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Seguindo os Atores e Construindo a Teoria Ator-Rede como Método:

Algumas Possibilidades
Autoria: Patricia Kinast De Camillis

Propósito Central do Trabalho


Do ponto de vista metodológico, Latour e Woolgar (1997), afirmam que a única maneira de
compreender a realidade dos estudos científicos é acompanhar os cientistas em ação, já que a
ciência está fundada sobre uma prática, e não sobre ideias. Para isso, é preciso prestar atenção
aos detalhes da prática científica, descrevendo essa prática tal como os antropólogos
descrevem tribos selvagens. Anos mais tarde, Latour (2004b, p. 397) afirma que a Teoria
Ator- Rede consiste em “seguir as coisas através das redes em que elas se transportam,
descrevê-las em seus enredos”. Através da apresentação de “regras metodológicas”
apresentadas por Latour (2000) e Callon (1986) como uma orientação para, inicialmente,
compreender a prática científica e dar conta, de maneira simétrica, das negociações com base
na Natureza e na Sociedade; através da conceituação de alguns elementos essenciais como
“ator” e “rede”, e , também, analisando o significado, dentro do referencial teórico, do que é
possível compreender com a ação de “seguir”, pretende-se refletir acerca das possibilidades e
exigências que a Teoria Ator-Rede traz, como a compreensão da agência do não-humano e a
necessidade do(a) pesquisador(a) pensar a reflexividade.

Marco Teórico
O referencial teórico trata essencialmente de conceitualizar elementos da Teoria Ator- Rede
(TAR), partindo da frase-orientadora “seguir os atores”. Segundo Latour (1999, p. 19), “os
actante atores sabem o que fazem e nós temos que aprender com eles não apenas o que eles fazem,
atores sociais - actantes mas também, como e por que fazem determinadas coisas”. Porém, quem são os atores para a

TAR? Esses atores não são os “atores sociais”, como a sociologia geralmente trata - pessoas
ou instituições formadas por pessoas – são, na verdade, actantes que possuem a propriedade
de produzir efeitos na rede, de ser “actante”. O autor ainda destaca que a palavra ator se limita
a humanos, por isso usar actant (actante), termo tomado à semiótica para incluir os não-
humanos na definição. Um actante deixa traço e só assim pode ser seguido na rede. Os
actantes produzem efeitos na rede, a modificam e são modificados por ela e são estes
elementos que devem fazer parte de uma descrição que se propõe trabalhar com a TAR.
Porém, não há como anteciparmos que atores (humanos e/ou não-humanos) produzirão efeitos
na rede, que atores farão diferença, senão acompanhando seus movimentos.(LATOUR, 2001).
REDE A “rede” não é a da cibernética, nem da internet, nem de esgoto ou trens, a noção de rede
remete a fluxos, circulações, alianças, deslocamentos, nas quais os actantes envolvidos
interferem e sofrem interferências constantes. (LATOUR, 1999). A rede heterogênea, é o
núcleo da Teoria Ator-Rede, é uma forma de sugerir que a sociedade, as organizações, os
agentes, as máquinas, são todos efeitos gerados em redes de certos padrões de materiais,
humanos e não-humanos (LAW, 1992). Conforme Latour (2005), um bom trabalho de campo
produz uma quantidade de novas descrições e para Teoria Ator- Rede, uma boa descrição não
precisa de explicação, por isso, escrever textos está relacionado ao método, entretanto, não se
está falando de uma “mera descrição” uma vez que, dependendo da maneira como o texto é
trabalhado, um actante e/ou uma rede poderão ser traçados. E ainda é preciso considerar a
afirmação de Law (1997), de que, utilizando-se a Teoria Ator-Rede, não há uma única
narrativa, pois não se consegue capturar todos os aspectos da realidade - que não está pronta e
acabada lá fora. Para Lee e Hassard (1999), a TAR é ontologicamente relativista, uma vez
que, ao utilizá-la como método de pesquisa, não devemos assumir, a priori, uma estrutura, um
modelo de análise que defina o quê e quais são as entidades e/ou elementos a serem

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observados no campo (LEE; HASSARD, 1999; LATOUR, 2005). Significa ainda, segundo
Mol (2002), não assumir a existência como dada, e sim, como algo que é construído –
(des)estabilizado - enactado, no sentido de ser sempre instável, por meio de práticas e
relações.

Método de investigação se pertinente


O trabalho discute justamente o método de investigação proposto pela Teoria Ator- Rede,
para o qual não há orientações muito detalhadas, e sim, regras gerais, tendo como maior
destaque a apresentada por Latour (1999, p. 19), “os atores sabem o que fazem e nós temos
que aprender com eles não apenas o que eles fazem, mas também, como e por que fazem
determinadas coisas [...] é uma teoria sobre como dar aos atores um espaço para eles se
expressarem”. Dessa forma, os entendimentos sobre o método da Teoria Ator Rede foram
sendo construídos durante o período de pesquisa, a partir das translações feitas dos textos,
contextos, experiências. Entendendo translação, conforme a definição de Latour (2000, p.
178): “interpretação dada pelos construtores de fatos aos seus interesses e aos das pessoas que
eles alistam” e que apresenta um significado de transposição de um lugar para outro, para
capturar a ideia de movimento e relação. Desde o primeiro momento de contato com o
Coletivo de Comunicadores (uma cooperativa de trabalho autogestionária a qual foi o campo
de pesquisa), iniciou-se a elaboração de um “diário de campo” no qual anotava-se todos os
acontecimentos, sentimentos, impressões, falas que marcaram, datas, insights, ideias,
lembranças, coisas que iam e vinham; anotava-se tudo que se produziu a partir da interação,
participação e observação do “campo”. Algumas entrevistas informais foram realizadas e
também se acompanhou os cooperados em atividades fora da sede. Foram praticamente 2
anos de trabalho, com alguns intervalos. No segundo ano de contato com a cooperativa,
também foi usado como fonte de informação os emails da lista do Coletivo, na qual a
pesquisadora foi incluída. Além disso, os nomes utilizados são fictícios.

Resultados e contribuições do trabalho para a área


A partir da apresentação e descrição de três situações, extraídas, dentre várias, de forma
resumida, da pesquisa de mestrado da autora, que pudessem exemplificar o “seguir os atores”
e as possibilidades que se abrem ao ter a Teoria Ator-Rede como base metodológica, muitas
possibilidades se abriram. Contudo, da mesma forma como ocorre em outros métodos, fez-se
escolhas e recortes, e , desta forma, foi possível apresentar algumas conclusões, apesar de
provisórias. A agência do não-humano é um processo detectável e se faz presente a medida
que deixamos de lado a dicotomia entre Natureza e Sociedade; a identificação de que
estabilizações e desestabilizações, o organizar e desorganizar , realizar um planejamento e não
cumprir o planejado, todos esses movimentos constrõem, também, a gestão, neste caso, a
autogestão de uma organização e, inclusive, são construídos pela gestão desses actantes
(humanos e não-humanos) e suas conexões. Outras considerações foram apresentadas como: a
compreensão de que o financeiro era um híbrido, um efeito da rede de atores no qual um
actante (não humano) emerge, na cooperativa analisada, de forma constante: o dinheiro.
Seguir os atores: acompanhar o constante desconstruir/reconstruir/construir da autogestão e,
neste processo, constituir o objeto de estudo. Processo no qual a pesquisadora está
participando e que abre espaço para se pensar a/na reflexividade do/a pesquisador(a), que
levanta questões sobre nossa habilidade, como pesquisadores, de capturar o complexo, o
interacional, além da natureza emergente da nossa experiência social, uma vez que, os
sentidos são importantes, mas também os sentimentos produzidos. Conhecer através do
paladar, do desconforto, das emoções privadas que nos abrem um mundo de sensibilidades, de
paixão, intuição, medos e traições, de acordo com Law ( 2004). É no cotidiano que o
“organizando” se processa, e neste fluxo, muitas vezes instável, a ontologia politica do

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organizando se faz presente e, algumas vezes, se deixa capturar. O resultado desse
pensamento é o entendimento de que enquanto fizermos afirmações de realidade na ciência,
nós estamos colaborando para que se tornem mais ou menos reais; e para Teoria Ator-Rede,
dizer que algo é real, é também dizer que é construído, conforme Mol (2002), é enactado
através de práticas materialmente heterogêneas. Para Mol (1999, p.74) “as condições de
possibilidades não estão dadas” e isso abre a possibilidade de pensarmos que as coisas, dentre
elas, a gestão, podem ser de outro modo. Latour (1999) e Mol (2002) destacam que as
realidades não são explicadas pelas práticas ou crenças, mas são produzidas nelas, por elas,
com elas. Desta forma, o(a) pesquisador(a) com seus medos, sentimentos, incertezas e
certezas, contribui para essa produção; não poderia ser diferente. Diante disso, a
Administração deve se questionar sobre o que e como está produzindo realidades.

Referências bibliográficas
LATOUR, Bruno. On recalling ANT. In: LAW, J.; HASSARD, J. Actor-network theory and
after. Oxford: Blakcwell Publishers, 1999, p.15-25. ; LATOUR, Bruno. Ciência em Ação:
como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São Paulo: Editora UNESP. 2000. ;
LEE, Nick; HASSARD, John. Organization Unbound: Actor-Network Theory, Reserch
Strategy and Institucional Flexibility. Organization. Vol. 6(3), 1999, p 391 – 404. ; LAW,
John. ‘Notes on the Theory of the Actor Network: Ordering, Strategy and Heterogeneity‘,
published by the Centre for Science Studies, Lancaster University, Lancaster LA1 4YN,
Disponível em :http://www.comp.lancs.ac.uk/sociology/papers/Law-Notes-on-ANT.pdf 1992.
Acesso em 21.Jul.2009. ; MOL, Annemarie. The Body Multiple: Atherosclerosis in Practice.
Durham, NC: Duke University Press. 2002.

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