dentre as

práticas governamentais de manutenção de favelas, este programa se distingue dos

adotados em governos anteriores, pelo caráter amplo de suas propostas. Enquanto

o “Cada Família, Um Lote” abrangia a totalidade das áreas ocupadas irregularmente

no Estado do Rio de Janeiro, os demais programas se destinavam a casos


23
específicos.

No caso do município do Rio de Janeiro, onde o programa estava

concentrado, a Prefeitura trabalhou em relativa harmonia com o Estado, ocorrendo

uma unificação das verbas orçamentárias estadual e municipal, instrumento que

ficou conhecido como “caixa única”. Sem a contribuição de alguns órgãos da

prefeitura, a execução do programa se tornaria uma empreitada quase impossível,

tendo em vista a falta de diálogo do estado com órgãos federais, como o BNH.

Dentre as facilidades oferecidas pela prefeitura do Rio de Janeiro podemos

destacar:

- A rapidez nas aprovações de projetos de alinhamento e

loteamento especiais;

- Transferência de áreas municipais para o Estado (Cehab);

- Fornecimento de material técnico;

22
Ver DINIZ, E. O Programa “Cada Família, Um Lote”: uma nova forma de inserção da
Favela no espaço urbano, 1986.
23
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 18.
24
- Cadastros de favelas e loteamentos clandestinos e irregulares.

A condição inicial para que o programa atuasse numa determinada área era

a abertura de um processo na SETH, por parte da Associação de Moradores local,

onde deveria constar o interesse da comunidade em participar do Programa “Cada

Família, Um Lote”. Em seguida, a equipe da SETH marcava uma reunião com

grande parte dos moradores, para assim esclarecer o que é um título de

propriedade e para que serve, bem como as condições de pagamento e a forma de

trabalho do programa na favela. 25 Ao procurarem a SETH, as Associações de

Moradores já detinham algumas informações sobre a propriedade de sua área,

sabendo em geral, se era pública ou privada, dados fundamentais que orientavam a

pesquisa de propriedade feita em alguns órgãos públicos como o Instituto de

Planejamento do Rio de Janeiro —Iplanrio, Departamento de Edificações, Registro

Geral de Imóveis ou Patrimônio (estadual, municipal ou da União). A pesquisa de

propriedade é uma etapa fundamental para um programa de regularização

fundiária, pois determina sua viabilidade, visto que a titulação de uma favela
26
depende da propriedade da área por ela ocupada. Paralelamente a esta pesquisa

de propriedade, os técnicos da SETH visitavam a favela para uma primeira análise

das condições locais de moradia, para que, desta forma, fossem excluídas do
27
processo de titulação as casas em péssimas condições.

No que concerne à documentação jurídica da área candidata à titulação, era

providenciado um Termo de Transferência de Propriedade para a Cehab-RJ. A

forma encontrada para a operacionalização deste programa foi a venda dos lotes
28
para os posseiros através de uma empresa. Com os acertos políticos entre o

governo e a comunidade, bem definidos, tinha início o trabalho das equipes de

24
Idem: 50.
25
Idem: 47.
26
Idem: 51.
27
Idem: 58.
28
Uma vez que não compete ao Estado doar suas terras, segundo a Constituição Estadual.
medição e cadastro da SETH, em 1985. 29 Após o cadastramento dos setores que já

tinham sido medidos, o morador recebia a ficha de comprovação da inclusão no


30
programa. Após esta etapa, deveriam ser feitas as fichas que serviriam de base

para a confecção dos contratos, também de responsabilidade da SETH. Nelas eram

registradas, além dos dados do morador a ser beneficiado, todas as informações do

lote, suas medidas, seu tipo de uso, confrontações, área e preço a pagar. 31 O

sistema usado pelo governo estadual para a titulação, foi o de contratos

particulares entre moradores e a Cehab, dispensando a utilização de cartórios, com

vistas a diminuir os custos, já que a Companhia funcionava como agente financeiro.

Quanto à forma de pagamento dos lotes, o Programa “Cada Família, Um Lote”

utilizou carnês, que deveriam ser pagos diretamente na Cehab. Após a quitação do

carnê e a regularização dos documentos no Registro Geral de Imóveis, se obtinha a

escritura definitiva do lote.

Antes de apresentar uma avaliação dos resultados do Programa “Cada

Família, Um Lote”, e do governo Leonel Brizola de uma forma geral, é necessário

expor, brevemente, alguns outros programas desenvolvidos nesta época, que

visavam a dar apoio e infra-estrutura ao programa principal, voltados para o

saneamento básico, para a educação, água e esgoto, luz e transporte.

Outros Programas do Governo Brizola: infra-estrutura

Ainda no início da gestão do governo Leonel Brizola, somados ao Programa “Cada

Família, Um Lote”, observa-se outros programas complementares, de infra-

estrutura, tais como: o programa da Companhia Estadual de Águas e Esgotos —

CEDAE, de construção de redes de água e esgoto nas favelas —Proface, os Centros

Integrados de Educação Pública —CIEPs e o Projeto Mutirão —programa da

Companhia Estadual de Águas e Esgotos, a CEDAE— da prefeitura do Rio de

29
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 65.
30
Idem: 70.
31
Idem: 72.
Janeiro, que visava à construção de redes de água e esgoto nas favelas, que

ganhou novo impulso nesta fase.

Primeiramente é preciso destacar como esta questão da infra-estrutura

aparece no Plano de Desenvolvimento Social e Econômico 1984/1987, para assim

descrever como estes programas atuaram dando suporte a um plano muito mais

ambicioso, voltado para a regularização de lotes do qual falamos anteriormente.

Ao observar a situação do sistema de esgotamento sanitário e pluvial, no Rio

de Janeiro, no início dos anos 80, pode-se destacar que sua insuficiência é

responsável pela maior incidência de degradação ambiental e é um dos elementos

mais importantes das altas taxas de doenças entre as populações que estão

diretamente expostas. A situação de esgotamento sanitário no estado do Rio de

Janeiro requeria um tratamento diferenciado, em função das diferentes situações e

padrões urbanos existentes. No governo Brizola, segundo o Plano de

Desenvolvimento, os recursos de investimento em saneamento básico de uma

forma geral, deveriam obedecer às seguintes diretrizes:

a) Adotar, preliminarmente, como critério de prioridade para atendimento à

população, o seu nível econômico, a concentração populacional e os usos

benéficos dos corpos receptores dos despejos;

b) Atender as áreas consideradas como prioritárias pelo Programa “Cada

Família, Um Lote”;

c) Considerar como específicas e prioritárias:

- As periferias urbanas de grande concentração populacional,

abrangendo áreas faveladas isoladas, que não disponham de

algum tipo de esgotamento sanitário, inclusive concentrações

formadas por domicílios sem instalações prediais de esgotamento

sanitário;

- Áreas urbanas, sem qualquer tipo de redes de densidades médias,

incluindo comunidades de pequeno porte, que disponham de

instalações prediais ligadas a fossas sépticas.


d) Em todos os casos de implantação e ampliação dos sistemas de

esgotamento sanitário deve-se buscar soluções baseadas em modelos de

tecnologia alternativa, simplificada, de baixo custo e fácil conservação.

Desta forma, é do início dessa gestão a instituição de alguns programas em

áreas de favela, voltados a dar apoio ao Programa “Cada Família, Um Lote”. Criou-

se assim, o Proface, em Julho de 1983, programa de construção de redes de água e

esgoto nas favelas a ser implementado pela CEDAE. Este projeto vitrine de

urbanização de favelas se destaca por dar aporte de infra-estrutura, no caso água e

esgoto, dando mais ênfase a programas setoriais. Aqui, optou-se por investimentos

setoriais progressivos, procurando-se estender os serviços públicos a todas as

favelas. O Proface significou uma mudança de postura da CEDAE e foi criado depois

de muita resistência por parte desta companhia. A CEDAE com essa nova postura

se abria às comunidades carentes e pretendia, assim, definir uma política de

atendimento à população favelada não mais como uma ação desordenada e

assistemática. A CEDAE pretendia, sobretudo, de forma integrada e prioritária,

prestar atendimento a todas as favelas, respeitando as áreas non aedificanti,

incorporando a participação da comunidade em todas as suas fases, integrando os

sistemas de saneamento das favelas aos bairros onde se localizam. Além disso, o

Proface visava a otimizar os investimentos através da integração com outros órgãos


32
envolvidos no processo.

O governo Brizola também ficou conhecido pela construção dos Centros

Integrados de Educação Pública - os CIEPs, escolas populares de ensino

fundamental e médio em que os alunos além da educação formal e apoio

pedagógico, receberiam também todas as refeições, do desjejum ao jantar. Tal

política ganhou tamanha popularidade, que os CIEPs receberam a alcunha de

Brizolões. Tais escolas foram situadas preferencialmente junto a regiões

densamente habitadas pelas classes populares, em zonas periféricas, em bairros

32
CARVALHO, R. A expansão de favelas na cidade do Rio de Janeiro: década de 80, 1996:
57-59.
pobres e favelas (tradicionais redutos eleitorais de Brizola). A construção dos CIEPs

foi sua principal bandeira política durante muitos anos. Estes centros foram

concebidos por Darcy Ribeiro, seu amigo pessoal e aliado político, então seu vice-

governador, e a concepção arquitetônica ficou a cargo de Oscar Niemeyer.

Certamente, foi no setor educacional que o governo Leonel Brizola procurou

efetivar as condições indicadas na primeira premissa: alta mobilização de recursos

em um projeto educacional alçado à condição de prioridade absoluta na política de

governo. A fisionomia dos CIEPs causou um grande impacto na opinião pública.

Projetado em linhas futuristas, causaram impacto justamente por encarnarem um

novo/moderno/futurista tipo de escola. Não só pelo aspecto físico do prédio, amplo

e de linhas arrojadas, mas também pela distribuição funcional do espaço, composto

por uma quadra poliesportiva, por um prédio hexagonal onde funcionava a

biblioteca e por amplos refeitórios, além das salas que compunham a parte interna

do prédio com capacidade para atender cerca de 500 crianças.

Outro programa que se destacou, apesar de já estar em curso, foi o Projeto

Mutirão —programa de melhorias em infra-estrutura e equipamentos comunitários

promovido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Nesta etapa do

programa, podemos destacar a adoção de mão-de-obra remunerada, que passaria

a coexistir com o trabalho não remunerado. Este programa estabeleceu como seus

objetivos as intervenções nos setores de esgoto sanitário, drenagem de águas

pluviais, melhorias das vias de acesso, criação de espaços destinados ao lazer e à

recreação, e a construção de equipamentos comunitários, como escolas, creches,


33
postos de saúde, entre outros. O programa contava com a participação popular,

tanto nas fases de projeto, como naquelas de execução das obras, buscando o

fortalecimento da organização das associações de moradores. O Projeto Mutirão

recebeu apoio político-administrativo e grande reforço orçamentário, vindo a se

tornar o principal programa municipal de melhoria da qualidade de vida dessas

33
Idem: 60.
comunidades, acompanhando a onda de urbanização que estava sendo
34
desenvolvida no Rio de Janeiro, no governo Brizola.

Nesta etapa da pesquisa será avaliado o impacto do primeiro governo Leonel

Brizola, 1983/1987, tendo em vista os programas de reestruturação urbana, em

particular o Programa “Cada Família, Um Lote”, carro-chefe de sua gestão.

Resultados do Governo e Avaliação das Políticas Urbanas

Os novos instrumentos de política urbana, expressos na década de 80, foram

resultados, em primeiro lugar, da efetiva participação política dos segmentos

sociais organizados no processo constitucional, em suas diversas instâncias. A

entrada em cena destes novos sujeitos políticos tem colocado em evidência,

conflitos de interesses, até então não explicitados publicamente, exigindo da classe

política, eleita pelo voto direto, uma posição clara frente a estes. Segundo Lago:

Podemos dizer que a “retomada” do planejamento urbano


via planos diretores incorporou a visão política da questão
urbana, em contraposição à concepção tecnocrática, vigente
na década de 70. Portanto, as possibilidades de
implementação das novas leis estão condicionadas, entre
uma série de fatores, ao fortalecimento da institucionalidade
democrática. 35

Na década de 80, é possível observar neste país uma inflexão das taxas de

crescimento econômico que predominaram nas três décadas anteriores, tendo sido

um período particularmente desfavorável para a economia, numa fase conturbada

para a sociedade brasileira – a chamada “década perdida”. Conseqüentemente, é

possível julgar a partir dos fatores expostos ao longo do primeiro capítulo, que a

expansão das favelas ocorrida no Rio de Janeiro nesta década diz respeito, na

prática, ao empobrecimento, a variações no mercado imobiliário da cidade do Rio

de Janeiro. Cabe também acrescentar a revalorização do voto, em decorrência da

queda do regime militar e a reconquista da democracia, tendo como aspectos

34
Idem. Ibidem.
35
LAGO, L. Política urbana e a questão habitacional: novas tendências face à crise econômica
brasileira, 1992: 45.
principais: as eleições de 1982; os investimentos em infra-estrutura, feitos nas

favelas nesta década e; e a expansão da informalidade na economia.

No Rio de Janeiro, ao esvaziamento econômico já em curso, somou-se a

estagnação da economia nacional, que veio agravar o quadro local. Se a economia

brasileira foi mal na década de 80, a economia fluminense foi pior, tendo ocorrido

um retrocesso frente ao restante do país, que vivia um momento de alta inflação e

queda de investimentos sociais. Considerando a expansão das favelas na década de

80, relacionamos o fenômeno com mudanças no modo de produção capitalista, no

sentido da flexibilização, isto é, uma reestruturação econômica a partir do

fenômeno da globalização. Como conseqüência, as grandes cidades modificaram-

se, sendo a expansão das favelas uma de suas manifestações.

Reconhece-se sem dúvida, que a atuação do poder público, conforme

apontamos anteriormente, não só havia mudado de rumo, com a generalização da

proposta de urbanização das favelas e sua manutenção no mesmo local, como

também tinha se intensificado. De iniciativas isoladas e esporádicas, passou-se à

formulação de programas abrangentes e regulares. A institucionalização das

relações sociais, o sentimento de resistência, a valorização do espaço interno da


36
favela se sedimentaram com o passar dos anos. No que concerne à origem dos

aglomerados urbanos de baixa renda, pode-se notar que enquanto as primeiras

favelas eram resultantes do parcelamento gradativo da área de crescimento em

etapas, chegando moradores de pouco em pouco, na década de 80, estas eram

resultantes de bem sucedidas invasões coletivas de terra. Alguns autores atribuem

essa mudança aos bons ares da democracia. Tendo o direito à terra sido importante

reivindicação dos movimentos sociais e de partidos como o PT e o PDT 37 , Lícia do

Prado Valladares argumenta que a maioria das favelas sofreu grande mudança na

década de 80. Com a chegada da luz, a CEDAE estendeu seu programa de

36
Idem: 61.
37
Ver VALLADARES, L. P. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com, 2005.
abastecimento de água e esgoto a um crescente número delas, e a coleta domiciliar

de lixo foi, aos poucos, sendo introduzida. Estes foram alguns dos resultados dos

programas de políticas de infra-estrutura, que davam suporte ao programa mais


38
abrangente voltado para a habitação.

Ao contrário dos sistemas políticos constituídos no período tecnocrático-

militar, todos fechados, sob a égide do planejamento racional de quadros técnicos e

treinados, o sistema inaugurado na década de 80 teve fixado seu operador

qualitativo: o governador. Todos os demais componentes estiveram em troca

permanente com o meio ambiente de acordo com a ordem circunstancial da opinião

pública, reflexo da atividade administrativa e da conduta moral de seus agentes.

Muitas autoridades envolvidas foram sacrificadas para a manutenção do sistema,

em função do desajuste entre suas práticas e as repercussões pretendidas na

opinião pública/publicada. Este novo sistema inaugurou uma aproximação direta

das autoridades administrativas em relação às massas, buscando uma identificação

de maior alcance do que objetivos pragmáticos, pois que, tenta-se “internalizar”,

em cada um de seus componentes, um sentido misto de solidariedade cristã, da

união socialista ideológica, da fraternidade liberal.

Os anos 80 da abertura política do Estado brasileiro encerram o período de

distanciamento entre o planejador técnico e o povo como objeto da ação ou

produto. A realidade administrativa, especialmente a urbana, impele à formação de

sistemas políticos abertos, construídos no cotidiano, na ação diária, na ampliação e

auto-regulação dos membros do sistema e no equilíbrio dinâmico. Como afirma

Lordello de Mello: “um dos compromissos fundamentais dos sistemas político-

administrativos é manter o equilíbrio entre interesses conflitantes, assegurando a

ordem dentro da desordem aparente ou efetiva”. 39

38
Ver VALLADARES, L.P. Governabilidade e Pobreza no Brasil, 1995.
39
MELLO, Diogo Lordello de. Moderna administração municipal. apud MORAES, Rodolfo
Pinheiro. Intervenções governamentais sobre movimentos de invasões de terrenos urbanos:
estudo de caso no município do Rio de Janeiro em 1983, 1988: 11.
Retomando a avaliação do primeiro governo Brizola no Rio de Janeiro, é

importante relembrar algumas mudanças no quadro político após sua eleição. As

eleições de 1982 conduziram Brizola novamente ao centro do poder 40 , sendo o

único governador eleito fora do circuito PMDB/PDS, e quebrando, no Rio de Janeiro,

a supremacia do antigo MDB, redefinindo, assim, o arranjo político estadual. Sua

vitória era encarada como a vitória do moderno, representado pelo “socialismo


41
moreno” , alinhado à Internacional Socialista e à “revolução” social-democrata,

contra o atraso representado pelo chaguismo, pelo PDS e pelos comunistas do PCB

ligados ao PMDB. Como mostra Sento-Sé, a vitória de Brizola representava o

triunfo da memória do legado varguista e pelo revival do trabalhismo. Pode-se

dizer, após a releitura destes autores, que tradição e modernidade se fundiam em

uma mesma perspectiva promissora de mudanças e atendia pelo nome do líder que
42
seis anos antes recebera solenemente, o bastão trabalhista.

Quanto às políticas voltadas para a educação, a bandeira da construção

dos CIEPs colocou o governo Leonel Brizola como alvo de acusações divergentes:

ao mesmo tempo em que era criticado como “governo de uma obra só”, também

se denunciava o fato do governador não ter cumprido integralmente as metas

anunciadas. 43 Assim, nem o brilho intelectual de Darcy Ribeiro, nem os esforços

depositados na modernização do ensino público estadual foram suficientes para

garantir a continuidade do PDT no governo do estado do Rio de Janeiro. Venceria

o candidato da oposição, Moreira Franco, em parte por sua posição de oponente

do governo, o que lhe permitia tecer críticas às falhas mais evidentes e, ao

40
Leonel Brizola já fora Deputado Federal pela Guanabara, Secretário de obras, Prefeito de
Porto Alegre e Governador do Rio Grande do Sul.
41
Em artigo de 1984, Gláucio Ary Dillon Soares e Nelson do Valle e Silva chamam a atenção
para a importância do voto dos mulatos ao candidato do PDT, em contraste com a baixa
inclinação dos negros, que tenderam a se identificar menos com Brizola. Ver: SOARES,
Glaucio Ary Dillon. O discreto charme do socialismo moreno, 1985.
42
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio
de Janeiro, 1997: 252.
43
Ao final do Governo Brizola, a meta declarada de construir 500 CIEPs havia atingido
apenas um total de 117 escolas construídas no estado e na capital.
mesmo tempo, assumir o compromisso de dar continuidade aos projetos que

vinham tendo aprovação geral, como o Programa Especial de Educação.

O que é buscado nesta pesquisa são as ações e resultados do governo

Brizola. Para isso avaliaremos a seguir os efeitos e impactos das políticas urbanas

de habitação aqui descritas, nesta fase, com ênfase no Programa “Cada Família,

Um Lote”.

Resultados e avaliação do Programa “Cada Família, Um Lote”.

No artigo El programa “Un Lote para cada familia”: una evaluación preliminar, 44 Eli

Diniz se propõe a analisar em linhas gerais este programa e nos relata que no

período anterior a Brizola, já se podia observar uma mudança significativa na

orientação do estado em relação às favelas, que deixaram de ser erradicadas,

passando a predominar a idéia de que deveriam ser conservadas em seu local de

origem. Competia ao Estado atuar através de programas de urbanização para

oferecer às favelas serviços básicos de infra-estrutura principalmente água,

saneamento e luz. Porém, algumas divergências entre os governos do estado e do

município acarretaram a postergação da regularização da propriedade do solo por

um período. A autora nos relata que o governo anterior a Brizola até realizou

alguns feitos na tentativa de minimizar os problemas de infra-estrutura, o que nos

mostra que o governo Brizola não partira do zero ao priorizar a legalização da

propriedade da terra nas favelas e lotes irregulares. Brizola apenas deu

continuidade a uma discussão que, desde o início dos anos 80, vinha se

desenvolvendo dentro de alguns organismos oficiais.

O novo governo propunha a retomada da idéia de regularização jurídica da

propriedade da terra como ponto central da política habitacional para os setores

mais carentes da população urbana. Segundo Eli Diniz, este programa representou

o aprofundamento de uma linha reformista na formulação de políticas para as

favelas.

44
Trabalho apresentado no Seminário sobre habitação popular, baseado nos resultados de
uma investigação realizada no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro - Iuperj.
45
Porém, os resultados ficaram muito aquém do esperado. Abre-se aqui, um

breve parêntese para relembrar algumas características do Programa. O Programa

“Cada Família, Um Lote” foi promulgado no âmbito do Plano de Desenvolvimento

Econômico e Social do Estado do Rio de Janeiro, sancionado pelo governador do

Estado, Leonel Brizola através da lei N° 705, de 21.12.1983, nove meses após sua

posse, encerrando-se no início do governo Moreira Franco em 1987. 46

O Programa pretendia promover a regularização fundiária como um primeiro

passo de atuação em áreas faveladas, ficando para uma etapa posterior a

implantação do saneamento básico. A regularização dos títulos de propriedade no

programa proporia a urbanização dessas áreas, visando à transformação destas

favelas em bairros populares. O Programa tinha como objetivo distribuir um milhão

de títulos de propriedade, porém, conseguiu entregar apenas 32.817 títulos em

todo o estado. Do total previsto, 400 mil títulos deveriam corresponder à

regularização de lotes, em favelas, que seriam urbanizadas por etapas, até se

transformarem em bairros populares. Ao final de 1986 somente 13.604 destes


47
títulos foram entregues nas 15 favelas da capital beneficiadas pelo Programa.

Segundo Compans, o maior equívoco do Programa foi, sem dúvida, o de

estabelecer metas muito ambiciosas para que seu cumprimento estivesse

subordinado, ora a uma difícil articulação intergovernamental, ora à tramitação de

ações judiciais de desapropriação. Embora eficaz por significar um modo coativo de

aquisição da propriedade, não podendo a ela se opor o expropriado e tampouco o

Judiciário, a desapropriação oferece muitas desvantagens relacionadas ao seu alto

45
Os resultados oficiais do Programa “Cada Família, Um Lote” estão documentados em
relatórios da SETH que constam de publicações da Secretaria de Planejamento do Estado,
onde se procurou fazer um balanço do desempenho do governo Leonel Brizola. Os dados
fornecidos por estes relatórios são baseados em informações da Superintendência de política
Habitacional - SPH da SETH.
46
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 8.
47
Idem: 79. Ver dados da Tabela 5.
48
custo e ao tempo de tramitação do processo. A autora esclarece ainda que, isso

ocorre porque o expropriado poderá sempre contestar o valor da indenização paga

pelo Estado, recorrendo até a última instância de apelação judicial, já que nos

casos de desapropriação, a lei determina que a indenização seja paga pelo “justo e

prévio valor em dinheiro”, não se aplicando na regularização de favelas a

desapropriação com títulos da dívida pública resgatáveis em dez anos, conforme

previsto pelo artigo 182, § 4° da Constituição Federal. 49 Conseqüentemente, para

evitar que a ação se prolongue indefinidamente, o Poder Público negocia com o

expropriado o pagamento de importância superior ao real valor de mercado,

onerando sobremaneira o custo desta operação imobiliária, além de contribuir para

a elevação dos preços do mercado imobiliário como um todo, afirma Compans. 50

Visto isso, segundo dados da Superintendência de Política Habitacional - SPH

da SETH, até Outubro de 1985, haviam sido distribuídos apenas 32.817 títulos de

propriedade em conjuntos habitacionais, favelas e outras áreas ocupadas

irregularmente. Desse número, 31.084 títulos correspondem à área do Município do

Rio de Janeiro, sendo 18.443 relativos a conjuntos habitacionais e 12.641 relativos

a 14 favelas. Abaixo, apresentamos um levantamento da SETH, até Setembro de

1985, com o número de títulos distribuídos pelo Programa. Até Setembro de 1985,

foram entregues 32.716 títulos de propriedade. A tabela 3, referente à

regularização de propriedades e o número de títulos distribuídos por comunidade,

ilustra os dados acima:

48
Idem. Ibidem.
49
Idem: 47.
50
Idem. Ibidem.
Tabela 3
Programa “Cada Família, Um Lote” – Regularização de propriedades.
Levantamento até Setembro de 1985

Número de
Títulos
Comunidade/Localização Distribuídos
Município do Rio de Janeiro

01. Gardênia Azul (Jacarepaguá) 963


02. Morro de Lagartixa (Barros Filho) 1.629
03. Cruzada São Sebastião (Gávea) 938
04. Vila Proletária da Penha (Penha) 2.187
05. Morro das Pedreiras (Acari) 2.278
06. Favela Joaquim Méier (Méier) 55
07. Rio das Pedras (Jacarepaguá) 266
08. Barro Vermelho (Grajaú) 149
09. Vila Maria (Bonsucesso) 162
10. Pavão-Pavãozinho (Copacabana) 541
11. Vila Kennedy (Senador Camará) 5.054
12. Vila Aliança (Bangú) 2.163
13. Borel (Tijuca) 1.956
14. Cantagalo (Ipanema) 700
15. Meringuava (Jacarepaguá) 45
16. Dona Castorina (Jardim Botânico) 252
17. Marquês de São Vicente I e II (Gávea) 354
18. Pio XII (Botafogo) 246
19. Santo Amaro (Glória) 227
20. Vila Isabel (Vila Isabel) 48
21. Canal do Cunha (Manguinhos) 1.400
22. Bairro Santa Margarida (Campo Grande) 1.175
23. Campinho (Campo Grande) 1.224
24. Av. Cesário de Melo, 5.580 (Campo Grande) 495
25. Favela Brás de Pina (Brás de Pina) 316
26. Vila Esperança (Jardim América) 464
27. Gleba I, J, K (Costa Barros) 2.041
28. Fazenda Botafogo (Acari) 3.440
29. Favela Brás de Pina (Brás de Pina) 316
Total 31.084

Outros Municípios

30. Vila Lage (São Gonçalo) 868


31. Porciúncula II (Porciúncula) 53
32. São Fidélis (São Fidélis) 79
33. Santo Antônio de Pádua (Santo Antônio de Pádua) 140
34. Vila Lage Segunda Fase (São Gonçalo) 240
35. Natividade II (Natividade) 88
36. Horto Botânico (Petrópolis) 220
37. Aterrado São Lourenço (Niterói) 45
Total 1.733
Fonte: SETH
No final do Governo, em 1986, segundo dados da SPH, o número de lotes

titulados em favelas do município do Rio de Janeiro era de 16.686, relativo a 25

favelas. O quadro a seguir permite observar o número de lotes titulados por favelas

no período de Dezembro de 1986.

Tabela 4

Número de Lotes Titulados por Favelas

Número
de Lotes
Áreas / Favelas Titulados

Barro Vermelho 148


Tijuquinha (Meringuava/Jacarepaguá) 85
Lagartixa 1.629
Parque Proletário da Penha 2.122
Gleba J e K 794
Gleba I 1.197
Pedreira 4.106
Joaquim Méier 55
Rio das Pedras 766
Vila Maria 162
Pavão-Pavãozinho 432
Cantagalo 215
Céu Azul 337
Borel 1.951
Brás de Pina 275
CHP Andaraí 104
Parque da Cidade 317
Guarabu 340
Rio Pequeno 444
São José Operário (fase I) 327
Vila Canoas 93
CHP Cordovil 83
Falange 179
Ass. Serv. Municipais (Ilha do Governador) 212
Parque Aroeiras 165

Total 16.686
Fonte: SPH

Comparando os números de 1985 e 1986, tem-se respectivamente 12.641

títulos (contratos emitidos) em 14 favelas e 16.686 lotes titulados em 25 favelas.

No período de 14 meses, observamos que onze novas áreas foram tituladas e cerca
de 4.045 novos títulos lançados. Conforme já foi dito, o Programa “Cada Família,

Um Lote”, visava em quatro anos de governo a regularizar um milhão de lotes,

porém o Programa encerrou suas atividades com apenas 14 mil títulos entregues,
51
3,5% de seu objetivo concluído no tocante à regularização fundiária. Na tabela 5

pode-se observar com mais clareza a distribuição dos títulos durante os 4 anos de

governo.

Tabela 5

Cada Ano / Total de Lotes

Ano Titulados em Favelas (%)

1983 21%

1984 30%

1985 31%

1986 19%

Segundo Diniz, observa-se certa imprecisão de informações quanto ao

número de títulos e propriedades distribuídos. Estes números ficaram muito aquém

das previsões anunciadas. Destaca ainda que as outras metas incluídas na proposta

de regularização da propriedade do solo foram postergadas em função da

impossibilidade de sua execução em decorrência da escassez de recursos. De

acordo com a SETH, apenas 67 comunidades foram assistidas pelo Programa de


52
favelas da CEDAE até Agosto de 1985.

Uma experiência significativa ocorre, neste período, com a criação do Núcleo

de Regularização de Loteamentos. Origina-se em uma iniciativa da Procuradoria

Geral do Estado, renovada com o primeiro governo Brizola, que estabelece um

fórum com a participação de representações do Movimento de Loteamentos e,

51
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 82.
52
Governo Leonel Brizola, Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Planejamento e
Controle. Bairros Populares e Favelas: propriedade do governo Brizola,1985.
posteriormente, com a adesão da prefeitura do Rio de Janeiro. O núcleo realiza o

cadastramento dos loteamentos e, com base na Lei 6.766, indicia o loteador

irregular, assegurando a interrupção do pagamento das prestações enquanto não

forem realizadas as obras e regularizado o assentamento.

De acordo com Diniz, a ineficácia no enfrentamento de problemas na área de

habitação para as camadas de baixa renda, no governo Brizola, se deu devido a um

enfoque unilateral sobre a crise. A autora nos mostra a necessidade de um enfoque

multidimensional integrando diferentes modalidades de políticas, para a superação

de algumas falhas na concepção dos programas. E no que concerne à

implementação dos programas, alerta para a necessidade de criar mecanismos que

permitam combinar a centralização da fase executora, estimulando um processo de

descentralização das iniciativas dos organismos governamentais e dos grupos

diretamente afetados por estas políticas, através da expansão da participação das

comunidades interessadas, aumentando a responsabilidade das organizações locais.

Portanto, foi a forma de implementação dos programas, do governo Brizola, que


53
gerou os próprios obstáculos à sua execução. Apesar deste aumento da

responsabilidade das organizações locais, a autora destaca que não foram criadas

instâncias necessárias para viabilizar a participação das associações de moradores

nas etapas do processo de tomada de decisão, assim como, não se fortaleceram os

mecanismos de assistência técnica e de crédito que facilitariam a difusão destes

programas. De acordo com as palavras da própria autora: “Ao mesmo tempo em

que se enfatizou o objetivo de implantar um estilo na administração participativa,

mantiveram-se os traços centralizadores e personalistas da máquina burocrática,


54
que constituem um freio à participação”.

53
DINIZ, E. El programa “Un Lote para Cada Família”. Una evaluación preliminar, 1987: 43.
54
Nas palavras da autora, “Al mismo tiempo em que se enfatizó el objetivo de implantar un
estilo de administración participativa, se mantuvieron los rasgos centralizadores y
personalistas de la maquinaria burocrática, que constituyen um freno a la participación”.
Idem: 44.
Com a mudança do governo do estado, em 1987, o programa “Cada Família,

Um Lote” foi extinto, e o Proface foi substituído pelo programa de Saneamento para

Comunidades de baixa Renda ―Sanear, cuja prioridade era o esgotamento

sanitário para a Baixada Fluminense, o que deixaria em segundo plano a


55
implantação de redes de água em favelas.

Considerações Finais

No início dos anos 80, depois da falência das políticas de remoção e recolocação de

moradores para a periferia da cidade, as favelas passaram a ser palco de projetos

de urbanização que, muitas vezes, faziam parte de uma política governamental

maior. No Rio de Janeiro, foi eleito para o governo estadual o partido e o candidato

que trouxeram, na sua plataforma política, maior comprometimento com as classes

de baixa renda da sociedade. No discurso de Leonel Brizola, a mudança de conduta

do governo em relação à comunidade deveria começar pelo respeito aos direitos

humanos em todos os níveis, particularmente no que diz respeito à segurança do

cidadão comum.

Para descrever este período, neste capítulo, foram abordados: o período das

invasões; objetivos do governo Brizola; os Programas de seu governo, com ênfase

no Programa “Cada Família, Um Lote”; os resultados do governo e avaliação das

políticas urbanas, através da observação dos resultados do Programa “Cada

Família, Um Lote” e de outros programas de infra-estrutura, entre os anos de 1983

e 1987.

O programa “Cada Família, Um Lote” pretendeu dar um tratamento

igualitário e único para todas as áreas faveladas do Estado. Contudo, é difícil tratar

a questão da favela como uma questão global. É preciso levar em conta os

desempenhos particulares de indivíduos, de políticas específicas, e de

circunstâncias históricas que podem por ventura resultar em respostas positivas

55
IUNG, M. G. A participação social e as políticas públicas. O exemplo do Prosanear-RJ,
2003: 91.
para o problema. Este é o caso do “cada Família, Um Lote”, onde os técnicos do

programa atuaram diretamente com a população favelada, adquirindo, a partir

dessa prática, um poder de interferência e determinação no curso da política do


56
programa.

Como foi destacado na etapa anterior, o governo Brizola viu na

regularização fundiária, uma forma de se resolver, a baixo custo, questões de


57
urbanização fomentando a autoconstrução. Por outro lado, a complexidade do

tema nos conduz a observar que muitos destes projetos passem ao largo da

titulação, ficando esta para ser resolvida pela informalidade que já existe nestas

localidades. O Programa “Cada Família, Um Lote” conferiu à propriedade da terra o

traço fundamental para a solução da questão da moradia; o governo optou pela

solução jurídica da regularização fundiária como a maneira de se consolidar e

elevar a qualidade de vida nos assentamentos existentes. Vale relembrar que

dentre as práticas governamentais de manutenção de favelas, este programa se

distingue dos adotados em governos anteriores, pelo caráter amplo de suas

propostas. Enquanto o “Cada Família, Um Lote” abrangia a totalidade das áreas

ocupadas irregularmente no Estado do Rio de Janeiro, os demais programas se


58
destinavam a casos específicos.

As dificuldades de implementação dos programas, de ordem técnica, política,

institucional, burocrática e administrativa, criaram verdadeiros impasses, resultado,

na maioria dos casos, da falta de planejamento dos programas e da improvisação

própria de um governo sem recursos materiais. Faltava ao governo uma máquina

administrativa capaz de fornecer os dados necessários à execução do trabalho,

resultando num atraso irreparável na execução dos programas, em particular no

56
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 2006: 96.
57
Ver DINIZ, E. O Programa “Cada Família, Um Lote”: uma nova forma de inserção da
Favela no espaço urbano, 1986.
58
ARAÚJO, M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada Família
um Lote, 1988: 18.
Programa “Cada Família, Um Lote”. Neste Programa, os projetos tinham como pré-

requisito obras extensas de urbanização, exigindo grandes investimentos fora das

possibilidades do estado e da SETH, que acabou por desistir de avançar na

regularização fundiária. Somados a estes fatores, acrescentamos alguns problemas

técnicos como o complicado processo de levantamento e medição de favelas, lote

por lote, e a dificuldade na titulação de certas áreas devido à indefinição quanto a

certos aspectos do direito de propriedade, sem falar da gravidade da questão da

prática de aluguel em favelas. Acrescentamos ainda, que a titulação permitiria uma

liquidez na comercialização com lotes, estimulando os moradores a adquiri-los com

vistas ao mercado futuro. Um dos principais problemas do Programa “Cada Família,

Um Lote”, foi o fato do governo não exercer nenhum tipo de controle do uso do solo

de forma a manter de pé seu objetivo de oferecer aos favelados um caminho para a

sua cidadania.

É fundamental destacar aqui que o Programa “Cada Família, Um Lote”,

apesar de seu insucesso, inovou em um tipo de intervenção estadual, fornecendo

novos subsídios para a reflexão sobre o problema das favelas no Rio de Janeiro. As

metas não foram alcançadas e isso, conseqüentemente, refletiu-se nas eleições de

1986, como será exposto no próximo capítulo, dedicado ao governo Moreira Franco.

Confirma-se, desta forma, que a via do voto como resposta popular ao Programa

“Cada Família, Um Lote”, forneceu um resultado abaixo das expectativas do

governo do estado.
Capítulo 3

O governo Moreira Franco: início da descontinuidade de programas


habitacionais no estado e cidade do Rio de Janeiro (1988-1991)

O estado do Rio de Janeiro apresenta considerável insuficiência de habitação,

sobretudo de natureza popular. Ao observar os dados constantes do Censo de

1980, pode-se estimar que somente o crescimento vegetativo da população urbana

gera uma necessidade anual de cerca de 50 mil habitações, e acrescenta-se a esta

necessidade, as migrações, a questão da qualidade das habitações em si e as

condições urbanísticas do seu entorno. Desta forma, uma análise crítica da

experiência acumulada pela ação do Estado nessa área, permite-nos verificar que o

modelo habitacional adotado no país, nos últimos 20 anos, reduziu o problema a

uma questão de compra de um imóvel construído, ganhando preponderância o

aspecto da construção. A experiência mostra que o acesso à habitação é um

processo gradativo e que grande parte dos problemas enfrentados pela política

habitacional de interesse social surgiu por não se ter considerado as necessidades

dos moradores em relação ao acesso aos centros de emprego e aos equipamentos

urbanos; a custos compatíveis de transporte; aos custos de extensão da infra-

estrutura urbana e a conjuntos habitacionais muito afastados da malha urbana

consolidada.

A Companhia Estadual de Habitação ―Cehab-RJ, responsável por

praticamente toda programação habitacional do Estado, paralelamente ao quadro

apresentado, enfrentava uma situação interna difícil devido ao elevado nível de

endividamento decorrente da necessidade de financiar suas atividades operacionais

e suas elevadas despesas de custeio. Contudo, com o agravamento do quadro, na

década de 80, iniciou-se uma reestruturação organizacional, objetivando a

necessária adequação da empresa à implementação de um Programa Habitacional

Popular no Estado, que, em estreita cooperação com os órgãos de planejamento

estadual e municipal, permitiria aprimorar a aplicação dos recursos governamentais

na área. Consultando os dados referentes à produção habitacional para a faixa de 0


a 5 salários mínimos da Cehab-RJ, podemos observar na década de 80, uma queda

na ordem de 73,41% em relação à década de 70, o que certamente colaborou para

a retomada da expansão das favelas. Em contrapartida, a Cehab-RJ pode ser vista

como conseqüente falência da solução conjuntos habitacionais, largamente adota

na década de 80, em especial a partir do ano de 1983. O quadro abaixo ilustra a

produção da Cehab-RJ, traçando uma perspectiva de evolução urbana no Rio de

Janeiro, nas décadas de 60, 70 e 80.

Tabela 6

Produção Cehab - RJ – décadas de 60, 70 e 80.

Discriminação Cronologia Produção da Cehab-RJ Variação (%)

1965/1969 34.873 -

1971/1979 27.983 -19,75

1980/1989 7.440 -73,41

Fonte: Perspectivas de Evolução Urbana no RJ. 1992 -


Carvalho Hosken. 1

Contexto das Eleições para governador do estado do Rio de Janeiro (1986)

A Cehab-RJ é uma sociedade por ações, órgão da administração indireta do estado

do Rio de Janeiro vinculado à Secretaria de Habitação e Assuntos Fundiários —

Sehaf. Contudo, após a extinção do banco nacional de habitação em 1986, a

empresa passou a operar com programas alternativos, não construindo diretamente

as unidades habitacionais, operando basicamente, com repasses dos recursos dos

governos federal e estadual para as empreiteiras e administrando e

supervisionando a execução das obras. 2

1
Tabela retirada de CARVALHO, R. A expansão de favelas na cidade do Rio de Janeiro:
década de 80, 1996: 86.
2
ARAÚJO, A. A política habitacional a partir de 88: a ação da Cehab-RJ em Angra dos Reis e
a estratégia de intervenções dos assistentes sociais, 1997: 19.
Em função destes problemas, as eleições de 1986 tomaram um novo rumo.

Na escolha do sucessor de Brizola, agora candidato da situação, uma ampla e

heterodoxa frente de partidos viria a apoiar o candidato do PMDB de oposição em

nível estadual. O partido do candidato Moreira Franco viria a obter um percentual

de votos não muito distinto do PDT, na Assembléia Legislativa do Rio. Porém, na

disputa pelo governo do estado, Moreira Franco saiu vencedor. Contra Brizola havia

denúncias a vários órgãos de sua administração. Denúncias de superfaturamento

no programa de encampação de empresas de ônibus, de superfaturamento do valor

de áreas adquiridas pelo programa “Cada Família, Um Lote”, de rombos no Banco

do Estado do Rio de Janeiro —Banerj, e denúncias que relacionavam o governo do


3
estado à contravenção e ao crime organizado.

Como foi dito anteriormente, nas eleições estaduais de 1986, Leonel Brizola

enfrentaria a disputa como candidato da situação, o que não se confirma no âmbito

nacional, onde permanecia na oposição. Neste ano, o Presidente José Sarney

gozava de uma enorme popularidade desde a decretação do Plano Cruzado 4 .

Brizola fora um crítico duro ao plano, indo contra boa parte da opinião pública. Após

diversas tentativas mal sucedidas de coalizão PMDB/PDT por parte de ambos os

candidatos, o PDT indicou Darcy Ribeiro, enquanto o aliado do governo central, do


5
PMDB, escolhido para derrotar o brizolismo, foi Moreira Franco. À medida que as

campanhas avançaram podemos identificar a ineficácia do discurso contra Sarney e

a favor das parcelas mais pobres da população, como havia feito na disputa

anterior. Sob o olhar desconfiado da mídia e da classe média, Brizola sucumbiu

diante do discurso da oposição, baseado na necessidade de promover um governo

eficiente, política e tecnicamente, sob o comando de um candidato que governaria

3
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 278.
4
O Plano Cruzado congelara preços e ampliara a capacidade de consumo da classe média
baixa e da classe baixa, de maneira inédita.
5
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 280.
para todos, sem distinção de classes. Com este discurso, Moreira Franco liderou

todas as pesquisas de intenções de voto, sendo considerado o único candidato a

apresentar uma proposta de governo articulada e de acordo com as expectativas do


6
eleitorado fluminense.

Segundo a página do PDT na WEB, no final de seu primeiro governo no Rio,

Brizola dá mais uma prova de coerência: em março de 1986, apenas seis dias após

a edição do “Plano Cruzado”, ele condena, como presidente nacional do PDT, em

cadeia nacional de rádio e televisão, a política econômica de José Sarney, que

pretendia acabar com a inflação por decreto, lançando o “Plano Cruzado” que, na

opinião de Brizola, não passava de uma estratégia eleitoral. “Tudo isso são votos,

votos e mais votos”, disse Brizola, explicando que a inflação “irá voltar com mais

força, como volta uma mola que é comprimida contra a parede”. O alerta solitário

de Brizola ―àquela altura, às vésperas das eleições de governadores, deputados e

senadores― nem mesmo os demais partidos de oposição ousaram levantar a voz

contra as medidas de Sarney– seria amargamente lembrado pelo povo brasileiro

logo nos primeiros dias após a contagem dos votos das eleições de outubro, quando

o congelamento de preços foi suspenso e os índices inflacionários subiram

vertiginosamente. Ferozmente atacado pela mídia, impedido pelo TSE de se

apresentar no horário eleitoral gratuito do PDT, Brizola vê o seu candidato ao

governo do Rio de Janeiro, Darcy Ribeiro, perder a eleição para o candidato

governista – Moreira Franco, que apelidara de “Gato Angorá”. A Justiça Eleitoral,

por conta do recadastramento, substituiu os velhos títulos eleitorais pelos novos,

sem foto ou assinatura, dando um número a cada eleitor – procedimento que

permitiu, 10 anos depois, em 1996, a introdução nas eleições brasileiras das urnas

6
Idem: 282.
eletrônicas que o TSE dizia serem 100% seguras – apesar de serem “infiscalizáveis”

e “inauditáveis”. 7

No contexto de 1986, nas disputas estaduais estavam sendo eleitos os


8
membros da Constituinte que definiria o novo modelo institucional brasileiro.

Nas eleições de 1986, Moreira Franco saiu vitorioso com uma vantagem

expressiva se comparada a de Brizola, nas eleições anteriores. Moreira Franco

alcança 49,35% dos votos, contra 35,88%, do candidato pedetista Darcy Ribeiro.

Se comparadas ao ano de 1982, as eleições de 1986 representaram um péssimo

desempenho do candidato Darcy Ribeiro em todo o estado, inclusive na capital.

Abaixo, na tabela 7, é possível constatar onde o PDT perde seus votos em todo o

estado, comparando as eleições de 1982 e 1986.

Tabela 7
Porcentagem de votos dos candidatos do PDT, Leonel Brizola e Darcy
Ribeiro, às eleições de 1982 e 1986, por região fluminense. 9

dCandidatos/ Capital Zona Baixada Noroeste Norte Região Baixadas Médio Cent
Ano das Oeste Fluminense Fluminense Fluminense Serrana Litorâneas Paraíba Flum
eleições

Leonel 44,1% 56,18% 42,57% 17,66% 31,11% 16,59% 20,4% 22,35% 18,96
Brizola/ 1982

Darcy 38,4% 57,92% 45,83% 4,14% 8,08% 9,02% 7,12% 14,71% 7,96%
Ribeiro/
1986

Segundo Sento-Sé, em 1982, Moreira Franco teve ótimo desempenho em

quase todas as regiões citadas acima, com exceção do centro-sul fluminense 10 ,

portanto bastava muito pouco para que o candidato do PMDB obtivesse a vitória em

1986, como se observa na tabela abaixo:

Tabela 8

7
Página do PDT na WEB: Hhttp://www.pdt-rj.org.br/primeirapagina.asp?id=260H, acesso
em 10/09/2007.
8
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio de
Janeiro, 1997: 285.
9
Dados retirados de SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do
brizolismo no Rio de Janeiro, 1997: 286.
10
Idem. Ibidem.
Porcentagem de votos de Darcy Ribeiro e Moreira Franco por região (1986) 11

Candidato / Regiões Bairros de menor poder Bairros da Zona Sul


Capital aquisitivo

Moreira Franco 45,23% 43,41% 57,15%

Darcy Ribeiro 38,4% 39,30% 25,21%

Através da tabela 8 é possível constatar que o PDT, e conseqüentemente

Brizola e Darcy Ribeiro, perdem substanciosamente os votos da classe média, em

decorrência do espectro da violência e da desordem, que tanto marcaram o período

anterior. Nas eleições de 1986 para governador do estado do Rio de Janeiro, a

soma dos votos dos dois primeiros colocados alcançou em todas as áreas do estado

mais do que 80% dos votos. Nesta disputa o brizolismo saiu derrotado e Moreira

Franco assume o governo em 1987. 12

Diretrizes do Governo Moreira Franco: Habitação

Aqui, vale traçar algumas das principais diretrizes do governo Moreira Franco,

voltadas para a questão da habitação, retiradas do seu Plano de Desenvolvimento

Econômico e Social 1988-1991: 13

a) Tratar a questão habitacional associada ao quadro geral do

desenvolvimento urbano, integrando a programação habitacional

às programações setoriais, especialmente a de transporte urbano e

saneamento, observadas as diretrizes de ocupação do solo dos

municípios e regiões;

b) Considerar o acesso à habitação não apenas como a obtenção de

um produto acabado (moradia construída na forma tradicional pelo

SFH), mas também como um processo gradativo de ascensão a

instalações maiores e mais confortáveis, de forma a conceber

11
Idem. Ibidem.
12
Idem: 287.
13
Rio de Janeiro (Estado). Governador (1988-1991: Governo Moreira Franco). Plano de
desenvolvimento econômico e social 1988-1991/ Estado do Rio de Janeiro, Governo Moreira
Franco, 1987.
outra modalidade de atendimento, tanto em termos jurídicos,

como em termos de construção;

c) Considerar prioritários os programas destinados às famílias de

menor renda, procurando uma atuação integrada que associe a

estes programas outras ações visando à geração de emprego e

renda;

d) Estimular a participação individual e comunitária na solução do

problema habitacional e promover a descentralização da execução

dos programas através das administrações municipais e da

iniciativa privada;

e) Adequar a propriedade imobiliária urbana à sua função social;

f) Simplificar os procedimentos burocráticos para o financiamento de

habitações;

g) Identificar os estoques de terrenos públicos (União, estado e

municípios), dando prioridade ao seu aproveitamento nas várias

modalidades de programas habitacionais;

h) Adotar, em conjunto com as administrações municipais, medidas

que visem a evitar a proliferação de situações irregulares, bem

como regularizar as existentes, tanto no aspecto fundiário como no

urbanístico.

Vale destacar, no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social de seu

governo, como os assuntos fundiários e assentamentos humanos, por área de

atuação, programas e metas, seriam tratados: 14

Conhecimento fundiário: conhecimento da realidade sócio-econômica e fundiária

do estado do Rio de Janeiro.

1) Levantamento das terras ociosas públicas e particulares.

2) Levantamento de favelas, loteamentos irregulares e conjuntos

habitacionais ocupados.

14
Idem: 82-83.
3) Cadastro dos sem-terra urbanos.

4) Zoneamento fundiário.

5) Cadastro de imóveis passíveis de utilização em projetos de

assentamento.

6) Cadastro de conflitos.

7) Estudo dos assentamentos rurais e revisão de módulos.

8) Inscrição, seleção e cadastramento de trabalhadores sem-terra para

projetos de assentamento.

9) Pesquisa sobre movimentos migratórios e mobilidade social no estado do

Rio de Janeiro.

Ação fundiária em áreas urbanas e rurais:

1) Regularização jurídica das terras urbanas em conflito.

2) Propositura de ação discriminatória e usucapião especial.

3) Regularização das áreas dos loteamentos irregulares e conjuntos

habitacionais ocupados.

4) Prosseguimento das ações expropriatórias.

5) Auxílio de financiamento ao direito de preempção.

6) Arrecadação de imóveis abandonados.

7) Fiscalização de contratos de imóveis públicos; de aquisição de imóveis

por estrangeiros, das relações contratuais agrárias; concessão de terras

ao trabalhador rural da agroindústria canavieira.

Projetos especiais urbanos:

1) Obtenção de lotes e/ou moradia com recursos reembolsáveis.

2) Política preventiva para deslocamento de população.

3) Apoio técnico/ escritórios itinerantes.

4) Projeto Niterói.

5) Projeto Rio das Botas.

6) Favelas de Petrópolis.

7) Favelas de São João de Meriti.


Desenvolvimento de assentamentos humanos:

1) Apoio aos desabrigados via fornecimento de embriões habitacionais.

2) Projetos físicos denominados Planos de Massa.

3) Projetos geradores de emprego e renda.

Apoio social aos assentamentos rurais:

1) Apoio à organização comunitária.

2) Suplementação alimentar.

3) Formação de agentes de saúde.

4) Montagem de unidades de saúde e atendimento.

5) Hortas medicinais.

6) Atenção odontológica.

7) Educação profissionalizante geradora de renda.

8) Educação informal.

9) Educação pré-escolar.

Desenvolvimento da produção e da infra-estrutura nos assentamentos

rurais:

1) Proposição de formação de patrulha mecanizada; assistência técnica e

extensão rural; análise, correção e adubação de solos; controle

fitosanitário; armazenagem e comercialização; apoio à produção animal;

cooperativação; beneficiamento.

2) Planejamento da ocupação do solo agrícola; eletrificação rural construção

de habitações rurais; abastecimento de água e esgoto.

Programas Habitacionais e Áreas de Atuação do Governo

Tendo em vista que estas são as diretrizes do governo Moreira Franco, a

programação de habitação compôs-se de três áreas de atuação e seis programas,

bem descritos em seu Plano de Desenvolvimento:

Área I: Urbanização de áreas.

O governo do Estado tinha em mente ampliar o atendimento habitacional à

famílias de menor renda, através de uma ação integrada e diversificada em


projetos de lotes urbanizados e de implantação de infra-estrutura, fazendo-se

necessário criar mecanismos de oferta a custos acessíveis a essa população de

menor poder de compra.

Programa I: Lotes urbanizados e financiamento de materiais.

Este programa, destinado à população de baixa renda, tem como objetivo a

ampliação do atendimento habitacional, através da urbanização de áreas e do

financiamento de materiais de construção. As áreas para a implantação incluem

aquelas loteadas irregularmente que se caracterizam pela ausência de serviços

públicos essenciais. O programa, a ser financiado pela Caixa Econômica Federal,

consiste na construção de unidades sanitárias e na execução de obras de infra-

estrutura de urbanização para 15 mil lotes, assim como no financiamento para

aquisição de material de construção para 8 mil unidades habitacionais a serem

ampliadas, melhoradas ou construídas pelos próprios beneficiários.

Área II: Construção e recuperação de unidades habitacionais.

Para atender à demanda habitacional das populações de baixa renda, faz-se

necessário a oferta de novas unidades habitacionais, evitando a construção de

conjuntos habitacionais excessivamente uniformes e isolados, como foi feito

anteriormente, priorizando o aproveitamento dos vazios urbanos já dotados de um

mínimo de infra-estrutura. Desta forma, evitando projetos custosos de urbanização

e transporte para os futuros moradores. Os programas desta área devem melhorar

as condições de habitação vigentes, através da construção ou recuperação de

unidades, visando ao bem-estar dos moradores, e à diminuição da inadimplência

dos beneficiários junto a Cehab-RJ.

Programa II: Construção de unidades habitacionais.

Este programa pretende atender o segmento populacional com renda inferior

a 5 salários mínimos, através da construção de núcleos residenciais de natureza

popular. Objetiva a construção de 100 mil unidades habitacionais e respectivas

obras de infra-estrutura de urbanização, financiadas pela CEF e executadas pela

Cehab-RJ. Parte destas unidades (22,4%) seria implantada em propriedades da


Cehab-RJ, em todo estado do Rio. Dentro deste programa estão previstos

atendimentos com as prefeituras municipais, visando à realização de vistorias,

objetivando detectar as necessidades dos municípios em termos de construção

habitacional e infra-estrutura, no perímetro fora das sedes municipais, a fim de

reduzir as correntes migratórias desordenadas para os grandes aglomerados

urbanos.

Programa III: Programas emergenciais

O programa pretende dar continuidade às ações anteriores com a conclusão

de obras e previsão de novas construções, totalizando cerca de 7 mil unidades

habitacionais e respectivas obras de urbanização e infra-estrutura, em áreas e

núcleos habitacionais com necessidades específicas e de caráter emergencial. Além

disso, está prevista a construção de cerca de 4 mil unidades novas, resultantes de

estimativas quanto à existência de outras situações que exijam soluções de

emergência.

Programa IV: Recuperação de conjuntos habitacionais.

Observa-se, nos conjuntos habitacionais, em razão do tempo decorrido

desde a construção, o aceleramento do desgaste das edificações, acarretando

descontentamento de seus moradores e a dilapidação do patrimônio da Cehab-RJ.

Nesse sentido, o programa a ser financiado pela CEF, tinha em vista dar

continuidade à recuperação de 34 conjuntos habitacionais da Cehab-RJ, na Região

Metropolitana do Rio de Janeiro, executando obras similares em outros 45 núcleos

de habitação popular a serem definidos.

Área III: Reestruturação operacional da Cehab-RJ.

Responsável por programas de reestruturação organizacional de diversos

setores, a Cehab-RJ tem como foco principal a adequação de sua estrutura à

implementação de um programa habitacional eficiente para o estado. Logo, faz-se

necessário pôr em prática, mudanças de caráter operacional que permitam o

aperfeiçoamento das atividades administrativas relacionadas com a regularização


jurídica de seus imóveis e possibilitem a adequação e o reaparelhamento da infra-

estrutura física da Companhia.

Programa V: Regularização e legalização.

Este programa prevê a reestruturação de atividades operacionais da Cehab-

RJ de forma a agilizar a regularização de lotes e a garantir a posse e propriedade

destes aos segmentos populacionais de menor poder aquisitivo, diminuindo as

tensões sociais, acelerando o processo de legalização de unidades habitacionais,

cumprindo as formalidades legais pertinentes à aquisição daquelas unidades

integrantes de conjuntos residenciais da Companhia. Desta forma, o programa tem

em mente a regularização fundiária de 90 mil lotes situados em áreas do Estado ou

município e que foram objeto de incorporação ao patrimônio da Cehab-RJ, bem

como a legalização de 55 mil unidades habitacionais já construídas e parte daquelas

a serem realizadas pela Companhia em todo o estado do Rio.

Programa VI: Construção da sede da Cehab-RJ.

O programa, a ser financiado pela CEF, prevê a construção da sede própria

da Cehab-RJ, face à necessidade de dispor de uma estrutura operacional adequada

às atividades desenvolvidas pela Companhia, que se encontram significativamente

prejudicadas em razão da dispersão de suas unidades administrativas e das

condições precárias dos imóveis e instalações, ora ocupados.

Vale a pena destacar que a Cehab–RJ até agora adotara alguns critérios para

a classificação inicial de candidatos no sistema de inscrição e classificação aberta ao

público em caráter permanente. Para a classificação inicial era observada a


15
seguinte ordem de prioridade:

- Maior número de componentes familiares;

- Maior número de famílias residentes no mesmo imóvel;

15
ARAÚJO, A. A política habitacional a partir de 88: a ação da Cehab-RJ em Angra dos Reis e
a estratégia de intervenções dos assistentes sociais, 1988: 22.
- Imóvel cedido prevalece sobre o alugado e este sobre o de

propriedade do candidato;

- Ser sindicalizado;

- Ser ex-combatente;

- Menor de idade inscrito.

De acordo com Andréa Araújo, o que se observa é que estes critérios muitas

vezes foram burlados em nome dos interesses de diversos políticos e de pessoas

nomeadas para ocupar casos comissionados. Desta forma, a máquina pública era

utilizada para perpetuar seus “currais eleitorais” e seus funcionários recorriam a

meios ilícitos de comercialização de unidades habitacionais. 16 Objetivando corrigir

estas irregularidades em 20 de Setembro de 1990, o então governador W. Moreira

Franco, através da Lei 1710, determinou a obrigatoriedade do sorteio público de

lotes e casas populares pelo governo do Estado, via loteria oficial. Contudo, esta

medida não alterou a situação, favorecendo ainda mais à interferência dos

objetivos eleitorais do Sistema de Habitação Popular.

Na primeira gestão de Brizola, o quadro funcional quadriplicou, chegando a

atingir 2000 funcionários efetivados sem concurso público. Já no governo Moreira

Franco, a empresa demitiu um grande número de funcionários, porém mudara sua

função, agora sendo reduzida a mero órgão fiscalizador de alguns programas

habitacionais que não se concretizam, confirmando ainda mais sua utilização para

fins políticos eleitoreiros. 17

Na esfera nacional, vale destacar que, em 1989, todos os financiamentos

através do Sistema Financeiro de Habitação foram suspensos por tempo

indeterminado. Neste período, a política habitacional para a população de baixa

renda ficou reduzida à instituição do mutirão e da autoconstrução, e os programas

alternativos foram substituídos pelo programa Nacional de Mutirões Habitacionais.

16
Idem. Ibidem.
17
Idem: 23.
Foi criado também o Programa “Fala Favela”, do Programa de Ação da Secretaria

Especial de Ação integrado à Presidência da República, propondo a urbanização de

favelas, através da participação do governo federal, prefeituras e da população.

Ainda em 16 de Maio de 1990, na presidência de Fernando Collor de Mello, tem-se


18
o Plano de Ação Imediata para a Habitação – PAIH.

Governo Moreira Franco (1987-1991)

No Governo Moreira Franco há a continuidade da falência dos programas de

construção de unidades habitacionais e de infra-estrutura de sustentação,

marcando os anos 80 como o período de crise mais aguda da atividade do

planejamento, em particular do planejamento urbano. Num contexto de forte

centralização conjuga-se a falta de capacitação política e financeira dos Executivos

locais com a perda de legitimidade do Estado para implementar intervenções no

espaço urbano. No entanto, as transformações sociais, políticas e econômicas que

emergiram nos anos 90 tornaram imprescindível uma reestruturação urbana da

metrópole carioca. Durante a década anterior, foram poucas as intervenções

urbanísticas, até mesmo pelo sucateamento físico e tecnológico da infra-estrutura

existente, tornando-se necessária a retomada dos investimentos urbanísticos nos

anos 1990.

A retomada dos investimentos públicos no plano local, somente foi possível

com a entrada em vigor de uma nova Constituição Federal, de corte

descentralizador. A redistribuição da arrecadação tributária em favor dos municípios

e a possibilidade de que eles tivessem legislação tributária própria permitiram que a

cidade do Rio de Janeiro pudesse ampliar consideravelmente sua receita. Nessa

metrópole, então, muitos equipamentos urbanos foram reformados e/ou instalados

no início dos anos 90.

18
Idem: 36.
No início da década de 80, Lícia do prado Valladares 19 apresentou um

relatório baseado em notícias publicadas pela imprensa. Primeiramente, a autora

assinala que a sociedade brasileira vivenciara no início da década de 80 um

processo de abertura política com a participação intensa dos movimentos sociais na

esfera política. No Rio de Janeiro, a eleição de 1982, de Leonel Brizola, para o

governo do estado criou um clima de expectativa em relação ao atendimento às

necessidades básicas da população carente como vimos anteriormente, devido ao

anúncio do programa “Cada Família, Um Lote”. A partir de então proliferaram na

cidade diversas ocupações que ocorriam coletivamente de forma organizada. De

acordo com a autora, por ocorrer coletivamente, o fenômeno era considerado como

relativamente novo na cidade, constituindo forma de luta urbana, “com nítido teor
20
de protesto e clara expressão reivindicativa”. No entanto, no decorrer da década

de 80, este fenômeno continuou a ocorrer cotidianamente na cidade, devido ao

desemprego, ao subemprego e à alta dos aluguéis, somado à necessidade e às

dificuldades de acesso ao financiamento da casa própria.

A situação das ocupações coletivas tornou-se crítica em 1988, durante o

governo Moreira Franco, atingindo um alto índice de ocorrências. Neste período, a

relação entre Estado e invasores se agravou. Por diversas vezes a polícia foi

acionada para expulsar os ocupantes. Para o poder público estadual da época, a


21
questão das invasões se resolveria no âmbito policial. Através do estudo de

Valladares, pode-se constatar, assim, que as invasões coletivas na cidade

ocorreram durante toda a década de 80 em diferentes conjunturas, com

concentração de ocorrências nos períodos de 1983 e 1988. Observa-se também que

as ocupações ocorreram em grandes extensões de terras desocupadas, como no

caso de Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Baixada Fluminense.

19
Ver VALLADARES, L.P.. Invasões de terra no Rio de Janeiro de 1983: uma cronologia,
1983.
20
Idem: 4.
21
Jornal do Brasil, 01/06/1988.
Nos processos de favelização na década de 80, além das ocupações

coletivas, constatou-se a ocorrência de adensamento em algumas áreas. Neste

processo nota-se que as edificações vão se aglomerando de maneira desordenada

sobrecarregando a precária infra-estrutura existente.

O Projeto Reconstrução-Rio (1987-1991)

Soluções alternativas para a questão habitacional em contraposição ao que é

oficialmente oferecido vêm aparecendo com freqüência ao longo destes últimos

anos. Mutirões, autoconstrução ou autoprodução de moradia, formação de

cooperativas, e planos habitacionais desenvolvidos pelo município, pelo estado e

pelo governo federal, demonstram as possibilidades de atuação inovadora no setor.


22
O Projeto Reconstrução-Rio se enquadra neste processo.

O Projeto Reconstrução-Rio foi concebido originalmente em 1988, como um

projeto emergencial. Avaliado em US$ 700 milhões (a parte do Estado correspondia

a US$ 420 milhões), visava a recuperar rapidamente as áreas destruídas pela

grande enchente ocorrida em Fevereiro daquele ano, além de realizar obras de

prevenção contra futuras enchentes, principalmente na Região Metropolitana do Rio

de Janeiro. Previsto para ser executado em 4 anos, o projeto levou mais que o

dobro de tempo para ser concluído. Institucionalmente contou, tanto no âmbito do

planejamento quanto na gestão e execução de cada um de seus componentes, com

diferentes órgãos financeiros —Banco Mundial (BIRD), Caixa Econômica Federal

22
Vale destacar, neste contexto, que a Constituição Federal de 1988, prevê a elaboração do
Plano Diretor para as cidades com mais de 20 mil habitantes. Seu objetivo declarado é,
através de um tratamento integrado de diversos setores da política pública, estabelecer um
conjunto de diretrizes, normas e procedimentos que deverão pautar o desenvolvimento
urbano e social das cidades nos próximos 10 anos. Ver BURGOS, M. B. Dos parques
proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro. Apud
ZALUAR & ALVITO, Um século de Favela, 2004..
(CEF) e governo do estado— desenvolvendo direta e indiretamente órgãos
23
governamentais federais, do estado e dos municípios diretamente beneficiados.

Diante da grande complexidade do arcabouço institucional do projeto,

reproduzida até hoje na maioria dos programas urbanos implantados pelo estado

do Rio de Janeiro, e atendendo a exigências do BIRD, foi criado um Grupo

Executivo de Recuperação e Obras de Emergência – GEROE. O GEROE tem a função

de coordenar e articular as ações dos diversos órgãos envolvidos na execução dos

componentes do projeto: Macrodrenagem, Reassentamento, Resíduos Sólidos,

Contenção de Encostas, Esgotamento Sanitário e Educação Ambiental. É

responsável pela articulação e interlocução com os organismos financeiros do


24
projeto.

Neste Projeto, rapidamente o Componente de Reassentamento tornou-se um

dos elementos de maior vulto no contexto geral do programa, dado,

principalmente, devido à dificuldade de sua implementação e sua complexa

mobilização institucional necessária. Através deste Componente, cerca de 4 mil

famílias de áreas ribeirinhas, foram transferidas para vários conjuntos


25
habitacionais.

As principais instituições e órgãos envolvidos no planejamento e execução

do Componente de Reassentamento foram: o GEROE, as Prefeituras Municipais, dos

seis municípios beneficiados e seus vários órgãos governamentais, a Secretaria

Estadual de Rios e Lagoas ―Serla, o Sistema Financeiro de Habitação —SFH, a

Companhia Estadual de Habitação ―Cehab-RJ, a Secretaria de Estado de Defesa

Civil ―Sedec e a Companhia Estadual de Águas e Esgotos —CEDAE. 26

Interessa a esta pesquisa expor uma visão global do Projeto Reconstrução-

Rio, seu histórico, o contexto político de sua formulação e implementação, ao longo

23
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública: o Projeto Reconstrução-Rio do Governo do Estado do Rio de Janeiro,
2004: 24.
24
Idem: 25.
25
Idem: 26.
26
Idem. Ibidem.
de duas diferentes gestões governamentais —governo Moreira Franco e o segundo

governo Leonel Brizola― seus principais componentes, seu público alvo e o

arcabouço institucional envolvido no planejamento, gestão e execução do projeto.

Através desta exposição, são observados alguns problemas na formulação e

na implementação do Componente de Reassentamento, principalmente os

relacionados à estrutura organizacional e ao peso dos órgãos financeiros na

definição desse processo.

No governo Moreira Franco (1987-1991), o primeiro estudo do projeto

previa a retirada de 1323 famílias ao longo do Rio Bota que junto com os rios

Iguaçu, das Velhas e Machambomba integram a Bacia do Iguaçu-Bota, localizada

entre os municípios de Belford Roxo e Duque de Caxias. Neste governo, 630

famílias foram reassentadas. Em pesquisa realizada pela Cehab-RJ, após dois anos

do reassentamento, cerca de 70% dos moradores haviam vendido os imóveis para

os quais tinham sido transferidos, trazendo novamente à tona a discussão sobre a

ausência de infra-estrutura, de meios de transporte e de uma alocação adequada,

além de problemas com a população local e de cunho burocrático. 27

Na primeira fase deste projeto, foi destacado que a completa falta de

articulação entre os órgãos envolvidos, e um grande atraso no repasse dos recursos

fez com que as obras tivessem seus cronogramas freqüentemente atrasados. O

governo optou pela alternativa emergencial de utilizar conjuntos da Cehab-RJ,

financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação para a alocação da população à

beira do rio Bota. Esta alternativa resolveu o problema apenas momentaneamente.

As casas eram muito pequenas e distantes. A Cehab-RJ foi obrigada a assumir o

pagamento das prestações dos empreendimentos a CEF, destinados ao projeto

Reconstrução-Rio, marcado por uma imensa inadimplência.

No final do governo Moreira Franco, a administração estadual, pressionada

pelo Banco Mundial, colocou à disposição do projeto mais conjuntos a serem

construídos na Estrada do Madureira financiados pelo PAIH, do Sistema Financeiro

27
Idem: 27.
de Habitação. Porém, a população continuava resistindo à transferência. Este seria

o quadro a ser enfrentado pelo próximo governador, na área da habitação e infra-

estrutura para as populações de baixa renda: os atrasos nas construções, que

acabaram gerando grandes problemas para os órgãos envolvidos, que por sua vez

tiveram que improvisar o alojamento destas pessoas, somados à insegurança e

desconforto com a nova política para as famílias reassentadas.

No governo Moreira Franco, quanto ao Projeto Reconstrução-Rio, a principal

crítica que se faz, é relativa a quase total delegação da formulação, planejamento e

definição de prioridades das grandes intervenções aos interesses das empreiteiras e

do setor privado. Segundo relatório GEROE:

As firmas projetistas definiram necessidades de obras numa


relação direta com as empreiteiras, sem interveniência
significativa da Serla, o que levou à completa privatização
de definições fundamentais que deveriam caber em primeiro
lugar ao poder público representado pela Serla. 28

Embora o Projeto colocasse como premissa básica a participação

comunitária, as respectivas representações não foram chamadas a opinar durante a

elaboração do plano. Uma empresa de consultoria privada foi contratada pelo

GEROE para elaborar o Plano Geral de Reassentamento, e os órgãos públicos

designados à implantação jamais foram consultados sobre a real possibilidade de

participação destas instituições. A terceirização deste processo trouxe como grave

conseqüência um grande atraso e descrédito do projeto, além de muita ansiedade à

população alvo. A completa falta de diálogo entre a empresa consultora, que

elaborou o plano, e órgãos executores, levou a equipe de técnicos da Cehab-RJ,

que executou o reassentamento das primeiras 630 famílias, transferidas do Rio

Bota para o Conjunto Sítio do Livramento, a ter acesso ao Plano de

Reassentamento, elaborado pela empresa de consultoria e aprovado pelo Banco

Mundial, somente após a conclusão de todo o processo de reassentamento,

28
Grupo Executivo para Recuperação de Obras de Emergência. Projeto Reconstrução-Rio.
Plano de Reestruturação: uma proposta de consolidação. Rio de Janeiro: BIRD; CEF, 1992:
67. Apud MANCINI, L. Cimentando Fendas Institucionais, 2004: 91.
deixando a população desacreditada, incentivando a retomada das invasões a
29
conjuntos habitacionais.

Considerações finais

No presente capítulo, constatamos que, com o fim do BNH e com a crise econômica

que se instaurou sobre o país nos anos 1980, houve uma forte restrição aos

investimentos na área da moradia. Isso se refletiu de maneira mais contundente na

atuação das Companhias Estaduais de Habitação, que viveram períodos de intensa

crise e paralisação, quando não de falência, dado o alto grau de inadimplência dos

mutuários. 30

No capítulo 3, observou-se o contexto das Eleições de 1986, e a

conseqüente vitória do candidato do PMDB Moreira Franco. Em seguida, realizou-se

um levantamento das diretrizes do governo para a habitação, através da análise

dos programas habitacionais e áreas de atuação do governo, até a implementação

e os primeiros movimentos do Projeto Reconstrução-Rio (1988-1991). Abaixo,

encontram-se algumas negociações, características e nuances do Projeto. 31

Logo após as inundações ocorridas na Região Metropolitana do Rio de

Janeiro, em 1988, o governador do estado Moreira Franco reuniu-se com o chefe do

Departamento do Brasil do BIRD, no Rio de Janeiro, para discutir a possibilidade de

o estado apresentar ao referido banco um pedido de empréstimo de caráter

emergencial, visando à reconstrução das áreas mais atingidas. O BIRD, então,

enviou missão ao Brasil para discussão dos primeiros documentos preparados pelo

governo do estado e pelas prefeituras dos municípios do Rio de Janeiro, Petrópolis,

São João de Meriti, Nilópolis, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Definiu-se que

29
Idem: 91-93.
30
CARDOSO, A. L. et. al. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003:
65.
31
Ver MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública, 2004: anexo 2: 10-17.
seriam contratados empréstimos específicos para o estado, para o município do Rio

e para os demais municípios, sendo que para esses haveria repasse do estado.

O governador Moreira Franco, pelo decreto número 11.131, criou o Grupo

Executivo para Recuperação de Obras de Emergência —GEROE, órgão temporário,

em nível de Secretaria de Estado, para se encarregar da coordenação geral do

Projeto. A Caixa Econômica Federal e o governo do estado assinaram os Contratos

de Empréstimos para financiamento de obras de esgotamento sanitário e de

drenagem, que posteriormente foram incorporados ao Projeto como contrapartida

nacional. Após a diretoria do Banco Mundial aprovar a concessão de empréstimo,

de 175 milhões de dólares, à CEF, foi assinado pelo governo do estado e pela

prefeitura do Rio de Janeiro, o convênio de Cooperação Técnica para a execução do

projeto.

No governo Moreira Franco, apesar do GEROE existir formalmente, na esfera

pública, o papel da formulação e discussão da política do projeto Reconstrução-Rio

com a sociedade civil estava nas mãos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano

—Sedur que, através da discussão da política de saneamento do estado,teve

importante papel de legitimar o Comitê de saneamento da baixada como um dos

atores protagonistas do projeto.

De acordo com Taschner, no final do primeiro governo Brizola, a rigidez da

regulamentação, o montante de investimentos e a demora na aprovação dos

projetos desestimularam a oferta de lotes. Mas, em 1989, voltam os loteamentos

clandestinos sob nova face. Não existe mais a figura do loteador, que

eventualmente aparece sob a forma de assessor técnico, mas surgem associações

de moradores, que compram e parcelam terras, sem prévia autorização dos

poderes públicos. O antigo loteador reencontra sua função: faz a intermediação

entre as associações e os vendedores de glebas. Quanto ao poder público, esta

gestão, entre os anos de 1989 e 1992, comprometida com os movimentos

populares, se vê numa encruzilhada: se era fácil criminalizar um loteador, o mesmo

não acontece com uma associação, que às vezes nem tem diretor responsável.
Além disso, esse tipo de processo tem repercussões políticas sérias junto às suas

bases. 32

Em 1989, foram assinados os primeiros contratos do Projeto para a

execução de obras de esgotamento sanitário sob responsabilidade da CEDAE, na

Baixada Fluminense. No mesmo ano, foram assinados os Contratos de Empréstimos

entre a CEF e o governo do estado para financiamento da contrapartida nacional

das obras de macrodrenagem, sob a responsabilidade da Serla.

Em 1990, após ser instituído o Plano de Estabilização Econômica do governo

federal, foram assinados os contratos para a execução das obras de

macrodrenagem, com as firmas vencedoras da licitação internacional. Adotando a

sugestão do BIRD, neste período, a Internacional de Engenharia S.A. –IESA —

consultora do GEROE para gerenciamento do Projeto, assumiu a supervisão

temporária das obras de drenagem, até que fosse concluída a concorrência

internacional. Ainda em 1990, foi realizado o primeiro reassentamento do Projeto,

com a recolocação de 630 famílias que ocupavam as margens do Rio Bota em

unidades habitacionais construídas pela Cehab-RJ, com recursos extra-projeto, no

Sítio do Livramento, em Nova Iguaçu.

Segundo Mancini, a principal proposta do plano, que previa o financiamento

de lotes urbanizados para a autoconstrução, mostrou-se, na realidade totalmente

inexeqüível. A renda média das famílias a serem reassentadas não chegava a um

salário mínimo, conforme pesquisa realizada pela Cehab-RJ durante o

cadastramento das casas afetadas, o que inviabilizaria o pagamento de prestações,

além da compra de material de construção para a edificação de casas. A autora

acrescenta ainda, que não havia recursos no estado —responsável pelo

componente— para a aquisição e a urbanização de terrenos e o tempo para

construção de mais de mil casas através da autoconstrução, seria incompatível com

32
TASCHNER, S. P. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 113.
a necessidade de liberação de frentes de obras para o Componente de

Macrodrenagem. 33

A retomada do processo de discussão com os movimentos comunitários

organizados, só veio a ocorrer na nova administração de Leonel Brizola, onde houve

uma maior valorização do corpo técnico efetivo da administração pública, retirando

as empresas terceirizadas da formulação política do Projeto. 34

Apesar de todos os percalços vivenciados pelo Projeto Reconstrução-Rio, a

experiência adquirida no processo de sua implementação, deve ser analisada como

um importante aprendizado em gestão pública e principalmente democrática.

Para Marcus André de Melo 35 , o quadro da política habitacional traçado até

aqui, aponta para o esgotamento do padrão de financiamento desta política setorial

associado a uma crise fiscal do Estado, de caráter compreensivo. Por um lado,

aponta para um processo de fragmentação institucional e paralisia decisória.

Segundo Melo, o processo de reestruturação institucional da política habitacional,

comandado pelo núcleo dirigente da Nova República, que culminou na extinção do

BNH em 1986, permaneceu inconcluso. Com a conseqüente transferência da gestão

do Fundo de Compensação das Variações Salariais —FCVS 36 ao Banco Central e da

gestão do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo —SBPE para o Conselho

Monetário Nacional se estabelece um conflito inter-burocrático. Por outro lado, de

acordo com o autor, a absorção das funções do BNH pela CEF ensejou uma paralisia

administrativa da gestão da política habitacional. A transferência da gestão do

33
Idem: 92.
34
Idem: 93.
35
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 20.
36
Este fundo foi criado pelo extinto Banco Nacional da Habitação (BNH) para garantir a
quitação dos saldos devedores no término do contrato. Estes são ocasionados por diferentes
formas de reajustes entre a prestação e o saldo devedor. A condição para uso do FCVS é a
contribuição mensal do valor correspondente a 3 % do encargo. Esse recurso foi mantido até
o final da década de 80 e em alguns contratos no início dos anos 90. Portanto, quem possui
esse fundo em seu contrato, tem o direito de liquidar o saldo devedor após o pagamento da
última prestação, devendo encaminhar seu pedido diretamente ao agente financeiro. Fonte:
Hwww.ammrs.com.brH, acessado em 09/10/2007.
Fundo de Assistência à Liquidez —FAL para o Banco Central num quadro de

escalada de falências fraudulentas de agentes financeiros, na realidade, se

constituiu no primeiro passo de ingerência do Banco Central no Sistema Financeiro

de Habitação. Nota ainda, que o ajuste do SFH ao plano Cruzado foi um processo

complexo em que as medidas parciais adotadas geravam fortes desequilíbrios de

ordem contábil, os quais absorveram a atenção dos gestores da política

habitacional. Melo acrescenta que a arena decisória se ampliou notavelmente com a

incorporação de outros atores sociais —burocráticos, dos movimentos sociais e de

setores capitalistas— à arena decisória. A fragmentação do processo decisório na

estrutura interna do estado foi apontada paradigmaticamente pelo presidente do

BNH em exposição ao Conselho de Administração do Banco, segundo a citação:

A viabilidade das metas governamentais no setor de


habitação também está vinculada à rapidez com que possam
ser definidas as regras de aplicações de recursos ao mesmo
destinados. Esta rapidez será tanto menor quanto mais
diluída esteja a faculdade de regulamentação entre vários
órgãos do governo. É experiência universal que a
complexidade dos processos decisórios —que se amplia com
o número de agentes que neles intervêm— pode até
produzir decisões mais sábias. Esta lentidão poderá
aumentar se nos mecanismos decisórios se procura incluir
todos os interesses em conflito. Em outras palavras: quando
se procura reproduzir, na esfera da administração executiva,
os padrões de representatividade que as democracias
modernas asseguram ao legislativo, transfere-se para
aquela as características do último, que privilegiam a
participação e o debate, mas não têm o mesmo
compromisso com a velocidade das decisões. 37

Melo conclui que o discurso acima assinala a crise de governabilidade que

afeta a gestão da política habitacional que se funda na explosão de demandas

setoriais num quadro onde o horizonte temporal do cálculo político e econômico dos

agentes envolvidos se reduz devido às incertezas trazidas pela crise. Complementa

ainda, que, de forma semelhante, na esfera da habitação popular, verifica-se um

37
Sistema Financeiro de Habitação. Desempenho em 1985. Situação, problemas e
perspectivas em 1986: 17 apud MELO, M. Políticas públicas e habitação popular:
continuidade e ruptura, 1979-1988, 1988: 21.
conflito entre as instituições estaduais e municipais e a área fazendária da

administração federal, cuja arbitragem está na esfera do Executivo. 38

Ao final dos anos 1980, acumulavam-se perspectivas positivas de

transformação, com a aprovação da Constituição e com a consolidação de

programas de urbanização de favelas e de regularização de ocupações e

loteamentos, que, mesmo sendo implementados de forma incompleta e pouco

satisfatória para a população de baixa renda, deixaram para trás os anos de

chumbo da política de remoção. No entanto, a extinção do BNH tornou incerto o

futuro da política habitacional no país e na cidade, num contexto em que as favelas

voltavam a crescer. 39

No próximo capítulo veremos novamente a mudança de toda concepção

política e filosófica do governo do estado após as eleições; o processo eleitoral de

1990; como o Componente de Reassentamento do projeto Reconstrução-Rio foi

tratado no segundo governo Leonel Brizola (1991-1995); qual a situação da política

nacional, tendo em vista que o Presidente da República, ao longo da segunda

gestão de Brizola, era Fernando Collor de Mello; o papel das instituições e da

burocracia na implementação de programas habitacionais; enfim, o papel do Estado

na implementação de políticas públicas voltadas à habitação para a população de

baixa renda no Rio de Janeiro.

38
MELO, M. Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988,
1988: 22.
39
CARDOSO, A. L. et. al. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003:
65.
Capítulo 4

O segundo governo Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro


(1991-1995)

O presente capítulo será dedicado ao segundo governo Brizola no Estado do Rio de

Janeiro (1991-1995). Foi enfatizado aqui, que os anos 80 ficaram marcados pela

crise mais aguda da atividade do planejamento, em particular do planejamento

urbano. É evidente que nesse cenário, a reforma urbana passa a significar maior

controle do uso do solo, incluindo a adoção de novos instrumentos jurídicos e

urbanísticos, além da utilização de novos tipos de investimentos em infra-estrutura

urbana.

Num contexto de forte centralização julgam-se a falta de capacidade política

e financeira dos Executivos locais com a perda da legitimidade do Estado para

implementar intervenções no espaço urbano no Rio de Janeiro ao longo desta

década. No entanto, as transformações sociais, políticas e econômicas que

emergiram nos anos 1990, tornaram imprescindível uma reestruturação urbana da

metrópole carioca. Até mesmo pelo sucateamento físico e tecnológico da infra-

estrutura existente, tornou-se necessária a retomada dos investimentos

urbanísticos nos anos 90, como veremos a seguir.

Neste capítulo será analisado o processo eleitoral de 1990: a eleição; como

o segundo governo Brizola se comportou em relação às políticas de habitação

popular neste período. Em seguida, abre-se um parêntese para o Projeto

Reconstrução-Rio, abordado no capítulo anterior, avaliando os papéis do Estado,

das instituições e da burocracia, no processo de reforma urbana e políticas

públicas, culminando numa inevitável comparação com os governos anteriores no

que concerne ao tema: descontinuidade nas políticas de habitação no estado do Rio

de Janeiro e, conseqüentemente, em sua capital. Esta descontinuidade traduziu-se

em omissão, vindo a gerar uma explosão de habitações irregulares e favelas.


2

Quadro político nacional: Constituição Federal (1988) e Eleições


Presidenciais (1989)

O tema da Reforma Urbana foi retomado com mais intensidade, em 1988, a partir

do movimento nacional em torno de uma proposta para a Constituição federal,

então em elaboração. Como ponto central da proposta, em primeiro lugar, estava a

função social da propriedade e da cidade e, em seguida, a participação popular na

definição e gestão das políticas referentes ao urbano. Pode-se dizer que esses

novos instrumentos legais expressam, no que se refere à política urbana, o

reconhecimento formal das necessidades e direitos da população pobre das áreas

urbanas por parte de determinados setores da esfera pública —Legislativo e

Executivo— em função da efetiva participação política dos segmentos sociais

organizados no processo constitucional. Dentre as necessidades sociais

formalmente conhecidas pelas novas legislações urbanas, o acesso à moradia

sobressai enquanto uma questão central, em torno da qual foi aprovado um

conjunto de artigos referentes à: urbanização e regularização fundiária das áreas

faveladas e loteamentos ilegais; programas de construção de moradias populares

por parte dos estados e municípios; utilização das terras públicas ociosas para

assentamentos de população de baixa renda. 1

Quanto ao maior uso do solo, a Lei Orgânica do Rio de Janeiro estabelece

uma série de medidas voltadas para o impedimento da ociosidade do solo edificável

e do adensamento inadequado em relação à infra-estrutura e equipamentos

públicos, para os prazos de conclusão de obras de parcelamento e edificação e para

o impacto ambiental e urbanístico. A partir daí, passa-se a exigir estudos de

impacto para a implementação de empreendimentos imobiliários e industriais e a

provisão de estação de tratamento de esgoto por parte dos loteadores e


2
incorporadores.

1
LAGO, L. Política urbana e a questão habitacional: novas tendências face à crise econômica
brasileira, 1992: 42-43.
2
Idem. Ibidem.
3

Para poder eleger diretamente o seu presidente o povo brasileiro teve que

esperar por 29 anos. Neste período, amargou a “escolha” de militares pelo Colégio

Eleitoral, viu ir por terra o sonho das “Diretas Já”. Mas, finalmente, em 1989,

reconquistou o direito de escolher o principal mandatário da Nação. A crítica saudou

o grande momento com a manchete: “Nos 100 anos da República, a festa da

democracia. Vota Brasil!”, ressaltando que no dia 15 de Novembro de 1989, além

da eleição, o País comemorava o centenário da proclamação da República. A

República brasileira que completava 100 anos encontrava-se enfim com a

democracia. Seu povo foi às urnas depois de uma longa e imposta abstinência para

escolher o nome daquele que mereceria a escolha da cidadania num pleito livre.

A primeira eleição após o fim do Regime Militar teve 22 candidatos a

Presidente. As candidaturas de Armando Santos e Silvio Santos foram anuladas.

Disputaram o segundo turno Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva. Também

foram candidatos: Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf, Guilherme Afif

Domingos, Ulisses Guimarães, Roberto Freire, Aureliano Chaves, Ronaldo Caiado,

Affonso Camargo, José Alcides Marronzinho, Zamir Teixeira, Lívia Maria, Eudes

Mattar, Fernando Gabeira, Celso Brant, Antônio Pedreira e Manoel Horta.

As eleições de 1989 foram um verdadeiro anticlímax das lutas pela

democracia no Brasil. O país elegia pelo voto direto seu presidente, pela primeira

vez em quase trinta anos e depois de uma transição política longa e conturbada.

Mas, em dezembro de 1989, Fernando Collor de Melo sagrou-se presidente,

derrotando o líder operário Luis Inácio Lula da Silva, cuja candidatura era apoiada

por um leque de forças de esquerda. O vitorioso era um arrivista que fizera carreira

na ditadura, manifestava desprezo pelos partidos e, como os brasileiros não

tardariam a descobrir, via na presidência uma plataforma para negócios escusos.

O discurso de Collor na campanha de 1989 oscilou entre o moralismo e o

anticomunismo. Mais do que tudo, sua imagem contribuiu para o seu sucesso: o

candidato que aparecia no vídeo, com ar jovem, cosmopolita e dinâmico, era a

própria “modernidade” que ele prometia trazer para o país. Granjeou o apoio dos
4

“descamisados” (a parcela mais pobre e desorganizada da população), sensíveis a

seu apelo messiânico; das classes médias que encaravam com receio uma eventual

vitória da esquerda; e das diferentes frações da burguesia, que cedo ou tarde viram

nele a única alternativa viável para a proteção de seus interesses. Sua plataforma

econômica liberal, que pregava a redução do papel do Estado na economia, a

precarização das relações de trabalho e a abertura do Brasil ao mercado mundial,

era compartilhada por quase toda a classe dominante, aí incluída a unanimidade da

mídia.

Outro fator defendido em alguns trabalhos, como o de Mônica M. M. Castro, 3

é que o candidato para conquistar o voto necessita formar junto ao eleitor a

imagem de defensor dos interesses do povo. Sob este olhar, a vitória de Collor nas

eleições de 1989 se deu a partir da migração dos eleitores do PMDB,

tradicionalmente visto como defensor dos interesses populares. A queda da

popularidade do então presidente José Sarney fez com que ocorresse a migração

dos eleitores do PMDB para o candidato do recém-criado PRN, que fazia clara

oposição ao governo Sarney.

Castro avalia que, entre os eleitores de baixa “sofisticação política”, há uma

escolha através de uma série de atributos pessoais do candidato, ou seja, o eleitor

busca um candidato que tenha qualidades que mais se aproximem de seus

interesses ou que tenham características semelhantes às suas. Esta afirmação pode

ajudar a esclarecer como foi possível ocorrer esta migração dos votos dos eleitores

do PMDB para o recém formado PRN, ou inverter o peso na hora de analisar tal

escolha, onde o que pesa é o candidato e não o partido.

Interessa aqui a relação e influência entre o governo que se instaurara e o

governo estadual, no que diz respeito à política habitacional. Portanto,

abordaremos a questão das eleições para governador do estado em 1990,

observando também as ações do Governo federal neste período.

3
Ver CASTRO, M. M. Determinantes do comportamento eleitoral. A centralidade da
sofisticação política, 1994.
5

Em seus dois anos e meio de mandato, o governo Collor pouco inovou

quanto a mudanças no Sistema Financeiro de Habitação. Devido à ênfase e

primazia do combate à inflação, todos os programas sociais de maior envergadura

foram postergados. Em relação à habitação popular, Sérgio de Azevedo argumenta

que houve o que Marcus André de Melo chama de banalização da política, com a

dissociação das atividades de saneamento e desenvolvimento urbano, e a política

distributiva encontrava-se vinculada ao novo Ministério da Ação Social. Tanto a

alocação das unidades construídas pelos programas populares convencionais,

quanto pelos alternativos, estes baseados na autoconstrução, continuavam sendo

feitas por critérios aleatórios, não respeitando na prática a distribuição estabelecida

pelo conselho curador do FGTS. A construção de unidades convencionais também

continuou privilegiando setores populares de renda mais elevada. O Plano de Ação

Imediata para a Habitação —PAIH, de 1990, apresentado como medida de caráter

emergencial,se propunha a financiar em 180 dias cerca de 245 mil habitações. O

Plano tinha como população alvo as famílias com renda média até cinco salários

mínimos, e possuía três vertentes: programa de moradias populares —unidades

acabadas, programa de lotes urbanizados —com ou sem cesta básica de materiais,

e programa de ação municipal para habitação popular —unidades acabadas e lotes

urbanizados. Sérgio Azevedo constata que enquanto para os dois primeiros

programas os agentes promotores são variados —Cohabs, Cooperativas, Entidades

de Previdência, Carteiras Militares, etc.— para o último, este papel cabe

exclusivamente à prefeitura. A coordenação geral fica a cargo do Ministério de Ação

Social/Secretaria Nacional de Habitação, atuando como banco de segunda linha a

CEF, isto é, com a responsabilidade de implementar os programas através dos


4
agentes promotores.

Porém, Azevedo expõe em uma avaliação preliminar do programa, que as

metas estabelecidas não foram cumpridas. Segundo o autor:

4
RIBEIRO, L. & AZEVEDO, S. (orgs.). A crise da moradia nas grandes cidades: da questão
da habitação à reforma urbana, 1996: 84.
6

O prazo estimado de 180 dias alongou-se por mais de 18


meses; o custo unitário médio foi de aproximadamente 670
VRFs, muito superior aos 570 VRFs da proposta inicial,
ocasionando uma diminuição de 245 mil para 210 mil
unidades; e por fim, por motivos clientelistas e lobby de
setores empresariais da construção civil de regiões menos
desenvolvidas, especialmente no Nordeste, o Plano não
logrou seguir os percentuais de alocação de recursos
definidos pelo Conselho Curador do FGTS para os diversos
estados da federação. 5

Azevedo diz ainda, que não houve durante a administração Collor nenhuma

iniciativa visando a rediscutir, em profundidade, o Sistema Financeiro de Habitação.

Ainda em 1991, foi facilitada a quitação da casa própria pela metade do saldo

devedor, ou pelo pagamento de mensalidades restantes, sem correção e juros.

Desta forma, boa parte dos mutuários de classe média lograram liberar seus

imóveis, já que também se permitiu o uso do FGTS para a quitação da dívida. O

governo conseguiu, assim, momentaneamente, aumentar o fluxo de caixa para

financiamentos habitacionais, mas seguramente isso significou maiores subsídios e

agravamento ainda maior da crise. 6

Com a destituição de Collor e a posse de Itamar Franco, houve uma

pequena mudança nos rumos da política habitacional voltada para a classe de baixa

renda, por meio de programas como Habitar Brasil e Morar Município, correndo

paralelamente ao Sistema Financeiro de Habitação que apresentava ainda um

quadro de profunda crise estrutural. Nesta gestão foram criados alguns Fundos

específicos que permitiriam verbas constantes para a produção da habitação, tais

como o Fundo de Desenvolvimento Social. De acordo com Sérgio Azevedo, o

financiamento federal previa verbas orçamentárias e parte dos recursos

arrecadados pelo Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras - IPMF, que

terminou não ocorrendo dentro do montante previsto em função de prioridades do


7
Plano de Estabilização Econômica —Plano Real.

5
Idem: 85.
6
Idem. Ibidem.
7
Idem: 86-87.
7

O governo Itamar Franco trouxe uma mudança qualitativa na política

habitacional, devido ao incentivo à descentralização e criação de “Fundos” e

“Conselhos” municipais e estaduais, especialmente às classes de baixa renda,

através dos programas Habitar Brasil e Morar Município, que ocorreram

paralelamente ao Sistema Financeiro de habitação. Porém, as mudanças no

Sistema Financeiro de Habitação foram poucas e, somadas à não-institucionalização

da iniciativa, à falta de recursos e ao Plano de Estabilização, provocando o

esvaziamento dos objetivos iniciais dos programas, que visavam à


8
descentralização, a produção em larga escala e a gestão popular.

A situação habitacional na cidade do Rio de Janeiro no início dos anos 1990

No Rio de Janeiro, no início dos anos 1990, segundo dados do Iplanrio, há a

constatação de um total de 573 favelas habitadas por uma população de

aproximadamente 1 milhão de pessoas. Deste total, 59% das favelas cariocas já

existiam até 1960; 22% surgiram entre 1961 e 1981; e 19% entre 1981 e 1991.

Desta forma, pode-se concluir que a população carioca, que habita as favelas da

cidade, teria crescido 2,6% ao ano entre 1980 e 1991, enquanto a do Município do

Rio de Janeiro aumentou a uma taxa anual de 0,43%. 9 Segundo os dados do

Iplanrio, além de novas 85 favelas, 69 das já existentes se expandiram, 198 se

adensaram e 167 se adensaram e se expandiram. Apenas 26, ou seja, 4,8%


10
permaneceram como eram.

No artigo The return of favela, de Valladares e Ribeiro 11 , a nova irrupção de

favelas resulta da combinação do surgimento de novas favelas, extensão física das

existentes e a densificação dos aglomerados já consolidados devido,

8
Idem. Ibidem.
9
VAZ, L. F. I New statements and new approaches to never ending problems. apud
TASCHNER, S. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 103.
10
TASCHNER, S. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 103.
11
Ver VALLADARES, C. & RIBEIRO, R. The return of favela. Recent changes in
intrametropolitan Rio, 1992.
8

principalmente, à pressão do mercado fundiário dentro das próprias favelas em

função da chegada de novos pobres, assim como a necessidade de alojar as

gerações seguintes.

Segundo Taschner, o que se vê nos anos 1990 é que as favelas encontram-

se mais bem localizadas e equipadas. A autora constata que:

Tanto a pauperização quanto o downgrading process de


setores da classe média baixa trouxeram novos grupos
sociais para a favela. A longo termo, isso pode modificar o
perfil do residente favelado: o que parecia ser a simples
expressão da segregação socioespacial torna-se uma
realidade complexa e intrincada. 12

As eleições estaduais de 1990

Mesmo com o ânimo dos eleitores abalado com os primeiros passos do governo

Collor- que em seu plano econômico bloqueava todos os investimentos particulares,

afetando amplos setores da sociedade- as eleições de 1990 foram as eleições de

Leonel Brizola e conseqüentemente do PDT.

Segundo Sento-Sé, Leonel Brizola durante toda sua campanha manteve a

postura que adotara anteriormente dando ênfase a questões nacionais, atacando o

governo Collor e sua política econômica. O candidato afirmava a vontade de dar

continuidade a seus planos corrigindo alguns dos erros de seu primeiro mandato.

Brizola atacou duramente o plano econômico de Collor, com sua constante alusão à

necessidade de consultar a sociedade antes da adoção de qualquer política pública.

O autor acrescenta ainda, que a impopularidade do governador Moreira Franco,

devido a suspeitas de corrupção e ao grande aumento da criminalidade no Rio de

Janeiro durante sua gestão, também contribuiu para a vitória de Leonel Brizola

neste pleito. Leonel Brizola adotara o discurso de crítica ao poder político da mídia,

ainda que utilizasse o Jornal do Brasil e o jornal O Dia para enfrentar seus

12
TASCHNER, S. Favelas e cortiços: vinte anos de pesquisa urbana no Brasil, 1996: 104.
9

adversários políticos em uma coluna paga, onde também apresentava suas


13
propostas gerais para um segundo mandato.

Seus principais adversários políticos Jorge Bittar do PT, Nelson Carneiro do

PMDB e Ronaldo César Coelho do PSDB não representaram nenhum tipo de ameaça

à sua vitória e ao fim das eleições. Brizola confirmara sua popularidade com uma

vitória incontestável no primeiro turno, com 60,88%contra 39,12%, somados seus

adversários.

Contudo, em seu segundo mandato como governador do Rio de Janeiro, sob

o governo Collor, a aproximação com o Governo federal, paradoxalmente o levou à

ruína. Próximo à época do impeachment, Fernando Collor autorizou a liberação de

verbas para a construção da Linha Vermelha e anunciou a adoção de CIEPs em todo

o Brasil, como sinal de estreitamento da relação de colaboração entre Governo

federal e estadual. Brizola, desta forma, colocou-se contrário às investigações,

deixando a bancada pedetista em uma situação extremamente delicada. Como

afirma Sento-Sé, eleito para o governo do Rio como personificação do sentimento

oposicionista ao governo Collor, ele agora arcava com o ônus de dar sustentação a
14
um governo indiscutivelmente corrupto.

Segundo Sento-Sé, é exatamente nesse período de “namoro” entre ambos,

que estoura o escândalo que levaria à campanha pelo impeachment e à posterior

renúncia do presidente da República. De acordo com o autor:

A postura de Brizola nesse período foi extremamente


polêmica. Sentindo-se comprometido com Collor e alegando
que, por trás da campanha, havia um esquema golpista, da
parte de figuras da elite que possivelmente estavam
insatisfeitas, com a perda de influência junto ao governo,
Brizola recusou-se, a despeito de todas as evidências de
veracidade das denúncias, a incorporar-se à campanha pelo
impeachment, manifestando-se contrário à continuação das
investigações. 15

13
SENTO-SÉ, J. Estetização da política e liderança carismática: o caso do brizolismo no Rio
de Janeiro, 1997: 255-258.
14
Idem: 290.
15
Idem. Ibidem.
10

Sento-Sé argumenta, ainda, que a posição de Brizola deixou a bancada

pedetista em situação extremamente delicada, pois quando eleito para o governo

do Rio de Janeiro dois anos antes, como personificação do sentimento oposicionista

ao governo Collor no estado, ele agora arcava com o ônus de dar sustentação a um

governo sobre o qual recaíam evidências indiscutíveis de corrupção e tráfico de

influência. 16

Segundo Governo Brizola: Projeto Reconstrução-Rio (1991-1995)

Jorge Durão, diretor da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

- FASE (Organização Não-Governamental) que assessora há anos as Federações de

Moradores da Baixada, fez o seguinte comentário sobre o Projeto:

O percurso realizado desde 1988, quando surgiu o Projeto


Reconstrução-Rio, por uma pluralidade de atores e de
vontades, guarda caráter fortemente democrático. Seu
significado fica mais evidente quando se considera a
intrincada montagem política e institucional requerida para
se viabilizarem as condições adequadas de articulação do
Poder Público Estadual com as prefeituras locais e de
abertura dos canais de participação popular na gestão do
Projeto. 17
E mais a frente afirma:

No tocante à intervenção governamental, convém lembrar


que o Projeto passou por dois governos estaduais, que lhe
imprimiram concepções e formatos de gestão bastante
diferenciados, e está sendo finalizado agora, por um terceiro
governo,...Tudo isso representa uma notável exceção para
todos nós, acostumados a lidar com a terrível
descontinuidade das políticas públicas no Brasil. 18

Em 1992, com a mudança administrativa do governo do estado, Leonel

Brizola decidiu pela mudança de toda concepção político-filosófica do Projeto

16
Idem. Ibidem.
17
DURÃO, Jorge Eduardo S. - Diretor Executivo da FASE - nota em: OLIVEIRA, Jorge
Florêncio de, et al. Saneamento Ambiental na Baixada. Cidadania e Gestão Democrática:
avaliação do programa Reconstrução-Rio na Baixada Fluminense apud MANCINI, L.
Cimentando Fendas Institucionais, 2004: 38.
18
Idem. Ibidem.
11

Reconstrução-Rio. Em sua administração, o projeto, com uma estrutura gerencial

mais forte e horizontalizada, sai do perfil emergencial e segmentado em que foi

formulado e passa a ter mais articulação com a política urbano-ambiental do estado

como um todo. Neste contexto, o Componente de Reassentamento passou por

mudanças substanciais, visto que a população resistia à sua transferência nas

condições anteriores.

A retomada do projeto Reconstrução-Rio, após a mudança administrativa,

demandou um longo período, e o projeto passou por uma rígida auditoria e

reformulação conceitual. O reassentamento de famílias, colocado na primeira fase

como um simples apêndice da macrodrenagem, passou a ser o carro-chefe da

participação comunitária na implementação do projeto. O Grupo Executivo para

Reconstrução e Obras Emergenciais —GEROE, responsável pelo gerenciamento do

projeto, teve sua estrutura redefinida e ampliada. Para executar o novo plano um

grande número de instituições governamentais e não-governamentais foi

mobilizado, além da formação de um grupo interdisciplinar de trabalho com

representantes de todos os órgãos estaduais e municipais em parceria com as


19
representações comunitárias.

Esta retomada do Projeto Reconstrução-Rio contou com a participação de

diversas instituições, como ilustra o organograma a seguir.

19
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública, 2004: 41-44.
12

Organograma do Governo do Estado no Projeto Reconstrução-Rio 20

BANCO GOVERNO
C.E.F.
MUNDIAL DO ESTADO

SECRETARIA SECRETARIA
SECPLAN
SECPLAN SECRETARIA DE
SEHAF DA SOSP DE MEIO
GEROE
GEROE DEFSA CIVIL
FAZENDA AMBIENTE

IEF
DER
DER

CEHAB
CEHAB

SERLA
SERLA

FEEMA

CEDAE
CEDAE

Instituições envolvidas diretamente no Componente de Reassentamento

20
Fonte: Geroe – Relatório mimeo – 1994 apud MANCINI, L i, Cimentando fendas
institucionais, 2004: 34.
13

A pesquisa Expectativa-ativa, desenvolvida pela GEROE em 1994, mostra as

funções de algumas das instituições envolvidas no projeto Reconstrução-Rio, no

segundo governo Leonel Brizola:

1) GEROE:

- Coube coordenar a implantação do programa e o desenvolvimento

das etapas e atividades previstas no plano e integrar as ações do

projeto visando à convergência de esforços entre os atores

envolvidos na execução;

- Auxiliar os órgãos executores no que diz respeito a licitações;

- Elaboração de minutas para contratar serviços e obras;

- Acompanhar o desenvolvimento físico-financeiro do projeto de

Reassentamento, visando a garantir o cumprimento do escopo;

- Compatibilizar física e socialmente a implantação do projeto com

as metas da administração estadual;

- Orientar os órgãos executores quanto à preparação e envio ao

GEROE das informações gerenciais do projeto;

- Elaborar pareceres conclusivos sobre as programações físico-

financeiras a serem encaminhadas para a Secretaria Estadual de

Planejamento ―Secplan, visando à implantação das obras e

serviços previstos;

- Registrar os documentos de prestação de contas e os pedidos de

liberação de recursos enviados pelos órgãos executores para

efeito de consolidação do desempenho financeiro do projeto;

- Verificar mensalmente o cumprimento das metas estabelecidas e

atender à demanda dos órgãos executores com relação a recursos

humanos suplementares para o necessário apoio à execução do


21
projeto.

2) Serla:

21
Pesquisa Expectativa-ativa. Arcabouço Institucional, 1994: 13.
14

- Identificar as áreas ocupadas a serem afetadas pelos projetos de

drenagem;

- Elaborar o cronograma físico-financeiro detalhado e seus ajustes

periódicos, encaminhando-os ao GEROE, para posterior

apreciação da Secplan;

- Elaborar os documentos de prestação de contas e emitir boletins

necessários a pedidos de liberação de recursos a serem

encaminhados às entidades financiadoras;

- Transferir os pagamentos de auxílio moradia aos ocupantes das

áreas onde haja aplicação desta alternativa para a transferência

das famílias;

- Participar das assembléias comunitárias;

- Arcar com as despesas relativas às mudanças das famílias

afetadas pelos projetos de drenagem;

- Promover as medidas necessárias para a proteção das áreas

desocupadas a fim de evitar novas invasões;

- Atender às solicitações da caixa Econômica Federal e do Banco

Mundial sobre o projeto, dando conhecimento ao GEROE;

- Urbanizar as faixas marginais dos rios para garantir a


22
manutenção das calhas e evitar futuras ocupações.

3) Sehaf (através da Cehab):

- Elaborar e executar os projetos urbanísticos (infra-estrutura e

residências), nas áreas próprias do Estado, encaminhando para

pedido de empenho o cronograma físico-financeiro e seus ajustes

periódicos para o parecer do GEROE e a apreciação da Secplan;

- Elaborar os documentos de prestação de contas e emitir os

documentos necessários ao pedido de liberação de recursos a

serem encaminhados às entidades financiadoras;

22
Idem. Ibidem.
15

- Proceder à licitação dos serviços e obras com base nos modelos-

padrão dos editais elaborados pelo GEROE e aprovados pelo

BIRD;

- Contratar, administrar e acompanhar os contratos de obras e

serviços sob sua responsabilidade, fiscalizando o desempenho das

contratadas;

- Tomar, junto aos órgãos estaduais, todas as providências

necessárias ao atendimento de suas atribuições legais para a

consecução dos projetos urbanísticos;

- Controlar o cronograma, o orçamento, a quantidade e qualidade

das obras e serviços de acordo com as especificações contratuais

e normas técnicas vigentes, mantendo o GEROE informado sobre

o andamento dos mesmos;

- Tomar, junto aos órgãos federais, estaduais e municipais, todas

as providências necessárias à aprovação e implantação da infra-

estrutura dos projetos;

- Elaborar documentação própria para a titulação dos imóveis junto

à população reassentada e promover as assinaturas contratuais


23
de compra e venda de imóveis junto às famílias.

4) CEDAE:

- Elaborar e executar os projetos complementares e necessários

para atender ao fornecimento de água e ao escoamento dos

esgotos das áreas urbanizadas e dos conjuntos habitacionais

implantados;

- Acompanhar o cronograma do projeto de reassentamento de

modo a evitar desvios às metas estabelecidas, transmitindo ao

23
Idem: 14.
16

GEROE, as informações sobre o andamento dos serviços e das

obras;

- Tomar, junto aos órgãos estaduais, todas as providências

necessárias ao atendimento de suas atribuições legais para a

execução dos serviços e atendimento às metas do projeto;

- Manter o GEROE informado sobre as etapas do projeto, dando


24
apoio na verificação in loco do andamento das obras e serviços.

5) Defesa Civil:

- Elaborar um plano emergencial de retirada;

- Buscar alternativas de abrigo emergencial caso houvesse novas

chuvas antes do remanejamento das famílias residentes em sua


25
maioria em áreas de risco.

Esta reformulação é de grande valia para regulamentar as responsabilidades

de cada ator envolvido e reduzir os trâmites internos. Mas, para isso, foi assinado

um “Termo de Resolução Conjunta” delimitando papéis e técnicos representantes

de cada instituição que integrariam o processo. O envolvimento do setor privado se

deu, principalmente, através de licitações públicas. As empresas contratadas

trabalhavam na elaboração e gestão de projetos, execução e fiscalização das obras

realizadas sob a coordenação dos órgãos executores envolvidos.

Em resultado de um longo processo de negociação, foram acordadas com o

movimento comunitário algumas premissas básicas 26 adotadas pelo projeto

Reconstrução-Rio:

a) A população seria transferida para local o mais próximo possível de

suas atuais residências, como forma de atenuar o impacto da

mudança;

24
Idem. Ibidem.
25
Idem: 15.
26
GEROE. Termo de Resolução Conjunta, 1994: 46.
17

b) A população diretamente envolvida, bem como suas entidades

representativas, participariam de todas as etapas do plano, com

vistas a alcançar soluções negociadas para os problemas;

c) As casas teriam no mínimo 44 m² de construção e o pagamento

das prestações não poderia ultrapassar 15% do salário mínimo, a

serem pagos em 48 meses;

d) A atribuição das casas na nova área consideraria a situação de

origem, como forma de manter as antigas relações de vizinhança;

e) Os novos conjuntos disporiam dos equipamentos comunitários

necessários à população;

f) Quando o reassentamento incluísse somente parte das

comunidades, as áreas liberadas após a execução da drenagem,

seriam destinadas a vias de acesso e equipamentos comunitários,

como forma de prevenir novas ocupações e beneficiar a população

remanescente;

g) Alguns trechos dos rios, que inicialmente previam drenagem,

seriam canalizados em concreto, reduzindo a área necessária para

as obras.

Este plano de reassentamento conduz ao debate sobre o papel das

instituições e da burocracia na implementação destes projetos habitacionais.

Todavia, vale acrescentar que a dificuldade inicial no relacionamento entre a

administração pública e o movimento comunitário e a limitação financeira do

Estado, somada à falta de terrenos públicos disponíveis próximos às áreas de

drenagem, fez com que o plano caísse em profundo descrédito diante da população

e do próprio BIRD.

A principal proposta do plano, que previa o financiamento de lotes

urbanizados para a autoconstrução, mostrou-se na verdade totalmente inexeqüível.

De acordo com Mancini, a renda média das famílias a serem reassentadas não

chegava a um salário mínimo, conforme pesquisa realizada pela Cehab-RJ durante


18

o cadastramento das casas afetadas, o que inviabilizaria o pagamento de

prestações, além da compra do material de construção para edificação das casas.

Além disso, não havia recursos no Estado, responsável pelo componente, para a

aquisição e urbanização de terrenos, e o tempo para a construção de mais de mil

casas através da autoconstrução seria incompatível com a necessidade de liberação

de frentes de obras para o componente de macrodrenagem. 27

Um fato importante para a reestruturação do projeto Reconstrução-Rio, após

o governo Moreira Franco, foi que após um longo processo de auditoria e

reformulação, já no meio da segunda administração de Brizola, o governo do

estado retoma o processo de discussão com os movimentos comunitários

organizados, representados pela Famerj e pelo Comitê de Saneamento com suas

Federações de Moradores, tendo como novo interlocutor do poder público o GEROE.

O Grupo Executivo e o projeto como um todo, nesta mudança de governo, passou

por uma completa reestruturação. De acordo com Mancini, a partir de uma nova

estrutura gerencial, bastante horizontalizada, com gerências específicas para cada

componente, a nova administração procurou mudar a concepção emergencial, dada

inicialmente ao projeto, para um programa de saneamento articulado com as

outras ações do governo, o que nem sempre foi possível executar. Nesta fase,

houve uma maior valorização do corpo técnico efetivo da administração pública,

com nomeação de técnicos requisitados de diversos órgãos executores, para fazer a

interlocução com todo o arcabouço institucional envolvido. 28 Com a retirada das

empresas terceirizadas da formulação política do projeto Reconstrução-Rio, no

governo Brizola, nas entrelinhas das permanentes contradições da política, a

burocracia técnica envolvida no componente de reassentamento, teve espaço

institucional para participar da formulação de uma política de reassentamento mais

27
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais: o papel da burocracia estatal na
administração pública: o Projeto Reconstrução-Rio do Governo do Estado do Rio de Janeiro,
2004: 91.

28
Idem: 92.
19

global para o estado. 29 Isso só foi possível porque a política gerencial do GEROE

deu espaço para a burocracia técnica e a própria população participarem da

formulação de política de reassentamento do governo. 30 Segundo Mancini:

A análise desta experiência reforça a idéia de que o peso da


burocracia na ineficiência das ações do Estado, ao contrário
do que apregoa a maioria da mídia e do setor privado, não é
determinado pelos técnicos ou pelos procedimentos e
regulamentos existentes, mas principalmente, pela política
administrativa de cada governo eleito e sua capacidade de
envolver a burocracia técnica em seus projetos. 31

Apesar de atrasos nos cronogramas das casas, o processo de transferência

das famílias se manteve constante pelos demais dois anos de governo. Entretanto,

com a proximidade de novas eleições, no final do governo Brizola, a maioria das

empreiteiras contratadas paralisou as obras. Somado a este problema havia a

incerteza com relação aos recursos do projeto, uma vez que o prazo estipulado pelo

BIRD para a conclusão das obras era Dezembro de 1994. Apesar dos grandes

percalços, pode-se afirmar que o Componente de Reassentamento do projeto

Reconstrução-Rio foi significativamente positivo, principalmente no que concerne à


32
participação popular no processo de gestão do poder público.

Papel das Instituições e da Burocracia Estatal na implementação de


programas habitacionais no estado do Rio de Janeiro

A presente pesquisa visa, através do estudo dos programas habitacionais

implementados entre os anos de 1983 e 1995, a desvendar algumas causas da

descontinuidade destes programas. Para isso, neste tópico elaborou-se uma análise

das principais dificuldades vivenciadas, ao longo destes 10 anos e três gestões,

quanto à implantação de tais programas, observando o papel da burocracia técnica

29
Idem: 93.
30
Idem: 94.
31
Idem. Ibidem.
32
Idem: 48-50.
213
YUKA, Cristiane. Trabalho apresentado ao Departamento de Economia e Administração da
Universidade Católica de Pernambuco a título de exigência da cadeira de Administração Geral
II, turma ME64 G-711 sob a orientação do professor José Baia. Recife, 12 de março de 2001.
Site Hhttp://www.alunosonline.com.brH, acessado em 10/09/2007
20

estatal e o papel das instituições ligadas a este processo. Para isso, será feita uma

breve passagem pelos tipos ideais weberianos de burocracia; a relação entre os

governantes e a burocracia expressa na relação agente-principal, exposta por

Marcus André de Melo; em seguida os tipos de burocracia para Edmundo Campos, e

para outros autores, com a finalidade de compreender em quais momentos a

burocracia se transforma em obstáculo para a implementação de políticas públicas

sociais. Após esta observação, será verificado o papel de algumas instituições neste

processo.

Uma das primeiras aplicações do termo Burocracia data do século XVIII,

quando o termo era carregado de forte conotação negativa, designando aspectos

de poder dos funcionários de uma administração estatal aos quais eram atribuídas

funções especializadas, sob uma monarquia absoluta. 33 Essa definição se encaixa

de forma muito próxima àquela hoje utilizada na linguagem comum: a Burocracia

como sinônimo de excesso de normas e regulamentos, limitação da iniciativa,

desperdício de recursos e ineficiência generalizada dos organismos estatais e

privados. Há uma influência recíproca entre capitalismo e burocracia. Sem a

organização burocrática, a produção capitalista nunca teria sido realizada. Por outro

lado, a base econômica capitalista é essencial para o desenvolvimento da

administração burocrática. Portanto, a palavra "burocracia" tem, no nosso dia-a-

dia, um sentido pejorativo. Chamamos de burocracia o exagero de normas e

regulamentos, a ineficiência administrativa, o desperdício de recursos. No entanto,

para a sociologia, esse termo tem um sentido especial. Desde que passou a ser

usado por Max Weber (1864 –1920), designa um modelo específico de organização

administrativa.

A Teoria da Burocracia concebida por Max Weber, é imediatamente posterior

às teorias Clássica e das Relações Humanas. Teve como ponto forte de origem a

necessidade de uma abordagem generalista e integrada das organizações, fator

praticamente não considerado pelas teorias anteriores. De um lado, a Teoria


21

Clássica, com suas suposições extremamente negativas em relação à natureza

humana, pregava uma administração centralizadora, total e exclusivamente

responsável pela organização e uso dos recursos da empresa, padronizando as

atividades e controlando-as através da persuasão, coação, punições e

recompensas. De outro, a Teoria das Relações Humanas considerava o homem

como sendo o maior patrimônio das organizações, sendo motivado a produzir por

sua própria natureza, enfatizando a descentralização e a delegação, a auto-


34
avaliação e a administração participativa.

Weber foi quem primeiro definiu a Burocracia não como um sistema social,

mas como um tipo de poder suficiente para a funcionalidade eficaz das estruturas

organizacionais, sejam estas pertencentes ao Governo ou de domínio econômico

privado. A característica principal da Burocracia, segundo Weber, reside na

racionalidade do ponto de vista das atividades desempenhadas na organização. Na

Burocracia, a liderança se dá tipicamente calcada em regras impessoais e escritas e

através de uma estrutura hierárquica; o poder é legítimo e depende exclusivamente

do grau de especialidade e competência técnica de quem o detém. Weber concebeu

a teoria da Burocracia como algo que tornasse a organização eficiente e eficaz,

garantindo com ela: rapidez; racionalidade; homogeneidade de interpretação das

normas; redução dos atritos, discriminações e subjetividades internas;

padronização da liderança (decisões iguais em situações iguais) e, mais importante,

o alcance dos objetivos. A Burocracia, em síntese, busca amenizar as

conseqüências das influências externas à organização e harmonizar a especialização

dos seus colaboradores e o controle das suas atividades de modo a se atingir os

objetivos organizacionais através da competência e eficiência, sem considerações


35
de natureza pessoal.

Segundo Cristiane Yuka, para Weber a burocracia constitui a forma de

organização eficiente por excelência, apresentando como principais vantagens a

34
Idem. Ibidem.
35
Idem. Ibidem.
22

racionalidade, a precisão, a univocidade de interpretação, uniformidade de rotinas e

procedimentos, constância e continuidade, entre outras; Merton, de outra parte,

identifica conseqüências imprevistas ou disfunções que conduzem à ineficiência da


36
organização burocrática. Tais anomalias de funcionamento da estrutura

burocrática decorrem, segundo o autor, da interação do elemento humano com o

modelo burocrático preestabelecido.

Para Weber, a burocracia é uma organização cujas conseqüências desejadas

se resumem na previsibilidade do seu funcionamento no sentido de obter a maior

eficiência da organização. Na burocracia existem duas conseqüências previstas e

imprevistas, que receberam o nome de Disfunções da burocracia, ou seja,

anomalias e imperfeições no funcionamento da burocracia. 37 Para o autor, as

Disfunções da Burocracia são as seguintes:

1- Exagero do apego aos regulamentos;

2- Excesso de formalismo e de papelório;

3- Resistência a mudanças;

4- Despersonalização do relacionamento;

5- Categorização como base do processo decisória;

6- Superconformidade às rotinas e procedimentos;

7- Exibição de sinais de autoridade;

8- Dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o público.

Weber, no entanto, já observara a fragilidade da estrutura racional.

Conforme Etzioni, numa organização burocrática ocorre um dilema típico: por um

lado, atuam constantes forças exteriores à estrutura, para encorajar o burocrata a

seguir normas diferentes das estatuídas para a organização; e, por outro, ocorre

uma tendência ao enfraquecimento do compromisso dos subordinados com as

36
MERTON, R. K. Estrutura burocrática e personalidade, 1978.
37
WEBER, M. Os fundamentos da organização burocrática, 1976: 15-28.
23

38
regras burocráticas. Assim, em face do elevado nível de renúncia necessário à

manutenção da capacidade de restringir-se às normas, "as organizações

burocráticas tendem a se desfazer, seja na direção carismática, seja na tradicional,

em que as relações disciplinares são menos separadas das outras, mais naturais e
39
afetuosas".

De acordo com o que foi dito, é possível considerar que a organização

burocrática é super-racionalizada. As vantagens da burocracia têm sido

exageradas. Pode-se constatar que sistema burocrático consegue sobrevivência e

eficiência apenas quando: as tarefas individuais são mínimas; as exigências do

ambiente sobre a organização são claras e suas implicações óbvias; a rapidez em

tomada de decisões é um requisito de importância; e as circunstâncias


40
organizacionais se aproximam das do sistema fechado.

Marcus André de Melo mostra que uma das principais formas de conflito na

relação agente-principal (governante-governado) no Estado moderno diz respeito à

relação entre os políticos e a burocracia, ou seja, como os governantes podem

controlar a burocracia. O autor relata que o controle do Executivo sobre a

burocracia assumiu historicamente três formas: na primeira forma histórica, o

controle patrimonialista do acesso aos cargos públicos, onde o controle sobre a

burocracia confundia-se com o próprio poder do governante, determinando os

traços gerais do padrão existente ―formato personalista de recrutamento,

inexistência de requisitos de escolaridade ou proficiência e instabilidade da

burocracia enquanto estamento. O autor diz que nesse quadro os problemas

agente-principal, no relacionamento entre o Executivo e a burocracia, eram

minimizados, embora abundassem distorções de outras formas, como, por

38
Etzioni, A. Organizações Modernas, 1976: 85.
39
Idem. Ibidem.
40
YUKA, C. Trabalho apresentado ao Departamento de Economia e Administração da
Universidade Católica de Pernambuco a título de exigência da cadeira de Administração Geral
II, turma ME64 G-711 sob a orientação do professor José Baia. Recife, 12 de março de 2001.
Site Hhttp://www.alunosonline.com.brH, acessado em 10/09/2007.
24

exemplo, a ineficiência sistêmica. Na segunda forma histórica, as burocracias se

profissionalizaram, adquirindo autonomia, estabilidade e se tornaram relativamente

insuladas do processo político. Para o autor, a formação dessas burocracias resultou

de um processo amplo de despatrimonialização do Estado e que equivale ao

processo de construção de burocracias “weberianas”, considerando que foi o

paradigma weberiano que informou as reformas administrativas que foram

implementadas em muitos países capitalistas avançados, entre 1880 e 1930,

resultando em uma segunda onda de reformas no pós-guerra. O autor conclui,

assim, que é neste contexto de independentização de burocracias que surgem

problemas agente-principal na relação entre governantes e a burocracia. Em um

terceiro momento, o modelo weberiano tende a ser substituído por um paradigma

pós-burocrático, na década de 1970, caracterizado por uma segunda onda de

reformas voltada para a criação de padrões empresariais, inovadores e flexíveis,

isto é, não padronizados. A partir daí, observa-se uma necessidade de “politizar a

burocracia”, tornando-a mais accountable. 41 Nas palavras do autor, a estratégia

agora consistia em alinhar os interesses de burocracias não-eleitas (agentes) de


42
representantes eleitos, no Parlamento e no Executivo:

Essa estratégia reflete, entre coisas ―preocupação com


custos, etc.― uma necessidade de “politizar a burocracia”,
no sentido mais amplo do termo, tornando-a mais
accountable. Nesse sentido, inverte-se a equação histórica:
a promoção da accountabillity, na primeira fase, era
perseguida a partir da eliminação de personalismos de
Executivos pouco democráticos, e conseqüente viabilização
do profissionalismo. Na terceira fase, a promoção da
accountabillity, ao contrário, seria alcançada pela
implementação de mecanismos que permitissem reverter o
excesso de insulamento de burocracias e não produzissem
resultados. Nesse sentido, a estratégia consistia em alinhar

41
Accountability é um conceito da esfera HéticaH com significados variados. Freqüentemente
é usado em circunstâncias que denotam Hresponsabilidade socialH, imputabilidade,
obrigações e prestação de contas. Na administração, a accountability é considerada um
aspecto central da HgovernançaH, tanto na esfera HpúblicaH como na HprivadaH, como a
HcontroladoriaH ou Hcontabilidade de custosH. Segundo Schedler, na prática, a
accountability é a situação em que "A reporta a B quando A é obrigado a prestar contas a B
de suas ações e decisões, passadas ou futuras, para justificá-las e, em caso de eventual má-
conduta, receber punições." Ver SCHEDLER, A Conceptualizing Accountability, 1999: 13-28.
42
MELO, M. Governance e reforma do Estado: o paradigma agente-principal, 1996: 73.
25

os interesses de burocracias não-eleitas (agentes) de


representantes eleitos (no Parlamento e no Executivo). 43

Diferentemente do senso comum, Weber vê o tipo ideal da burocracia como

representação de precisão, rapidez, ausência de ambigüidade, redução de atritos e

dos custos de material e pessoas. Segundo Weber, esta burocracia positiva está

marcada pela neutralidade política, diminui os conflitos, e conseqüentemente

atende ao sistema político democrático:

[...] o fato de que a organização burocrática constitua o


instrumento de poder tecnicamente mais desenvolvido, em
mãos de quem dele dispõe nada diz sobre a vigência que a
burocracia como tal possa imprimir as suas concepções
dentro da correspondente estrutura social. 44
Porém, é preciso lembrar que, embora a burocracia seja indispensável nas

sociedades modernas, como condição de funcionamento da vida moderna, a

organização burocrática criou novos problemas para a vida em sociedade. Sendo

assim, Schumpeter sintetiza a nova burocracia:

Não é suficiente que a burocracia deva ser eficiente na


administração corrente e competente na assessoria. Ela
também deve ser suficientemente forte para guiar e, se
necessário, instruir os políticos que dirigem os ministérios.
Para poder fazer isso, ela deve estar em posição de criar
princípios próprios e ser suficientemente independente para
afirmá-los. Ela deve ser um poder em si mesma. 45

Edmundo Campos, em seu estudo sobre a Sociologia da Burocracia, 46

aponta o caráter burocrático como um dos traços distintivos das sociedades

modernas, e lembra que, embora indispensável nas condições de funcionamento da

vida moderna, a organização burocrática criou graves problemas e situações novas

para a vida em sociedade. Campos destaca dois tipos de burocracia: a burocracia

necessária, sem a qual as organizações se perderiam na improvisação e no arbítrio;

e a burocracia cautelar ou pleonástica, que sufocaria os resultados funcionais a que

43
Idem: 74.
44
WEBER, M. Economia y Sociedade, 1964: 744.
45
SCHUMPETER, J. Capitalism, socialism and democracy, 1975: 293 apud MELO, M. A
política da ação regulatória: responsabilização, credibilidade e delegação, 2001: 60.
46
CAMPOS, E. Sociologia da Burocracia: introdução.
26

os cidadãos e os consumidores têm direito. O autor argumenta que a

indispensabilidade da burocracia conduz ao desenvolvimento de uma ética

profissional em que os valores seriam os da autoridade autônoma. Contudo, este

tipo de burocracia técnica tem pouca autonomia e segurança profissional que

facilitem a formulação de políticas públicas mais consistentes e com continuidade.

Ao observarmos estas definições, nos questionamos: qual o verdadeiro papel

da burocracia e das instituições na implementação dos programas habitacionais

neste período? De acordo com Mancini, no projeto Reconstrução-Rio, apesar do

grande arcabouço institucional da estrutura formal do governo do estado, o GEROE

―por ser um grupo executivo e transitório ―criado através de decreto do

governador― só conseguiu avanços significativos nos momentos em que

estabeleceu ligações informais com estas instituições. A autora considera que

muitas dessas relações eram estabelecidas a partir de conhecimentos

absolutamente pessoais dos técnicos e de alguns dos dirigentes do Grupo e dos

Órgãos e Instituições executoras. Assim, essas relações informais eram realizadas

diretamente com os técnicos dos órgãos financiadores e executores ―com suas

empreiteiras, gerenciadoras e supervisoras terceirizadas― assim como, também

foram estabelecidas com as representações comunitárias e as organizações não

governamentais da região do projeto. Segundo Mancini, estas relações informais

alteraram-se em cada uma das três administrações onde atuaram no projeto

analisado. Contudo, em todos os três governos estaduais envolvidos, houve, em

diferentes níveis de hierarquização, freqüentes atritos e vários problemas com a

estrutura institucional formal do Estado. A autora considera que esse arcabouço

institucional, formalmente envolvido através de contratos e regulamentos

operacionais, pelo peso de sua estrutura organizacional, pela falta de comunicação

e, principalmente, de integração política, acabou na prática sendo excluído do

processo de implementação e principalmente formulação desse e de outros grandes


47
projetos governamentais.

47
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 72-73.
27

Durante o projeto Reconstrução-Rio, pode-se dizer que a ação prática da

burocracia resultou em mudanças concretas na política de Estado, sem

comprometer, contudo, a proposta política do governo. A burocracia técnica

permitiu imprimir alguns procedimentos e padrões permanentes ao Estado, que

levaram à maior agilidade da ação governamental e a uma menor resistência por

parte das famílias favorecidas. A experiência de planejar e decidir a ação e a

política de reassentamento de forma participativa garantiu que, a partir deste

projeto, ficasse padronizado que todas as casas populares, produzidas pelo governo

do estado para esse fim, deveriam ter no mínimo 44m², ficarem o mais próximo da

área de origem e seu pagamento seria de no máximo 15% do salário mínimo,


48
conforme acordado com o movimento popular naquela época.

Segundo Mancini, a terceirização da política e do processo de planejamento

das ações levou a significativos atrasos e a elaboração de muitos projetos

inexeqüíveis e de difícil manutenção e prática, por falta de informação sobre os

recursos e o modus operandi das instituições envolvidas. Este quadro só foi

revertido mais adiante, quando uma estrutura horizontal foi montada no GEROE,

permitindo à burocracia técnica utilizar suas ligações e canais informais e com base

nessa troca muitas vezes reescrever o desenho e a própria política do programa


49
que deixou de ser emergencial para ser mais sistêmico e holístico.

No início do projeto Reconstução-Rio, existia uma grande resistência

institucional para implantar o componente de reassentamento, principalmente por

parte da Cehab-RJ, que mesmo sendo responsável pelo reassentamento, demorou

quase dois anos para começar a participar efetivamente do projeto. Essa

persistente resistência institucional, deve-se, em primeiro lugar, ao objetivo central

da criação da Cehab-RJ, que sempre foi o de remoção. Em segundo lugar, para a

48
Idem: 75.
49
Idem: 76.
28

maioria dos profissionais, principalmente os Orientadores Habitacionais 50 , a política

de atuar somente em áreas não regularizadas prejudicaria a Cehab-RJ

financeiramente e colocaria a companhia em risco de ser fechada por falta de


51
arrecadação. Estes Orientadores Habitacionais sempre tiveram grande peso

político, por terem sido contratados em sua maioria por indicações políticas, sempre

fizeram campanhas eleitorais nas dezenas de conjuntos habitacionais, apesar de

acreditarem na completa incapacidade da população de baixa renda para opinar

sobre os projetos a serem adotados. Esses profissionais vieram perdendo seu peso

político ao longo dos anos e, principalmente após a entrada do primeiro governo

Leonel Brizola, quando muitos foram demitidos por pouca qualificação técnica.

Mancini destaca que esses profissionais sempre foram contrários à ação da

Cehab_RJ em áreas não regularizadas, sejam os projetos de regularização

fundiária, a exemplo do programa “Cada Família, Um Lote”, seja por projetos de

construção de conjuntos para programas de reassentamento, por entender que

estes projetos gerariam problemas financeiros, descaracterizando o papel da


52
Cehab-RJ de agente financeiro do SFH.

Além da resistência por parte da burocracia técnica da Cehab-RJ, durante a

segunda fase do programa, a política de alianças do governo Moreira Franco levou a

que cada uma das seis diretorias e a própria presidência da Companhia fossem

ocupadas por representantes de partidos diferentes, criando na prática sete

Cehabs, que, em decorrência da diversidade de partidos, vivia em clima de

constante disputa política. Mancini considera que no projeto Reconstrução-Rio o

“loteamento” da máquina pública e as disputas intergovernamentais, tão comuns

na implementação dos grandes projetos urbanos integrados, não permitiram a

continuidade dos projetos previstos nos vários Componentes. Além disso, na

50
Os Orientadores Habitacionais eram profissionais de nível médio, contratados pelo governo
Chagas Freitas, que atuaram durante muitos anos como “xerifes” dos conjuntos habitacionais
construídos pela Cehab.
51
Idem: 78.
52
Idem: 79.
29

primeira fase do projeto, o GEROE foi extremamente privatizado. A privatização da

formulação da política do projeto e a falta de envolvimento da burocracia técnica

das instituições diretamente envolvidas levaram à perda de grande parte da


53
memória técnica do projeto por ocasião da mudança administrativa.

Mancini acrescenta que o impacto dessas mudanças político-administrativas

nas diretrizes dos grandes projetos urbanos costuma ser imenso, principalmente

pela falta da institucionalização dessa memória técnica e dos chamados padrões

burocráticos. Segundo a autora, esta falta de articulação entre as instituições

envolvidas no Reconstrução-Rio criou muitas vezes vazios ou sobreposições de

funções institucionais, gerando freqüentemente grandes disputas


54
intergovernamentais na implementação de seus componentes.

Uma breve passagem pelo Programa Favela-Bairro da Prefeitura do Rio de


Janeiro (1995)

Vale aqui, abrir um pequeno parêntese e destacar, no plano das políticas

habitacionais da época, o programa Favela-Bairro. O programa se originou de um

convênio assinado em 1995 entre o município do Rio de Janeiro e o Banco

Interamericano de Desenvolvimento —BID, visando principalmente à urbanização

e, apenas complementarmente, à regularização urbanística e fundiária e ao

desenvolvimento de programas de geração de emprego e renda. Segundo

Compans, com efeito, as ações previstas no referido convênio, concernentes à

regularização fundiária, elaboração de projetos de alinhamento e reconhecimento

de logradouros públicos em cerca de 60 favelas beneficiou uma população de

aproximadamente 220.000 pessoas. O procedimento para regularização inicia-se

com um “protocolo de intenções” assinado entre a prefeitura e o morador

beneficiário, no qual o segundo declara estar ciente da implantação do programa na

comunidade e de seus benefícios, comprometendo-se a “zelar pela preservação dos

53
Idem: 80.
54
Idem: 81.
30

princípios que nortearão a execução do projeto urbanístico” e a não executar obras


55
de modificação ou acréscimo em sua unidade habitacional”.

Compans destaca ainda, que o morador compromete-se a zelar pelo não

crescimento do número de unidades na favela, juntamente com seus vizinhos e

com a Associação de Moradores, devendo comunicar ao município casos de invasão

ou ampliação sem prévia autorização, bem como qualquer ato contrário à execução

do programa. Em contrapartida, a prefeitura compromete-se a reconhecer a posse

da área ocupada e sua regularização fundiária. Quanto às favelas que ocupam

terrenos particulares, a Secretaria Municipal de Habitação se limita a realizar

pesquisas para a identificação da propriedade, demarcação de lotes, cadastramento

de moradores, de maneira a permitir a plotagem das plantas cadastrais e, assim,


56
facilitar o processo de usucapião.

Em 1994, a promessa de uma cidade melhor para todos, isto é, a tarefa de

democratização da cidade, ainda consistia em um enorme desafio. Basta observar a

escala demográfica dos excluídos: dados de 1991 indicam que 962.793 habitantes

vivem em favelas na cidade do Rio de Janeiro; 944.200 em conjuntos

habitacionais; e mais de 381.345 em loteamentos irregulares de baixa renda;


57
portanto, um total de 2.288.338 habitantes, cerca de 40% da população.

Marcelo Baumann diz que é neste contexto de extrema complexidade que se

insere o programa Favela-Bairro, ora em execução pela prefeitura da cidade do Rio

de Janeiro. Segundo o autor, a realização de políticas sociais desconectadas da

atenção aos direitos civis tem sido marca característica da ação do poder público na

cidade do Rio de Janeiro. Por isso, pode-se afirmar que uma das questões centrais

a ser enfrentada pelo desafio de integrar a cidade é a deficiente articulação política

e administrativa entre o governo do estado e o governo municipal. Segundo

55
COMPANS, R. A regularização fundiária de favelas no Estado do Rio de Janeiro, 2006: 47.
56
Idem: 48.
57
Iplanrio. Anuário estatístico, 1993: 125, 269, 312-313 apud BAUMANN, M. Dos Parques
Proletários ao Favela-Bairro: 45 apud ZALUAR & ALVITO, Um século de favela, 2004.
31

Baumann, o programa Favela-Bairro surge no âmbito desse processo de redefinição


58
das atribuições da prefeitura.

Baumann destaca que uma das características do programa Favela-Bairro é

que, talvez por ter sido elaborado com pouca exposição aos atores políticos, sem

partidos e sem organizações sociais, o programa saiu quase direto das mãos dos

arquitetos e técnicos da prefeitura para as favelas, abrindo-se apenas, à mediação

política do prefeito e seus subprefeitos na fase final de seleção das favelas


59
contempladas.

O autor conclui sua análise do programa, destacando que na falta de canais

mais apropriados, a luta por direitos encontrou no programa Favela-Bairro um

grande aliado, pois através do programa, o poder público aproxima-se dos

excluídos, através da incorporação de algumas dimensões, tais como a questão do

desemprego, a necessidade de estímulo à geração de renda, e pode acompanhar de


60
perto o que já não se consegue expressar na arena política. O autor ainda

acrescenta que:

Essa potencialidade do programa conheceria maior


desenvolvimento se seus gestores dela tivessem consciência
e se, de outro lado os atores políticos, inclusive a oposição,
entendessem que a moldura política e institucional do
Favela-Bairro não é obra exclusiva da administração
municipal que o concebeu, mas reflexo de uma vontade
política mais ampla, que expressa uma mudança de
orientação de parcela significativa da sociedade carioca em
relação aos excluídos. 61

Balanço do programa Favela-Bairro 62

As políticas habitacionais e demais iniciativas governamentais, de provisão de casas

e de infra-estrutura urbana, nunca foram suficientes para atender à demanda. Um

58
BAUMANN, M. Dos Parques Proletários ao Favela-Bairro: 45-46 apud ZALUAR & ALVITO,
Um século de favela, 2004.
59
Idem: 51.
60
Idem. Ibidem.
61
Idem: 52.
62
Mais detalhes sobre o programa em entrevista com Jozé Cândido de Lacerda, Anexo 2.
32

número cada vez crescente de ocupações aonde a legislação não permitia “cidade”,

determinou a constituição, em 1993, do grupo Especial de Assentamentos

Populares – GEAP – cujo trabalho resultou no programa “Favela-Bairro”. Construir

“cidade” onde havia “casa” foi uma das premissas desta iniciativa do governo

municipal que, ao longo dos últimos dez anos transformou cerca de 100 favelas em

bairros, atendendo a uma população de 120 mil habitantes.

Obras de implantação de uma rede viária que permitisse o acesso aos

serviços públicos de água, esgoto, drenagem, iluminação pública, coleta de lixo

domiciliar, complementaram-se com a construção de equipamentos comunitários –

creche, posto de saúde, quadras esportivas, oficinas de geração de renda, entre

outros. Vários escritórios multidisciplinares, escolhidos por concurso público de

metodologia e coordenados pela Secretaria Municipal de Habitação, elaboraram

planos de intervenção, iniciativa até então inédita na cultura urbanística brasileira.

Considerando-se a dificuldade de elaboração de bases cartográficas, de

consolidação de uma metodologia e de definição de soluções possíveis, o programa

representou o trabalho simultâneo em várias áreas na cidade. Aos recursos

próprios do Município, destinados para as 15 primeiras favelas, somaram-se os

provenientes de convênios com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),

União Européia e Banco Mundial (BIRD).

Do ponto de vista da inclusão social – e não só urbanística – foram criados

programas ligados, por exemplo, à geração de renda, ao esporte e lazer, gari

comunitário e reflorestamento de encostas. Foi criada também, uma linha de micro-

crédito destinada à reforma e construção de casas e a iniciativas de trabalho.

O grande desafio se tornou, na realidade, o acompanhamento e controle da

expansão das áreas beneficiadas pelo programa. Denominados Pousos, o Postos de

Orientação Urbanística e Social, hoje subordinados à Secretaria Municipal de

Urbanismo, têm como atribuição final a regularização urbanística através da

concessão – por domicílio – de um documento denominado “habite-se”. A

regularização fundiária é feita posteriormente e na esfera do direito privado.


33

Habite-se, deriva de habitar, ter condições de moradia salubre, saudável,

suficientemente iluminada e arejada. Aquilo que resulta, nos procedimentos da

cidade formal, da aprovação de um projeto, após o trâmite através de vários

órgãos – corpo de bombeiros ou proteção de bens culturais, por exemplo – e do

atendimento a um grande número de legislações específicas é, para estas áreas

declaradas “Áreas de Especial Interesse Social”, um procedimento à posteriori. A

nova legislação resulta da elaboração de um mapa cadastral contendo a definição

de espaço público, o uso e ocupação do solo, os limites para a expansão vertical e

horizontal e a identificação das áreas de risco geológico. Cabe aos Pousos a

elaboração e fiscalização destes parâmetros, a articulação com os vários órgãos

responsáveis pela manutenção física e a promoção social. O veto das construções

irregulares não tem sido complementado, infelizmente, e em algumas situações,

com ações de demolição. 63


64
Os principais feitos do programa são:

• 2,28 milhões m² de ruas pavimentadas (05 Pontes Rio–Niterói).

• 636 mil m² de áreas de lazer (90 Maracanãs).

• 678 mil m de redes de água.

• 731 mil m de redes de esgoto (maior que a distância Rio–São Paulo).

• 291 mil m² de contenção de encostas.

• 380 mil m de redes de drenagem.

• 173 mil m² de edificações.

• 378 praças.

• 28 mil pontos de luz.

• 40,6 mil árvores/mudas plantadas.

63
SALOMON, M.H.R. Programa Favela-Bairro: construir cidade onde havia casa. O caso de
Vila Canoa. Arquitextos, 2005.
64
Site da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
Hhttp://www.rio.rj.gov.br/habitat/favela_bairro.htm#H, Dados de setembro de 2007.
Acesso em 10/09/2007.
34

• 45 comunidades atendidas pelos Postos de Orientação Urbanística e Social

(Pousos).

• 81 creches.

• 111 quadras de esporte.

• 25.102 domicílios em 934 ruas legalizadas.

• 11 mil pontos de coleta de lixo.

• 22,3 mil pessoas reassentadas.

Atendimento a criança e o adolescente

• 9,7 mil crianças atendidas nas creches.

• 5,4 mil crianças e jovens de 4 a 14 anos atendidos pelos programas

Sociais.

• 2,1 mil agentes jovens.

• 61,5 mil crianças e adolescentes atendidos em programas de combate ao

extremo risco social.

• 510 pessoas atendidas pelo projeto Mãe Crecheira.

Geração de trabalho e renda

• 12,8 mil pessoas atendidas nos cursos de aumento de escolaridade.

• 15,4 mil pessoas atendidas pelos cursos profissionalizantes.

• 30 centros de informática beneficiando 97,6 mil pessoas.

• 14,1 mil pessoas atendidas pelo programa de Orientação para

Integração Econômica.

• 02 cooperativas populares em processo de formação.

Segundo Cardoso, o Favela-Bairro e outros programas similares, que

trabalham fortemente sob o viés físico-territorial, delimitando as áreas ocupadas

pela população de baixa renda como de interesse social, a fim de regularizá-las,

tendem a direcionar suas ações à visibilidade de obras de infra-estrutura e ao


35

discurso da inserção dessas ocupações ao restante da cidade na forma em que se


65
apresentam, com algumas melhorias.

Considerações finais

No capítulo 4, foi observado o quadro político nacional nas eleições presidenciais de

1989. Em seguida, realizou-se um levantamento da situação habitacional na cidade

do Rio de Janeiro no início dos anos 1990 e foi feita uma breve análise das eleições

estaduais de 1990. Partindo daí, abordou-se o segundo governo Brizola, com

ênfase no Projeto Reconstrução-Rio (1991-1995). Ao final do capítulo, observando

os projetos habitacionais de grande porte, apresentados pelos governos Moreira

Franco e Leonel Brizola, faz-se uma discussão sobre o papel das instituições e da

burocracia estatal na implementação de programas habitacionais no estado do Rio

de Janeiro, observando sua influência sobre a concepção e a implementação de

programas habitacionais na cidade do Rio de Janeiro. O capítulo se fecha com uma

breve passagem pelo programa Favela-Bairro (1995).

Apesar de todos os percalços vivenciados pelo projeto Reconstrução-Rio, a

experiência adquirida no processo de sua implementação, deve ser analisada como

um importante aprendizado em gestão pública e principalmente democrática. Esse

amadurecimento foi visível em todos os setores envolvidos, tanto da administração

pública estadual, com seus governantes e sua burocracia técnica, quanto para os

órgãos financiadores e para a sociedade civil organizada envolvida nesse

processo. 66

Ao observar o projeto Reconstrução-Rio, é possível perceber a grande

distância entre a ação da burocracia administrativa, apresentada na época da sua

implementação, e o modelo proposto pelo tipo ideal weberiano. Segundo Mancini, a

realidade brasileira, onde o planejamento praticamente não existe e as

descontinuidades de projetos públicos não sofrem conseqüências legais, determina

65
CARDOSO, A. L. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003: 77-78.
66
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 100.
36

a dificuldade que tem essa “nossa” burocracia em trabalhar dentro de normas e

padrões tão isentos de um “olhar mais político”. O que se verifica também, é que,

na prática, a postura mais política dos técnicos da burocracia durante o projeto,

atuando nas fendas institucionais dos governos, contribuiu significativamente para

a continuidade e o aprimoramento do projeto. O modelo adotado pelo projeto

analisado aponta também para a necessidade de se discutir mais profundamente o

melhor modelo de gestão para os grandes projetos urbanos públicos. 67

Foi possível observar também que a participação social, desde o momento

da concepção inicial de um projeto público, amplia muito as perspectivas de

sucesso das soluções democraticamente apontadas. Dentre as perspectivas

analisadas, vê-se como consensual que, para potencializar a participação, faz-se

necessário superar o desenho formal, de simples consulta e aprovação,


68
estabelecido pela maioria dos projetos públicos que se propõem participativos.

Vale destacar a importância de alguns técnicos envolvidos nas negociações

com a comunidade. Alguns técnicos, principalmente do GEROE e da Serla,

apareceram nas entrevistas junto às lideranças comunitárias, como os verdadeiros

responsáveis pelo entendimento e pela integração das ações do projeto

Reconstrução-Rio. Isso ocorre porque o peso de práticas governamentais

desarticuladas aumenta a necessidade da intervenção de uma burocracia técnica de

carreira, mais forte e mais eficiente. 69

É importante ressaltar que o Estado deveria capacitar os técnicos de sua

burocracia para lidar como uma gestão democrática. Mancini conclui que:

É importante que os técnicos sejam capacitados para


tomarem decisões de forma coletiva, mas no menor tempo
para a solução dos problemas. É preciso que a burocracia
técnica aprenda a aliar o seu saber técnico ao tempo dos
governos e ás necessidades da população. Que ela aprenda
a conviver melhor e a tirar mais proveito da diversidade de
idéias e experiências, tanto dos governantes que passam
pelas diversas administrações, quanto pelas populações alvo

67
Idem: 102.
68
Idem: 111.
69
Idem: 112-113.
37

dos projetos governamentais. A política precisa passar a ser


vista pela burocracia técnica não mais unicamente como o
terreno do oportunismo, mas como sinônimo do agir
humano. Afinal são os acordos e compromissos políticos que
definem grande parte das decisões governamentais. 70

Enfim, afirmamos aqui a necessidade de que os administradores e técnicos

dos nossos governos rompam com a nossa secular tradição autoritária e aprendam

a ouvir mais os beneficiários e instituições envolvidas na elaboração de seus

projetos.

Mancini considera que, geralmente, os governos que formulam grandes

projetos, principalmente os realizados com empréstimos internacionais, não têm

oportunidade de implantá-los, já que eles são previstos para serem executados

num período normalmente superior ao mandato do governante que o está

propondo. Na maioria dos grandes projetos de urbanização integrada, existem

arranjos institucionais baseados exclusivamente em articulações pessoais dos

técnicos envolvidos ―profissionais que, em sua maioria, têm mais de 15 anos de

trabalho para o poder público, Federal, Estadual ou local, se conhecem e têm

conhecidos em comum e trocam muitas informações políticas. Com freqüência,

estes técnicos trabalham juntos nos grandes projetos do Estado. Mancini chama

estes profissionais de “burocracia de elite”. Estes técnicos costumam ser

politicamente muito bem articulados, porém, quando não há articulação partidária

com o governo em vigor, são vistos com desconfiança nas mudanças


71
administrativas, e correm o risco de serem recolocados em seus antigos cargos.

Nos períodos de transição eleitoral esses técnicos são acionados para checar

informações repassadas por outros técnicos da própria instituição ou suas

terceirizadas, e só após a acomodação dos pedidos políticos, esses profissionais da

burocracia, barganhando suas informações técnicas em troca de espaço de

trabalho, conseguem abrir algum espaço real na formulação da política e

principalmente da ação governamental. A autora considera que isso ocorre

70
Idem: 115.
71
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 74.
38

normalmente quando a máquina pública começa a não dar respostas idealizadas ao


72
longo das campanhas políticas ―a despeito da colaboração ideológica.

Segundo Campos, a indispensabilidade da burocracia conduz ao

desenvolvimento de uma ética profissional cujos valores seriam os da autoridade

autônoma. Entretanto, esta burocracia técnica, que não tem um plano de carreira

que a permita atuar sem depender unicamente de indicações, que tem poucos

instrumentos de trabalho e principalmente que não tem poder político para garantir

um planejamento público a longo prazo, tem de fato pouca autonomia e

principalmente segurança profissional, que facilitem a formulação de políticas


73
públicas mais consistentes e com continuidade.

Considerações finais da pesquisa

No decorrer da pesquisa foi possível constatar que, no Brasil, existem duas formas

claras de produção de habitação, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do

ponto de vista do significado da ação do Estado. Por um lado, há a intervenção

institucional que, no período estudado, foi feita através do Sistema Financeiro de

Habitação. Segundo o ensaio sobre habitação popular da cidade do Rio de Janeiro,

organizado pelo Instituto de Planejamento Urbano do Rio de Janeiro, esta

intervenção, levada adiante de maneira vertical, centralizada e com regras

basicamente definidas pelo próprio órgão interventor, caracteriza uma política

habitacional vinculada a uma política econômica. Tal fato gerou uma produção

habitacional de resultados questionáveis, não só em termos de quantidade, visto

que se produziu muito pouco em relação às necessidades de habitação da

sociedade brasileira, como em termos da própria qualidade e da forma de

72
Idem. Ibidem.
73
Ver CAMPOS, E. Sociologia da Burocracia: introdução, 1966
39

relacionar o Estado com o usuário, que seria hipoteticamente o beneficiário desta


74
política.

Por outro lado, há o processo autônomo de produção de habitação, realizado

em terrenos legalizados —que são os loteamentos de periferia— ou em terrenos

ilegais, que são as favelas. Nos loteamentos de periferia, a produção é feita

basicamente através da autoconstrução, sem nenhum apoio do Estado. A

construção tem qualidade sofrível e está vinculada a uma forma especulativa de

ocupação da terra. A produção da favela, ainda mais “marginal”, é feita em

terrenos ilegais onde, também através do esforço individual do morador, ocupam-

se áreas, constroem-se barracos e depois casas, dependendo da situação de

implantação. De qualquer forma, ambos os casos citados se caracterizam, de modo

geral, pela insuficiência ou mesmo pela omissão, no que diz respeito à intervenção

do Estado. 75

Após esta incursão à história dos programas habitacionais de caráter popular

no estado e na cidade do Rio de Janeiro, destacamos o período entre 1983 e 1995,

como fase de grande importância no que concerne à elaboração e implementação

de tais programas, com destaque para o programa “Cada Família, Um Lote” e o

projeto Reconstrução-Rio. Antes de avaliarmos estas duas políticas, vale relembrar

que na segunda metade dos anos 80, a crise do Sistema Financeiro de Habitação e

a extinção do Banco Nacional de Habitação criaram um vácuo com relação às

políticas habitacionais, através de um processo de desarticulação progressiva da

instância federal, com fragmentação institucional, perda de capacidade decisória e

redução significativa dos recursos disponibilizados para investimentos na área. 76

Desta forma, desde a data de extinção do BNH em 1986, até 1995, quando tem

início uma reestruturação mais consistente no setor, a política habitacional foi

74
BONDUKI, N. Processos alternativos de produção de habitação. Apud IPLANRIO. Morar na
metrópole. Ensaios sobre habitação popular no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1988: 90-91.
75
Idem. Ibidem.
76
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 3.
40

regida por vários órgãos que se sucederam ao longo do período, sem que se

conseguisse resultados efetivos. 77 Segundo Arretche:

Na verdade, na assim chamada Nova República, as áreas de


habitação e desenvolvimento urbano percorreram uma longa
via-crucis institucional. Até 1985, o BNH era da área de
competência do Ministério do Interior. Em Março de 1985,
foi criado o Ministério do Desenvolvimento Urbano e meio
Ambiente —MDU, cuja área de competência passou a
abranger as políticas habitacional, de saneamento básico, de
desenvolvimento urbano e do meio ambiente. Em Novembro
de 1986, com a extinção do BNH e a transferência de suas
atribuições para a caixa Econômica Federal, a área de
habitação permanece vinculada ao MDU, mas é gerida pela
CEF que, por sua vez, não está concernida a este Ministério,
mas ao Ministério da Fazenda. Em março de 1987, o MDU é
transformado em Ministério de Habitação, Urbanismo e Meio
Ambiente —MHU, que acumula, além das competências do
antigo MDU, a gestão das políticas de transportes urbanos, e
a incorporação da CEF. Em Setembro de 1988, ocorrem
novas alterações: cria-se o Ministério da Habitação e do
Bem-Estar Social —MBES, em cuja pasta permanece a
gestão da política habitacional. Em Março de 1989, é extinto
o MBES e cria-se a Secretaria Especial de Habitação e Ação
Comunitária —SEAC, sob competência do Ministério do
Interior. As atividades financeiras do Sistema Financeiro de
habitação e a caixa Econômica Federal passam para o
ministério da fazenda. 78

Segundo Marcus André de Melo, as análises acentuam o surgimento de um

novo padrão de política, baseado no “atendimento ad hoc” às demandas locais

conforme alianças instáveis visando objetivos de curto prazo do Executivo

Federal. 79 De acordo com Melo, este padrão que viria a se aprofundar durante o

período do governo Fernando Collor, corresponderia ainda, a uma conjunção de

interesses entre Executivos Municipais, a burocracia central e grupos privados que


80
atuam na prestação de serviços de intermediação.

Segundo Azevedo, a atuação do governo Collor na área de habitação,

seguindo um padrão que se institucionaliza desde o governo Sarney, foi

77
ARRETCHE, M. A descentralização como condição de governabilidade: solução ou miragem?
apud ADAUTO, L. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas: 3.
78
Idem. Ibidem.
79
Melo, M. A formação de políticas públicas e a transição democrática: o caso da política
socialj, 1990: 461.
80
Idem: 461-462.
41

caracterizada por processos em que os mecanismos de alocação de recursos

passaram a obedecer preferencialmente a critérios clientelistas ou ao favorecimento

de aliados do governo central. Essa foi a característica do plano de Ação Imediata

para a habitação, lançado em 1990, que se propunha a apoiar financeiramente

programas, construção de unidades e de ofertas de lotes urbanizados, para

atendimento de famílias, com renda de até 5 salários mínimos, financiando projetos


81
de iniciativa de Cohabs, prefeituras, cooperativas, entidades de previdência, etc.

Neste episódio da história destacamos que a utilização predatória dos recursos do

FGTS, que caracterizou os últimos dois anos em que Collor esteve no poder, teve

conseqüências graves sobre as possibilidades de expansão do financiamento

habitacional, levando à suspensão por dois anos, de qualquer financiamento, no

período subseqüente. 82

O grande montante de recursos investidos nos projetos urbanos

desenvolvidos pelo governo do estado do Rio de Janeiro, no período analisado,

certamente teria sido potencializado se as experiências vivenciadas pelo poder

público fossem, de forma mais sistemática, a base para a formulação dos novos

projetos governamentais, permitindo, dessa forma, uma maior articulação entre o

planejamento e a implementação das ações do Estado. Nas administrações públicas

que passaram nestas duas décadas pelo estado do Rio de Janeiro, a “memória

oficial”, ou seja, a memória de todos os estudos, projetos, plantas, relatórios, etc.

que são elaborados em cada governo, dos grandes projetos urbanos integrados

―que envolvem várias instituições e as três esferas governamentais ―ficaram

somente com as empresas privadas, contratadas através de licitações públicas,


83
para o gerenciamento e implantação destes projetos. Só recentemente, porém

de forma tímida, o governo do estado do Rio de Janeiro, passou a institucionalizar e

tentar articular informações existentes em alguns de seus grandes projetos

81
Ver AZEVEDO, S. A crise da política habitacional: dilemas e perspectivas para o final dos
anos 90,1996: 73-101.
82
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 4.
83
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 81.
42

urbanos. Através da fundação Centro de Informações e Dados do Estado do Rio de

Janeiro ―CIDE, o Programa Nova Baixada ―PNB está implementando o

Componente de desenvolvimento Institucional que prevê, através do item memória

técnica, o armazenamento e a disponibilidade das informações do projeto às

instituições governamentais e ao público em geral. 84

Vale destacar aqui, que os órgãos financiadores também tiveram um papel

fundamental na continuidade dos grandes projetos públicos urbanos citados. Seja

através da obrigatoriedade de inclusão de componentes de desenvolvimento

institucional, que incluam a capacitação técnica dos profissionais diretamente

envolvidos, monitoramento das ações e impactos, além da implantação de núcleos

de memória técnica, seja nas mudanças administrativas, através de pressão

institucional para a manutenção dos técnicos da burocracia que possuem

informações relevantes para a continuidade destes projetos. No processo de

mudança administrativa do governo Brizola para o governo Marcelo Alencar (1989-

1992), o BIRD e mesmo a CEF intervieram junto à nova gestão pressionando para

que a equipe técnica, responsável pelo componente de reassentamento,

permanecesse atuando no projeto de forma a garantir sua conclusão e a

implantação do plano aprovado. Contudo, somente a intervenção dos organismos

financiadores, para a manutenção dos técnicos no projeto, não é o bastante para

dar continuidade ao originalmente projetado. É necessário que haja vontade política

do novo governante em manter os acordos. Mesmo mantendo a mesma equipe, o

governo Marcelo Alencar, 85 por força das propostas e dos acordos políticos

84
Idem: 82.
85
Atuou como intermediário entre estudantes e o governo durante o movimento estudantil.
Em 1969, teve seus direitos políticos suspensos por dez anos e seu mandato cassado com
base no Ato Institucional nº 5. Durante a reformulação partidária, filiou-se ao Partido
Democrático Trabalhista (PDT), liderado pelo ex-governador gaúcho Leonel Brizola. Em
1983, assumiu a presidência do Banco do estado do Rio de Janeiro (Banerj) e mais tarde foi
nomeado pelo governador Leonel Brizola prefeito da cidade do Rio de Janeiro (1983-1986).
Concorreu ao Senado em 1986 pelo PDT, sendo derrotado por Afonso Arinos pela soma dos
votos de legenda. Em 1988, foi eleito pelo voto popular prefeito da cidade do Rio de Janeiro.
Em 1992, começaram suas divergências com o governador Leonel Brizola e, às vésperas do
primeiro turno da eleição para a Prefeitura, já se formava uma dissidência no PDT do Rio. Em
1993, após 13 anos, deixou a agremiação e filiou-se ao Partido da Social Democracia
43

realizados durante o processo eleitoral, não deu continuidade à política de


86
reassentamento aprovada.

Cardoso considera fundamental, do ponto de vista institucional, que a

política habitacional reconheça a experiência de descentralização ocorrida no país

nos últimos anos. As mudanças no quadro institucional do país, promovidas pela

nova Constituição, aliadas à iniciativa dos novos governos locais e à fragilidade das

políticas federais —descentralização por ausência— geraram um efetivo processo de

descentralização e municipalização das políticas habitacionais, a partir de meados

dos anos 80. É possível neste ponto, que sem uma definição institucional de

competências e de redistribuição de recursos, os municípios mais pobres tendam a

ficar alijados do acesso às ofertas de financiamento, seja do governo federal seja

dos organismos internacionais de fomento. Ressalta, por fim, a necessidade de que

se instituam mecanismos de participação, em vários níveis e escalas decisórias, o

que, além de democratizar o processo e aumentar sua transparência, permite

ultrapassar as pressões clientelistas pela alocação de recursos que, dadas as

circunstâncias que se desdobram, deverão ser escassos. 87

Outro desafio à implementação de programas habitacionais para população

de baixa renda, consiste na terceirização do planejamento e da gestão pública. Por

orientação dos órgãos internacionais financiadores, principalmente o Banco Mundial

e o BID, para o gerenciamento dos grandes projetos urbanos, têm sido criados

pelos governos públicos, os chamados “Grupos Executivos”, como o GEROE. Estes

grupos geririam os recursos alocados por estas instituições financeiras e

coordenariam as ações de diversos órgãos e instituições envolvidas. Para a

agilização dos trâmites burocráticos são aportados grandes recursos destinados à

contratação de empresas privadas que farão papel de gerenciadoras e supervisoras

de todas as ações desenvolvidas pelos projetos. Também a execução das obras é

Brasileira (PSDB), tornando-se o novo presidente regional do partido no Rio de Janeiro. Foi
eleito governador do estado no pleito de 1994.
86
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 87.
87
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 9.
44

terceirizada, através de licitação internacional. A composição desses Grupos

Executivos, muitas vezes, é também terceirizada, através da indicação, pelos

governantes eleitos e suas equipes, de técnicos para serem contratados por estas

empresas gerenciadoras. A maior ou menor terceirização destes projetos depende


88
principalmente do perfil político-ideológico de cada governo eleito.

A partir do final da década de 80, todos os principais projetos de intervenção

urbana do estado do Rio de Janeiro passaram a utilizar grande parte dos seus

recursos terceirizando a ação do Estado. Nesta época, era comum nas três esferas

governamentais, a maioria das administrações públicas, usar a terceirização, como

forma de contratar pessoal de confiança com melhores salários e sem concurso

público. Com o esvaziamento do setor público, os terceirizados passaram a ocupar

setores estratégicos do governo, especialmente aqueles voltados para a gestão de

grandes projetos. Desta forma, ao invés de driblarem a morosidade do Estado, os

grupos executivos têm a formulação de suas políticas terceirizada e, por isso,

encontram uma grande resistência da máquina administrativa convencional, devido

ao grande custo dessa terceirização para os cofres públicos, já que um técnico

terceirizado pode custar até dez vezes mais do que técnico público, de similar

qualificação, do quadro efetivo. 89 O domínio desses técnicos terceirizados sobre os

grandes projetos internacionais é muito grande, algumas vezes muito maior do que

o da burocracia técnica. 90 Nestes grandes projetos, a maior crítica que se faz é

relativa à quase total delegação da formulação, planejamento e definição de

prioridades das grandes intervenções aos interesses das empreiteiras e do setor

privado.

Se a presença do Estado se tornou necessária para a dinamização do

mercado imobiliário em geral, mais fundamental ainda foi sua intervenção para

viabilizar o acesso à casa própria às famílias de baixa renda. Mostrou-se que é

88
Idem: 88.
89
Idem: 89.
90
Idem: 90.
45

possível ao poder público utilizar várias estratégias, visando ao barateamento da

habitação popular. A primeira e principal é a substituição do incorporador por uma

agência pública, sem fins lucrativos. Outra seria a criação de linhas de crédito

subsidiado para a construção e financiamento de moradias. Resumidamente,

Azevedo 91 considera que a estratégia global de barateamento da produção de casas

populares, pelo poder público, é retirar do circuito, ou diminuir a importância dos

atores que participam do Sistema de produção Imobiliária. Primeiro, tira-se o

incorporador, a empresa de planejamentos e projetos e o corretor, depois, tenta-se

reduzir ao máximo o papel do proprietário urbano e conseguir vantagens adicionais

das Agências Financeiras Governamentais para o financiamento da construção e

comercialização do imóvel. As casas populares ainda são muito caras para a

maioria da população de baixa renda. Por isso, Azevedo destaca que em países

latino-americanos, nas últimas décadas, vêm ganhando força os chamados

programas alternativos de habitação; contudo, o estímulo a esses programas tem

ocorrido fundamentalmente na esfera do discurso e da retórica, com minguados

resultados no campo das experiências concretas. 92

É importante destacar também, a importância do papel da sociedade civil na

relação com o poder público para a implementação dos programas habitacionais.

No Governo Leonel Brizola, a burocracia técnica envolvida, obteve espaço

institucional para participar da formulação de uma política de reassentamento e

loteamento mais global para o estado do Rio de Janeiro. A exemplo do fracasso de

planos anteriores, Brizola não segue o mesmo caminho e prevê a participação

democrática neste processo, o que permitiu uma maior integração por parte da

sociedade civil e suas respectivas organizações, com as ações governamentais.

Desta forma, a burocracia técnica e a população automaticamente participariam da

formulação das políticas de habitação do governo. Hélio Ricardo Leite Porto destaca

91
AZEVEDO, S. Política de habitação popular e subdesenvolvimento: dilemas, desafios e
perspectivas, 1982: 113.
92
Idem: 114.
46

este momento vivido pela administração pública, no segundo governo Brizola, e

afirma que:

[...] No plano do Estado, já assinalamos a mudança ocorrida


com a eleição de Leonel Brizola para governador, o que
representou, entre outros fatores, a chegada ao poder de
uma nova burocracia com um projeto modernizador de
Estado, marcado por uma perspectiva integradora
socialmente, universalista no acesso aos serviços e
equipamentos públicos e democratizadora das relações de
poder. 93
Este processo de gestão mais participativa, iniciado através do componente

de reassentamento, evoluiu para outras gerências do projeto, no governo Brizola.

Durante todo o processo de implantação do componente de reassentamento, neste

governo, os técnicos apoiaram sua ação e política na participação comunitária

como forma de pressionar a estrutura mais formal do Estado. Inicia-se neste

momento um período de intenso diálogo e articulação entre o poder público e a

sociedade civil organizada. 94

Para uma melhor compreensão do papel da participação social no processo de

democratização da ação governamental, abre-se um parêntese para o modelo de

Habermas, 95 para a discussão sobre a participação social como a melhor

alternativa para o fortalecimento da esfera pública. Em seu modelo, o autor

considera a esfera pública como o espaço intermediador entre os impulsos

comunicativos gerados na sociedade civil e as instâncias que articulam,

institucionalmente, as decisões políticas, com a possibilidade deste espaço não

estar sujeito às regras, nem do Estado, nem do mercado, para a satisfação das

necessidades públicas. Habermas então, desenvolve o conceito de política

deliberativa, como o procedimento que legitima as decisões corretamente tomadas

como estrutura central de um sistema político diferenciado, e configurado como

estado de direito, porém, não válido para a totalidade das instituições sociais e

93
PORTO, H. Saneamento e cidadania: trajetórias e efeitos das políticas públicas de
saneamento na Baixada Fluminense, 2001: 77.
94
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 96.
95
Ver Habermas, J. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, 1997.
47

mesmo do estado. O argumento do autor é que o processo democrático depende

de contextos de inserção que fogem ao seu poder de regulação. Esse processo

exige uma imparcialidade ou uma neutralidade de seus agentes, do que Habermas

discorda argumentado que é impossível separar as contradições e que o conflito de

opiniões deve ser superado pelo agir comunicativo. Habermas aproveita-se dos

princípios elaborados por Robert Dahl, no qual este descreve que um processo

democrático deveria proporcionar aos seus cidadãos, no mínimo: a inclusão de

todas as pessoas envolvidas; chances reais de participação no processo político,

repartidas eqüitativamente; igual direito a voto nas decisões; o mesmo direito para

a escolha dos temas e para o controle da agenda; uma situação onde todos os

participantes, tendo à mão informações suficientes e bons argumentos, possam

formar uma compreensão articulada acerca das matérias a serem regulamentadas

e dos interesses controversos. Contudo, a dificuldade da aplicação deste processo

na sua totalidade esbarra na complexidade social, que impõe suas diferenciações e

determina restrições para sua consecução. É importante lembrar que as formas de

organização em torno do movimento de participação popular, em favor do

fortalecimento da esfera pública, variam de acordo com o contexto histórico.

No programa “Cada Família, Um Lote”, as dificuldades de implementação dos

programas foram de ordem técnica, política, institucional, burocrática e

administrativa, e criaram verdadeiros impasses, resultado, na maioria dos casos,

da falta de planejamento dos programas e da improvisação própria de um governo

sem recursos materiais. Faltava ao governo uma máquina administrativa capaz de

fornecer os dados necessários à execução do trabalho, resultando num atraso

irreparável na execução dos programas, em particular no Programa “Cada Família,

Um Lote”. Neste Programa, os projetos tinham como pré-requisito obras extensas

de urbanização, exigindo grandes investimentos fora das possibilidades do Estado e

da SETH, que acabou por desistir de avançar na regularização fundiária. Somados

a estes fatores, acrescentamos alguns problemas técnicos como o complicado

processo de levantamento e medição de favelas, lote por lote, e a dificuldade na


48

titulação de certas áreas devido à indefinição quanto a certos aspectos do direito

de propriedade, sem falar da gravidade da questão da prática de aluguel em

favelas. Acrescentamos ainda, que a titulação permitiria uma liquidez na

comercialização com lotes, estimulando os moradores a adquiri-los com vistas ao

mercado futuro. Um dos principais problemas do Programa “Cada Família, Um

Lote”, foi o fato do governo não exercer nenhum tipo de controle do uso do solo de

forma a manter de pé seu objetivo de oferecer aos favelados um caminho para a

sua cidadania.

Se a medida de regularização fundiária é tomada isoladamente, o processo

cairá, com certeza, num círculo vicioso, pois as estruturas sócio-econômicas,

permanecendo intocadas, continuarão alimentando novos surtos de favelização,

dessa vez mais velozes, com o estímulo da expectativa de legalização da posse,

principalmente se tal legalização se faz através da entrega do título de propriedade

individual. Deve-se criar, em contrapartida, um mecanismo de controle do uso de

solo, como por exemplo, o fornecimento de escrituras de propriedades

condominiais ou a adição de cláusulas contratuais que dificultem a venda do

terreno, entre outros. No caso do “Cada família, Um Lote”, não foram tomadas

estas medidas. O governo não exerceu nenhum tipo de controle do uso do solo de

forma a manter de pé seu objetivo de oferecer aos favelados um caminho para a

sua cidadania. Contudo, ao observar a situação da habitação popular, na época e

agora, se comparada com o restante da cidade, torna-se falsa uma proposta de

igualdade deste tipo. 96 Sobre a regularização fundiária, Cardoso nos impõe uma

questão: Não estaria, dessa maneira, a urbanização de assentamentos informais

legitimando exceções desvinculadas dos mínimos sociais, sem estabelecer padrões

de uso do solo que possam ser adequados e dignos para a população como um

todo? 97 Em que medida a política desenvolvida em programas, como o “Cada

96
ARAÚJO, M.S.M. Possibilidades e limites de uma política habitacional: o Programa Cada
Família um Lote, 1988: 98.
97
CARDOSO, A. L. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003: 78.
49

Família, Um Lote”, pode ser responsabilizada pela a expansão do número de

favelas na cidade do Rio de Janeiro? É preciso uma reflexão acerca dos benefícios

ou problemas causados pela titulação da terra e dos lotes em favelas.

Em entrevista ao jornal O GLOBO, quando questionado se os benefícios da

titulação das propriedades, dando a titularidade da terra ou do lote é importante

para tirar parte da população da miséria, Aloisio Araújo 98 responde: Não sou contra

a titulação, mas os efeitos propagados não são tão grandes e alguns estudos

recentes mostram isso. Estes estudos analisaram os efeitos da titulação na

Argentina e mostraram que o efeito sobre o crédito, por exemplo, praticamente

não existiu. Para ele, a titulação tem sido apresentada como uma grande panacéia.

A titulação das propriedades somente transforma o “capital morto” desse cidadão

em capital vivo, porque ele pode usar a propriedade como garantia de um

empréstimo na cidade ou no campo, por exemplo. Aloísio Araújo considera que as

políticas tradicionais de habitação podem dar muito mais resultado. Além disso, vê

um efeito perverso na titulação, que é o aumento esperado do incentivo à invasão

da terra. Justifica sua idéia, afirmando que após anos de inflação alta, de juros

altos e de um ambiente institucional perverso, o crédito habitacional clássico

desapareceu, mas acredita que, agora, com a estabilidade essa situação irá se

reverter. Araújo conclui então, que para privilegiar a população de baixa renda, o

melhor seria usar as políticas tradicionais voltadas ao crédito habitacional, com

juros menores e até subsídio para essas populações. Desta forma, considera que a

maior parte da pobreza vai ser resolvida com questão de geração de emprego

formal ―por novos pólos, como o petroquímico, e em áreas disponíveis na Avenida

Brasil― atraindo as populações para esses locais, onde é possível fazer habitações

para populações de renda mais baixa.

Por outro lado, o mesmo jornal, na mesma data, trás a seguinte reportagem:

Favela da Rocinha cresce na vertical à margem da lei: pesquisa mostra que 44%

98
Aloísio Araújo é professor da Fundação Getulio Vargas e do Instituto de matemática Pura e
Aplicada – IMPA. Entrevista cedida ao Jornal O GLOBO. Domingo, 04 de Novembro de 2007.
50

dos moradores não têm escritura do imóvel. Os números constam de uma pesquisa

realizada pela Fundação Bento Rubião, responsável pelo programa de regularização

fundiária da comunidade, que entrevistou mil moradores entre Dezembro e Março

de 2006-2007. Segundo a pesquisa, 27% dos proprietários têm dois imóveis ou

mais. Em boa parte dos edifícios, cada pavimento serve de moradia para até seis

famílias. É de grande proporção o adensamento nas favelas. Sem infra-estrutura

adequada, a tendência é que os problemas ambientais, de higiene e salubridade se

agravem. À superpopulação das favelas, soma-se a falta de documentação sobre o

espaço de cada um. Do total de entrevistados, 44% não tinham qualquer

documentação sobre o imóvel em que vivem e apenas 1% tem escritura definitiva.

Segundo a pesquisa, entre as pessoas que moram de aluguel (11% dos

entrevistados), 81% não têm contrato de locação, e 54%, sequer recibos de

pagamento. O coordenador da Fundação Bento Rubião, Ricardo Gouvêa afirma que

a Rocinha não pode mais esperar para ter a sua situação regularizada. Segundo a

reportagem, na ausência do poder público, a maior associação de moradores da

favela, a União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, acabou se

transformando numa espécie de cartório, já tendo cadastrado um terço das

moradias da comunidade. O registro de posse da casa é uma importante iniciativa

para evitar os conflitos que acontecem pela posse dos imóveis. Os moradores

acreditam que a melhor solução é a distribuição de títulos de propriedade aos

donos dos imóveis. Devido ao impasse do governo, na implementação de todas as

metas traçadas pelos programas habitacionais, voltados para a população de baixa

renda, iniciou-se, em 2005, o projeto de regularização fundiária, chamado Rocinha

Mais Legal já recebeu a adesão de 2 mil famílias, e 250 ações de usucapião já

foram propostas na justiça, abrangendo 1.620 unidades residenciais, a fim de que

seus proprietários obtenham escritura.

Além do impasse gerado pela discussão de como a adoção das políticas de

habitação, que favorecem a titularidade da terra ou do lote, podem gerar conflitos

e resultados questionáveis, outro fator contribui muito para as descontinuidades


51

desses grandes programas: a centralização. No que se refere à implementação de

uma política de governo do tipo do programa “Cada Família, Um Lote”, Araújo

considera que se impunha como melhor caminho que sua execução fosse feita de

maneira descentralizada, de preferência com o auxílio dos órgãos públicos

municipais. Em municípios como o Rio de Janeiro, a descentralização deveria

chegar até a atribuição de responsabilidade a organismos regionais ou distritais na

tarefa de execução, cujo controle se fará indubitavelmente mais eficaz, tendo em


99
vista a proximidade das organizações comunitárias. Para a autora, para o

sucesso deste tipo de programa, um fator importante, que devemos acrescentar à

descentralização, é a desburocratização dos serviços administrativos do Estado, e

sua conseqüente modernização, sem o que qualquer programa, por melhores que

sejam o seu embasamento técnico e sua finalidade social —naufraga na frustração

dos objetivos, levado por descaminhos, conflitos do aparelho burocrático. Assim, a

estes dois fatores, sobre os entraves à implementação do programa “Cada Família,

Um Lote”, podemos unir a inércia ou lentidão da máquina do Estado, que resulta

em dificuldades administrativas de toda ordem, e que tem por causas principais a

insuficiência de recursos materiais e humanos à altura das necessidades, a


100
precariedade e obsolência e exaurida rotina dos procedimentos burocráticos.

Constatamos que no final do primeiro governo Brizola (1983-1987), quanto

ao programa “Cada Família, Um Lote”, a rigidez da regulamentação, o montante de

investimentos e a demora na aprovação dos projetos desestimularam a oferta de

lotes, resultando no retorno dos loteamentos clandestinos e na negociação de

terras, por parte das associações de moradores, sem prévia autorização dos

poderes públicos. Como dar continuidade a este programa, visto que o quadro da

política habitacional traçado até aqui, aponta para o esgotamento do padrão de

financiamento desta política, associado a uma crise fiscal, à fragmentação

institucional e a paralisia decisória? É clara a relação entre a crise de

99
Idem: 99.
100
Idem: 99-100.
52

governabilidade e a crise da gestão da política habitacional, que culmina em

constantes conflitos entre as instituições estaduais e municipais, muitas vezes,

impedindo que os programas sejam implementados da mesma forma que foram

elaborados.

Vimos, no decorrer da pesquisa, que no governo Moreira Franco (1987-1991),

ocorre uma crise aguda da atividade do planejamento urbano. Neste contexto, a

forte centralização conjugou-se à falta de capacitação política e financeira dos

Executivos locais com a perda da legitimidade do Estado para implementar

intervenções no espaço urbano, gerando o agravamento da relação entre o Estado

e os ocupantes ilegais. Neste mesmo período, com o fim do BNH e com a crise

econômica, as Companhias Estaduais de Habitação viveram momentos de intensa

crise e paralisação, dado ao alto grau de inadimplência dos mutuários. Apesar da

crise, e dos resultados pouco satisfatórios, foi possível constatar que no Projeto

Reconstrução-Rio, a postura mais política dos técnicos da burocracia, durante o

projeto, atuando nas fendas institucionais dos governos, contribuiu

significativamente para a continuidade e o aprimoramento do projeto, no segundo

governo Brizola.

Contudo, o que existe de novo na década de 1990, enquanto o estado

começa a ser gerido pela segunda vez por Leonel Brizola, é o fato de que estaria

surgindo uma convergência da sociedade com os esforços empreendidos pelo

Estado, para favorecer a inclusão da sociedade civil no debate sobre a gestão

pública, através de novos arranjos institucionais. Neste contexto, caberia ao Estado

fortalecer esta sociedade e dar curso às suas aspirações, vislumbrando, assim,

eficácia e eficiência na gestão pública. No caso do projeto Reconstrução-Rio, é

evidente que houve abertura de opções para a expressão direta dos cidadãos, de

novas oportunidades políticas e, certamente, da construção de espaço de influência

da sociedade sobre o estado. Porém, também foi evidente uma grande

instabilidade nesse processo participativo que, em alguns momentos, chegou a

sofrer certo retrocesso ou estagnação. Isso se dá em função dos efeitos


53

controversos dos mecanismos da democracia direta, que podem tanto proteger,

quanto prejudicar os interesses dos excluídos social e politicamente. Poucos são os

que de fato participam e trabalham para seus interesses. O que acaba acontecendo

é o governo de uma minoria ativa que pode estar longe de ser uma imagem fiel da

população.

Aqui fica evidente a crise de representação que marca as democracias

atuais. Sendo assim, seria necessário promover arranjos institucionais que


101
contribuíssem para a promoção de um maior pluralismo no processo político.

Putnam aponta outra perspectiva afirmando que a participação acontece de fato

quando há cooperação e confiança entre os participantes. As normas de

reciprocidade e as redes horizontais de compromissos cívicos de uma comunidade


102
favorecem a resolução dos dilemas da ação coletiva. Já Olson acredita que, para

estimular a participação, são necessários incentivos que vão além da possibilidade

de obter tais bens, ou seja, incentivos “seletivos e separados”, que também podem
103
incluir incentivos materiais.

Consideramos como consensual que, para potencializar a participação, faz-

se necessário superar o desenho formal, de simples consulta e aprovação,

estabelecido pela maioria dos projetos públicos que se propõem participativos. A

participação social, não só para a deliberação pública, mas principalmente para

estimular um maior pluralismo na elaboração das decisões políticas, desde o

momento da concepção inicial do projeto público, amplia muito mais as

perspectivas de sucesso das soluções democraticamente apontadas. 104 Na década

de 80, direitos políticos aos poucos foram conquistados. Por, outro lado, ocorre um

processo acelerado de pauperização que não se limita mais à população pobre do

101
Ver GRAU, N. Cl. Representação e participação social: na participação cidadã e sua
virtualidade para a construção de espaços públicos,1998: 64-180.
102
Idem. Ibidem.
103
Idem. Ibidem.
104
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 111.
54

País. Retomando o problema da habitação no Rio de Janeiro, é possível perceber

que as condições de reprodução da classe média estão cada vez mais precárias,

possibilitando o surgimento de novos conflitos sociais. A forma pela qual o espaço

construído das cidades foi produzido favoreceu a difusão da propriedade entre os

vários segmentos da sociedade e, conseqüentemente, a acomodação dos conflitos.

Os programas analisados nesta pesquisa, ao serem implementados,

ganhariam maior eficácia com o oferecimento de uma cesta variada de tipos de

programas, combinando urbanização de assentamentos, regularização fundiária e

urbanística, oferta de lotes urbanizados associada a programas de apoio à

autoconstrução ou de mutirão, financiamento de materiais de construção e, ainda,

a construção de unidades habitacionais. O fundamental para sua continuidade seria

que se combinassem programas de oferta de novas oportunidades habitacionais,

com programas de melhoramento dos assentamentos existentes, implicando o

reconhecimento do direito à posse, mas criando condições para que se evitassem

as ocupações de terras impróprias à urbanização. Aliado aos programas de

atendimento à população de baixa renda, seria preciso focalizar os moradores em

áreas de risco, potencializando os programas já desenvolvidos por algumas

prefeituras e ampliando a sua capacidade de ação de modo a que assumissem uma


105
função mais preventiva.

De acordo com Cardoso, para que o descompasso entre a concepção e a

implementação dos programas habitacionais para população de baixa renda

diminua, é fundamental que seja criado um sistema nacional de habitação popular,

de forma a estabelecer critérios redistributivos —segundo a escala das

necessidades locais e, inversamente, segundo a capacidade de autofinanciamento

do município— e instituir programas de capacitação de técnicos municipais, visando

a aumentar a eficácia das ações. Além da descentralização intergovernamental,

pode-se também aproveitar as possibilidades de mobilizar recursos da sociedade,

através da participação de ONGs, Sindicatos e movimentos de moradia em

105
CARDOSO, A. Política habitacional no Brasil: balanço e perspectivas, 2002-2003: 8.
55

programas apoiados pelos governos, e que poderiam utilizar recursos privados.

Quanto à participação do setor privado, deve-se ter cautela, já que a experiência

mostra que em programas em que as empresas têm maior autonomia existe uma

tendência ao aumento de custos e à pressão pela elevação de tetos de


106
financiamento, o que pode vir a distorcer os objetivos sociais dos programas.

Paralelamente, o Estado deveria capacitar os técnicos de sua burocracia para

lidar com uma gestão democrática, para que assim estes possam tomar decisões de

forma coletiva, no menor tempo, para a solução dos problemas, aliando seu saber

técnico ao tempo dos governos e às necessidades da população. Estes técnicos

precisam romper com a nossa tradição autoritária e aprender a ouvir os

beneficiários e instituições envolvidas na elaboração de seus projetos. E, por fim, já

que os acordos e compromissos políticos definem grande parte das decisões

governamentais, a política precisa passar a ser vista pela burocracia técnica não

mais unicamente como terreno do oportunismo. 107

Somente como sugestão, em que se pese a diversidade de instrumentos

jurídicos vigentes para efetuar a regularização fundiária de favelas, sobretudo com

a instituição do usucapião coletivo, algumas alterações no ordenamento jurídico

brasileiro ainda são necessárias para dar maior agilidade aos muitos procedimentos

legais e burocráticos requeridos. Segundo Compans, a principal dessas alterações

no ordenamento jurídico, relaciona-se à simplificação destes procedimentos,

especialmente no que se refere aos registros públicos. A legislação federal precisa

compatibilizar-se com a urgência da integração social das áreas ocupadas por

favelas, para qual a regularização fundiária é elemento propulsor. 108 Segundo a

autora, também será de fundamental importância uma reforma jurídica, que

permita acelerar a tramitação dos processos judiciais, em particular, o rito

processual de ações que digam respeito à regularização fundiária, seja de

106
Idem: 9.
107
MANCINI, L. Cimentando fendas institucionais, 2004: 114-115.
108
COMPANS, R. A regularização fundiária de favelas no Estado do Rio de Janeiro, 2006: 51-
52.
56

desapropriação, de usucapião, ou de concessão de uso especial para fins de

moradia. 109 Esta reforma é imprescindível para evitar a descontinuidade

administrativa da qual padecem, por vezes, programas, tais como o “Cada Família,

Um Lote” e o projeto Reconstrução-Rio, que exigem médio ou longo prazo de

execução, como aqueles destinados à urbanização e à regularização de favelas.

Foi possível perceber, por meio dos dados relativos ao município do Rio de

Janeiro, que as limitações orçamentárias para o enfrentamento da questão

habitacional acabam por definir a ínfima atuação desses programas, que, em sua

maioria, têm atuado em soluções a posteriori, com a provisão de infra-estrutura e a

tentativa de titulação onde já existe a habitação, executada pelo morador. A pouca

incidência de iniciativas públicas destinadas à provisão de novas oportunidades

habitacionais leva à reprodução do problema, gerando mais precariedade em áreas

da cidade ocupadas pela população de baixa renda, excluída do acesso formal à

moradia. 110

Consideramos que os avanços sociais contidos nos programas estudados,

poderiam ser fortemente potencializados se combinados com alguns novos

instrumentos jurídicos, ainda não regulamentados. O usucapião urbano como

instrumento mais efetivo de regularização fundiária, bem como, o imposto

progressivo sobre o patrimônio urbano, dentre outros, certamente contribuiriam

para a expansão dos direitos de cidadania dos moradores da cidade, que vivem na

ilegalidade, e que não estão nessa condição por escolha, mas por terem sido

excluídos da sociedade mercantil. Ademais, a crescente vulnerabilidade do mercado

de trabalho só faz aumentar o número dos que não conseguem ingressar no

mercado de moradia e que, portanto, irão adensar o mercado da moradia ilegal.

Segundo Santos, é fundamental que sejam utilizados os novos instrumentos

jurídicos, para que associados a uma agenda de política pública mais comprometida

com os interesses locais e viabilizada pela conquista de maior autonomia política e

109
Conforme previsto na Medida Provisória 2.220/01.
110
CARDOSO, A. L. Habitação social na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 2003: 77.
57

financeira, possam traduzir-se em consolidação da metrópole carioca como elo

importante da cadeia de fluxos econômicos internacionais e espaço de reprodução

social sustentável para uma população que não está toda inserida na sociedade

mercantil. 111

Da perspectiva das políticas públicas, impõe-se hoje um grande desafio ao

governo, em todas as suas esferas, e à sociedade em geral, que a esperada

retomada do crescimento econômico e a reintegração do país na economia mundial

certamente auxiliarão a resolver. É diante desse quadro, que a sociedade deve se

rearticular, procurando soluções menos simplistas que o idealismo automatizado do

mercado, que reitera a exclusão e a segregação. O problema da moradia e da falta

de infra-estrutura, em função do descompasso entre a concepção e a

implementação de programas habitacionais, para população de baixa renda na

cidade e no estado do Rio de Janeiro, persiste até hoje, trazendo consigo

conseqüências gravíssimas, como por exemplo, o aumento da violência urbana,

aumento do número de grupos armados nas favelas, à expansão do tráfico de

drogas, gerando obstáculos aos cidadãos que, em grande medida, não conseguem

exercer sua cidadania, pela precariedade do modo como se inserem no mercado de

trabalho. Nesse contexto, a gestão da metrópole pressupõe a adoção de uma nova

agenda de políticas que inclua o enfrentamento da “metropolização da pobreza”,

bem como a assunção pelo governo local do papel de promotor de vantagens da

cidade que administra.

Tendo em vista que as políticas e programas implementados pelo governo

do estado do Rio de Janeiro, entre 1983 e 1995, ficaram muito aquém dos

objetivos traçados, e que o processo de urbanização e infra-estrutura das favelas,

ainda é feito apenas de forma aparente, a discussão acerca deste descompasso

entre concepção e implementação de programas habitacionais, elaborados pelo

governo do estado, nas gestões entre 1995 e 2010, na cidade do Rio de Janeiro,

ficará para uma próxima oportunidade.

111
SANTOS, A. M. Economia, Espaço e Sociedade no Rio de Janeiro, 2003: 192.
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ANEXO 1

Decisões e Realizações na Política Habitacional no Rio de Janeiro: Distrito

Federal, Estado e Município (1902-1983) 1

Início do Século XX (1902-1918)

10 de Fevereiro de 1903 – RJ/DF

Proibição de obras de melhorias em cortiços na cidade do Rio de Janeiro.

18 de Julho de 1905 – RJ/DF: Dec. n° 1042

Autoriza Prefeito a aproveitar parte das sobras de terrenos dos prédios adquiridos,

com a abertura da Av. Salvador de Sá, para a construção de casas de operários.

1906 – RJ/DF

Prefeitura do DF: construção de 120 unidades habitacionais, agrupados em

conjuntos localizados na Av. Salvador de Sá e Rua São Leopoldo (ainda existentes

em 1983).

22 de Abril de 1915 – BR: Dec. n° 11554

Abre ao Ministério da Fazenda créditos para despesas de administração e custeio de

vilas operárias.

30 de Dezembro de 1916 – BR: Lei n° 1544

Autoriza os governos estaduais a fundarem caixas econômicas.

Fim da República Velha (1919-1930)

1920 – RJ/DF

Prefeitura do Distrito Federal: remoção de Favelas: morros da providência, Santo

Antônio e Gávea-Leblon.

11 de Dezembro de 1920 – BR: Dec. n° 4209

Autoriza o Poder Executivo a construir casas para operários e proletários, sem

prejuízo dos favores concedidos às associações no Dec. n° 2407 (18 de Janeiro de

1911).

1
Pesquisa realizada no Inventário da ação governamental, Financiadora de Estudos e
Projetos -FINEP, 1985.
26 de Outubro de 1921 – BR: Dec. n° 15068

Concede à sociedade anônima “A Popular”, com sede na cidade do Rio de Janeiro,

os favores de que trata o Dec. n°14813 (20 de Maio de 1921).

1926 – RJ/DF/004

Departamento Nacional de Saúde Pública une-se ao Ministério da Justiça, para

solucionar a crise da habitação na cidade do Rio de Janeiro.

1927 – RJ/DF/004

Departamento Nacional de Saúde Pública recomenda a interdição de casebres na

cidade do Rio de Janeiro.

1927 – RJ/DF

Prefeitura decreta a interdição de casebres no Rio de Janeiro.

República Nova (1930-1937)

01 de Outubro de 1931 – BR: Dec. n° 20465

Reforma e legislação das Caixas de Aposentadoria e Pensões, ampliando a aplicação

de sua receita à construção de casas.

27 de Abril de 1932 – BR: Dec. n°21326

Aprova o regulamento para aquisição ou construção de casas pelas caixas de

Aposentadoria e pensões.

12 de maio de 1933 – BR: Dec. n°22708

Isenta imóveis situados na Vila operária de Orsina da Fonseca do pagamento de

taxas e impostos federais e municipais.

19 de Junho de 1934 – BR: Dec. n°24427

Dá nova regulamentação às caixas Econômicas Federais.

29 de Junho de 1934 – BR: Dec. n°24503

Estabelece regras e providências para o funcionamento das Sociedades de

Economia Coletiva, também chamadas de “Caixas Construtoras”, para concorrerem

satisfatoriamente para solução do problema da habitação.

28 de Junho de 1937 – BR: Dec. n°1749


Dá nova regulamentação à aquisição de prédios destinados à moradia dos

associados dos Institutos de Aposentadorias e Pensões –IAPs.

01 de Julho de 1937 – RJ/DF: Dec. n°6000

Promulga o Código de Obras do Distrito federal: primeiro reconhecimento legal da

existência de favelas, contendo recomendações no sentido de eliminá-las e regula a

construções de habitações de tamanho mínimo (art. 346-349).

08 de Novembro de 1937 – BR: Dec. n°6092

Cria a Comissão Plano da Cidade, na Prefeitura do Distrito Federal.

Estado Novo (1937-1945)

31 de Maio de 1939 – BR: Lei. n°1308

Autoriza os IAPs a concederem fiança de aluguel de casas a seus associados.

12 de maio de 1941 – BR: Dec.-Lei n°3266

Institui a colonização rural mediante a organização de “Granjas Modelo” em terras

pertencentes à União e funda o Núcleo Colonial Duque de Caxias, em Nova Iguaçu.

08 de Agosto de 1941 – RJ/DF: Dec. n°7075

Desliga do Departamento de Edificações, subordinando diretamente ao Secretário

de Viação e obras, o Serviço de Construções Proletárias.

RJ/DF/006

Criação da Comissão de Estudos dos Problemas de Higienização de Favelas.

RJ/DF/007

Prefeitura e IAPs estudam construção de casas para favelados.

25 de Setembro de 1942 – RJ/DF: Dec. n°7363

Modifica o disposto na Seção única Título III, do Capítulo XIV do Dec. n°6000 (01

de Julho de 1937) sobre licença para construção de pequenas casas destinadas a

habitações para as classes proletárias, a cargo do departamento de Construções

proletárias.

RJ/DF/006
Prefeitura traça plano de ação para solucionar problema de favelas no Rio de

Janeiro (construção de parques proletários), através estudos da Comissão de

Estudos dos Problemas de Higienização de Favelas.

RJ/DF

Prefeitura do Distrito Federal: transferência de moradores da favela da Praia do

Pinto para o Parque Proletário da Gávea (parque n°1), com 700 casas e

transferência de moradores das favelas do Livramento e do Morro do Pinto para o

Parque Proletário do Caju (parque n°2).

1944 – RJ/DF

Prefeitura do Distrito Federal: construção do parque Proletário da Praia do Pinto

(Leblon- parque n°3), com 400 unidades habitacionais.

Populismo (1945-1964)

06 de Dezembro de 1945 – BR: Dec.-Lei n°8304

Transforma a Comissão de Plano da Cidade do Rio de Janeiro, criada pelo Dec.

n°6092 (08 de Novembro de 1937), em Departamento de Urbanismo, subordinado

à Secretaria Geral de Viação e Obras, da Prefeitura do Distrito Federal.

26 de Janeiro de 1946 – BR: Dec. n°8938

Proíbe favelas no espaço urbano, através do artigo 29.

04 de Abril de 1946 – BR: Dec.-Lei n°9124

Transforma o Departamento de Construções Proletárias, da secretaria Geral de

Viação e Obras, da Prefeitura do Distrito Federal, em Departamento de Habitação

Popular – DHP.

01 de Maio de 1946 – BR: Lei n°9218

Autoriza a instituição da Fundação da Casa Popular- FCP, pelo Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio, para possibilitar a aquisição ou construção de

moradia.

RJ/DF/011

Criação da Comissão Interministerial para estudar as causas da favelização no Rio

de Janeiro.
22 de Janeiro de 1947 – BR: Dec. n°22498

Autoriza a instituição de uma fundação pela prefeitura do Distrito Federal –

Fundação Leão XII- com o objetivo de prestar ampla assistência às populações

localizadas nos morros, nas favelas da cidade do Rio de Janeiro.

08 de fevereiro de 1947 – RJ/DF: Dec. n°8797

Institui a Fundação Leão XIII e aprova seus estatutos

1947 RJ/DF/012

Criação da Comissão para Extinção de Favelas, pelo prefeito Mendes de Moraes,

realizando o primeiro recenseamento de favelas: 34.528 casebres e 138.937

favelados (informação única, não consta do acervo de fichas).

1948 RJ/DF/011

Comissão Interministerial, criada em 1946, estabelece plano de ação e é extinta.

1948 RJ/DF/013

Lançamento do Plano “Batalha do Rio” e criação da Comissão central para sua

execução, visando solução para as favelas.

1949 RJ/DF

Fundação Leão XIII: urbanização e remodelação da favela da Barreira do Vasco.

1950 – RJ/DF

Instituto de Aposentadorias e Pensões da Indústria constrói 4.075 unidades

habitacionais no Rio de janeiro/Distrito federal.

28 de Janeiro de 1952. Portaria n°66

Prefeitura cria nova Comissão de Favelas. Prefeitura do Distrito Federal/DHP (1947-

1952): 328 unidades habitacionais no Pedregulho.

04 de dezembro de 1952 – RJ/DF/015

Criação da Subcomissão de habitação e Favelas, no Rio de Janeiro, pela Comissão

Nacional de Bem-Estar Social do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

RJ/DF/016

Criação do Serviço de Recuperação de Favelas, subordinado ao departamento de

Segurança Pública e posteriormente à Secretaria de Saúde e Assistência.


Outubro de 1953 – RJ/DF/018

Criação da Comissão de Favelas, substituindo o Serviço de Recuperação de Favelas.

Dezembro de 1955 – RJ/DF/015

Extinção da Subcomissão de habitação e Favelas.

09 de Fevereiro de 1956 – RJ/DF. Dec. n°13153

Desapropria os terrenos da favela Vila do Vintém.

28 de Agosto de 1956 – RJ/DF: Dec. n°13304

Institui o Serviço Especial de Recuperação de Favelas e habitações Anti-Higiências –

Serfha. A Prefeitura do Distrito Federal e o DHP constroem 328 unidades

habitacionais na Gávea (Rua Marquês de São Vicente).

19 de Setembro de 1956 – BR: Lei n°2874

Dispões sobre a mudança da capital para Brasília, e cria a Companhia Urbanizadora

da Nova Capital do Brasil – Novacap.

28 de Novembro de 1957 – RJ/DF: Lei n° 899

Cria a Superintendência de Urbanização e Saneamento- Sursan. Neste ano a

Fundação Casa Popular construiu 482 casas no Rio de janeiro (Distrito Federal).

1960 – RJ/GB

Companhia da Habitação Popular do Estado da Guanabara- Cohab-GB: construção

de 2481 unidades habitacionais no Rio de Janeiro.

27 de Fevereiro de 1961 – RJ/GB: Dec. n°374

Proíbe a cobrança de aluguéis ou taxa de ocupação de barracos em favelas, veda à

proprietários qualquer cobrança de ocupação de solo sem registro prévio do título

de propriedade do Serfha.

25 de Abril de 1961 – BR: Dec. n°50488

Cria o Conselho de Planejamento de habitação Popular, com o objetivo de

estabelecer um planejamento nacional para habitação popular. O conselho é

composto pelos Ministérios da Fazenda, Saúde e Viação e Obras Públicas.

07 de Junho de 1962 – RJ/GB: Dec. n°1041


Aprova os novos estatutos da Fundação leão XIII, visando sua incorporação ao

estado e ao desenvolvimento de urbanização, construção de habitações de baixo

custo e remoção de favelas.

29 de agosto de 1962 – RJ/GB: Dec. n°1165

Passa o Montepio dos Empregados do estado da Guanabara à administração dos

conjuntos habitacionais edificados pelo Departamento de Habitação Popular - DHP.

30 de Agosto de 1962 – RJ/GB: Dec. n°1162

Dispõe sobre o serviço social no estado. Extingue o Serfha e transforma o serviço

de Vilas e parques em Serviço Social de favelas, subordinando às administrações

Regionais. A Fundação Leão XIII passa a realizar urbanização e remoção de favelas.

24 de Dezembro de 1962 – RJ/GB: Lei n°263

Reorganiza a administração do Estado da Guanabara; autoriza o Poder Executivo a

construir a Cohab-GB para assumir as atividades de urbanização e de habitação da

Fundação Leão XIII, que passa a ser órgão auxiliar. Ainda neste ano, há o acordo

do Governo com a Usaid para urbanização de favelas no Rio de Janeiro. Nesta

época a Serfha atua junto às associações de moradores das favelas do Rio de

Janeiro.

O Brasil Contemporâneo (1964-1983)

07 de Janeiro de 1964 – RJ/GB: Dec. n°288

Estende aos lotes de vila os favores do Dec. n°7363 (25 de Setembro de 1942). O

Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro – IPERJ constrói 40 casas no

Rio de Janeiro.

21 de Agosto de 1964 – BR: Lei n°4380

Cria o Banco Nacional de Habitação – BNH, as Sociedades de Crédito Imobiliário, as

Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – Serfhau, e

institui a correção monetária dos contratos imobiliários de interesse social e o

sistema financeiro para aquisição de casa própria.

22 de dezembro de 1964 – BR: Dec. n°55279


Dispõe sobre a adaptação das Caixas Econômicas Federais -CEFs- ao Sistema

Financeiro de Habitação. O BNH passa a exercer as atribuições orientadoras,

disciplinadoras e controladoras das CEFs no que se refere às ações no setor

habitacional.

31 de dezembro de 1964 – RJ/GB

Criação da Cooperativa Habitacional do Estado da Guanabara - Coophab-GB.

Março de 1965 – RJ/GB

Cohab-GB constrói 801 unidades habitacionais no Rio de Janeiro.

23 de Setembro de 1965 – RJ/GB: Dec. n°443

Estabelece condições provisórias para a construção de casas populares.

Dezembro de 1965 – RJ/GB.

Extinção da Coophab-GB, após intervenção do BNH.

15 de Abril de 1966 – RJ/Gb: Dec. n°580

Cria condições de estímulo à construção de conjuntos habitacionais. Nesta época a

Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários e Empregados dos Serviços

Públicos –Iapfesp- constrói 6457 unidades habitacionais no estado da Guanabara e

1863 na cidade do Rio de Janeiro.

19 de Abril de 1966 – RJ/GB: Dec. n°582

Dispõe sobre os poderes autônomos da Companhia de Habitação Popular do Estado

da Guanabara – Cohab-GB.

24 de Maio de 1966 – RJ/GB: Dec. n°617

Autoriza a construção, no Instituto de Previdência do Estado da Guanabara –IPEG.

De conjuntos residenciais, e estabelece normas para a venda de unidades.

21 de Junho de 1966 – BR/BNH: RC. n°67

Aprova o Programa de Construções de Habitações. Desta forma, a Cohab-GB

constrói 3174 casas e 228 casas de triagem, no Rio de Janeiro.

14 de Dezembro de 1966 – RJ/GB: Dec. n°739

Institui na Secretaria de Governo a Comissão Executiva de Política Habitacional do

Estado da Guanabara, para elaborar e executar planos habitacionais e representar


a Guanabara junto ao BNH. A Comissão é composta por representantes da Cohab-

GB, Fundação Leão XIII, BNH, entre outros.

Maio de 1967 – RJ/GB

A Cohab-GB erradica 27 favelas e a Coophab-GB constrói 946 unidades

habitacionais no Rio de Janeiro.

15 de Junho de 1967 – RJ/GB: Dec. n°870

Estabelece plano de ação de controle de favelas.

26 de Março de 1968 – RJ/GB

Governo municipal cria Companhia de Desenvolvimento de Comunidades –Codesco.

Maio de 1968 – RJ/GB

A Codesco através da Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área

Metropolitana do Grande Rio – Chisam, convida entidades particulares para

programa de atendimento a favelados.

08 de Agosto de 1969 – RJ/GB: Dec. n°3003

Modifica as atribuições dos órgãos executores da Política Habitacional na

Guanabara.

22 de outubro de 1971 – RJ/GB: Dec. n°5133

Atribui à Secretaria de Serviços Sociais tarefas concernentes ao desenvolvimento

social comunitário nos conjuntos habitacionais construídos pela Cohab-GB.

22 de Dezembro de 1971 – RJ/GB: Dec. n°5314

Autoriza a Cohab-GB a promover licitação para locação de unidades habitacionais

nos conjuntos. Neste mesmo ano, na cidade do Rio de Janeiro, a Chisam remove 29

favelas, a Codesco urbaniza a favela Morro União, a Cohab-GB constrói 6640

unidades habitacionais e a Coophab-GB constrói 1684 unidades.

26 de Outubro de 1972 – RJ/GB: Lei n°2262

Dispõe sobre a execução do Plano Nacional de Habitação Popular- Planhap, no

estado e autoriza o Poder Executivo a integrar o Sistema Financeiro de Habitação

Popular – Sifhap e a instituir o Fundo de Desenvolvimento da Habitação Popular -

Fundhap.
11 de Novembro de 1974 – RJ/GB: Dec. n°7516

Dispõe sobre a urbanização pela Codesco das favelas da Barreira do Vasco, Borel,

Guararapes, Jacarezinho, Mangueira, Parque Acari, Parque Jardim Beira-Mar,

Parque União, Vila Operária da Penha e Vila Vintém.

15 de Março de 1975 – RJ

Com a fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, há a fusão das Cohab-

GB e Cohab-RJ, criando-se a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro-

Cehab-RJ. Neste mesmo período, há a extinção da Codesco, passando parte do seu

acervo à Cehab-RJ e parte à Fundação Leão XIII. A Chisam também é extinta e

suas funções são absorvidas pela Cehab-RJ. Nesta época, a Cehab-RJ constrói 2826

unidades habitacionais, sendo 2682 na cidade do Rio de Janeiro e 144 em Niterói.

09 de Julho de 1975 – RJ: Lei n°174

Dispõe sobre a execução do Planhap no estado e institui o Fundhap, vinculado ao

Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social.

1976 – RJ

A Fundação Leão XIII remove, de diversas favelas, 1085 famílias.

1977 – RJ

A Cehab-RJ constrói 1694 unidades habitacionais, sendo 1485 na cidade do Rio de

Janeiro, 144 em Niterói e 65 em São João da Barra. Além disso, promove a

erradicação da favela Pico do Papagaio, com a remoção de 48 famílias. Neste

mesmo ano, a Cehab e a Fundação para o Desenvolvimento da Região

Metropolitana – Fundrem fazem um convênio para a construção de casas para

famílias alijadas pelo metrô ou de favelas ameaçadas de desabamento.

1978 – RJ

A Cehab-RJ constrói 4579 unidades habitacionais, sendo 4055 na cidade do Rio de

Janeiro e a Fundação Leão XIII remove 333 famílias de diversas favelas.

1979 – RJ

A Cehab-RJ constrói 2165 unidades habitacionais, sendo 1881 na cidade do Rio de

Janeiro. A Fundação Leão XIII reconstrói 23 barracos no Morro D. Marta. Neste


mesmo ano, o Governo Federal, em colaboração com o Estadual e o Municipal.

Elabora o Plano de Urbanização das Favelas da Maré conhecido como Projeto-Rio.

03 de Setembro de 1980 – RJ: Lei n°347

Autoriza a transferência à Cehab-RJ de terrenos próprios estaduais.

18 de Novembro de 1980 – RJ: Lei n°191

Autoriza o Poder Executivo a subscrever ações da Cehab-RJ. Neste ano, a Cehab-RJ

constrói 5356 unidades habitacionais, sendo 4188 na cidade do Rio de Janeiro. A

Fundrem, neste período, realiza um levantamento das favelas da área do Projeto-

Rio.

10 de Fevereiro de 1981 – RJ/Rio de Janeiro: Dec. n°2982

Dispõe sobre provação dos empreendimentos de interesse social destinados à

população de baixa renda, promovidos pela Cehab-RJ.

04 de Dezembro de 1981 – RJ: Lei n°512

Autoriza o Poder Executivo a alienar à Cehab-RJ a título oneroso ou gratuito

imóveis de propriedade do Estado. Neste ano, a Cehab-RJ constrói 9358 unidades

habitacionais, sendo 8136 na cidade do Rio de Janeiro.

02 de Junho de 1982 – Rj: Lei n°546

Autoriza o Poder Executivo a conceder quitação aos adquirentes da casa própria

através da Cehab-RJ.

16 de Julho de 1982 – RJ/Rio de Janeiro: Lei n°330

Autoriza o Poder Executivo a construir áreas de lazer nas favelas do município.

Neste ano a Cehab-RJ constrói 5849 unidades habitacionais, sendo 5009 na cidade

do Rio de Janeiro. Neste período o Iplanrio realiza o cadastro das áreas faveladas

do município do Rio de Janeiro.

08 de Dezembro de 1982 – RJ/Rio de Janeiro: Lei n°380

Autoriza o Poder Executivo a firmar convênio com a Light, por intermédio da

Comissão Municipal de Energia, para a iluminação das vias de acesso a áreas

comuns das favelas do Rio de Janeiro.

26 de Março de 1983 – RJ: Resolução n°05 da ALERJ


Constitui a Comissão Parlamentar de Inquérito para analisar as causas do

surgimento e da proliferação de favelas no Estado do Rio de Janeiro.

27 de Julho de 1983 – RJ/Rio de Janeiro

Altera o regulamento de zoneamento aprovado pelo Decreto n°322 de 03 de Março

de 1976, incluindo na Zona Especial 10 áreas da favela D. Marta, no Humaitá.

Neste mesmo ano, a Cehab-RJ constrói 1931 unidades habitacionais, sendo 1711

na cidade do Rio de Janeiro, além de 3439 unidades em execução e 16568 em fase

de pré-execução na cidade. A Fundação Leão XIII constrói 270 unidades

habitacionais no Parque Nossa Senhora da Penha, e Centros de Habitação

Provisória e de Triagem.
ANEXO 2

Entrevista com Jozé Cândido de Lacerda sobre o Favela-Bairro

Portal Vitruvius: universo paralelo de Arquitetura e Urbanismo:


http://www.vitruvius.com.br/entrevista/lacerda/lacerda.asp.

Acesso em 20/10/2007.

Érico Costa: Como vocês esperam que o Projeto Favela-Bairro seja mantido? Há
verba para o controle das 700 favelas que existem atualmente?

Jozé Cândido de Lacerda: Quando você implanta o Favela-Bairro, a intenção é


que cada comunidade vire um bairro. No momento em que ela vira um bairro ela
passa a ser mantida como uma cidade. Se o administrador vai manter bem ou mal
é outra questão. Hoje temos dentro da secretaria um programa de manutenção dos
primeiros Favelas-Bairros. Ainda existe nas divisões de conservação da área formal
uma certa relutância em subir na favela e limpar, consertar parques e jardins ou a
rede de água. O importante é não deixar o pessoal bagunçar senão vira um ciclo
vicioso. Ou seja, o ideal é educar o povo.

EC: Se as comunidades são carentes como esperar que os moradores passem a


pagar contas que elas não pagavam anteriormente?

JCL: A idéia do Favela-Bairro é você regularizar. É claro que é complicado você


fazer a regularização fundiária de cada lote já que às vezes é difícil saber onde
começa e termina o lote de um morador. Quanto à questão de pagar, é evidente
que ele paga, não ao poder público mas a alguém que faz aquele “gato” e que pega
aquela água. A grande maioria dos casos é assim. A Light hoje está privatizada.
Quase todos os barracos têm um relógio de luz. Aquele emaranhado de fios que se
vê nas favelas é basicamente de telefone. Se a pessoa tem o telefone cortado, é
mais barato fazer uma outra ligação do que achar qual daqueles cabos era o seu. A
água é que já é mais complicada. Quando você entra com o Favela-Bairro, você faz
toda uma estrutura nova de água e de esgoto. Cabe a CEDAE chegar lá é cobrar.

EC: E eles teriam condições de pagar?

JCL: Teriam. O importante é você criar uma obrigação. Não que o valor cobrado
pague aquilo que ele está usando. Se você cobra pela água apenas R$2,00, duvido
que alguma família não vá pagar. O prejuízo que se tem quando se “sangra” uma
tubulação é muito maior do que se a CEDAE cobrar R$1,00 ou R$2,00
(simbolicamente falando).

EC: E o IPTU não existe?

JCL: Para cobrar o IPTU você precisa fazer a regularização fundiária. Todos os
moradores querem pagar IPTU. Seria a garantia da propriedade daquele imóvel.
Hoje o imóvel na favela está vinculado à associação de moradores, que paga pra
registrar no cartório. No dia em a gente disser “Aqui está o seu ITPU”, todos irão
correndo pagar. E digo mais: nenhum deles irá atrasar. A gente já conseguiu em
alguns casos fazer a regularização fundiária e dar a certidão a cada um.
EC: Você acha que a tendência é todos os moradores terem a certidão de
propriedade?

JCL: Essa é a parte mais lenta do programa, mas a tendência é todo mundo ter sua
certidão de propriedade. A partir do momento que você urbanizou e criou vias
identificando o que é privado e o que é público, só fica faltando legalizar. A
dificuldade é legalizar tudo isso, pois normalmente, as terras ou são da União ou
são terras invadidas. E aí tem todo um processo burocrático.

EC: O Favela-Bairro favorece uma certa especulação imobiliária na favela? Com a


cobrança de novos impostos e a valorização dos lotes na favela não é possível que
os antigos moradores acabem vendendo suas casa para pessoas de classe média
baixa e comecem um novo processo de favelização em outras áreas?

JCL: Uns podem querer ver a casa, outros não. O que acontece é que quando você
entra com um programa tipo o Favela-Bairro, o local passa a ter uma atratividade
muito grande, passando a agregar pessoas que não estavam ali e fazendo a
comunidade aumentar. O problema não é vender as casas, mas atrair novas
pessoas. É claro que existe a especulação imobiliária como na Barra, Ipanema, etc.
Depois que o Favela-Bairro passa asfaltando a rua e trazendo água e esgoto, a casa
que valia 2 reais passa a valer 10. Você sabe que o projeto tem que ser aprovado
pela comunidade e temos que dizer o que vai ser feito. As áreas que identificamos
como vazias, onde serão construídas por exemplo uma creche ou uma quadra de
esportes, a gente pede para que os moradores tomem conta e não deixem ninguém
invadir pois o cadastro já foi feito. Só que às vezes eles não respeitam isso e
invadem. Quando a gente volta lá é outro problema para tirar as pessoas. O temos
feito para frear o crescimento da favela, é cercar a área com trilhos de trem.
Calculamos as redes de água e esgoto para aquela comunidade. Se ela dobrar de
tamanho foi embora todo o dimensionamento.

EC: Que medidas então devem ser tomadas para que a classe média não deseje ir
morar nas favelas?

JCL: Precisaríamos ter uma política habitacional. Você tem que fazer habitação
independentemente. Urbanização de favela é uma coisa, carência de habitação é
outra. Nós temos carência de habitação. Existe um novo programa cuja idéia é
cobrir um pouco desta lacuna. A política habitacional não anda sozinha, ela tem que
estar atrelada a uma série de políticas, principalmente a de transportes. O indivíduo
tem que se locomover de forma confortável e rápida. Se ele demora horas para
chegar ao trabalho, a que horas ele vai ter que sair de casa?

EC: O ideal seria criar condições de ele ficar por lá mesmo?

JCL: Sim. Mas como criar essas condições? Tem que infraestruturar toda a área,
prover de água e esgoto, estimular o comércio, a indústria, etc. Você sabe tão bem
quanto eu que a cidade tem um monte de vazios urbanos.

EC: As equipes para desenvolver os projetos Favela-Bairro são escolhidas através


de licitação. Como garantir que as obras serão efetivamente executadas? Como é
feita a fiscalização?

JCL: Nós licitamos os projetos baseados na lei. As propostas são analisadas e os


escritórios que apresentam melhor técnica e preço são os selecionados.
Posteriormente, desenvolverão as idéias que precisarão ser aprovadas por nós. Há
vários passos: Primeiro o diagnóstico, depois o plano de intervenção e finalmente o
projeto executivo. Temos hoje as coordenações de orçamento, de infra-estrutura,
de estrutura e de arquitetura e urbanismo. Independentemente do fiscal, temos
diversas pessoas para dar apoio ao trabalho.

EC: Que financiamento “toca” o Favela-Bairro?

JCL: O dinheiro do Favela-Bairro vem do Banco Interamericano de


Desenvolvimento (BID) com uma contrapartida da prefeitura. O BID entra com uma
parte e nós entramos com a outra.
ANEXO 3

PROJETO DE LEI Nº 1923/97

ESTABELECE NORMAS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS


HABITACIONAIS NO ÂMBITO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO


RESOLVE;

Art. 1º - A implementação de Programas Habitacionais no Estado do Rio de Janeiro


deverá obedecer o principio estatuído no artigo 335 da Constituição Estadual.

Art. 2º - Todas as unidades residenciais construídas com recurso do Estado


deverão ser adaptadas para a plena utilização da pessoa portadora de deficiência
que se enquadre nos critérios do programa habitacional.

Art. 3º - No mínimo 10% das unidades residenciais deverão ser vendidas


prioritariamente à pessoa portadora de deficiência que se enquadre nos critérios do
programa habitacional.

Art. 4º - O órgão competente da administração deverá baixar normas


regulamentares ao fiel cumprimento da presente Lei.

Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as


disposições em contrário.

DEPUTADA TÂNIA RODRIGUES


JUSTIFICATIVA
Da tribuna

Código: 970301923
Autor: TANIA RODRIGUES
Matéria: Projeto de Lei

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