You are on page 1of 240

 

Apostilas de Filosofia 
FILOSOFIA NO ENSINO M ÉDIO

Abaixo, seguem 04 apostilas de ensino de Filosofia, para o ensino médio,


elaboradas pelo professor Murilo Silva, no ano 2000, publicadas e distribuídas pelo
Rede de Ensino Energia em Santa Catarina, a partir de 2001.

Filosofia - Apostila 1

 
2  

Introdução:

Cada pessoa, em algum momento de sua vida, ou em todos, pergunta a si próprio: Como
será o mundo no futuro? Em prazos curtos ou longos, todos imaginam. A injustiça social
existirá eternamente? A natureza será esmagada pelo homem? E será que o homem
tem uma natureza esmagadora? Saídos do colo de nossos pais, para o colo da cultura,
abraçamos um mundo de dúvidas, espantos e admirações. Temos muito o que perguntar
sobre: a alegria, a tristeza, a saudade, a beleza, a feiúra, a vaidade, a mídia, a Internet, a
aids, o sexo, o namoro, a prostituição, o casamento, o amor, a amizade, as drogas, o real,
a profissão, a política, a violência, a música, a moda... Filosofar é, de certa forma,
aproximar-se desta postura, de seguir perguntando. É investigar deixando de lado o
medo, a arrogância e o preconceito. É estar pronto para enfrentar um debate rico e
respeitoso sobre nossas vidas, sobre coisas muito importantes. Coisas que, por engano,
achamos não ter importância alguma, que podem estar tão próximas e às vezes parecem
tão distantes.

Estas e outras questões, vamos conversar, ler e escrever no decorrer do ano, procurando
conhecer um pouco o filosofar. Evidentemente não pretendemos estudar os 26 séculos
de história da Filosofia, mas apenas espiar alguns momentos importantes para nossas
reflexões no presente.

 
3  

A disciplina que durante anos esteve impedida, agora pede licença para ocupar seu
espaço de aula, convidando a todos para uma viagem intelectual, cujo passaporte é a
curiosidade. Na bagagem, apenas o necessário: análise, reflexão e crítica. Vamos
filosofar?

Análise

Decomposição de um todo

em suas partes constituintes.

Reflexão

Ato ou processo por meio do qual

o homem considera suas próprias ações.

Crítica

Apreciação minuciosa, julgamento.

Expulsa da escola e incompreendida:

Com a aplicação da Lei no 5692/71, de autoria de um regime militar instalado em 1964


no Brasil, o ensino de Filosofia ficou restrito a ambientes universitários. Suas aulas foram
excluídas do ensino de segundo grau, deixando de pertencer ao grupo de disciplinas

 
4  

obrigatórias. Durante o tempo em que a Filosofia “ficou de castigo”, outras disciplinas


ocuparam os espaços, como EMC e OSPB. Uma nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (1996), apesar de destacar a formação filosófica como indispensável
ao exercício da cidadania, não classifica a Filosofia como disciplina obrigatória.
Lamentável esquecimento ou decisão, somente corrigido com iniciativas de leis
estaduais complementares. No ano de 1998, Santa Catarina passa a adotar no currículo
de escolas secundárias a obrigatoriedade do ensino de Filosofia.

Mesmo sem o contato com esta disciplina, todos já ouviram, leram ou até falaram: Minha
filosofia de vida é...; A filosofia do nosso time...; Nossa filosofia de trabalho...; Cheio das
filosofias!!! Filosofia de botequim. Expressões como estas, diariamente são reproduzidas
em todos os lugares, fazendo-nos pensar que todos, em qualquer situação, “precisamos”
ou “padecemos” de uma filosofia, e de que toda crença é filosofia. As expressões filosofia
de botequim e cheio das filosofias, servem para identificar o discurso de um bate-papo
descontraído, ou de animados pelo álcool, ou ainda daquele chato que complica a
cantada na menina. Estas formas de inclusão da palavra, são geralmente carregadas de
um profundo desconhecimento, levando-nos a enxergar filósofos em sujeitos falantes e
misteriosos, que só argumentam coisas “sem pé nem cabeça”.

Quando ouvimos em empresas, times de futebol ou partidos políticos, as expressões


“minha filosofia” ou “nossa filosofia”, podemos dizer que são inadequadas para descrever
o que realmente é filosofia. Porém, este tipo de expressão, que observamos como do
senso - comum, apresenta algumas características importantes do pensamento filosófico:
coerência e lógica. Quando um deputado apresenta sua “filosofia de partido”, apesar de
não ser filosofia propriamente dita, expõe um conjunto de idéias que pretendem - e nem
sempre são - coerentes e lógicas, conferidas na prática.

 
5  

O que é Filosofia? Onde Está? Procura-se!

Afinal de contas, o que é Filosofia? O que é ter uma visão filosófica? Quantas filosofias
existem? Somos todos filósofos, ou somente os “estranhos” são? Precisamos realmente
de filosofias? Qual a utilidade de seu estudo?

Existem várias definições para a filosofia, tão variadas quanto o número de filósofos.
Grandes pensadores marcaram épocas, trabalhando conhecimentos naturais e históricos,
fundando e destruindo conceitos, pela fala e pela escrita. Uma definição clássica,
bastante aceita no decorrer dos séculos, é do filósofo grego Platão. Em sua obra
Eutidemo, encontramos Filosofia como o uso do saber, o mais válido e mais amplo
possível, em proveito do homem.

Hoje, o filósofo, vivo ou morto, encontra-se em livros, também publicados em CDs. Para
ver um, teremos que lê-lo. Para ser um, teremos que escrevê-lo. De modo geral a filosofia
está em toda a parte. Desde que o pensamento reflexivo se faz presente, o ser humano

 
6  

filosofa. No entanto, saber o que é filosofia lendo o que foi escrito e escrevendo o que
ainda não foi, é o caminho mais especial, seguro e verdadeiro para a questão.

Um filósofo italiano do século XX, Antonio Gramsci, escreveu-nos sobre a


impossibilidade da existência de um homem que não filosofa, lembrando que não existe
homem sem pensamento. Porém, acerca do homem “filósofo profissional”, conclui:

“...não só ‘pensa’ com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de
sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento, sabe
explicar o desenvolvimento que o pensamento teve até ele e é capaz de retomar os
problemas a partir do ponto em que se encontram, depois de terem sofrido as mais
variadas tentativas de solução.”

Podemos afirmar que filosofar é ler e escrever...

- exercendo a liberdade da reflexão.

- utilizando de análise e crítica.

- decidindo não aceitar o óbvio imediatamente.

- olhando o mundo de longe.

- encarando no cotidiano as idéias e as coisas.

- pensando conceitos e fatos.

- afirmando e negando.

- investigando e compreendendo.

 
7  

O que não é Filosofia?

Filosofia não é religião, política e ciência. Porém, todas tiveram seu momento filosófico
inaugural, e sustentam-se em idéias e regras específicas, fundamentadas em filosofias.
Hoje, a Filosofia “visita” estas áreas, analisando, refletindo e criticando. A mais visitada
é a ciência, que somente no século XVII separou-se da Filosofia, e desde então caminha
em seus campos particulares, como a Sociologia, a Química, a Biologia, a Psicologia,
etc. Todas as áreas sustentam e desenvolvem seus conhecimentos específicos, e a
Filosofia “fica de olho”.

Assim, por exemplo, o médico e o biólogo, tratando de seus assuntos, fazem juízos de
realidade. O filósofo faz juízo de valor. Uma célula cancerígena ou um buraco na camada
de ozônio, exigem estudos que identificam reais conseqüências no organismo vivo. A
Filosofia, tratando da Medicina e da Biologia, pode pensar acerca da eutanásia (morte
concedida àqueles que encontram-se acometidos por doenças incuráveis), da felicidade,
e da ética na tecnologia.

O objetivo da Filosofia é formar um todo, coerente e lógico, daquilo que aparece


fragmentado em nossa experiência cotidiana. Ela amplia e relaciona os “pedaços” do
conhecimento dominado por especialistas (padres, cientistas e políticos), procurando
respostas para além da fé, das teorias e dos preconceitos.

Utilidade da Filosofia:

Sua utilidade é muito questionada. Qual o resultado do olhar filosófico? Para que serve o
ensino de Filosofia hoje, se a ciência caminha sozinha? Responder estas questões, é
filosofar acerca do útil. É pensar a utilidade e suas relações. Refletir as diversas ocasiões
em que a utilidade faltou ou sobrou.

 
8  

Deixemos que a filósofa brasileira, Marilena Chauí, ajude-nos a discutir o útil e a


filosofia, com este texto simples e inteligente.

Inútil? Útil?

O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para quem algo
é útil? O que é o inútil? Para que e para quem algo é inútil?

O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e
riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando
utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a
Filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil.

Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira?

Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício
dos seres humanos.

Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas


as coisas que os humanos podem alcançar para uso da vida, a conservação da saúde e
a invenção das técnicas e das artes.

Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para
saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade
humana.

Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo
e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria
justiça, abundância e felicidade para todos.

 
9  

Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar o nosso


mundo.

Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser
percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.

Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os


preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias
dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação
do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas
artes, nas ciências e na política for útil; se der a cada um de nós e à nossa sociedade os
meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a
liberdade a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil
de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.

(CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 5. ed. São Paulo: Ática, 1995. p.18.)

Exercícios para Sala

1 – Defina a Filosofia?

2 – Como a Filosofia se relaciona com o conhecimento científico?

 
10  

3 - Onde está a utilidade da Filosofia para Marilena Chauí? Escreva sobre o útil e o inútil
na sociedade.

Exercícios para Casa

1 - Descreva alguma situação que faz parte do seu cotidiano, e depois tente adotar uma
atitude filosófica diante da mesma.

#####################################################################
####

Philo + Sofhia : A Origem da Palavra.

 
11  

A partir de agora, teremos contato com algumas palavras-chaves, de origem grega,


que nos revelarão diversos ambientes filosóficos. Comecemos com Filosofia: palavra
grega, formada por philo, que deriva de philia (amor fraterno, amizade), e de sophia, que
deriva de sóphos (sábio). A partir daí, podemos afirmar que o filósofo é aquele que ama a
sabedoria; aquele que deseja saber. Um grego nascido no século V antes de Cristo,
Pitágoras de Samos (aquele da Matemática), é considerado o inventor da palavra
filosofia. Porém, dois séculos antes de Pitágoras já se filosofava na Grécia, e afirma-se
que o primeiro filósofo grego foi um próspero negociante, também político e geômetra,
chamado Tales de Mileto, o mesmo do “Teorema de Tales”. Grande observador que,
dizem, enquanto previa a eclipse do sol de 585 a.C., teria caído num poço. Ambos são
pré-socráticos, ou seja, nasceram antes de Sócrates. Porém, alguns dos pré-socráticos,
mesmo vivendo durante e depois de Sócrates, estão assim classificados porque
expressaram pensamentos comuns ao período anterior a Sócrates.

Filosofia: Da Visão Mitológica à Visão Racional

Mýthos, do verbo mythéomai, significa: dizer, conversar, contar, anunciar, nomear. Num
período longo da história grega, a sabedoria foi exclusivamente construída em conversas
e narrações mitológicas. A teogonia e a cosmogonia eram as duas formas de
pensamento que sustentavam a narrativa mítica. Theogonía, palavra composta de théos
(deus, divino) e de gónos (ação de engendrar, procriar);e a Kosmogonía, também
composta de gónos, apresenta Kósmos (princípio ordenador do mundo).Então, a
theogonia narrava o nascimento dos deuses, dos heróis, dos homens e da natureza,

 
12  

como fruto das relações sexuais dos próprios deuses; e a cosmogonia narrava a
geração da ordem do mundo a partir das relações sexuais entre o concreto e o divino.
Alguns historiadores afirmam que o nascimento da filosofia teria partido de um sistema
de explicação do mundo, não necessitando inventar um novo sistema. É verdade que os
primeiros filósofos partiram das mesmas inquietações mitológicas, e muitos continuaram
se valendo de explicações mitológicas. Porém, o que fazem de fundamental, é substituir
os elementos divinos por elementos da natureza. Como veremos mais detalhadamente,
os pré-socráticos teriam extraído das narrativas mitológicas a relação entre o caos e a
ordem do mundo, substituindo deuses por homens, ou por formas da natureza, como o ar,
a terra, a água, o fogo, etc.

A guerra de Tróia, segundo Homero, começou por causa do rapto da bela Helena pelo
troiano Páris, filho do rei Príamo. Neste relato, o fado ou destino “a parte que cabe a
cada um” desempenha um papel principal: a todo momento, os deuses impõem uma
série de obstáculos aos heróis, mas jamais conseguem modificar, com seus atos
arbitrários, o curso do destino.

Em Teogonia, Hesíodo descreve a criação do mundo a partir de Caos, Gaia (Terra) e


Eros (Fecundidade). Sucedem-se outras divindades, que com caprichos quase humanos
amam, mentem, traem e lutam entre si. Finalmente, com a vitória de Zeus, os deuses
instalam-se no Olimpo. Nesse relato, Hesíodo ordena os vários mitos contraditórios entre
si, explicando também os fenômenos da natureza e da história. Mais que isso, mostra
que, após a vitória de Zeus, o homem está livre das maquinações dos deuses. Zeus, que
faz reinar a justiça, apenas castiga ou premia os homens, de acordo com os atos de que
são responsáveis.

 
13  

A diferença entre pensamento mítico e pensamento filosófico é expressada na


posição do historiador inglês John Burnet (Burnet apud Chauí, 1994) que destaca duas
características do mito que determinam o verdadeiro oposto da filosofia nascente:

- o mito narra o passado, a filosofia explica o presente.

- o mito atrai o mistério e as contradições, justificando as ações dos deuses, e a filosofia


repele o mistério e as contradições.

Nascimento da Filosofia:

A filosofia nasceu na Grécia, numa forte tensão entre mito e razão. A narrativa mágica deu
lugar aos poucos à explicação racional. Contudo, acrescentamos que não só os gregos
buscavam a sabedoria a partir do mito ou da razão. Povos de todo o mundo, em todos os
continentes, tão ou mais antigos que os gregos, produziram conhecimentos e construíram
diversificadas culturas. Assim foram as nações indígenas, que antes da colonização
européia, possuíam um vasto campo de conhecimento nas Américas. Da mesma forma
os egípcios, os chineses, os árabes, os africanos, e muitos outros.

É importante ressaltar que alguns historiadores da filosofia sustentam a tese orientalista


para explicar o surgimento da filosofia. Quando afirmamos que a filosofia é grega,
consideramos fatores históricos e políticos que levaram os gregos a exercerem
fundamental influência na cultura européia ocidental, de onde nós brasileiros – e grande
parte do planeta – somos descendentes. Entre alguns fatores, destacamos:

- desenvolvimento da navegação.

- invenção do calendário.

 
14  

- invenção da moeda.

- escrita alfabética.

- invenção da política.

Fonte da imagem:
http://meditacaofilosofica.blogspot.com.br/

Grécia, Filosofia e a suas Épocas :

Em geral, divide-se a história da sociedade grega em quatro épocas:

1º - Época Homérica (Século XII a.C.)

 
15  

Domínio dos aqueus, dórios e jônios sob Creta, Micenas e Tróia. Inicialmente viviam
num regime patriarcal e pastoril , e durante quatrocentos anos estabeleceram uma
economia doméstica e agrícola, substituindo mais tarde por uma economia urbana e
comercial. Este período encontramos registrado nas narrativas do poeta Homero, nos
poemas Ilíada e Odisséia.

2º - Época da Grécia Arcaica ou dos Sete Sábios (Século VIII a.C.)

Povoamento dos gregos na encosta do Mediterrâneo, com a passagem da monarquia


agrária à oligarquia urbana, quando começa a surgir cidades, como: Atenas, Esparta,
Tebas, Megara, Corinto, Mileto e Éfeso. O artesanato e o comércio eram as bases da
economia.

3º - Época clássica (Século V a.C.)

Atenas tornou-se a cidade mais importante da Grécia, expandindo seu império marítimo e
seu poderio militar e comercial. Época em que se desenvolveu a democracia, e atingiu-se
o apogeu da vida urbana, intelectual e artística.

4º - Época helenística (Final do Século IV a.C.)

A Grécia passou para o poderio do Império de Alexandre da Macedônia, e finalmente


tornou-se colônia do Império Romano.

Podemos visualizar o desenvolvimento da filosofia antiga a partir da segunda época, a


Grécia arcaica, dividida em quatro períodos que duraram pelo menos dez séculos:

- pré-socrático ou cosmológico.

- socrático ou antropológico.

- sistemático.

 
16  

- helenístico ou greco-romano.

Exercícios para Sala

4 –O que é teogonia e cosmogonia? Explique

5 – Escreva sobre o nascimento da Filosofia.

6 – Estabeleça a semelhança e as diferenças entre o mito e Filosofia.

Exercícios para Casa

2 – Leia o texto abaixo e escreva, no mínimo trinta linhas, outro exemplo de mito, podendo
ser pura imaginação sua ou algo escutado de alguém, retirado de jornal, revista, Internet,
televisão, etc.

Mitos de Hoje

 
17  

Você já ouviu falar em boitatá? Na antiga Desterro (atual Florianópolis), os nativos não
só ouviam, como também viam (alguns ainda vêem) o boi-ta-tá. O professor e artista
Franklin Cascaes, que durante muitos anos pesquisou o imaginário da população
descendente dos açorianos, escreveu:

Eles falavam que viam sempre um fogo, um facho de fogo. Esse facho de fogo, para eles,
se mostrava com várias formas do mundo objetivo. Por exemplo, diziam: ah, eu vi um
monstro semelhante a uma batina de padre, eles viam a saia do padre. Outras vezes se
apresenta que nem um pássaro, outras vezes que nem uma vela, uma lanterna. Outras
vezes parecia ser um bicho, um gambá, uma coisa qualquer. Eles olhavam e observavam
essa forma. E contavam depois isso para mim.

Como artista eu estudei o caso. O dia em que eu descobri esse tal de boitatá, conhecido
nesse mundo inteiro e no Brasil como “Mboy-Tatá”, nome indígena que significa “cobra de
fogo”. Os indígenas já conheciam este ente desde a mata, esta forma espiralada, eles
diziam que tinha uma forma comprida, quase que nem cobra, eles falavam muito isso. É
justamente quando o fogo, o “fátuo” começa a soltar; depois é a aragem, o vento que dá
as diversas formas. Formas e cores. O apronta para dar o bote neles. Daí o “mboy”. Já o
português disse “boitatá”, boi de fogo. Também disseram “baitatá”, baita é uma coisa
grande, “tatá” é fogo, o que dá um animal muito grande em forma de fogo. Depois, ainda
batizaram de “bitatá”. Bita, é cabra. Aí eu recriei em cima de tudo isso. De acordo com as
histórias que escutei, que eu vi, é que eu começo a trabalhar a minha arte e as minhas
histórias.

Aí eu fui dar formas, conhecidas dentro do mundo objetivo, não é? Para as palavras que
eu ouvi dessas pessoas que avistavam os elementos e criavam no pensamento, com o
medo, com o susto que eles levavam, todas aquelas figuras. Eles viam o boitatá e se
escondiam, com as mãos no bolso, por causa da eletricidade, e para evitarem que o fogo
fosse atraído pelos dedos e aí queimassem as pessoas, queimasse a roupa. Aí, eles até

 
18  

chegaram a inventar uma história e diziam: “fulano, corre depressa, vai buscar a corda
do sino para amarrar o boitatá”. Sempre que eles avistavam o boitatá, eles gritavam pelo
nome de uma pessoa qualquer: fulano, corre depressa, vai buscar a corda do sino para
amarrar o boitatá. Isso é para espantar o boi.

(CASCAES, Franklin J. Franklin Cascaes: vida e arte e a colonização


açoriana. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1981. p. .50.)

Experimente caminhar à noite na mata, no cemitério, ou em algum aterro de lixo orgânico,


que o boitatá aparecerá em várias formas. Este “facho de fogo” escrito por Cascaes, é o
resultado da liberação do gás na decomposição de materiais orgânicos que, ao entrar
em contato com o oxigênio, incendeia-se.

Como já vimos, em comum com a Filosofia, o mito tem o objetivo de explicação da vida,
dos fenômenos naturais e humanos. A diferença é que no mito as contradições e
irracionalidades fundamentam a argumentação, e na Filosofia as contradições e os
mistérios são afastados pelo uso da razão. O mito justifica-se nas crenças, e a Filosofia
fundamenta-se na razão. O exemplo do “boitatá” é apenas um caso, não muito atual, de
como o pensamento mítico se manifesta na sabedoria popular, representando o lendário
e irreal, a ficção e a mentira. Explicações míticas são utilizadas em ambientes lúdicos e
educativos, para crianças no despertar da imaginação, para o entretenimento dos adultos
e também, como veremos adiante estudando ideologia, na manutenção do preconceito e
da opressão.

*************************************************************************

 
19  

Pré-Socráticos: O Problema da Cosmologia

“Tudo era um caos até que surgiu a mente e pôs ordem nas coisas.”

Anaxágoras

Na época da Grécia arcaica ou dos sete sábios, as colônias da Jônia e da Magna Grécia
foram berços dos primeiros filósofos, os chamados pré-socráticos. Veremos rapidamente
apenas oito deles: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro, Pitágoras, Zenon,
Xenófanes, Parmênides e Heráclito.

Cada um destes primeiros filósofos elaborou pensamentos que se opunham às


explicações mitológicas, procurando um princípio primordial constitutivo da natureza, que
em grego é Physis. Na história da filosofia os pré-socráticos são os precursores de uma
forma de pensamento que deu início à filosofia: a cosmologia.

 
20  

Kosmología, palavra composta de kósmos, que vimos antes, corresponde ao princípio


ordenador do mundo, e de logía, derivada de lógos. Certamente, lógos é uma das
palavras mais importante de toda a história da filosofia. Sua tradução não é simples. Os
gregos sintetizavam o que nós não conseguimos. Ou seja, no português lógos possui
sentidos múltiplos, que no grego não se encontra separado: palavra, conversa,
pensamento, norma, regra, ser, realidade, razão, linguagem, explicação, etc. O importante
é fixarmos que, ao contrário da teogonia e da cosmogonia, a cosmologia dá o impulso
necessário para o nascimento da filosofia, pois significa a explicação racional sobre a
origem e ordem do mundo natural, sobre as causas das transformações, da geração e do
perecimento de todos os seres.

Veremos rapidamente alguns dos pré-socráticos, o que pensavam sobre o princípio das
coisas e do universo, ou seja, sobre o que os gregos entendiam como Arkhé (o que está
à frente). Para compreender os pré-socráticos, assim como toda a história da filosofia,
exige-se que relaxemos intelectualmente, deixando de lado a arrogância baseada na
crença de que nossos conhecimentos não têm história. Estes primeiros pensadores,
filosofando há mais de dois mil e seiscentos anos, começaram decidindo não aceitar o
óbvio mítico.

Tales de Mileto (c. 625-558 a.C.)

A água, para este filósofo, por acaso aquele do poço, é o elemento primordial na origem
do universo e de tudo que existe. Esteve no Egito e na Babilônia, onde havia uma grande
escola de Astronomia. Como vimos anteriormente, foi o primeiro dos filósofos. Para ele, a
Terra é um disco que flutua sobre a água. (foto/água)

 
21  

Anaxímenes (c. 585--529 a.C.)

O ar é o elemento que dá origem a tudo. Para ele, os corpos mais sólidos e flácidos
originam-se do movimento de condensação e rarefação. A Terra, segundo este filósofo, é
um plano sustentado pelo ar. (desenho/sopro)

Anaximandro (c. 610-546 a.C.)

A água, o ar, a terra e o fogo compunham o universo. Mas havia um elemento fundamental
para este filósofo, o ápeiron. Palavra formada pelo prefixo negativo a e pelo substantivo
peras (limite, extremidade), ápeiron significa ilimitado, infinito, ou interminável, de onde
decorre o quente, o frio, a terra e o ar. Para Anaximandro, a Terra é um cilindro achatado
e os astros são luzes de fogo que se entrevêem através dos furos de tubos de névoa do
céu. (foto /desenho p.25)

Pitágoras (Segunda Metade do Séc. VI a.C.)

Os números para este filósofo, também matemático, são entidades constitutivas e


ordenadoras da realidade, onde o hum (1) é o regente. Misturando elementos religiosos e
morais, defende que a salvação do homem está na eliminação dos conflitos em busca da
harmonia, onde os números são o caminho. Examinando a música, este filósofo
descobriu que o som varia de acordo com o comprimento da corda. Descobrindo os
acordes, afirma que a música (assim como o universo) é uma relação numérica, que soa
desagradável quando não atinge a harmonia. (desenho/notas musicais + números)

Zenon (séc. V a.C.)

 
22  

Este afirmava que o movimento é impossível, e que é uma ilusão de nossos sentidos.
Define o espaço como infinito e acredita que os corpos não se movem, pois teriam que
atravessar partículas infinitas. Assim, uma flecha partindo do ponto A nunca atingiria o
ponto B posto que entre estes há um espaço infinito. Percebe-se, por este raciocínio, o
seu idealismo em contradição com a realidade. (desenho do famoso “paradoxo de Zenão
/ Aquiles e a tartaruga, p31)

Demócrito (c. 470-370 a.C.)

O átomo, combinado infinitamente, é o mundo. Átomos é uma palavra composta do


prefixo negativo a e do verbo témno (cortar, dividir), e por isso significa o não-cortável, o
indivisível. Segundo Demócrito, até a alma humana é um composto de átomos leves, lisos
e redondos, que se mantêm por meio da respiração, responsável pela troca de átomos
situados fora do organismo. A morte é o rompimento dessa troca, quando os átomos da
alma se encontram fora e espalhados. (desenho / átomo, p. 41 )

 
23  

Fonte da imagem: http://w w w .basicthink.in/

Parmênides (c. 540-450 a.C.)

Afirmava que o ser é imóvel, eterno e infinito. Para ele as coisas não mudam, apenas
aumentam em quantidade e repetem-se infinitamente. O movimento só existe no mundo
sensível, e a percepção causada pelos nossos sentidos é ilusória. Para ele, só o mundo
inteligível é verdadeiro, pois a certeza surge através de meios lógicos e dedutivos, como
fruto da razão. O conhecimento adquirido pelos sentidos é classificado apenas como
opinião. Esse pensamento, que veremos mais adiante, inaugura a metafísica e a lógica.
(retrato de Parmênides / p. 32)

 
24  

Fonte da imagem: http://w w w .basicthink.in/

Heráclito (c. 536-470 a.C)

 
25  

Afirmava que o ser é múltiplo, porque está constituído de oposições internas. O


movimento é fruto da luta dos contrários. Para este filósofo “tudo flui”. A mudança ocorre
sem cessar, e o que num certo momento existe, antes era diferente e depois também
será: Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio já é outro
e nós também somos. Negando a estática do ser, Heráclito afirma sua dinâmica, e utiliza
a imagem do fogo como forma de simbolizar o infinito devir (vir a ser / tornar-se), o fogo
eterno e vivo, que ora se acende, ora se apaga. (retrato de Heráclito / p. 34 )

Metafísica, Lógica e Dialética

Estas três palavras acompanham os grandes temas da filosofia até os dias de hoje.

Metafísica (depois da Física) é uma palavra grega surgida no século I a.C., criada por
Andronico de Rodes ao classificar as obras de Aristóteles após as obras de Física.
Porém, este “após”, a partir do século V da nossa era, é considerado como “além” do
mundo sensível. A metafísica investiga o que está por detrás das coisas naturais e físicas,
que por vezes considera como meras aparências. O pensamento de Parmênides é
considerado fundador da metafísica, ao contrário de outros pensadores que buscavam o
princípio ( a arkhé) do universo em um dos seus elementos, como água ou ar.

Parmênides, ao afirmar que só o mundo inteligível é verdadeiro, e que a certeza só surge


através de meios lógicos e dedutivos, também funda o pensamento lógico. Ao expor que
o ser é e que o não-ser não é, elabora um dos princípios básicos da lógica: o princípio da
não-contradição. O que não é pensável equivale a que não exista. O Ser, ao contrário, é
pensável porque existe, e existe porque é pensável. Nesse sentido, ser e pensar

 
26  

equivalem-se. A metafísica de Parmênides sustenta a lógica do mesmo modo que seu


raciocínio lógico fundamenta a sua metafísica.

O conceito de dialética é muito diversificado, assumindo na filosofia diversas aplicações.


Entre os pré-socráticos, vamos admitir duas posições dialéticas: de Parmênides e de
Heráclito.

Na primeira, dialética é “arte do diálogo”, ou seja, quando Parmênides afirma O que é, é


e O que não é, não é, está encarando a dialética como um modelo formal de
argumentação acerca de proposições. O ser é uno, e resultante da não-contradição. Na
segunda, a dialética um método de compreensão de uma realidade contraditória e, por
isso, em movimento. Quando Heráclito pensou o devir, admitiu a mudança como resultado
de uma luta de contrários, o ser múltiplo. Podemos consentir que este pensador tenha
lançado as bases da lógica dialética, que nos séculos XVIII e XIX de nossa era foi motivo
de grandes obras filosóficas escritas pelos alemães Hegel e Marx, e que só mais adiante
iremos estudar.

Exercícios para Sala

7 – O que é cosmologia?

8 – Com a turma dividida em oito grupos, cada equipe pesquisará um dos oito
pré-socráticos aqui estudados e, após pesquisa (sugestão: CHAUI, Marilena Introdução à
história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume1. 2º edição. São
Paulo:Brasiliense, 1994.), haverá um debate no qual se confrontarão os diversos
pensamentos dos primeiros filósofos gregos.

 
27  

9 - Escreva sobre a dialética em Heráclito e Parmênides.

Exercícios para Casa

3 – Utilizando um dicionário e um livro de filosofia (sugestão: ABBAGNANO, N. Dicionário


de filosofia. São Paulo: Mestre Jou. e CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia: dos
pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense.) atribua resumidamente o significado
de cada palavra abaixo.

Arckhé; Cosmologia; Devir; Dialética; Lógos; Metafísica; Physis; Ser.

#####################################################################
###

 
28  

Fonte da imagem: http://w w w .basicthink.in/

Atenas e a Invenção da Democracia

Na época da Grécia arcaica (século VIII a.C.), avanços técnicos como a navegação e o
estabelecimento do poderio econômico e militar provocaram o surgimento da pólis
(cidade), onde exigiu-se a criação de instituições reguladoras. Este foi o período vivido
pelos pré-socráticos. Porém, somente na época clássica (século V a.C.), Atenas foi a
cidade mais importante da Grécia, expandindo seu império marítimo, militar e comercial,

 
29  

e atingindo o apogeu da vida urbana, intelectual, artística e política. Época em que a


democracia foi inventada e fortalecida, e na qual viviam Sócrates e os sofistas. A
filosofia, afastando-se da cosmologia pré-socrática, mudou o foco de suas reflexões para
assuntos da teoria do conhecimento, da ética e da política. O que está em pauta é a
formação do sábio virtuoso e do cidadão, e por isso é também conhecido como o período
antropológico (ánthropos: o humano oposto ao divino).

Demokratía, palavra composta de dêmos (o povo, os cidadãos) e de krátos (o poder),


significa “o poder popular” ou “o governo de todos os cidadãos”. Apesar da democracia
de hoje basear-se na democracia dos gregos da época clássica, algumas diferenças
precisam ser apontadas. Nem todos eram cidadãos. Escravos, mulheres, crianças e
estrangeiros não participavam do espaço da cidadania. Para se ter uma idéia, segundo
Demétrios de Falero (309 a.C.), na democracia ateniense existiam 21.000 cidadãos
livres e 400.000 escravos. Não era uma democracia representativa, como as modernas
em que o cidadão utiliza o voto para a escolha de seus representantes. Era uma
democracia direta ou participativa, na qual os cidadãos discutiam e votavam seus
assuntos nas assembléias gerais (chamadas de ekklesía) e no conselho de quinhentos
cidadãos ( boulé ), onde cada cidadão era submetido a um sorteio, obtendo a garantia de
participar das decisões da pólis.

Sócrates

Filho de um escultor, Sofronisco e de uma parteira, Fenareta,


Sócrates(470-399a.C.)nasceu em Atenas. Este homem, apesar de ter sido considerado
extremamente feio, muito lembra Jesus Cristo. Sócrates nada escreveu, e muitos duvidam
de sua existência. Homem sem muitas posses, quando falava exercia um estranho poder,
principalmente entre os mais jovens que muito o procuravam, passando horas discutindo
em praça pública. Porém, ao contrário de Jesus, Sócrates não profetizava e nem afirmava

 
30  

verdades divinas. Além disto, era herói de guerra, e dizem que gostava de grandes
bebedeiras e que exercia o sexo viril dos gregos (naquela época era comum um homem
adulto ter amantes masculinos), gostando também do convívio com as prostitutas. O fato
de não ter escrito, o que faz alguns negarem a sua existência, muitos registros sobre sua
vida particular podem ser calúnias e, talvez, verdades.

Porém, o que mais nos interessa não é sua vida particular, e sim a força de seu
pensamento, que marcou decisivamente a cultura ocidental. O que se conhece da filosofia
socrática, deve-se a alguns de seus seguidores (discípulos), especialmente Xenofonte e
Platão.

Das obras que Xenofonte escreveu sobre este filósofo, tão discutido e até imaginado,
destacamos as Memoráveis. Obras onde Xenofonte mostra um Sócrates leal aos amigos,
piedoso e justo, preocupado com a ética.

Platão, em seus diversos diálogos, registra a imagem de um Sócrates inimigo dos


sofistas, que veremos logo abaixo, e fundador da filosofia especulativa. Assim, o
Sócrates de Platão combate as certezas portadoras de belos argumentos, dispensando
as palavras sedutoras, voltando-se para os problemas dos homens e suas ações,
abordando assuntos acerca da moral, como a justiça, a coragem e a covardia, de forma
especulativa.

Além destes dois, destacamos também Aristóteles, que apesar de não haver conhecido
o filósofo, responsabilizou-o pela criação da ciência. Em Aristóteles, Sócrates muda o
significado de logos grego e atribui “a razão que se dá de algo” ou o sentido de conceito.

Sócrates, autor da famosa frase sei que nada sei , criou um método para a procura do
saber. Utilizando a ironia (“perguntar fingindo ignorância”, eiróneia em grego), interrogava
homens, mulheres e escravos, sem se importar com a situação de cidadania de cada um.
Suas perguntas colocavam o interlocutor em tal situação que não havia saída senão
reconhecer a própria ignorância. Utilizava a maiêutica (“parto”, em grego), dizem que para

 
31  

homenagear o ofício de sua mãe, que paria corpos. Sócrates paria idéias,
demostrando que estas surgiam das pessoas interrogadas e não dele.

O tribunal dos heliastas, composto por cerca de 500 representantes sorteados entre as
dez tribos de Atenas, reuniu-se em 399 a.C., com o objetivo de julgar Sócrates por
diversos crimes: não-reconhecimento dos deuses do Estado; introdução de novas
divindades; e corrupção da juventude. Os acusadores: Meleto (poeta), Anitos (rico
curtidor de peles e influente orador e político) e um homem chamado Licão. A pena: tomar
um veneno chamado cicuta, extraído de uma planta.

A história de sua condenação, defesa e morte, é contada no belo diálogo de Platão,


Apologia de Sócrates, e vale a pena ser lido. Nesta obra, Platão mostra Sócrates
examinando e refutando as acusações, e não reconhecendo em si mesmo nenhuma
culpa. Porém, Sócrates é condenado por uma margem de apenas sessenta votos. E
apesar de Meleto pedir a pena de morte, o tribunal, constrangido, deixa que Sócrates
escolha sua pena. Este estabelece a pena que julga merecer, propondo o sustento no
Pritaneu (lugar onde se reuniam em grandes refeições os cidadãos com reconhecidos
préstimos à pátria). Diante da “teimosia” de Sócrates, que não apresenta uma pena e sim
uma honraria, a condenação não pode ser desfeita, e a única alternativa seria a morte,
bebendo cicuta. A execução é adiada por 30 dias. Durante este período alguns de seus
amigos preparam uma fuga, que é recusada por Sócrates. Ele preferiu morrer a
declarar-se culpado.

 
32  

Fonte da imagem: http://w w w .10emtudo.com.br/aula/ensino/os_sofistas/

Sócrates e os Sofistas

Os primeiros sofistas não eram atenienses, e por isso não eram cidadãos. Eles vieram
da mesma região dos pré-socráticos, e trouxeram de lá um conjunto de técnicas de
linguagem – oratória e eloqüência –, que é a arte de bem falar, fazendo-se mestres e
professores. Historiadores da Grécia atribuem aos sofistas o título de fundadores da
pedagogia democrática. Os dois principais sofistas foram Protágoras (485 – 411 a.C.) e
Górgias (485-380 a.C.), e a interpretação que fazem deles difere muito. Se alguns os
defendem, outros os execram. Ficaremos com esta segunda interpretação, próxima a
Platão.

Vimos anteriormente que em Atenas se exercia a democracia direta, em que as


discussões eram feitas em público, e as decisões dependiam das argumentações.
Apesar dos sofistas não participarem das assembléias, devido à condição de

 
33  

não-cidadãos, exerciam uma influência periférica muito grande, pois ganhavam a vida
com aulas particulares, nas quais ensinavam a arte da retórica e da persuasão. Para
estes educadores do uso palavra, retórica é a arte de oferecer o logói, argumentos e
definições, de acordo com nossa utilidade. A persuasão se baseia na dialética (aqui
entendida como confronto de argumentos contrários) e por isso é praticada com opiniões.
Coube aos sofistas a justificação do ideal democrático, que muito interessava à
emergente classe dos comerciantes.

Contemporâneos de Sócrates, os sofistas foram muito criticados por este. Afinal,


Sócrates mantém a divisão entre opinião e verdade, aparência e realidade, percepção
sensorial e pensamento. Ao contrário dos professores de retórica, Sócrates não professa,
apenas pergunta. O Sócrates, especialmente àquele visto por Platão, combate certezas
vestidas de belos argumentos, afastando-se de palavras somente sedutoras. Abordando
os problemas dos homens e suas ações, conversando assuntos acerca da moral, como a
justiça, a coragem e a covardia, Sócrates cria uma forma especulativa que será muito
importante para a filosofia.

Partindo desta compreensão, ao estabelecer um paralelo entre Sócrates, os sofistas e a


filosofia, afirma-se que o lugar da filosofia é a praça pública, ou seja, a política. Nesta
vocação pública, Sócrates é a incômoda pedra nos sapatos dos poderosos, e os sofistas
são os legítimos construtores do discurso oficial do poder.

No próximo bimestre, lendo Platão e Aristóteles, teremos novos contatos com Sócrates.
Também retomaremos estes pensadores, quando entrarmos no terceiro bimestre, em
assuntos de moral, ética e política.

Exercícios para Sala

 
34  

10 – Quais as diferenças principais da democracia grega na época clássica (Séc. V


a.C.), para a democracia moderna?

11 - Explique o método socrático de investigação do saber.

Exercícios para Casa

4 – Procure um exemplo de argumento, ou invente um, que você considera bonito e falso.
Tente elaborá-lo da forma mais verdadeira possível, e depois escreva sobre a sua
inverdade.

#####################################################################
####

Bibliografia:

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou.

 
35  

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando. Introdução à filosofia. 2ª ed. São Paulo:
Moderna, 1993.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1974.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 4ª ed. Brasília: UNB, 1992.

BORHEIN, E. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo:Cultrix, 1977.

BOTTOMORE, Tom. Dicionário marxista. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.

CHÂTELET, F. et alii. História das idéias políticas. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1985.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995.

_______. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles, volume1. 2º


edição. São Paulo:Brasiliense, 1994.

 
36  

GAARDER, J. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

GRAMSCI, Antonio. Obras escolhidas. São Paulo, Martins Fontes, 1978.

HEGENBERG, Leonidas. Dicionário de lógica. São Paulo: EPU, 1995.

Coleção História do Pensamento: das origens a idade média. volume 1 São Paulo: Nova
Cultural, 1987.

PLATÃO. A república. 2ª ed. São Paulo: Difel, 1973.

Filosofia - Apostila 2

Introdução:

Atenção! Iremos continuar nossa “viagem intelectual” no terreno mais acidentado da


filosofia. Se pegássemos um atalho procurando facilitar nosso percurso, certamente não
alcançaríamos o destino: compreender a filosofia. Se nos esforçarmos especialmente
neste bimestre, conseguiremos entender o que muitos nunca entenderam na filosofia.
Esta incompreensão resulta na classificação da filosofia como “um bicho de sete

 
37  

cabeças”. Por isso encontraremos aqui, uma linguagem específica compondo


pensamentos variados. Questões que – após alguma “turbulência” e possíveis “enjôos” –
nos possibilitarão entender como e o quê os filósofos disseram sobre a matéria, a idéia,
a realidade, o fenômeno, o pensamento, o espírito, o real, o ideal, etc. Talvez algumas
destas questões somente ficarão mais claras a partir do terceiro bimestre, quando
falarmos da política, da ética e da moral, onde nossos estudos estarão bem apoiados em
exemplos do dia-a-dia.

Assim não ficaremos assustados com algumas palavras e conceitos novos que aqui
enfrentaremos. Por exemplo: ontologia. Esta é uma palavra importantíssima na filosofia e,
apesar de familiar, não é a forma banguela de expressar a função do dentista
(odontologia); e não significa o estudo das flores ou a identificação de grandes coleções
poéticas (antologia). Também aprenderemos significados de palavras já conhecidas só
que utilizadas em sentidos bem diferentes da filosofia. Saberemos que materialista não é
a pessoa portadora de extrema ambição por bens materiais; mecanicista não é um
profissional de oficina mecânica; e idealista não é exclusivamente o camarada que segue
algum ideal.

Ao final desta apostila encontraremos a “galera” da filosofia reunida com dados de suas
vidas e algumas de suas realizações. Poderemos “visita-los” a qualquer momento,
principalmente quando algum for citado. Também para consulta, reproduzimos logo após
as biografias um “esquema filosófico” com todas as concepções, correntes e escolas da
filosofia desde a Antigüidade até a Idade Contemporânea. O esquema pode nos ajudar a
ter uma visão global do assunto que aqui trataremos. Com isso perceberemos a
diversidade e a extensão do conhecimento filosófico, impossível de ser aqui abordado na
sua totalidade. Vamos filosofar?

Ontologia e Epistemologia: A Questão do Ser e do Pensamento

 
38  

Diariamente produzimos, consumimos e distribuímos conhecimentos. Às vezes somos


pegos de surpresa nesta tarefa tão deliciosa e fascinante que é o conhecer. Estamos
certos de alguma coisa e mais tarde percebemos nosso engano. A verdade de hoje pode
não ser a de amanhã. O que pensávamos como verdadeiro é abalado por falta de idéia,
conceito, teoria, hipótese, preconceito, amor, amizade, crença, confiança, etc.. É abalado
por não corresponder a verdade. Conhecer implica à busca da verdade. A verdade é
aquilo que corresponde a realidade. Mas o que é verdade? O que é realidade? Ora, a
realidade é o que é. Porém, que é ser real? Como se estabelece no pensamento? Afinal,
o que estas questões tem em comum com a filosofia?

Veremos que estas perguntas ocupam um lugar especial na filosofia e que situam-se na
delicada relação entre ser e pensamento, matéria e idéia, sujeito e objeto. Diversas
foram as perguntas e as respostas e suas repercussões. Por isso retomaremos o
pensamento dos gregos e estudaremos importantes pensadores da Idade Média,
Moderna e Contemporânea. Todos abrigados em inúmeras correntes na importante tarefa
do conhecimento.

Ser

Em português, ser traduz a expressão grega ta onta que significa os entes, os seres, as
coisas existentes. Como conceito filosófico, expressa a unidade da existência e da
essência. O ser denomina todas as coisas materiais que estão fora do pensamento:
natureza, realidade, fenômenos naturais, etc.. O ser é de natureza material.

Pensamento

 
39  

A palavra pensamento deriva do verbo latino pendere, significando ficar em suspenso.


O pensamento exprime nossa capacidade de conhecimento intelectual e abstrato, é a
expressão de nossa existência racional. Como categoria filosófica designa a consciência
do sujeito. Pode entender-se como: alma, espírito, mente, sentimentos, emoções,
conceitos, percepções, etc.. Ao pensamento, de natureza imaterial, opõe-se o ser.

A questão fundamental da filosofia é tratada na relação entre o ser e o pensamento onde


delimita-se dois campos de estudos denominados:

Ontologia (ta onta – os entes, os seres, as coisas existentes)

Epistemologia (episteme – ciência; provas e demonstrações)

A primeira trata do elemento primordial do mundo na essência das coisas, e aqui


trataremos como sinônimo de metafísica; a segunda, do elemento primordial do mundo na
essência do conhecimento. Em todas as áreas do conhecimento, experiências cotidianas
e manifestações da cultura geral, a ontologia e a epistemologia estão presentes com
seus retalhos e sempre darão “muito pano para a manga”. Os dois campos estão
intimamente ligados e só podemos compreende-los no entrelaçamento de seus
conceitos. A relação entre o ser e o pensamento no campo ontológico e epistemológico
refletem dois aspectos, completamente opostos, em que as diferentes filosofias irão se
agrupar:

Unidade / Permanência X Multiplicidade / Devir

 
40  

Temos de um lado as filosofias que priorizam a unidade e imutabilidade do ser que


começou com Parmênides; e do outro, as que priorizam a multiplicidade e pluralidade do
devir, da transformação das coisas umas nas outras, e que começou com Heráclito.

Exercícios para Casa

1 – Escreva sobre qualquer assunto de sua preferência, ocupando no mínimo vinte linhas.
No final elabore três frases afirmando e/ou negando as certezas existentes no assunto
escolhido.

Ontologia, Epistemologia e Seus Períodos

A história da ontologia e da epistemologia é riquíssima em detalhes. Destacaremos


inicialmente dois aspectos que consideramos fundamentais na pergunta pelo ser: o
realista e o idealista. O primeiro destes está caracterizado desde Platão e Aristóteles na
Ontologia Clássica. O segundo aspecto (idealista) começou com a Ontologia Moderna.

Realismo

Concepção filosófica em que a existência do mundo exterior é evidente por si mesma.


Esta existência é distinta do sujeito que conhece o objeto em sua essência.

Idealismo

Concepção filosófica que entende o intelecto como conhecimento de nossas próprias


idéias. A realidade em si é a representação da idéia.

A Ontologia Clássica: o Fim da Cosmologia e o Início do Realismo Filosófico

 
41  

No bimestre passado vimos que a palavra grega metafísica (depois da física) surge no
século I a.C., criada por Andronico de Rodes ao classificar as obras de Aristóteles após
as obras de Física. Aristóteles, bem antes da metafísica ter surgido como palavra,
entendeu-a como a ciência das primeiras causas e dos primeiros princípios. Porém,
antes deste, Platão apresentou a necessidade de uma ciência das ciências, após ter
concluído seus estudos em ciências particulares: aritmética, geometria, astronomia e
música. Em sua obra República ,admite o caráter supremo de uma ciência examinadora
de pontos comuns que revelam áreas intimamente interligadas. Platão e Aristóteles criam
e sustentam o caráter universal desta suprema ciência: a metafísica.

No nascimento da filosofia estudamos a substituição do saber mitológico pelo


cosmológico. Os primeiros filósofos buscaram o princípio (a arkhé) que causa e ordena
o mundo, dedicando-se à explicação do devir, ou seja, à multiplicidade, à mutabilidade e
às oposições do ser. Lembrem-se das águas do rio de Heráclito e da afirmação “o ser é
e não é”. A cosmologia era uma explicação sobre a physis, era uma física. Porém, como
já vimos, o pré–socrático Parmênides, esboçando a origem da metafisica, afirmou a
imobilidade e a eternidade do ser. E Quando expôs o ser é e o não-ser não é, elaborou
um dos princípios básicos da lógica: o princípio da não-contradição. O que não é
pensável equivale a que não exista. O ser, ao contrário, é pensável porque existe, e existe
porque é pensável. O não-ser nada é.

Platão, concordando com Heráclito na afirmação do não-ser como algo contraditório,


múltiplo e mutável, classifica um mundo sensível nos limites da aparência. Concordando
com Parmênides na afirmação do Ser como imóvel, idêntico e pensável, classifica um
mundo inteligível nos limites do intelecto puro. Aristóteles, que apesar de seguir o caminho
platônico na conciliação do pensamento pré-socrático, elaborou novos conceitos,

 
42  

incorporando e descartando algumas idéias de seu mestre. Ao mundo sensível


platônico, ilusório e aparente, Aristóteles propõe um mundo real em que a mudança
constante e a multiplicidade dos seres são estudadas por uma ciência teorética: a física.
O estudo do objeto desta física, estudo que consiste numa tarefa primeira, ele propõe
uma Filosofia Primeira: a metafísica. Nesta ciência elevada ou primeira investiga-se, pelo
pensamento ou intuição intelectual, todas as essências estudadas por outras ciências,
como na física. Esta investigação chega, de acordo com o filósofo, às verdades primeiras
e aos princípios universais da realidade.

As alternativas metafísicas platônica e aristotélica, conciliatórias do pensamento de


Heráclito e Parmênides, dão início à ontologia em detrimento da cosmologia, alicerçando
o pensamento de toda a tradição filosófica.

A Ontologia Cristã

Com a expansão do Império Romano em toda a região da bacia do Mediterrâneo, a


cultura grega é amplamente divulgada, o que é conhecido como o período helênico. Os
romanos, que desenvolveram um forte poderio militar, político e administrativo, se
mantiveram no poder durante seiscentos anos (de 300 a.C. a 300 d.C.). Ocorre uma
avassaladora apropriação da cultura grega pelos romanos e a filosofia fica dividida em
pequenas escolas, das quais citamos as mais importantes: estoicismo, epicurismo,
ceticismo e neoplatonismo.

As principais escolas deste período compartilhavam do conceito de filosofia como vida


contemplativa, e da afirmação da questão moral frente as teorias.

escola estóica: fundada por Zenão de Cício, exerceu influência no pensamento ocidental e
está fortemente presente em doutrinas modernas e contemporâneas. Um dos

 
43  

ensinamentos estóicos é o cosmopolitismo, doutrina que concebe o homem como


cidadão do mundo e não de um país.

escola epicurista: fundada por Epicuro de Samos, elabora uma ética sustentada na
sensação como critério da verdade e do prazer.

escola ceticista: fundada por Pírron de Élis (pirronismo ou ceticismo) foi a que afirmou a
impossibilidade do conhecimento da verdade e da falsidade, do belo e do feio, do bom e
do ruim. É a decisão pela completa suspensão do juízo.

escola neoplatônica: fundada na Alexandria por Amônio Saccas, tem como maior
representante Plotino. Nesta escola a filosofia de Platão é utilizada para defender as
verdades religiosas no interior da consciência.

É neste cenário que surge um movimento social e religioso que se tornará a maior
expressão cultural da doutrina religiosa do ocidente: o cristianismo.

Com o fim do Império Romano o cristianismo se fortalece ainda mais. Através da Igreja
Católica os cristãos assumem a educação dos novos povos do norte europeu – invasores
do território romano e grandes responsáveis pela queda do seu Império – assumindo
também todo o poder político e religioso que irá se manter durante toda a Idade Média. A
partir daí muita lenha na fogueira da Santa Inquisição iria queimar junto com os infiéis.

Se lembrarmos que a filosofia surge num rebento separador de razão e mito,


entenderemos que, na Idade Média, a filosofia retorna ao mito reunindo as verdades da
razão às verdades da fé. Conciliam o conteúdo da revelação bíblica ao conteúdo da
ontologia grega, provando a existência de Deus e os predicados de sua essência. O

 
44  

mundo deixa de ser eterno para ser criado e terminado; a razão passa a ser imperfeita
e limitada, não podendo alcançar a verdade se não recorrer à fé; Deus: imaterial e infinito,
é produtor de matéria e finitude.

Dois longos períodos caracterizam a filosofia medieval: a patrística e a escolástica. A


primeira teve como figura principal Santo Agostinho (354-430 d. C.); a segunda, Tomás
de Aquino (1225 -1274 d. C.).

Patrística

Agostinho ficou conhecido por "cristianizar" Platão, fazendo vários paralelos entre a parte
espiritualista Platônica e as sagradas escrituras. Agostinho faz a distinção entre o corpo
(sujeito à sorte do mundo) e a alma com a qual se pode conhecer Deus. Tentou provar
que sem a fé a razão não é capaz de chegar à felicidade. A razão para Agostinho serve
como auxiliar da fé, esclarecendo e tornando inteligível aquilo que intuímos.

Escolástica

A escolástica é uma continuação da patrística acrescida de outros princípios. Sem


destruir os dogmas da igreja, adaptava-os a uma certa necessidade de estudo e
compreensão do mundo, reforçando a harmonização da razão com a fé. Nos escreve à
respeito Mariana Allen Peterson:

Os filósofos escolásticos tiveram que superar um problema irremovível. Baseavam seu


pensamento na filosofia cristã anterior, isto é, na patrística ... Mas lembremo-nos de que o
sistema agostiniano era platônico: faltava-lhe qualquer distinção entre o natural e o
sobrenatural, entre a razão e a fé, entre a filosofia e a teologia. A mentalidade medieval

 
45  

exigia explicações racionais; os homens do século IX em diante desejavam


ardentemente estudar o mundo e compreendê-lo.

São Tomás é conhecido por ter cristianizado Aristóteles, à semelhança do que fez
Agostinho com Platão. Apesar de Aristóteles não ter conhecido a revelação cristã, como
diz Tomás, e de sua obra ser original, autonôma e independente de dogmas, ele está em
harmonia com o saber contido na Bíblia. As observações sobre Aristóteles vão
permanecer em todas as suas obras. Tomás de Aquino afirma que podemos conhecer
Deus pelos seus efeitos, ele é o último em uma escala evolutiva, a causa de todas as
coisas.

A Ontologia Clássica e Cristã: O Realismo em Comum

Afirmamos no início deste assunto que as duas ontologias (clássica e cristã)


caracterizaram-se no aspecto realista. Porém, podemos perguntar: Como admitir
realismo pelo que vimos nas filosofias de Platão e Aristóteles? E as filosofias dos Santos
Agostinho e Aquino que misturam filosofia com religião?

A resposta está no que estas filosofias tinham em comum na pergunta pelo ser: O que é a
realidade? Ambas partiram do princípio de que a realidade existe e pode ser conhecida
e que a verdade é a correspondência entre as coisas e os pensamentos. Estes princípios
realistas se fundamentavam na existência de um ser infinito: a idéia ou Deus. Portanto a
filosofia, desde Platão e Aristóteles, adotou uma atitude realista mostrando que o sujeito
pode apreender o objeto na sua essência.

A Ontologia Moderna (séculos XV a XVIII)

Com o declínio do feudalismo o mercantilismo e o colonialismo entram em cena, abrindo


espaços para a burguesia. Esta foi conquistando o poder econômico até consolidar-se
plenamente no poder político, o que só ocorre em 1789 com a Revolução Francesa.

 
46  

Um movimento filosófico, literário e artístico é difundido da Itália para outros países da


Europa: o Renascimento (fins do séc. XIV até fins do séc. XVI ). Termo de origem
religiosa e que durante a Idade Média designou o retorno do homem a Deus, a partir do
século XV Renascença representa a renovação moral, política e intelectual resultante de
uma recriação dos valores da civilização greco-romana. Representou também a
renovação religiosa que foi a reforma protestante. Neste período as escolas filosóficas
antigas são retomadas: o platonismo, o aristotelismo, o estoicismo, o epicurismo e o
ceticismo. O aristotelismo da Renascença exclui a interpretação de Aristóteles dada por
Tomás de Aquino.

Deus é retirado do centro da explicação do real e substituído pelo homem e pela natureza
física. As preocupações filosóficas voltam-se para as questões epistemológicas, na
tentativa de superar as ontologias clássica e medieval derrubando a ontologia como a
ciência das essências. Um saber diferente, paralelo à filosofia, é inaugurado: a ciência.
Esta apresentou a necessidade de um método matemático e experimental que rompeu
com a visão aristotélica. Destacam-se nesta tarefa os cientistas: Copérnico, Galileu,
Kepler e Newton.

O grande nome entre os filósofos deste época é Kant. A partir dele surge uma nova
ontologia. O problema ontológico não é mais realista e sim idealista. O que Kant fez foi
sintetizar o racionalismo e o empirismo, demonstrando que o sujeito do conhecimento é
uma estrutura universal, idêntica para todos, em todos os tempos e lugares.

Veremos antes, o que o racionalismo e o empirismo propunham:

Racionalismo

 
47  

Palavra derivada de razão- do latim ratio- o racionalismo é a doutrina que admite o


pensamento abstrato como única fonte do conhecimento da verdade. Os filósofos
racionalistas (Descartes, Spinoza, Leibniz, Kant e outros) entenderam que o
conhecimento é verdadeiro quando é universalmente válido e logicamente necessário.

Fonte da imagem: http://cursos.unipampa.edu.br

René Descartes é o principal representante do racionalismo num século sob o domínio da


Igreja Católica onde, apesar de um domínio em fase decadente, as fogueiras da
Inquisição ainda tinham muita lenha para queimar. Ele enfrentou o grande desafio de
racionalizar sobre a natureza das coisas provando a existência de Deus.

No livro Discurso do método elaborou um método baseado em procedimentos


matemáticos, “para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade das ciências”.
Este método analítico parte do princípio de que o universo material - incluindo os seres

 
48  

vivos - é uma grande máquina. Mostra que podemos compreender o todo a partir de
suas partes. Este filósofo criou uma dúvida metódica estremecendo as bases do
conhecimento filosófico da época. Tal dúvida resultou na conclusão “Penso Logo Existo”.

Descartes procura reconstruir o edifício do saber, guiado pelo ideal de uma ciência
universal cujos conteúdos principais pudessem ser deduzidos das idéias inatas. Estas
idéias são inatas porque já nascemos com elas e independem de nossa experiência,
diferente das fictícias que são vindas da fantasia e das adventícias que vem de fora.
Assim, por exemplo, a idéia do quiliógono (polígono regular de mil lados) e do infinito são
inatas porque não são cabíveis na experiência, nas percepções.

Empirismo

Derivado do grego empeiria (experiência) o empirismo, ao contrário do racionalismo,


afirma que a experiência é a única fonte de nossos conhecimentos e que a verdade só se
obtém através de nossos sentidos. Quando nascemos, de acordo com os empiristas,
nossa mente ou razão é uma “tábua rasa” ou uma “folha em branco” onde a experiência
irá preenche-las. Alguns dos representantes mais importantes do empirismo são os
filósofos ingleses Bacon, Locke (teórico do liberalismo que veremos no próximo
bimestre), Berkeley e Hume.

(desenhar um frango tremendo de frio)

O inglês Francis Bacon, cujo sobrenome lembra um gostoso lanche servido em Fast
Food, lembrará a partir de agora um frango congelado. Porquê? Por que este filósofo,
nascido em 1561, morreu em 1626 de bronquite, após ter recheado um frango com neve.
Tal experiência era para descobrir a relação da baixa temperatura com a putrefação dos

 
49  

corpos. Este filósofo, considerado “pai da ciência moderna”, escrevia em todas as


suas obras a célebre afirmação: Saber é poder. Bacon procurou mostrar que o saber
contemplativo e desinteressado deveria ser substituído pelo saber instrumental. Sua
filosofia demarcou o início de uma nova ciência desenvolvendo a teoria da indução com
mais amplitude que Aristóteles. Em sua obra Novum Organum (novo órgão) denunciou os
preconceitos – chamou-os de ídolos – que dificultavam a compreensão da realidade:
ídolos da tribo; ídolos da caverna; ídolos do foro; e ídolos do teatro.

Kant e a Conciliação Ontológica

No século XVIII Immanuel Kant representou para a filosofia uma revolução comparável à
de Copérnico na astronomia. Antes de Kant os filósofos ou consideravam importante a
atividade mental do sujeito ( racionalismo ), ou a determinação do objeto real exterior (
empirismo ). Com Kant, assim como Copérnico que “centraliza o sol” afirmando que a
terra gira em torno dele e não o contrário, a ontologia passa a centralizar no sujeito a
questão do conhecimento. Porém ele afirma não ser possível o conhecimento das coisas
como são em si. Somente podemos conhecer os fenômenos. A palavra fenômeno, que
etimologicamente significa, em grego, “o que aparece”, no esquema kantiano explica
perfeitamente a nossa participação na construção do mundo dos fenômenos, pois só
existe porque aparece para nós. A síntese ou conciliação entre sujeito e objeto, entre
empirismo e racionalismo, mostra que o conhecimento da realidade do mundo é uma
construção mental. Conhecemos a priori só o que nós mesmos colocamos na realidade.
Estas condições a priori do conhecimento Kant chamou de "transcendental" ( não é o
mesmo que transcendente) porque partem daquilo que é anterior a toda experiência. Para
conhecer as coisas é preciso obter a experiência sensível (empirismo), porém esta
experiência torna-se inválida se não contar com as formas a priori, anterior à experiência
(racionalismo).

 
50  

A pensamento kantiano, quanto à possibilidade do conhecimento, é conhecido como


agnosticismo. Esta palavra deriva do grego a (não) e gnosis (conhecimento), significando
o não conhecível, incognoscível. O agnosticismo de Kant, negando a possibilidade de
conhecer a essência das coisas e afirmando o conhecimento apenas do fenômeno,
acaba com toda a ontologia pensada desde os clássicos. Desta forma, funda uma nova
ontologia influenciando diversas correntes dos séculos XIX e XX, tanto no idealismo como
no materialismo. Inaugurou, acima de tudo, o idealismo como concepção de
conhecimento que nega a realidade em si e afirma a realidade estruturada pelas idéias
produzidas pelo sujeito.

Hegel e a Razão Histórica

O filósofo alemão Hegel (século XIX), pensador do idealismo romântico, elaborou uma
profunda crítica às soluções racionalista, empirista e kantiana, de onde observou que
todos deixaram de compreender uma questão elementar da razão: a história. Para Hegel
a razão é histórica e movida por contradição. Afirmar que é histórica não significa
reduzi-la a um simples relativismo, de onde a verdade jamais atingiria valores universais.
Isto porque a razão não ocupa um lugar na história, ela é a história O elemento
contraditório que determina o movimento da história é a dialética. Neste caso, Hegel
entende os conflitos filosóficos expressos pelas idéias inatas, empíricas e
transcendentais (kantianas), como parte do movimento da história. As duas primeiras, de
acordo com o filósofo, priorizaram o objeto e erraram por excesso de objetividade. A
última, a razão pura de Kant, priorizou o sujeito e errou por exagero de subjetividade.

Hegel compreende a razão dialética como uma síntese necessária do objetivo com o
subjetivo. Lembremos que no bimestre passado vimos a dialética em Platão como um

 
51  

diálogo e nesta apostila, em Aristóteles, como simples retórica. Para Hegel a dialética
é a natureza do pensamento, e é inspirada no pré-socrático Heráclito:

(desenho/retrato de hegel falando)

“Aqui finalmente vemos terra: não há proposição de Heráclito que eu não tenha acolhido
na minha lógica”.

A dialética hegeliana opera através das tríades: tese, antítese e síntese. A antítese é a
negação da tese e a síntese é a unidade das duas (tese e antítese). Muitos se enganam
ao afirmar que este caráter triádico foi inventado por Hegel ou que este tenha retirado de
Heráclito. Na verdade, Hegel foi quem melhor o elaborou como um conceito abstrato,
porém foi o pensador Proclo quem inventou este esquema tríadico.

Na filosofia moderna e contemporânea, tanto nas concepções idealistas e materialistas, a


dialética será entendida no sentido hegeliano. Em Marx e Engels, com o materialismo
dialético, a dialética hegeliana será colocada de “pernas para o ar” representando uma
significativa virada na interpretação da história.

 
52  

Comte e o Positivismo

O filósofo Auguste Comte é considerado o fundador do positivismo. Este termo foi


utilizado primeiramente por Saint Simon significando o método exato para as ciências e
sua extensão para a filosofia. Comte adotou-o para identificar sua filosofia que parte da
impossibilidade de se conhecer a “essência das coisas”. De acordo com este filósofo a
ciência deve limitar-se ao positivamente dado, ou seja, ao estudo dos fenômenos
imediatos da experiência e suas relações, sem preocupar-se com o “porquê” dessas
relações. Neste sentido, o positivismo retoma o empirismo e acompanha a crítica feita
por Kant à ontologia clássica, afirmando que a ciência positiva deve desistir da busca das
causas primeiras e finais, limitando-se à descrição dos fenômenos. É inegável sua
contribuição no campo científico, especialmente nas ciências biológicas (evolucionismo)
e humanas (sociologia).

Comte classificou as ciências na seguinte ordem: matemática, astronomia, física,


química, biologia e sociologia. Esta sequência, segundo ele, aparecem no tempo (na
história) de acordo com o grau de complexidade. A matemática seria a mais simples e
abstrata e a sociologia, fundada por ele, a mais complexa e concreta. Tal complexidade é
determinada por núcleos constantes como a propriedade, a família, a pátria e a religião.
Sua filosofia considera a história, ao contrário do vir-a-ser hegeliano, um progresso
daquilo que já estava determinado de forma embrionária, e que necessariamente deveria
atingir uma ordem hierárquica, de resultados finais. Sua ciência é o único guia da vida,
única moral e única religião possível.

O positivismo tornou-se a mais importante corrente legitimadora da organização


técnico-industrial da sociedade moderna, expressando o otimismo da origem do
industrialismo de diversos países no ocidente. No Brasil a inscrição “Ordem e Progresso”
da nossa bandeira, é um exemplo de tal influência.

 
53  

Fonte da imagem: http://mettecc.w ordpress.com/

Idealismo e Materialismo

Antes de seguirmos nossos estudos nas origens da ontologia contemporânea, iremos


entender como as filosofias se agruparam em torno do ideal (pensamento, espírito,
consciência) e do material (ser, matéria, natureza). Veremos como, a partir de Descartes,
Bacon e Kant, passando por Hegel, Comte e Marx, as respostas ontológicas podem ser
resumidas em: idealismo e materialismo.

 
54  

O Idealismo

Aqui o pensamento (espírito, consciência) é eterno, infinito, primeiro e o ser (matéria,


natureza) dele deriva. A introdução do termo idealismo é atribuída ao filósofo Leibniz (séc.
XVII) que dirigindo-se principalmente à visão platônica distinguiu-a das visões
materialistas. Porém a localização do idealismo na filosofia de Platão foi contestada e
abandonada por alguns filósofos, que preferiram substituir esta classificação por
“realismo das idéias”. Isto porque Platão, além de rejeitar a multiplicidade do mundo,
privilegiou as idéias como essências das coisas, conferindo assim a existência real das
próprias idéias. Outros filósofos preferiram somente acrescentar a palavra “objetivo” ao
idealismo platônico.

Diversas são as correntes idealistas que encontramos na história da filosofia: idealismo


lógico; idealismo fenomenológico; idealismo crítico; “idealismo atualista” etc. Entre os
principais filósofos idealistas estão Descartes, Leibniz, Kant e Hegel.

O Materialismo

Aqui o ser (matéria, natureza) é eterno, infinito, primeiro e o pensamento (espírito,


consciência) dele deriva. De forma geral foi usado pela primeira vez em 1674 por Robert
Boyle.

Ao longo da história a concepção materialista assumiu formas diversas. O materialismo


nasceu nos países do Oriente antigo (China, Índia, Babilônia, Egito) e nos fins do séc. VII
a.C. desenvolveu-se nas colônias jônicas da Grécia. No séc. V a.C. os pré-socráticos
Demócrito e Leucipo, que nem chegaram a se conhecer, expressaram na doutrina

 
55  

atomista a primeira tentativa de conciliar o logos de Heráclito com o logos de


Parmênides, iniciando um materialismo cosmológico. Na Idade Média o materialismo fica
mais de mil anos fora do pensamento filosófico, quando a teologia apropria-se da filosofia
e transforma razão em fé. Na Renascença, com os descobrimentos científicos e
geográficos do séc. XVI, o materialismo é retomado do mundo dos filósofos gregos e
multiplica-se em inúmeras escolas. Destacamos duas espécies de materialismo
resultante desta multiplicação: materialismo mecanicista e materialismo dialético.

Materialismo Mecanicista

O materialismo mecanicista, também denominado materialismo vulgar, explica os


fenômenos da natureza através das leis da mecânica e reduz todo o conhecimento
qualitativamente diferente - como a biologia, a química, a psicologia etc. – a processos
puramente mecânicos. Esta espécie de materialismo teve raízes na Antigüidade, com o
atomismo, e desenvolveu-se com a ciência moderna entre os séculos XVII e XIX, quando
finalmente desaparece como concepção filosófica permanecendo apenas na ciência .

Entre os atomistas o caráter mecanicista, como vimos anteriormente, pode ser sinônimo
de cosmológico. Explicando o mundo como uma grande máquina que comporta um
sistema de movimento dos corpos, este materialismo ganhou novos representantes a
partir do século XVII. O filósofo Hobbes (1588-1679) foi um grande exemplo desta
recuperação do materialismo mecanicista (ou metodológico), defendendo a noção de
movimento e de corpo como única forma de explicação dos fenômenos. Segundo o
filósofo, o conhecimento de alguma coisa sempre implica no conhecimento de seu
movimento. O conhecimento acerca da natureza considera seu “corpo natural” e da
sociedade um “corpo artificial”. Entre suas obras, destacamos “Sobre o Corpo”(1655)
onde trata do mecanicismo invadindo os domínios do espírito.

 
56  

A filosofia de Descartes também foi materialista mecanicista. Este filósofo


compreendeu o mundo governado pela exatidão das leis matemáticas e descreveu-o
como uma máquina perfeita. O método de Descartes, aplicado na biologia por Willian
Harvey, trouxe importantes revelações para o entendimento do fenômeno da corrente
sanguínea

A partir das últimas décadas do século XIX, os seguidores do materialismo mecanicista


não são mais filósofos e sim cientistas. Com o desenvolvimento da física, primeiramente
com a dinâmica que é parte da mecânica que estuda os movimentos dos corpos sob a
ação das forças, e posteriormente com Hamilton substituindo a idéia de força por energia,
o mecanicismo encontra seus limites nas ciências físicas. Nas ciências naturais, embora
com menos intensidade, o materialismo mecanicista serviu para combater obstáculos
metafísicos que impediam o desenvolvimento de suas pesquisas e acabou se
transformando em tendência reducionista. Da mesma forma na sociologia, resultando na
redução de leis sociais à princípios biológicos e psicológicos.

Materialismo Dialético

Baseado em Demócrito e Epicuro sobre o materialismo e em Heráclito sobre a dialética,


Marx concebe um materialismo dialético, tentando superar o pensamento de Hegel e
Feuerbach.

Ludwig Feuerbach procurou introduzir a dialética materialista, combatendo a doutrina


hegeliana que, segundo ele, apesar de traçar um método revolucionário concluía por uma
doutrina eminentemente conservadora. Da crítica à dialética idealista, partiu Feuerbach à
crítica da Religião e da essência do cristianismo. Feuerbach pretendia trazer a religião do
céu para a Terra, ele condiderou que, ao invés de Deus ter criado o homem à sua
imagem e semelhança, foi o homem quem criou Deus à sua imagem e semelhança. Seu

 
57  

objetivo era conservar intactos os valores morais em uma religião da humanidade, na


qual o homem seria Deus para o homem.

Marx contestou Feuerbach, afirmando que seu humanismo e sua dialética eram estáticas:
o homem de Feuerbach não tem dimensões, está fora da sociedade e da história, é pura
abstração. É indispensável segundo Marx, compreender a realidade histórica em suas
contradições, para tentar superá-las dialeticamente.

As Origens da Ontologia Contemporânea (a partir do século XIX )

O positivismo e o hegelianismo, ambos “amados e odiados”, inspiraram as filosofias que


surgiram nas origens da ontologia contemporânea. O século XIX foi o marco da
autonomia científica. Definitivamente a ciência separa-se da filosofia. Especialmente na
ciência o positivismo teve sucesso e na filosofia inspirou algumas correntes mecanicistas,

 
58  

como: o pragmatismo, o cientificismo e o vitalismo. Destacamos quatro filosofias que


em grande parte deram origem à ontologia contemporânea: fenomenologia, genealogia e
marxismo.

Fenomenologia

Surgida no século XIX com o filósofo Franz Brentano, a fenomenologia representou uma
tentativa de “humanização” da ciência. À excessiva objetividade e pretensa neutralidade
da filosofia positivista, a fenomenologia direcionou sua principal crítica. O maior
representante da fenomenologia, também conhecida como filosofia da vivência, foi
Edmund Husserl. Segundo ele, as três funções principais da filosofia são: separar
psicologia e filosofia; manter o privilégio do sujeito diante dos objetos; e renovar o
conhecimento de fenômeno.

Vimos anteriormente que fenômeno, em grego, é o que aparece. Também vimos que o
agnosticismo de Kant negou a possibilidade de conhecer a essência das coisas
afirmando o conhecimento apenas do fenômeno. A fenomenologia, apesar de concordar
com Kant na importância do sujeito do conhecimento, discorda de seu agnosticismo.
Para Husserl, tudo o que existe é fenômeno e apresenta-se diretamente à consciência
que é sempre consciência de alguma coisa. Esta consciência de é o que o filósofo chama
de intencionalidade. Portanto a essência das coisas, ao contrário de Kant, podem ser
conhecidas. Toda a consciência é um ato intencional e esta intencionalidade é sua
essência.

Afirmando a intencionalidade da consciência, a fenomenologia bate de frente com os


racionalistas que entendem a consciência separada do mundo. E quando afirmam que o
objeto só existe para um sujeito que lhe dá significado, contrariam os empiristas que
entendem o objeto em si. Além disto, os fenomenólogos defenderam que o conhecimento

 
59  

intelectual não resume a consciência que o homem tem do mundo, pois a


intencionalidade é – além de cognitiva – afetiva e prática.

O existencialismo foi a corrente que herdou da fenomenologia todo o aspecto subjetivista


que fundamentará o sentido da existência do homem. Seus principais representantes:
Kierkegaard, Heidegger, Sartre, Merleau-Ponty e Ricoeur.

Genealogia

Este termo significa o estudo da origem de todas as famílias. Na filosofia, genealogia


identifica um método de decifração utilizado por Nietzche. Através de poemas e
aforismos (frases curtas e conceituosas), ele marcou a filosofia dando à interpretação
especial importância.

Segundo este pensador, as classes superiores inventaram as palavras e com elas


impuseram uma interpretação. O pensamento lógico-racional expulsou a visão mística e
instintiva da arte trágica pré-socrática e definiu as fronteiras entre o verdadeiro e o
aparente. Assim começou, a partir de Sócrates, a degeneração da filosofia baseada na
ilusão ontológica de um pensamento puramente racional. Para Nietzche, a aparência é a
única existência. Ao homem, destinado à multiplicidade, cabe a interpretação instintiva. O
conhecimento é resultante de um conflito de instintos. No conhecimento do fenômeno do
trágico, que Sócrates dispensou, é que poderemos atingir a verdadeira natureza da
realidade. Portanto o conhecimento é resultante de um conflito de instintos. Resgatando
Heráclito, com a valorização do da mudança, do devir, Nietzche afirma não existir uma
realidade inteligível, única e imutável. Para ele, a verdade necessária e universal não
existe, mas apenas inúmeras idéias do real em constante transformação.

 
60  

Se no sentido ontológico Nietzche parte da destruição das idéias socráticas, no


sentido moral se coloca radicalmente contra o cristianismo. Ele afirma que os cristãos
“São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a
miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação
nos valores dos senhores e dos fortes; (...) criaram a ficção do pecado porque não
podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida.”

Na filosofia, Nietzche foi visto como uma espécie de homem solitário e incompreendido.
Seu pensamento é interpretado para justificar diversas verdades. Após sua morte, por
iniciativa de sua irmã Elisabeth, foi utilizado para fundamentar o nazismo e o fascismo.
Mais acertadamente e extremamente fecunda, sua filosofia influenciou obras recentes de
pensadores como Foucault, Deleuze e Guattari. Ambos estão agrupados na corrente
identificada como arqueogenealogia. Também inflenciou algumas das principais
correntes de pensamento do século XX, como o existencialismo, a filosofia analítica e a
psicanálise.

O Marxismo

Dá-se o nome de “marxismo” para identificar o pensamento de Karl Marx. Porém o


marxismo - durante e após Marx - foi interpretado de tantas formas que fica até difícil
expor sua filosofia com o título de marxismo. O próprio Marx, diante das diversas
interpretações, chegou ironicamente a admitir não ser marxista. No próximo bimestre, ao
tratarmos da política, voltaremos a este filósofo procurando entender sua grande
contribuição na economia e na história.

No sentido ontológico, o marxismo sustentou que o ser prima sobre a consciência. Esta
reflete a realidade material – que é o ser – e por isso não se enquadra em nenhuma das
formas idealistas já vistas na filosofia. O ser, ou realidade, de que o marxismo trata é

 
61  

portanto um princípio materialista. Como já vimos anteriormente, não se refere aqui a


um materialismo mecanicista e sim dialético, pois concebe os fenômenos materiais como
processos.

Com o marxismo é possível compreender certas ligações necessárias entre o aspecto


psicológico e social da humanidade; entre os aspectos econômicos, sociais e políticos; e
, principalmente, a articulação entre todos estes aspectos e as idéias produzidas pela
sociedade. Por isso, podemos afirmar que a grande contribuição marxista às ciências
humanas insere-se numa nova interpretação dos fenômenos humanos. Estes são o
resultado das contradições sociais determinadas pelas relações econômicas sustentadas
na exploração do trabalho.

Assim, esclarecendo condições objetivas da existência do homem, o marxismo


transforma-se numa grande filosofia, utilizada sobretudo na política, e se expressando no
século XX através da obra de pensadores como Gramsci, Althusser, Lukács, Goldmann,
Schaff, e Lefebvre. Também nas obras dos filósofos da Escola de Frankfurt como
Horkheimer, Adorno, Benjamin e Habermas.

A Epistemologia

A epistemologia, que é sinônimo de gnosiologia quando estuda a origem e o valor do


conhecimento humano em geral e sinônimo de teoria do conhecimento quando estuda o
valor dos sistemas científicos, partindo dos princípios fundadores das ciências físicas e
humanas, de seus critérios de verdade e verificação. Portanto trataremos epistemologia
nos dois sentidos.

A Questão da Verdade

 
62  

Uma questão epistemológica fundamental pode estar expressa da seguinte forma:


Qual o alcance e a verdade do conhecimento? O que podemos conhecer? Existe a
verdade? Num sentido mais restrito, também de forma crítica e descritiva, a
epistemologia estuda o conhecimento científico em particular. Como vimos, a
epistemologia pode ser estudada a partir do nascimento da filosofia até hoje e seu
começo como disciplina – como parte autônoma da filosofia – deu-se somente na Idade
Moderna, principalmente com os filósofos: Descartes, Looke, Hume e Kant.

Como disciplina a teoria do conhecimento é o estudo crítico e reflexivo de problemas


surgidos da relação entre sujeito e objeto do conhecimento. Trata da origem, dos limites e
do valor do conhecimento, investigando e relacionando a verdade entre os conceitos e as
coisas.

A verdade existe e sempre foi perseguida. Em todas as idades, culturas e épocas, o ser
humano procura a verdade. O que move a filosofia e cria as diferentes formas de filosofar,
é o desejo do verdadeiro.

A Verdade: Concepções e Teorias

A filósofa brasileira Marilena Chauí nos lembra que a verdade pode ser entendida na
filosofia a partir de três concepções construídas em línguas diferentes: grego, latim e
hebraico.

Em grego, diz-se aletheia, que significa o não-escondido. O verdadeiro está nas próprias
coisas e plenamente visível à razão. O falso está escondido nas aparências e nunca é
como parece ser. Portanto, aletheia refere-se ao que as coisas são. Em latim, diz-se
veritas e refere-se ao rigor da afirmação. Diferente da aletheia, aqui a verdade não se
refere às coisas e sim ao enunciado, à linguagem. Referimos à veritas para os fatos que
foram. Em hebraico, diz-se emunah, que é uma palavra de mesma origem que amém, e
significa confiança. A verdade agora é fruto da espera e da confiança na palavra dada,

 
63  

no pacto realizado, na profecia, no futuro. Referimos à emunah para coisas e ações


que serão.

Diversas teorias sobre a natureza da verdade aparecem na filosofia combinando aletheia,


veritas, e emunah. Trataremos de aborda-las no grupo de quatro espécies: materiais,
lógicas, axiomáticas e axiológicas.

Materiais ou Objetivas: Nas ciências naturais encontramos o grande exemplo desta


verdade, onde a aletheia predomina. As coisas são por demonstração e verificação
através da experiência. Correspondem com os fatos reais. São as verdades de fato.
Exemplo: O ser humano, sem estar com equipamento de mergulho, não pode respirar
debaixo da água; esta mesma água é composta de dois átomos de hidrogênio e um de
oxigênio.

Formais ou Lógicas: Ausência de contradição e coerência do raciocínio consigo mesmo.


Aqui a veritas é predominante, onde o verdadeiro é submetido a regras lógicas da
argumentação. É também chamada de verdade de razão. Exemplo: Todos os alunos são
do Colégio X. Ora, fulano é aluno. Logo, fulano é do Colégio X.

Axiomáticas ou Convencionais: É a verdade , nem sempre evidente, que é sustentada por


determinada comunidade de cientistas, onde o consenso e a confiança no uso de regras
e convenções estabelecem o verdadeiro. Este é a espécie de verdade onde predomina a
emunah. Exemplo: Alguns axiomas e postulados na matemática não dependem de
verificações anteriores.

Axiológicas:. Semelhante a anterior (ambas derivam da raiz grega axios – o que tem
valor, estima, dignidade) é baseada em critérios convencionais. Porém, as convenções
aqui tratadas são as sociais e não as científicas. Divide-se em três:

a - verdade axiológica propriamente dita: valores éticos, estéticos, religiosos, jurídicos,


etc.. Temas como o aborto, a eutanásia e a pornografia, pertencem a este campo de

 
64  

verdades, determinadas nos mais diversos contextos sociais. Assim, a verdade em


uma sociedade pode não ser verdade em outra sociedade.

b – verdade pragmática: é o verdadeiro a partir de critérios práticos e não teóricos.


Também pode ser entendida como aquilo que é vantajoso para o sucesso de uma pessoa
ou grupo social.

c- dogmática ou religiosa: verdade que dispensa o uso de coerência consigo mesma e


da correspondência com a realidade, bastando o uso da crença, da fé.

Fonte da imagem:
http://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com.br

 
65  

Lógica

Tudo que é verdadeiro é lógico. É lógico que estamos lendo esta apostila. É lógico que
para ler tenhamos que abrir nossos olhos. É lógico que um automóvel precisa de
combustível para andar. É lógico que eu preciso de dinheiro para tomar um ônibus. É
lógico que preciso caminhar se o automóvel não tiver combustível e eu estiver sem grana.
Porém posso aguardar uma carona e é lógico que não precise caminhar. É lógico, lógico,
lógico... Repetidas vezes pronunciamos esta palavra para expressar evidências. Na
filosofia é uma disciplina bastante estudada. Veremos aqui um pouco de sua história e de
seus procedimentos.

Lógica Formal e Lógica Dialética

Vimos no bimestre passado que lógos, de onde deriva “Lógica”, é uma das palavras mais
importante da filosofia e que sua tradução não é simples. No português esta palavra de
origem grega possui sentidos múltiplos: conversa, pensamento, norma, regra, ser,
realidade, razão, linguagem, explicação, etc. Também vimos que os pré-socráticos,
opondo-se a narrativa mítica, começaram a estabelecer determinadas leis do
pensamento.

No início desta apostila reproduzimos a seguinte oposição para introduzir nossos estudos
em ontologia:

 
66  

Unidade / Permanência X Multiplicidade / Devir

Priorizando a unidade e permanência do ser temos a lógica formal. Priorizando a


multiplicidade e pluralidade do devir, da transformação das coisas umas nas outras,
temos a lógica dialética.

Lógica Formal

Sócrates (lembrem-se da maiêutica), os Sofistas (retórica) e Platão não chegaram a


sistematizar uma lógica formal propriamente dita. Este último até entendeu-a como um
procedimento intelectual e lingüístico que resultaria do confronto de opiniões opostas, ou
seja, a partir da dialética (em grego a palavra dia quer dizer dois e o sufixo lética
refere-se a logos).

Somente Aristóteles, apesar de nunca ter usado a palavra “lógica”, empregada séculos
depois pelos estóicos, foi quem sistematizou-a como um estudo preparatório da
investigação e do saber demonstrativos. Em vários textos que compõe sua obra Organon
(significa instrumento) o filósofo distingue dois tipos de discursos: o dialético que parte do
provável e termina no provável, e serve apenas como retórica, e o demonstrativo partindo
do verdadeiro e terminando no verdadeiro, é o argumento lógico por excelência. As
principais características atribuídas por Aristóteles à lógica ou analítica (assim ele
denominava) são:

instrumental: serve de um instrumento para o pensamento correto;

formal: expressa através da linguagem as formas gerais dos pensamentos não se


ocupando com os conteúdos presentes;

 
67  

normativa: apresenta regras e normas fundamentais para a verdade do pensamento ;

propedêutica: conhece e indica os métodos e as demonstrações necessários para o


início de qualquer filosofia ou ciência;

doutrina da prova: condiciona e fundamenta as demonstrações, a partir da verificação de


hipóteses e conclusões;

geral e temporal: atribui princípios, como na razão, de universalidade, necessidade e


imutabilidade, independendo das circunstâncias, das pessoas, do tempo e do lugar.

A contribuição maior da lógica aristotélica encontra-se nos primeiros princípios:

- Identidade:

Quando A é A. Um ser é sempre idêntico a si mesmo.

- Contradição:

Quando é impossível afirmar A é A e não-A. Um ser não pode ser e não ser idêntico a si
mesmo ao mesmo tempo.

- Terceiro Excluído:

Quando somente são válidas duas possibilidades: A é X ou A é não-X. Uma é


necessariamente verdadeira e a outra necessariamente falsa.

 
68  

Lógica Matemática:

A lógica matemática, que também é formal, inicia-se no final do século XIX com Frege.
No século XX seus maiores representantes são Whitehead, Russel e Wittgenstein. Esta é
a lógica que utiliza uma linguagem simbólica artificial, constituindo uma linguagem ideal
ou perfeita em substituição às ambigüidades de todas as outras línguas.

Para identificar as diferentes proposições eles utilizam as letras: p, q, r, p1, q1, r1 etc.
Quanto aos conectivos utilizam os seguintes sinais:

“não”_____ “ou”_____ “e”_____ “implica” ou “se..., então...” _____

“equivalente a” ou “se e somente se” _____ “logo” ou “portanto” ____

Como exemplo vamos considerar o seguinte argumento:

“O aluno silencioso está concentrado em sua prova ou está concentrado na prova de


outro.

O aluno silencioso não está concentrado em sua prova.

Logo, está concentrado na prova de outro”

 
69  

De acordo com a lógica matemática, este argumento fica simbolizado da seguinte


forma:

p ______ q

____ p

_______________

 
70  

Fonte da imagem: http://cantadordeestorias.com.br/

Lógica Dialética

Vimos em diversas ocasiões, nesta apostila e na anterior, os vários sentidos que a


palavra dialética assumiu na história. Porém, como lógica dialética, iremos admitir
somente o sentido dado por Hegel, Marx e Engels.

Muitos estudiosos, inclusive na filosofia, afirmam não ser possível a inexistência de uma
lógica dialética. Segundo estes, o primeiro termo (lógica) já exclui o segundo (dialética).
Isto porque, no momento em que elaboramos os argumentos, nos sujeitamos às regras
imóveis do pensamento correto. Portanto, baseado nesta visão, a lógica dialética só é
possível como uma Teoria do Caos.

 
71  

A opção pela real existência da lógica dialética, parte da compreensão de que a


produção da idéia é dialética e que somente sua expressão é formal. Assim, pensamos
dialeticamente o que é dito ou escrito formalmente. Porém, a aceitação mais fecunda da
lógica dialética, parte do entendimento de que a lógica formal é ineficaz para explicar
fenômenos sociais. Esta ineficácia também é observada em determinado grau de
desenvolvimento atingido pelas ciências naturais. Por exemplo, na física de hoje os
estudos da estrutura íntima da matéria dispensam a explicação clássica de causalidade
formal e exigem explicações que compreendam novas relações de processo. Também na
biologia, onde as concepções organísmicas ganham espaço, o formalismo não consegue
dar conta das explicações “contextuais” exigidas.

A lógica dialética não é operatória no sentido formal. Sua abrangência operatória é global
e reivindica uma historicidade. Nem tampouco é um método científico e sim um raciocínio
filosófico. Um raciocínio que parte das determinação do ser que se constitui e se
transforma.

O movimento do raciocínio dialético desenvolve-se da seguinte forma:

- A tese da afirmação geral sobre o ser. Por exemplo: “O lápis é de madeira.”

- A antítese compreende a negação da afirmação da tese anterior. “O lápis não é feito só


de madeira." A antítese é a primeira negação que também pode ser negada.

- A síntese constitui a negação da negação, onde se encontram a tese e antítese


repensadas. “O lápis é produto do trabalho humano com o auxílio de instrumentos."
Portanto, a síntese constitui uma nova tese a ser desenvolvida no infinito movimento do
pensamento.

As Leis da Lógica Dialética:

 
72  

- A passagem da quantidade à qualidade: o processo de transformação das coisas se


faz por saltos; é a passagem do ser para o ser outro.

- A interpenetração dos contrários: a contradição como força motriz provocadora do


movimento e da transformação.

- A negação da negação: é a interação das forças contraditórias; a tríade que explica o


movimento (tese, síntese e antítese)

Conclusão

O que é a realidade? Esta questão é mais do que presente. Diríamos que ela é também
passado e futuro. O problema da realidade, considerado fundamental para a filosofia,
poderia tomar conta de várias apostilas como esta e mesmo assim não se esgotaria.
Questões ontológicas e epistemológicas persistem na procura de uma solução definitiva
para a razão. Soluções, que preferimos aceitar como não definitivas, foram e continuam
sendo aceitas ou rejeitadas. Alguns filósofos e cientistas, contraditoriamente apoiados no
deslumbramento de suas épocas, sobretudo no séc. XXI em que a eficiência tecnológica
é tão homenageada, esqueceram que o conhecimento não tem limites e que a história
não tem fim.

As alternativas clássicas continuam alimentando um rico debate filosófico: Permanência


ou Devir? Idéia ou Matéria? Realismo ou Idealismo? Racionalismo ou Empirismo?
Idealismo ou Materialismo? Racionalismo ou Empirismo? Lógica Formal ou Lógica
Dialética? Esta constante procura garantiu à filosofia a missão mais nobre do

 
73  

conhecimento, pois o ser humano possui razão para procurar a razão das coisas. A
investigação filosófica é constante e profunda, e mesmo que repouse na explicação ou
defesa de algum aspecto do conhecer e do agir, deverá sempre seguir seu rumo na
procura de questões e respostas novas para o ser e o pensamento. Sempre!

 
74  

Fonte da imagem: http://divorciadosenlaiglesia.blogspot.com.br/

Galeria dos Filósofos

Adote sempre um filósofo para a cabeceira de sua cama e boa leitura!

Destacamos aqui uma resumida biografia de apenas alguns dos mais importantes
filósofos e de alguns cientistas, importante para a compreensão do assunto que tratamos
nesta apostila. Em cada biografia, colocamos o título de algumas obras do filósofo para
você procurar nas bibliotecas ou livrarias. Leve-os para sua casa e conheça melhor seus
pensamentos. Afinal para conhecer melhor sobre eles somente a partir deles.

Platão nasceu em Atenas ( 428-7 a.C.) e lá morre ( 348-7 a.C.). Seu nome é derivado de
seu vigor físico e da largueza de seus ombros (platos significa largueza). Com vinte anos
de idade entra em contato com Sócrates, tornando-se seu discípulo durante nove anos,
até quando seu mestre é condenado e bebe o cálice de cicuta. Em 387 a.C., num ginásio
que levava o nome do herói Academos, Platão funda a Academia, que podemos
considerar como a primeira universidade do ocidente, somente fechada definitivamente
após setecentos anos pelo imperador Justiniano. Na porta da “universidade platônica”
existia uma inscrição advertindo que ali não devesse entrar “quem não soubesse
geometria”, pois Platão considerava a matemática o modelo seguro para enfrentar o
relativismo e a diversidade de opiniões. Além de cartas Platão escreveu cerca de trinta
Diálogos. Suas obras contavam sempre com Sócrates como protagonista. O sistema
filosófico de Platão baseia-se na distinção de duas formas de conhecimento: o sensível e
o intelectual. O primeiro, como crença e opinião, só alcança a aparência das coisas; o

 
75  

segundo, como raciocínio e intuição, alcança a essência das coisas, as idéias.


Portanto, o Ser verdadeiro somente é alcançado pelo conhecimento intelectual. No livro
VII da República Platão expõe o mito da caverna, obra bastante reproduzida até hoje,
onde compara a condição de conhecimento dos homens à de escravos presos numa
caverna. Esta, numa parede ao fundo, apresenta somente as sombras das coisas e dos
seres iluminados pelo sol lá fora, visão que os escravos consideram a verdadeira. Assim,
a filosofia consistia no esforço de libertação das aparências, de saída da caverna para
encarar as coisas verdadeiras.

Aristóteles nasceu em 384 a.C. em Estagira, cidade pertencente aos domínios da


Macedônia. Com dezoito anos Aristóteles chegou em Atenas para estudar. Lá encontra
duas instituições de ensino: a de Isócrates, seguidor do pensamento dos sofistas, que
ensinava política como emissão de opiniões prováveis sobre coisas úteis; e a Academia
platônica. O filósofo escolhe a Academia e permanece até a morte de Platão. Convidado
pelo imperador Filipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre, Aristóteles sai de
Atenas e só retorna quando Alexandre, no lugar do pai que fora assassinado, começa a
construção de seu grande império na conquista do Oriente, o que provoca um
afastamento entre os dois. Aristóteles discorda da fusão da civilização grega com a
oriental por considerar a primeira uma comunidade perfeita e bastante peculiar,
impossível de ser transmitida a outros povos: os bárbaros. Retornando para Atenas funda
uma escola, o Liceu, que iria rivalizar com a Academia. O Liceu, ao contrário das
investigações matemáticas da Academia de Platão, transformou-se num grande centro
de estudos voltados especialmente às ciências naturais. O biologismo torna-se uma
grande referência na filosofia de Aristóteles influenciando sua física e sua metafísica,
refletindo em sua doutrina acerca do movimento. Algumas obras:

 
76  

Zenão de Licio: (335 a.C. – 263 a.C.) Filósofo grego, fundador o estoicismo.
Influenciou-se pela obra do Demócrito de Abdera. Estudou com afinco, quando jovem, a
obra dos socráticos. Posteriormente, transferiu-se para Atenas, cuidando dos negócios
paternos. Em 314, abandona tudo para dedicar-se apenas à Filosofia. Ficou mais de 20
anos estudando e pensando, antes de expor suas teorias e sistemas filosóficos,
deixando-se impresionar sobretudo pela obra de Demócrito de Abdera. Acaba por fundar
o estoicismo, pensamento moral que se baseia na ataraxia, buscando um espaço de
equilíbrio favorável à sabedoria. Disse, segundo Diógenes Laércio, a máxima: “Viver em
harmonia com a natureza.” Muitos acham que se suicidou após julgar terminada sua obra.

Epicuro: (341 ou 342 a. C. – 270 a. C.) Filósofo grego, fundador da escola filosófica
conhecida por Epicurismo. Os ensinamentos de Epicuro se baseiam no desprezo pelas
superstições e crenças e que o prazer é o sumo bem do homem. O prazer mencionado
por ele dizia respeito às coisas do espírito e nunca materiais. Entretanto , o
desvirtuamento dessa filosofia provocou a idéia falsa de sensualismo. Epicuro era,
sobretudo, virtuoso, sóbrio e profundamente moralista. Sua doutrina é fudamentalmente
ética e sustenta que a satisfação do indivíduo não deve levá-lo aos vícios. A maioria de
seus manuscritos foi copilada por Diógenes Laércio que formou o Livro X de vidas e
opiniões de filósofos célebres. A escola de Epicuro manteve-se em evidência até o final
do século III.

Aurelius Augustinus (354-430)

Santo Agostinho nasceu no norte da África, na cidade de Tagarte. Quando criança era
cristão, mas depois interessou-se por outras religiões, como a dos maniqueus, que
formavam uma seita, e dividiam o mundo entre o bem e o mal, trevas e luz, espírito e

 
77  

matéria. Foi influenciado pelos estóicos e os neoplatônicos, e também aderiu ao


ceticismo. Conheceu a palavra do apóstolo Paulo e abandonou o maniqueísmo,
convertendo-se à fé cristã. Desiste do cargo de professor e volta a Tagaste onde funda
uma comunidade monástica, disposto a fundamentar racionalmente a fé, como foi comum
na Idade Média. Vira vigário aos trinta e seis anos, praticando a vida ascética e mais
tarde bispo de Hipona. Algumas obras: Contra Academicos; As Confissões; De Trinitate;
e a Cidade de Deus.

São Tomás de Aquino (1227-1274)

Nasceu em um castelo próximo à cidade de Aquino, na Itália. Com 25 anos escreveu um


opúsculo O Ente e a Essência. Virou professor e foi para Paris, onde escreve
comentários sobre a Bíblia. Nessa cidade passa a vida escreve as duas Sumas que
compõe a sua obra: A Suma contra os gentios e a Suma teológica. Trata de Deus e suas
obras, da fé no mistério a santíssima trindade, da encarnação, dos sacramentos e da vida
eterna. Afirma que o homem possui uma capacidade, passada por Deus, de distinguir
naturalmente o certo e o errado. Este filósofo faz uma exposição completa da religião
católica, identificando o que há de verdade nela. Gentios eram os pagãos e os
maometanos. Acerca das mulheres, como Aristóteles, que dizia ser o homem ativo
,criativo e doador de energia vital na concepção, enquanto a mulher é receptora e
passiva, Aquino encontra justificativas com a afirmação da Bíblia que a mulher deriva de
uma costela do homem. A obra de São Aquino é imensa, alguns de seus trabalhos foram
escritos por ele mesmo, outros ditados e outros ainda reportados.

Nicolau Copérnico

 
78  

Monge e astrónomo polaco (1473 - 1543). Autor de um livro, publicado pouco antes da
sua morte, onde defendia o movimento da Terra em volta do Sol. Esta tese contrariava as
crenças dominantes, de base aristotélica de que a Terra estaria no centro do mundo, com
o Sol e os restantes astros girando à sua volta.

Galileu: (1564 – 1642) Nasceu em Pisa, Itália e morreu em Arcetri, Itália. Matemático,
físico e astrônomo italiano condenado pela Inquisição. Construiu o primeiro telescópio e
inúmeros aparelhos de precisão, descobriu que a Terra gira em torno do sol e
estabeleceu as leis que ainda regem a Física e a Astronomia.

Kepler: (1571 –1630) Astrônomo austríaco, foi um dos fundadores da Astronomia


moderna, Juntamente com Galileu e Copérnico, Kepler foi um dos fundadores da
Astronomia moderna, derrubando a teoria geocêntrica de Ptlomeu e lançando as bases
da física newtoniana, que efetuou a fusão das teorias da mecânica celeste e terrestre. A
existência dos satélites de Júpiter, anuncianda por Galileu, é questionada por Kepler, que
se lança a pesquisas próprias sobre o assunto. Galileu lhe envia uma luneta, com a qual
ele acaba reconhecendo a exatidão das afirmações do astrônomo italiano. Em 1596
publica Mysterium Cosmographicum, obra em que argumenta a favor das hipóteses
heliocêntrica. Envia cópias deste trabalho a Galileu Galilei, em Pádua, e Tycho Brahe, em
Praga. Este último convida-o a trabalhar como seu assistente, cargo que Kepler assume
em 1600. Em Astronomia Nova, obra que publicou em 1609, expões 2 das leis de
movimento dos planetas. Hoje essas leis são conhecidas como leis de Kepler.

Harvey Willian: (1578 – 1675) Considerado por muitos com pai da medicina moderna.
Estudou por muitos anos o sistema de circulação. Em 1628 publicou uma obra sobre as

 
79  

pesquisas: Exercícios anatômicos relativos à mobilidade do coração e do sangue.


Nesta obra Harvey demonstrou que existia o movimento circulatório. Mais tarde, 1651,
publicou outra obra: Exercitationes de gerationes de animalum, sobre suas pesquisas
embriológicas. Desenvolveu ainda pesquisas sobre os seres vivos, relatando suas
observações na obra Omne vivun ex ovo, onde estabeleceu o axioma de que todo ser vivo
provém de um ovo. No período da Guerra Civil Inglesa, acompanhou o rei Carlos I à
Escócia, indo depois para Oxford, onde ficou até 1656. Nesta época dedicou-se aos
diversos estudos da Medicina e trabalhou como médico particular de Carlos I. Quando
Oxford foi sitiada pelo Lord Fairfax, Harvey voltou para Londres. Em 1654 recusou a
presidência do Royal College, mas permaneceu ligado a ele até sua morte.

Thomas Hobbes: (1588 – 1979) Filósofo inglês, empirista, desenvolveu uma filosofia
baseada no materialismo, um dos dos primeiros a propor o conceito do Estado
absolutista. Conviveu com Bacon, Bem Johnson, Galileu e Descartes. Segundo Hobbes,
“não existe outra coisa senão o movimento e a matéria; também os espíritos são
explicados pela dinâmica sutil, inatingível pelos sentidos.” Hobbes, mediante o
materialismo mecânico, explica também a vida psíquica, o conhecimento e o agir. Do
ponto de vista de moral e política, Hobbes conceituou a teoria do Estado Absolutista.
Algumas obras: Elementorum Philosophiae Sectio Tertia de Cive; Leaviathan;
Philosophiae sectio prima de corpore; e Elementorum philosophiae sectio secunda de
homine.

René Descartes

 
80  

Filósofo francês (1596 - 1650), considerado o fundador da filosofia moderna. Pondo


em causa todo o saber adquirido, Descartes vai chegar a uma certeza indubitável, a da
sua existência como ser pensante: "Penso, logo existo". A partir dessa certeza procura
reconstruir o edifício do saber, guiado pelo ideal de uma ciência universal cujos conteúdos
principais pudessem ser deduzidos das ideias inatas, de que as três principais
correspondem às três substâncias: Deus, a alma e o mundo. Sua filosofia é reconhecida
nos campos materialista e idealista. Quando Galileu foi condenado pela inquisição
Descartes passa a escrever com extrema ambigüidade, sendo conhecido como “o
filósofo mascarado”. Foi um dos criadores da geometria analítica. Obras: Discurso do
método, Paixões da alma, Meditações metafísicas, Princípios de filosofia, Regras para a
direção do espírito.

Leibniz: (1646 – 1716) Filósofo e matemático alemão. Teólogo e jurista. Historiador,


enveredou até pela lingüistica. Foi o último dos grandes racionalistas do sec XVII. Como
teólogo pugnou pela aproximação entre as diversas seitas cristãs, e escreveu o Systema
Theologicum, 1684. Rompeu com a filosofia cartesiana em vários textos, sustentando que
a substância física consiste na força e não na extensão. Profundo conhecedor de
Aristóteles, Platão e dos filósofos medievais, substituiu o panteísmo de Espinosa pela
teoria das mônadas, partículas de que se constitui o universo e que representam a
natureza, Deus e a realidade. Seu racionalismo difundiu-se pela Alemanha no sec. XVIII.
Na Matemática, deixou duas grandes contribuições: o cálculo infinitesimal e o cálculo do
raciocínio.

David Hume

 
81  

Filósofo escocês ( 1711 - 1776), talvez o mais famoso filósofo empirista de todos os
tempos. Levando ao limite os pressupostos do empirismo, negou o conhecimento de
relações causais entre os fenómenos, assim como da existência de substâncias. Tudo se
resume a uma série de percepções unidas associativamente pela imaginação. Obras:
Investigação sobre o entendimento humano, Investigação acerca dos princípios da moral.

Denis Diderot

Filósofo francês (1713 - 1784) educado para o sacerdócio, optou pelo materialismo. Seu
pensamento integra conceitos das ciências biológicas, em detrimento da física,
entendendo a natureza organizada num sistema que compreende as formas primitivas e
complexas (homem) numa cadeia contínua. Obras: O passeio do cético, Jóias
indiscretas, Carta sobre os cegos,, A religiosa, O sonho D’Alembert.

Emannuel Kant

Filósofo alemão ( 1724 - 1804) influenciado por Hume, afirmou que todo o conhecimento
começa com a experiência, porém não deriva todo da experiência. O conhecimento conta
também com a contribuição da nossa faculdade de conhecer, que não tem um papel
apenas passivo. Daí decorre que o nosso conhecimento não representa as coisas tal
como elas são, mas sim como são para nós. A realidade em si é incognoscível, tal como
Deus, a imortalidade e a liberdade, dos quais apenas podemos ter uma certeza moral.
Obras: Crítica da razão pura, Fundamentação da metafísica dos costumes, Crítica da
razão prática, Crítica da faculdade de julgar.

Hegel (1770 - 1831)

 
82  

Filósofo alemão (n. , adepto do idealismo romântico. A sua filosofia, grandiosa e


complexa, assume-se como um retomar da história da filosofia e da humanidade,
procurando pensar e compreender todo esse processo. Nela, na filosofia hegeliana, a
intuição fundamental é a descoberta da negatividade inerente ao real, a descoberta de
que a vida só se realiza através da morte, o positivo através do negativo. É isto a
dialética, a qual está presente na célebre afirmação hegeliana: o real é racional e o
racional é real. Como momentos opostos, só se podem realizar um através do outro: a
realidade precisa dos conceitos adequados para ser dita, e os conceitos apenas têm
sentido quando expressam o movimento do real. Obras: Fenomenologia do Espírito,
Ciência da lógica, Enciclopédia das ciências filosóficas.

Auguste Comte (1789 - 1857)

Filósofo francês positivista e inventor da lei dos três estados. Para C. a humanidade e o
pensamento passariam por três estados: o teológico, no qual as explicações da realidade
seriam baseadas nos seres sobrenaturais, deuses e demónios; o metafísico, em que os
seres sobrenaturais seriam substituídos por entidades abstractas; finalmente, o estado
positivo ou científico, em que o homem se limita a estudar as relações entre os
fenómenos, abandonando as pretensões metafísicas. Obras: Curso de filosofia positiva,
Sistema de política positiva, Catecismo positivista.

Ludwing Feuerbach: (1804 – 1872) Filósofo alemão, considerado o maior expoente da


esquerda hegeliana, teve grande influ6encia sobre Marx. Ludwig começou estudando
Teologia, mas abandonou o curso para se dedicar exclusivamente à Filosofia. Foi aluno
de Hegel durante 2 anos. Participou do famoso grupo de Jovens Hegelianos. Dedicou-se
à critica da religião, discutindo conceitos religiosos como reflexos de conceitos terrestres

 
83  

e substituindo a idéia da matéria. Reduz a religião ao culto do homem. Para ele a


religião não teria um objeto real, transcendente, mas seria a objetivação sentimental e
fantástica dos ideais humanos, do homem ideal. A filosofia religiosa de Feuerbach
demole não apenas a religião positiva, o cristianismo, mas também a religião natural em
geral, e toda possibilidade de religião. As idéias deste filósofo influenciaram
enormemente Karl Marx. Algumas obras: Reflexões sobre a morte e a imortalidade;
Abelardo e Heloísa; Sobre a filosofia do cristianismo e Crítica da filosofia Hegeliana; A
Essência do cristianismo. Princípios da filosofia do futuro; e Teogonia.

Sören Kierkegaard (1813 -1855)

Filósofo dinamarquês, considerado um dos principais precursores do existencialismo, ou


das filosofias da existência. Recusando o ideal de um saber intelectual, universal e
necessário, como o defendido por Hegel, acentuou o carácter voluntário, singular e livre
da verdade, que se consubstancia no acto de fé do cristão, vivido no temor e na angústia:
temor de perder o que possui, angústia de se perder a si mesmo. Obras: Diário de um
sedutor, Temor e tremor, Migalhas filosóficas, Banquete, O desespero humano.

Karl Marx (1818 - 1883)

Filósofo e economista socialista alemão Procurou explicar o desenvolvimento da história


e da cultura através dos mecanismos materiais de produção e distribuição de
mercadorias, tentando simultaneamente basear nesse conhecimento uma prática política
que levasse à construção de uma sociedade sem classes. Obras: O manifesto do Partido
Comunista, O Capital, O 18 brumário de Luís Bonaparte, Contribuição à crítica da
economia política,

 
84  

Friedrich Engels (1820 – 1895)

Filósofo prussiano, colaborador financeiro e intelectual de Karl Marx, com quem escreveu
O manifesto do Partido Comunista e A ideologia alemã. Engels exerceu forte influência no
pensamento de várias gerações de operários e militantes socialistas. Obras:
Anti-Dühring, A dialética da natureza e A origem da família, da propriedade privada e do
Estado.

Friedrich Nietzsche (844 - 1900)

Filósofo alemão que rejeita qualquer distinção entre diferentes tipos de realidade, umas
mais reais do que as outras, representando de certo modo um retorno a Heraclito, com a
valorização do devir, da mudança, do sensível, da terra. Do mesmo modo que não existe
uma realidade inteligível, única e imutável, também não existe uma verdade necessária e
universal, mas apenas diversas perspectivas sobre um real em permanente
transformação. Nietzsche acabará, no entanto, por valorizar a perspectiva da vontade de
poder. É esta que permite ao homem ultrapassar-se a si mesmo, em direcção ao
sobre-humano. Obras: Origem da tragédia, Assim falava Zaratustra, Genealogia da moral,
O crepúsculo dos ídolos.

Edmund Husserl: (1859 – 1938) Filósofo alemão, fundador da Fenomenologia, um novo


método de análise da consciência. O pensamento de Husserl constitui a abertura de uma
das principais vertentes filosóficas do sec. XX. Pretendendo propor um novo ponto de
partida para o pensar, e um novo método de pesquisa, seu pensamento evoluiu sem
interrupção e se reformulou, tendo exercido e, ainda exercendo ampla influência não
apenas sobre o campo filosófico, mas também sobre várias áreas da investigação

 
85  

científica. Entre 1881 e 1883 permanece em Viena, aí escrevendo sua tese de


doutoramento sobre Calculo das Variações. Freqüentemente tem-se feito a distinção
entre 3 períodos de pensamento de Husserl: de início, o não reconhecimento do primado
da lógica sobre as estruturas e a análise matemáticas, bem como sobre a psicologia e
outras ciências relativas a fatos naturais. Todavia, alguns anos depois mostrará, nas
Investigações Lógicas, que a lógica pura é, de saída, uma fenomenologia, ou seja, uma
descrição da consciência – método que permite apreender significações e chegar à
visão de essências. Na última fase de sua obra, coloca problemas relativos à história, ao
mundo das pessoas e da cultura em termos de historicidade da consciência,
dedicando-se, então, à análise do “mundo da vida”, que seria o “horizonte da
consciência”.

Bertrand Russell (1872 - 1970)

Lógico, filósofo e ensaísta inglês. Célebre pelo seu monumental trabalho, em colaboração
com A. N. Whitehead, na fundamentação da lógica e da matemática, assim como pelo
inconformismo que o leva a pôr em causa todas as certezas estabelecidas e todos os
totalitarismos. Obras: Principia Mathematica (com Whitehead), Os problemas da filosofia,
História da filosofia ocidental, A minha concepção do mundo, Porque não sou cristão.

Martin Heidegger: (1889 – 1976) Filósofo alemão, um dos maiores nomes do


Existencialismo. Para Heidegger, o ponto principal da Filosofia é o problema do SER.
Padovani e Castagnola assim sintetizam o seu pensamento em História da Filosofia:
“Não é a essência que dá significado à existência, mas ao contrário. A existência é
possibilidade que, determinando-se, adquire uma essência. Assim, toda a metafísica fica
invertida.” Para Heidegger, a filosofia deve desvendar a existência, determinar a
essência do estar no mundo; noutras palavras, a filosofia é pesquisa, determinação do
concreto, do individual imediatamente presente à consciência, concebido, porém, como

 
86  

dado sofrido. Para enfrentar esse problema é preciso emergir do imediato


estar-no-mundo, é preciso existir. O pensamento de Heidegger influenciou profundamente
a Jean Paul Sartre, certamente o mais famoso existencialista do séc. XX e uma das
filosofias mais divulgadas, popularizadas e até mesmo imcompreendidas do pós-guerra.
Algumas obras: O ser e o tempo; e O que é metafísica.

Antonio Gramsci: (1891 – 1937) Filósofo italiano, foi um dos fundadores e dirigente do
Partido Comunista de seu país. Fez seus primeiros estudos no ginásio de Santo
Lussurgiu e depois no liceu de Cagliari. Aos 17 anos obteve, juntamente com Togliatti, seu
colega de estudos, uma bolsa da Universidade de Turim, onde estudou História, Filosofia
e Filologia. Todo o trabalho de Gramsci dirige-se para a criação de um partido
revolucionário da classe operária. Com o Partido Comunista sendo posto na ilegalidade,
Gramsci foi preso por ordem de Mussolini a 8 de novembro de 1926 e deportado para a
ilha de Ustica. Em 1928 foi condenado a 20 anos, 4 meses e 5 dias de prisão. Na prisão
entre 1929 e 1935, escreveu os Cadernos do cárcere. Morreu poucos dias depois de sua
libertação, ordenada por Mussolini, para que sua morte na prisão não abalasse o
prestígio do governo. Depois de sua morte, seus escritos foram divididos em 5 volumes:
O materialismo histórico e a Filosofia de B. Croce, Os intelectuais e a organização da
cultura, Notas sobre Maquiavel, A política do estado moderno, Literatura e vida nacional e
Cartas do cárcere.

Walter Benjamim: (1892 – 1940) Filósofo, crítico e ensaísta, deu novos contornos a
abordagem das obras literárias filosóficas e de arte. Autor extremamente complexo,
provocou uma reação contra a crítica tradicional, impressionista e historicista. Benjamim
era judeu e foi membro da Escola de Frankfurt. Com o nazismo chegando ao poder na
Alemanha, foge para a França. Lá vive até os nazistas invadirem o país. Quando é

 
87  

ameaçado de deportação para a Alemanha, onde os judeus sofriam perseguições,


suicida-se. Adorno foi quem mais divulgou a obra de Benjamim. Somente 15 anos após
sua morte “que se descobriu o verdadeiro valor revolucionário dos trabalhos deste
pensador alemão. A partir de 1955 começaram a ser publicados e lidos os seus textos.
Entre eles, A obra de arte em sua época de reprodutibilidade técnica tornou-se o mais
conhecido, onde o filósofo desenvolve o conceito de “aura na obra de arte”. Outras obras:
Dois Poemas de Holderlim, As afinidades eletivas de Goethe, A origem do drama
alemão; Homens alemães; e Teses sobre filosofia da história.

Marx Horkheimer(1895 – 1973 ) e Theodor Adorno (1903 – 1969) Filósofos alemães


que integram o grupo dos pensadores conhecido como Escola de Frankfurt, ao qual
pertenciam ainda Benjamim, Marcuse e Habermas. Por perseguição nazista, tiveram de
se exilar na Inglaterra e nos EUA. Juntos escreveram importantes obras filosóficas,
elaborando uma teoria crítica da ideologia da sociedade e da cultura contemporâneas,
enquanto frutos de projeto iluminista da modernidade. Em co-autoria, publicaram Dialética
do esclarecimento, transformada posteriormente num consistente arquétipo para a
discussão da cultura produzida numa sociedade tecnologicamente avançada. Com esta
publicação, inaugura-se a expressão “indústria cultural”.

Jean-Paul Sartre ( 1905 - 1980)

Filósofo e escritor francês, representante do existencialismo ateu. A partir do princípio de


que "a existência precede a essência", afirma que o homem é aquilo que escolhe ser,
sendo assim, liberdade e não natureza. Nesse sentido, o homem é responsável por aquilo
que é e pelos outros homens, pois não existe nem abaixo nem acima dele excusas ou
pretextos. Obras: O ser e o nada, O existencialismo é um humanismo, O Diabo e o Bom
Deus, Critica da razão dialéctica.

 
88  

Louis Althusser: (1918 - ) Sociólogo francês, chamado na França de “o mestre do


renascimento dos estudos marxistas”, considerado por muitos o único filósofo autêntico
do comunismo atual. Suas obras são polêmicas. Seu objetivo principal é estabelecer o
sentido econômico do marxismo. Homem de considerável influência dentro e fora dos
partidos comunistas. Algumas obras: A favor de Marx; Filosofia e filosofia espontânea dos
cientistas; Polêmica sobre o humanismo; Montesquieu, a política e a história; Ideologia e
aparelhos ideológicos do estado; Sobre o estado teórico; Posições 1 e posições 2 e
Materialismo histórico e Materialismo dialético.

Thomas Kuhn (1922)

Epistemólogo e historiador das ciências americano, famoso pelo seu conceito de


paradigma, que permitiria conceber a história das ciências como um processo a dois
tempos: a ciência normal, período em que a evolução da ciência seria guiada por um
paradigma definido, e ciência extraordinária, quando o paradigma vigente seria posto em
causa, dando lugar eventualmente a um novo paradigma. Algumas Obras: A estrutura das
revoluções científicas, A revolução copernicana.

Ludwig Wittgenstein (1889 - 1951 )

Um dos mais influentes filósofos do séc. XX. De início o seu pensamento está fortemente
ligado à lógica, sofrendo a influência de Russell e Frege. Considera que as proposições
lógicas revelam a estrutura da linguagem e esta a estrutura do mundo. O seu pensamento
irá evoluir no sentido de um pragmatismo cada vez mais acentuado, afirmando que a
formação dos conceitos e o estabelecimento de regras não é algo fixado por leis lógicas

 
89  

imutáveis, mas algo ligado a um costume, a uma prática social. Obras: Tractatus
logico-philosophicus, Da certeza.

Bibliografia:

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando. Introdução à filosofia. 2ª ed. São Paulo:
Moderna, 1993.

BASARIAN, Jacob. O problema da verdade: teoria do conhecimento. 2ª Ed. São Paulo:


Alfa-Omega, 1985.

CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São
Paulo: Cultrix, 1996.

 
90  

Coleção História do Pensamento: das origens a idade média. volume 1 São


Paulo: Nova Cultural, 1987.

Dicionário Biográfico Universal Três. São Paulo: Três Livros e Fascículos, 1983.

LEFEBVRE, Henri. Lógica formal. Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1975.

PLATÃO. A república. 2ª ed. São Paulo: Difel, 1973.

PETERSON, Mariana Allen. Introdução à filosofia medieval. Fortaleza:UFC, 19981, p.


78-79.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.

Filosofia - Apostila 1

 
91  

Moral e Ética

Introdução

A nossa “viagem intelectual” prossegue, e agora estará mais solidamente apoiada em


exemplos do dia-a-dia. Depois que enfrentamos um “bicho ontológico de sete cabeças”,
podemos dizer – com certo exagero – que estamos prontos para tudo na filosofia. Afinal,
com as “turbulências” e os “enjôos” da viajem anterior, adquirimos maior experiência.
Vimos os filósofos dizendo sobre a matéria, a idéia, o fenômeno, o pensamento, o
espírito, o real, o ideal, etc.. Agora, mais experientes, visitaremos dois campos
extremamente avizinhados que, com freqüência, aparecem vinculados na filosofia: moral e
ética. Por uma decisão metodológica, a política – que poderia ser aqui abordada, pois
apresenta a mesma condição de vínculo e vizinhança – só veremos no quarto bimestre.

 
92  

Aqui percorreremos os caminhos dos valores éticos e morais, entendendo um pouco


do que os filósofos disseram sobre: o Bem, o Mal, a Felicidade, o Amor, a Amizade, o
Ódio, a Virtude, a Igualdade, a Liberdade, a Felicidade, as Paixões, a Violência, a
Vergonha, o Vício e o Trabalho. Veremos algumas filosofias morais no decorrer da
história e pensaremos acerca das concepções éticas que preenchem o cotidiano.

Moral , Imoral, Amoral

Todos os dias experimentamos situações em que certas expressões surgem conclusivas,


com força de julgamento e denúncia: “Ele não tem moral”, “Ele é imoral”, “Ele é amoral”,
“Ele não tem ética”, “Ele feriu a ética”, etc..

A moral, no sentido geral, é o universo de regras válidas para o indivíduo ou o grupo, cuja
conduta é orientada. Agimos moralmente, com consciência, quando reconhecemos
nossa conduta conforme as regras.

O agir moral divide-se em dois lados: o ato normativo e o ato fatual. O primeiro, como o
próprio nome indica, pertence às normas enunciadas. Exemplo: “Não roube”, “Não mate”,
“Não fume”. O segundo, fatual, refere-se a execução ou não da norma. Apesar de serem
diferentes, só atingem sentido de maneira associada, pois toda norma é designada à
prática, assim como toda a prática fatual só é moral afirmando ou negando as normas.

Todo o ato que entra em choque com a norma vigente é imoral. Chamamos de amoral,
todo o ato que desconsidera qualquer norma, desconsiderando até o próprio choque
com a norma. É o chamado “homem sem moral”.

O João não tem moral...

 
93  

O aluno João Raposão tem aulas de filosofia. Ele não gosta da disciplina, mas recebe
sempre notas altas. Antes das provas faz resumos em pedaços de papel, com letras
pequeninas, mas conhecidos pelo o nome de “cola”. Com incrível habilidade, João
termina a prova antes de todos. O professor, equivocado atrás de suas grossas lentes de
miopia, convida-o para auxiliar na tarefa de olhar os colegas para que não colem.

* João não agiu conforme as regras comuns às provas sem consultas. Além disto,
aceitou a tarefa do professor. Sua hipocrisia (Etm.: grego hypokrisis, ação de
desempenhar um papel numa peça) foi assistida por todos os colegas. Sua atitude
chocou-se com a norma “não colar” e “não mentir”.

Porém, ele não foi amoral, do contrário nem estaria fazendo a prova e nem aceitaria o
convite. É errado dizer, neste caso, “O João não tem moral”. É certo dizer “O joão foi
imoral”.

O José não tem ética...

O médico José Esparadrapo da Bula é especializado em geriatria. Ele é conhecido pela


maioria como um excelente profissional. Porém sua maior especialidade mesmo é a
fofoca e o escárnio. Entre colegas de trabalho, familiares e amigos, o Dr. José comenta
pormenorizadamente, com desprezo e gozação, assuntos referentes aos pobres
“velhinhos” pacientes, que pensam estar diante de um médico amigo.

*Aqui ética está compreendida nos limites das regras da profissão. É verdade que o Dr.
José não teve ética médica. Mas não podemos daí afirmar simplesmente que ele não tem
ética.

Moral Constituída e Moral Constituinte

 
94  

Geração coca-cola (Legião Urbana)

Quando nascemos fomos programados

A receber o que vocês nos empurraram

Com os enlatados dos USA, de 9 às 6.

Desde pequenos nós comemos lixo

Comercial e industrial

Mas agora chegou nossa vez -

Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês.

Somos os filhos da revolução

Somos burgueses sem religião

Nós somos o futuro da nação

Geração coca-cola.

Depois de vinte anos na escola

Não é difícil aprender

Todas as manhas do seu jogo sujo

Não é assim que tem que ser?

Vamos fazer o nosso dever de casa

 
95  

E aí então, vocês vão ver

Suas crianças derrubando reis

Fazer comédia no cinema com as suas leis.

Será (Legião Urbana)

Tire suas mãos de mim

Eu não pertenço a você

Não é me dominando assim

Que você vai me entender

Eu posso estar sozinho

Mas eu sei muito bem aonde estou

Você pode até duvidar

É só que isso não é amor.

Será só imaginação?

Será que nada vai acontecer?

Será que é tudo isso em vão?

Será que vamos conseguir vencer?

Nos perderemos entre monstros

Da nossa própria criação

 
96  

Serão noites inteiras

Talvez por medo da escuridão

Ficaremos acordados

Imaginando alguma solução

Prá que esse nosso egoísmo

Não destrua nosso coração.

Brigar prá quê

Se é sem querer

Quem é que vai

Nos proteger?

Será que vamos ter

Que responder

Pelos erros a mais

Eu e você?

A música é bastante admirada em todos as idades. Certamente, a letras acima, recebem


mais a admiração dos jovens. Falar em moral constituída e moral constituinte, é também
falar em comportamento jovem e adolescente. Afinal, a adolescência proporciona a
vontade de questionar normas estabelecidas e de questionar a própria identidade.

 
97  

A moral é uma construção humana, fruto da cultura e da necessária convivência social,


nem sempre justa e solidária. Ela nos cerca, nos acolhendo ou repudiando. A moral se
expressa num conjunto de regras que orientam e determinam as ações coletivas e
individuais. Jamais existiu um povo sem uma moral e jamais existirá uma moral sem
regras.

O mundo é cultura em construção. Conhecemos valores universais expressos em regras


constituídas, como as que condenam o estupro, o suicídio ou o assassinato. Porém,
também conhecemos valores que pretendem uma universalidade que com o tempo
demonstram uma frágil “situação universal”.

Podemos observar que a moral tanto se herda do passado quanto se constrói no


presente, tanto é incorporada quanto substituída. Às vezes alguns valores tradicionais,
extremamente incorporados e reproduzidos, recebem doses altas de questionamentos
até sucumbirem por completo.

Portanto, chamamos de moral constituída àquele conjunto de normas construídas num


processo cultural, onde a tradição representa a fiel depositária de nossos valores. Saímos
do ventre materno e somos acolhidos num “ventre moral”.

De moral constituinte, chamamos às deliberações de nossa consciência moral. É o


momento em que o constituído presta contas ao constituinte sob uma considerável mira
crítica. A crítica da moral constituinte sempre parte da autonomia e da vontade de
liberdade individuais ou de grupos. No binômio constituído/constituinte, estabelece-se
mudanças de regras conforme o tempo. Podem levar séculos ou apenas alguns anos.

Tomemos dois exemplos:

 
98  

- O TRABALHO. Desde a antigüidade clássica o trabalho é considerado “coisa


menor”. Executado na maior parte do tempo por escravos, o trabalho era desvalorizado
diante do ócio (tempo sem ocupação) e da atividade guerreira, privilégio dos nobres. Os
cidadãos gregos possuíam todo o tempo do mundo para a política, a guerra, o
entretenimento e à filosofia. Após centenas de anos, com o declínio do mundo feudal e a
burguesia em ascensão no poder político e econômico, o trabalho – embora ainda
desvalorizado – associa-se à honra, ao esforço digno e legítimo do ser humano. O ócio,
em contrapartida, vira um mero descanso do trabalho para seu renovado retorno, ou
ainda, é simplesmente sinônimo de vagabundagem.

- O BANHO DE MAR. Em Florianópolis, capital de Santa Catarina, cidade rodeada de


inúmeras praias, até a década de 40 a prática do banho de mar praticamente não existia.
Somente no início dos anos 50, quando as águas da baía norte ainda eram bastante
saudáveis, constituiu-se o Balneário do Estreito, com diversas casas de praia e um centro
de eventos e de infra-estrutura para banhistas, antes mesmo dos balneários de Camboriú
e de Canasvieiras. Imagine-se tomando banho de mar na praia da Joaquina, de calção ou
biquíni, antes da década de 40. Provavelmente você seria apedrejado, como foram alguns
banhistas adeptos do naturismo quando tomavam banho na praia da Galheta já na
década de 90.

ESTUDO ERRADO

(Gabriel o Pensador)

Eu tô aqui Pra que? Será que é pra aprender? Ou será que pra aceitar, me acomodar e
obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater Sem recreio de saco
cheio porque eu não fiz o dever A professora tá de marcação porque sempre me pega

 
99  

Disfarçando espiando colando toda prova dos colegas E ela esfrega na minha cara
um zero bem redondo E quando chega o boletim la em casa eu me escondo Eu quero
jogar botão, video-game, bola de gude Mas meus pais só querem que eu "vá pra aula" e
"estude" Então dessa vez eu vou estudar cumpádi Pra me dar bem e minha mãe me
deixar ficar acordado até mais tarde Ou quem sabe aumentar minha mesada Pra eu
comprar mais revistinha (do Cascão?) Não. De mulher pelada A diversão é limitada E o
meu pai não tem tempo pra nada E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa
pirralhada) A rua é perigosa então eu vejo televisão (Tá lá mais um corpo estendido no
chão) Na hora do jornal desligo porque não sei nem o que é inflação - Ué não te
ensinaram? - Não . A maioria das matérias que eles dão eu acho inútil Em vão, pouco
interessantes eu fico pu.. Tô cansado de estudar , de madrugar, que sacrilégio (Vai pro
colégio!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar Voltei louco pra contar: Manhê!
Tirei um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei
toda lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa
filhão!) Quase tudo que aprendi amanhã, já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não
entendi Quase tudo que aprendi amanhã, já esqueci Decorei, copiei, memorizei, mas não
entendi Decoreba: esse é o método de ensino eles me tratam como ameba e assim eu
não raciocino Não aprendo as causas e conseqüências só decoro os fatos Desse jeito
até história fica chato Mas os velhos me disseram que o "porque" é o segredo Então
quando eu não entendo nada, eu levanto o dedo Porque eu quero usar a mente pra ficar
inteligente Eu sei que ainda não sou gente grande, mas eu já sou gente E sei que o
estudo é uma coisa boa O problema é que sem motivação a gente enjoa O sistema põe
um monte de abobrinha no programa Mas pra aprender a ser um ingonorante (...) Ah, um
ignorante, por mim eu nem saia da minha cama (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos
professores e eu preciso de um mestre Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa
que preste - O que é corrupção? Pra que serve um deputado? Não me diga que o brasil
foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita ou sobre a tênia solitária.
Não me faça decorar as capitanias hereditárias!! (...) Vamos fugir dessa jaula "Hoje eu tô

 
100  

feliz"(matou o presidente? Não. A aula. Matei a aula porque não dava Eu não
agüentava mais E fui escutar o Pensador escondido dos meus pais Mas se eles fossem
da minha idade eles entenderiam (Esses não é o valor que um aluno merecia) Íííh... Sujô
(Hein?) O inspetor! (Acabou a farra, já pra sala do coordenador!) Achei que ia ser
suspenso mas era só pra conversar E me disseram que a escola era meu segundo lar E é
verdade, Eu aprendo muita coisa realmente Faço amigos, conheço gente, mas não quero
estudar pra sempre! Então eu vou passar de ano Não tenho outra saída Mas o ideal é que
a escola me prepare pra vida Discutindo e ensinando os problemas atuais E não me
dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais Com matérias das quais eles
não lembram mais nada E quando eu tiro dez é sempre a mesma palhaçada Manhê! Tirei
um dez na prova Me dei bem tirei um cem e eu quero ver quem me reprova Decorei toda
lição Não errei nenhuma questão Não aprendi nada de bom Mas tirei dez (boa filhão!)
Encarem as crianças com mais seriedade Pois na escola é onde formamos nossa
personalidade Vocês tratam a educação como um negócio onde a ganância a exploração
e a indiferença são sócios Quem devia lucrar só é prejudicado Assim cês vão criar uma
geração de revoltados Tá tudo errado e eu já tou de saco cheio Agora me dá minha bola
e deixa eu ir embora pro recreio...

Proposta de Atividade

Qual a relação entre o texto A teoria de Piaget e a música Estudo Errado ? Você pode
criticar um ou outro, ou tentar concilia-los.

EXERCÍCIOS PARA CASA

 
101  

Escreva sobre moral constituída e moral constituinte, utilizando exemplos. retirados de


jornal, revista, Internet, televisão, etc.. Depois, participe de um debate com a turma
comentando o assunto.

Conceito Filosófico de Moral e Ética

"O dedo pode apontar a lua, o sábio olha a lua, o tolo o dedo"

Antigo provérbio Chinês.

O provérbio acima, certamente elaborado muito antes do apogeu da Grécia antiga, é aqui
reproduzido para lembrar – como já observamos no primeiro bimestre – que povos
orientais, mais antigos que os gregos, produziram conhecimentos, construíram
diversificadas culturas, e portanto possuidores de uma moral e de uma ética. Porém,
como inicialmente optamos, rejeitamos a tese orientalista para o surgimento da filosofia,
atribuindo à Grécia o seu verdadeiro berço. E se promovêssemos aqui uma investigação
profunda acerca das culturas de todos os povos, constataríamos uma diversidade de
valores morais e éticos apontando o que é o certo e o errado, o permitido e o proibido, o
bem e o mal. Mais restritamente, se estudássemos apenas a cultura de um povo, também
iríamos perceber valores morais diferentes em cada grupo ou classe social. Conforme a
“moral” do adágio chinês acima, abandonemos o apontador e vamos ao apontado:

MORAL E ÉTICA

 
102  

latim, mores grego, ethos

costumes

Na filosofia o conceito de moral e ética é entendido sinonimamente. Como vemos acima,


a etimologia revela “costumes” o termo comum. Além de moral significar ética pode ainda
significar objeto da ética. Neste sentido, toda moral assenta-se nas regras éticas que se
aplicam à conduta. Por isso, de forma geral, a moral é definida na filosofia como uma
teoria filosófica que diz respeito ao bem e ao mal. É uma doutrina que estabelece um
conjunto de regras válidas, variando conforme a época ou conforme a cultura de povos,
grupos e classes. Por isso, na Filosofia, em geral ética é também filosofia moral que
determina um objetivo para a vida e aponta os meios para alcança-lo. A ética trata dos
juízos de valor, das normas morais, e trabalha de forma reflexiva todos estes aspectos
normativos da moral. Porém encontramos na filosofia, como veremos mais adiante,
alguns pensadores que dissociam moral de ética.

Algumas Definições •

Antes de observarmos na história da filosofia os caminhos que tomaram os principais


pensadores, vamos conhecer algumas palavras que fazem parte do rico vocabulário da
ética e da moral, e o que alguns dos filósofos escreveram a respeito. Se despertar em
você algum interesse sobre um tema ou um autor, procure-o nas bibliotecas e livrarias,
leve-os para sua casa e conheça melhor seus pensamentos. Afinal, esta é a melhor forma
para aprender filosofia.

 
103  

BEM

Etim: lat. bene, bem

Em sentido geral é o que é vantajoso ou útil a um fim dado.

Na ética é o que corresponde ao ideal moral.

Na Antigüidade, Platão vê no Bem o Divino trazendo sentido ao universo. Em Platão, a


idéia do Bem encontra-se no cume do mundo inteligível; ela ultrapassa a essência. A
época moderna e contemporânea privilegia a significação ética deste termo

PLATÃO (República)

“O bem [não e] essência, mas algo que ultrapassa de longe a essência em majestade e
potência.”

ARISTÓTELES (Ética a Nicômaco)

“Toda arte e toda busca, tanto quanto toda ação e toda deliberação refletida, tendem,
parece, na direção de algum bem: aquilo a que se tende em todas as circunstâncias.”

“[...] o bem próprio ao homem é a atividade da alma em conformidade com a virtude.”

ESPINOZA

“Por bem entendo aqui todo gênero de Alegria e tudo o que, ainda, a isso conduz e,
principalmente, o que preenche a espera seja ela qual for.” (Ética, 3ª parte, Proposição
39, in (Euvres de Spinoza, t.3, p.173, Garnier-Flammarion.)

 
104  

LOCKE (Ensaio filosófico sobre o entendimento humano)

“Chamamos Bem tudo o que é apropriado para produzir em nós prazer e, ao contrário,
chamamos Mal o que é apropriado para produzir em nós a Dor.”

BOM

Etim.: lat. bonus, bom.

HOBBES

“O objeto, qualquer que ele seja, do apetite ou desejo de um homem é o que de sua parte
este chama bom; e chama mau o objeto de seu ódio e aversão” (Leviatã).

SPINOZA

“Entenderei por bom o que sabemos com certeza ser-nos útil.” (Ética).

HEGEL

“O bom é o conteúdo dos deveres, isto é, das determinações fundamentais que implicam
as relações necessárias entre homens; em outras palavras, o que estas relações
comportam de racional. (Propedêutica filosófica).

NIETZSCHE

 
105  

“Os ‘bons’, eles próprios, isto é, os nobres, poderosos, mais altamente situados e de
altos sentimentos.” (Genealogia da Moral)

“O que é bom? Tudo o que exalta no homem o sentimento de potência, a vontade de


potência, própria potência.” (O Anticristo).

VIRTUDE

Etm.: lat. virtus, qualidades que constituem o valor do homem moral e físico,

mérito essencial, virtude.

A. Sentido primeiro: força, poder, eficácia. Propriedade de uma coisa (ex.: a virtude
dormitiva do ópio, a virtude de um medicamento).

B. Ética, moral: disposição habitual para perfazer o bem, para realizar um ato moral.

PLATÃO

“A virtude [grego arete] é [...] a razão, em tudo ou parte.” ( Menon)

ARISTÓTELES

“ A virtude é [...] uma disposição adquirida voluntária, consistindo, com relação a nós, na
medida, definida pela razão conformemente à conduta de um homem refletido[...]. Se,
segundo sua essência [...], a virtude consiste num meio termo justo, com relação ao bem e
à perfeição, ela coloca-se no ponto mais elevado.” (Ética)

 
106  

“A virtude é esta disposição que nos torna capazes de colocar os melhores atos e nos
dispõe o melhor possível com relação ao que há de melhor, sendo o melhor e o mais
perfeito ‘o que é conforme à reta razão’, isto é, o meio-termo entre o excesso e a falta
com relação a nós.” (Ética a eudemo)

SÃO TOMÁS

(A-B) “A virtude implica a perfeição de uma potência[...]. [Ela] é um hábito bom e produtor
de bem.” (Suma teológica)

DESCARTES

“A virtude consiste apenas na resolução e vigor com os quais se é levado a fazer as


coisas que se crê serem boas, desde que este vigor não provenha da obstinação.” (Carta
a Cristina da Suécia)

SPINOZA

“Por virtude e potência entendo a mesma coisa: isto é, a virtude enquanto se relaciona
com o homem, é a essência mesma ou a natureza do homem enquanto ele tem o poder
de fazer certas coisas que se podem conhecer unicamente pelas leis de sua natureza.
(Ética)

“A virtude é a potência mesma do homem que se define unicamente pela essência do


homem, isto é, que se define unicamente pelo esforço do homem em perseverar no seu
ser.” (Ética)

 
107  

KANT

“A virtude é a força das máximas do homem na realização de seu dever.” (Metafísica dos
costumes)

“A virtude é [...] a força moral da vontade de um homem na realização do seu dever.”


(Metafísica dos costumes)

MAL

Etim.: lat. malum, mal, sofrimento

O que se opõe ao bem e às normas e valores morais, na medida em que resulta da


pessoa responsável e culpável.

SÃO TOMÁS (Contra os Gentios)

“Já que todo ser, enquanto tal, é bom, o mal, na medida em que existe, é do não-ser.”

DESCARTES (Carta a Elisabeth, 6 de outubro de 1645)

“Segundo a filosofia, o mal nada é de real, mas somente uma privação.”

SPINOZA (Ética)

“Por mal entendo todo gênero de Tristeza e principalmente o que frusta a espera.”

 
108  

LEIBNIZ (Ensaio de Teodicéia)

“Pode-se tomar o mal metafísica, física e moralmente. O mal metafísico consiste na


simples imperfeição; o mal físico, no sofrimento, e mal moral, no pecado.”

SARTRE (Saint Genet, Comediante e Mártir)

“O mal é o Outro [...]. resultante do medo que o homem comum tem diante de sua
liberdade, [ele] é uma projeção e uma catarse [...] o Outro diferente do Ser, o Outro
diferente do bem, o Outro diferente de si.”

MALDADE

Etim.: lat. malitas, maldade.

KANT

“A Maldade [...] ou, se preferir, a corrupção [...] do coração humano, é a tendência do livre
arbítrio a máximas que fazem passar o motivo da lei moral depois de outros (que são
morais).” (A Religião nos Limites as Simples Razão, 1ª parte, §2, p.50, Vrin.)

MALDOSO

HEGEL

 
109  

“Maldosa é a disposição do espírito que consiste em prejudicar outrem ciente e


voluntariamente [...]. o que é maldoso implica ser realizado com decisão resoluta do
querer.” (Propedêutica filosófica)

ÓDIO

Etim.: lat. odium, ódio.

SPINOZA

“O ódio nada mais é do que uma Tristeza que acompanha a Idéia de uma causa exterior
[...] aquele que odeia se esforça por afastar e destruir a coisa da qual ele tem ódio.”
(Ética)

SARTRE

“ O ódio é um sentimento negro, isto é, um sentimento que visa à supressão de um outro


e que, enquanto projeto, se projeta conscientemente contra a desaprovação dos outros.”
(O ser e o nada)

FELICIDADE

Etim.: lat. felicitas, felicidade

Na filosofia antiga, o objetivo da vida humana é a felicidade, fim perfeito e Soberano Bem.
O pensamento do sec. XIX bem como a reflexão moderna oferecem-nos, muito
freqüentemente, uma visão muito mais pessimista das coisas.

 
110  

Estado de satisfação, caracterizado por sua plenitude e estabilidade. Distinto do


prazer, muito efêmero, e da alegria, mais dinâmica que a felicidade.

ARISTÓTELES

“Se é verdade que a felicidade é a atividade conforme à virtude, é evidente que a mais
perfeita é aquela conforme à virtude, isto é, a mais elevada da parte do homem[...]. É a
atividade desta parte de nós mesmos(divina), atividade conforme a sua virtude própria,
que constitui a felicidade perfeita.” (Ética a Nicômaco)

KANT

“O poder, a riqueza, a consideração, mesmo a saúde tanto quanto o bem-estar completo


e o contentamento por seu estado, o que se chama a felicidade.” (Fundamentação da
metafísica dos costumes)

“[...] a felicidade, isto é, o contentamento pelo estado em que nos encontramos


acompanhado da certeza de que ele é durável.” (Metafísica dos costumes )

HEGEL

“A felicidade não é apenas um prazer singular mas um estado durável, por um lado, do
prazer afetivo e, por outro, também das circunstâncias e meios que permitem, à vontade,
provocar prazer.” (Propedêutica filosófica)

 
111  

SCHOPENHAUER

“ Toda felicidade é negativa, sem nada de positivo: nenhuma satisfação, nenhum


contentamento, por conseguinte, pode ser durável; no fundo, são apenas a cessação de
uma dor ou privação e, para substituir estas últimas, o que virá será infalivelmente uma
nova dor ou então uma languidez, uma espera sem objeto, o tédio.” (O Mundo como
Vontade e como Representação)

AMIZADE

Etim.:lat. amicitia, amizade, aliança

Inclinação ou sentimento recíproco entre duas pessoas, que não se funda numa atração
sexual.

KANT

“A amizade (considerada em sua perfeição) é a união de duas pessoas ligadas por um


amor e um respeito iguais e recíprocos.” (Metafísica dos costumes).

AMOR

 
112  

Etim.: lat. amor, amor, afeição, vivo desejo

Filosofia, psicologia: inclinação (passional) na direção de uma pessoa ou mesmo de um


objeto considerados “bons”.

Moral: tendência oposta ao egoísmo, desinteressada, que versa geralmente sobre um


valor Ex.: amor pela justiça.

PLATÃO

“Toda aspiração em geral na direção das coisas boas e na direção da felicidade, eis o
Amor muito poderoso.” (O Banquete).

DESCARTES

“O amor é uma emoção da alma causada pelo movimento dos espíritos que a incita a
unir-se voluntariamente aos objetos que lhe parecem convenientes. (As paixões da Alma).

SPINOZA

“O Amor [...] não é outra coisa senão uma Alegria acompanhada pela idéia de uma causa
exterior, [...] quem ama se esforça necessariamente por ter presente e conservar a coisa
que ama.” (Ética).

 
113  

LIBERDADE

Liberdade, uma palavra com múltiplos sentidos que “exerceu todas as profissões”
(Valéry). No plano filosófico puro, existem duas orientações principais que dizem respeito
à liberdade como uma faculdade ligada à inteligência e à razão (o Estoicismo, p.ex.) e a
que a considera como um poder perpétuo de dizer “sim” ou “não” (Sartre p.ex.).

a) estado do indivíduo cujas determinações são racionais e em quem a razão e a


moralidade têm primazia (Estoicismo, etc.).

b) conhecimento das leis da natureza: necessidade compreendida (Engels, p.ex.).

c) poder espiritual de dizer “sim” ou “não”, que se descobre na angústia: consciência e


liberdade são uma única e mesma coisa (Sartre).

A. Moral: obediência da vontade a uma lei moral que ela própria se prescreve; liberdade =
autonomia (Kant).

B. Política:

a) estado de um grupo humano que se governa com toda soberania (liberdade política).

b) Poder de agir sob a proteção das leis, direito de fazer o que as leis permitem
(liberdade civil).

SPINOZA

“Os homens enganam-se ao acreditarem-se livres; e esta opinião consiste no fato de que
têm consciência de suas ações e são ignorantes das causas pelas quais eles são

 
114  

determinados; o que constitui, pois, sua idéia da liberdade é que não conhecem
nenhuma causa de suas ações.” (Ética).

MONTESQUIEU

(D-b) “Num Estado, isto é, numa sociedade em que há leis, a liberdade só pode consistir
em poder fazer o que se deve querer e em não ser de maneira alguma coagido a fazer o
que não se deve querer.

É preciso pôr-se no espírito o que é a independência e o que é a liberdade. A liberdade é


o direito de fazer tudo o que as leis permitem: e, se um cidadão pudesse fazer tudo o que
elas proíbem, não haveria mais liberdade, porque os outros teriam igualmente este
poder”. (Do espírito das leis).

HUME

“Por liberdade [...] só podemos entender um poder de agir ou de não agir, segundo as
determinações da vontade: isto é, se escolhemos permanecer em repouso, podemos; se
escolhermos movimentar-nos, também podemos.” (Investigação sobre o Entendimento
Humano).

ROUSSEAU

“A liberdade consiste menos em fazer sua vontade do que em não submeter-se à de


outrem; consiste ainda em não submeter a vontade de outrem à nossa. Quem quer que
seja senhor não pode ser livre, e reinar é obedecer.” (Cartas Escritas da Montanha).

 
115  

“Não há, pois, liberdade sem Leis, nem onde alguém esteja acima das Leis: no estado
mesmo de natureza, o homem só é livre pelo favor da Lei natural que comanda a todos.
Um povo livre obedece, mas não serve: há chefes e não senhores: ele obedece às Leis,
mas obedece apenas as Leis e é pela força da leis que não obedece aos homens.”
(Cartas escritas da montanha).

HEGEL

“A liberdade política de um povo consiste em que este povo forma um Estado próprio,
sendo decidido o que vale como querer nacional universal ou pelo povo inteiro ou pelos
homens que fazem parte deste povo e, já que qualquer outro cidadão possui os mesmos
direitos que eles, este povo pode reconhecer como seus.” (Propedêutica filosófica).

ENGELS

(B-b) “A liberdade não está numa independência sonhada com relação às leis da
natureza mas no conhecimento dessas leis e na possibilidade dada, por isso mesmo, de
pô-las em obra metodicamente para fins determinados[...]. a liberdade da vontade não
significa, pois, outra coisa senão a faculdade de decidir com conhecimento de causa.”
(Anti-Dühring).

SARTRE

“Ser, para o para-si, é nadificar o em si que ele é. Nestas condições, a liberdade não
poderia ser outra coisa senão esta nadificação.” (O Ser e o nada).

 
116  

“A liberdade coincide, em seu fundo, com o nada que está no coração do homem. (O
Ser e o nada).

“A liberdade nada mais é do que a existência de nossa vontade ou de nossas paixões,


enquanto esta existência é nadificação da facticidade.” (O Ser e o nada).

LIVRE-ARBÍTRIO

Etim.: lat. liberum arbitrium, poder de escolher.

KANT

“Na medida em que a [faculdade de fazer ou não fazer segundo sua vontade] está ligada
à consciência da faculdade de agir para produzir o objeto, ela chama-se arbítrio[...]. o
arbítrio que pode ser determinado pela razão pura chama-se o livre-arbítrio.” (Metafísica
dos costumes).

NIETZSCHE

“O que se chama o livre-arbítrio é esse estado muito complexo do homem que ‘quer’, isto
é, que ordena e, executando suas próprias ordens, goza ao triunfar sobre todas as
resistências e julga que é sua vontade que triunfa sobre essas resistências.” (A Vontade
de potência).

PAIXÃO

Etim.: lat. passio, ação de suportar, de sofrer, de pati, padecer, suportar, sofrer.

 
117  

Se a tradição filosófica clássica (cf. Descartes) considera a paixão um fenômeno


sofrido e passivo, Hegel, no primeiro terço do séc. XIX, define a paixão como energia do
querer e movimento interno que leva à ação: como um instrumento pelo qual o Espírito
estende sua racionalidade no mundo e nas coisas.

A. Sentido moderno: inclinação incontrolável; inclinação dominante que conduz a uma


ruptura do equilíbrio psicológico.

B. Em Hegel, particularmente: tendência poderosa que permite unificar todas as energias


espirituais e conduzir bem uma obra, um projeto, uma realização histórica.

DESCARTES

“Pode-se, em geral, denominar paixões todos os pensamentos[...] excitados na alma, sem


o socorro da vontade, e, por conseguinte, sem nenhuma ação que venha dela, unicamente
pelas impressões que estão no cérebro, pois tudo que não é ação é paixão.” (Carta a
Elisabeth)

SPINOZA

“ Entendo por Afeições as afeições do Corpo, pelas quais a potência de agir deste Corpo
aumenta ou diminui, é secundada ou reduzida, e, ao mesmo tempo, as idéias destas
afeições.

Quando podemos ser a causa adequada de alguma destas afeições, entendo, pois, por
afeição uma ação; nos outros casos, uma paixão.” (Ética)

KANT

 
118  

“A inclinação que a razão do sujeito não pode dominar ou só pode com pena é a
paixão.” (Antropologia do ponto de vista pragmático)

“A Paixão[...] (enquanto disposição do espírito que compete à faculdade de desejar)


dá-se o tempo e, por mais poderosa que seja, reflete para atingir seu objetivo. A emoção
age como uma água que rompe o dique; a paixão como uma correnteza que cava sempre
mais profundamente do seu leito[...]. A paixão [é] como um veneno engolido ou um
enfermidade contraída; precisa de um médico que cuide da alma do interior ou do
exterior, que saiba todavia, prescrever com freqüência [...] medicamentos paliativos.”
(Antropologia do ponto de vista pragmático)

HEGEL

“Dizemos, pois, que nada se faz sem sustentar-se pelo interesse dos que colaboraram
nele. Chamamos esse interesse paixão, quando, reprimindo todo os outros interesses ou
objetivos, a individualidade inteira projeta-se num objetivo com todas as fibras interiores
de seu querer e concentra nesses objetivo suas forças e todas suas necessidades. (A
Razão na história).

TRABALHO

Etim.: lat. tripalium, de tripaliare, torturar com o tripálio, aparelho formado de três pés, que
serve para sujeitar e imobilizar certos animais (cavalos, principalmente) para ferrá-los.

Termo marcado pela tradição religiosa – que privilegiou freqüentemente na sua definição
a idéia de coerção penosa – mas que passa, no contexto filosófico moderno, a partir do
séc. XIX (Hegel, Marx, etc.) a designar a atividade transformadora da natureza destinada

 
119  

a satisfazer as necessidades. Compreende-se então o trabalho numa perspectiva


humanista e histórica.

A. Sentido ordinário: conjunto das atividades humanas coordenada em vista de produzir o


que é útil.

B. Sentido ordinário, com uma nuança herdada das tradições bíblica, cristã, etc.:
atividade penosa e constrangedora, que exige um esforço doloroso.

C. Filosofia: atividade consciente e voluntária, pela qual o homem exterioriza no mundo


fins destinados a modificá-lo, de maneira a produzir valores ou bens social ou
individualmente úteis e satisfazer assim suas necessidades.

HEGEL

(C) “O trabalho[...] é desejo refreado, desaparecimento retardado: o trabalho forma. A


relação negativa com o objeto torna-se forma deste objeto mesmo, torna-se algo
permanente já que o objeto tem uma independência justamente com relação ao trabalho.”
(Fenomenologia do espírito).

“A mediação que prepara e obtém para a necessidade particularizada um meio


igualmente particularizado é o trabalho. Pelos mais variados procedimentos, ele
especifica a matéria liberada imediatamente pela natureza para diferentes objetivos.”
(Princípios da filosofia do Direito).

MARX

“O trabalho é primeiramente um ato que se passa entre o homem e a natureza. Nele, o


próprio homem desempenha, com relação à natureza, o papel de uma potência natural.

 
120  

As forças de que seu corpo é dotado [...], eles as põe em movimento a fim de
assimilar matérias dando-lhes uma forma útil para sua vida.” (O capital).

“O resultado em que desemboca o trabalho preexiste idealmente na imaginação do


trabalhador. Não é que ele opera somente uma mudança de forma nas matérias naturais;
ele realiza nelas ao mesmo tempo seu próprio objetivo, do qual ele tem consciência, que
determina como leis seu modo de ação e ao qual deve subordinar sua vontade.” (O
capital).

MENTIRA

Etim.: lat. mentiri, imaginar, inventar, de mens, inteligência.

KANT

“A maior transgressão do dever do homem face a ele próprio considerado como ser
moral (face à humanidade na sua pessoa) é o contrário da veracidade: a mentira.”
(Metafísica dos costumes).

VERGONHA

Etim.: lat. verecundia, pudor, humilhação, vergonha.

No séc. XIX, esta noção ambígua, ao mesmo tempo negativa e positiva, é analisada de
uma perspectiva histórica por Marx e Engels, que exaltam as virtudes edificadoras da

 
121  

violência. Na época contemporânea, Sartre refletiu igualmente sobre a violência no


quadro da história.

Etim.: lat. violentia, violência, força violenta.

Recurso à força, para submeter alguém (contra sua vontade); exercício da força, praticado
contra o direito.

SPINOZA

“A Vergonha é uma Tristeza que acompanha a idéia de uma ação que imaginamos ser
censurada por outros.” (Ética).

SARTRE

“A vergonha é sentimento de queda original, não pelo fato de que eu teria cometido tal ou
tal falta, mas simplesmente pelo fato de que ‘caí’ no mundo, em meio às coisas, e que
necessito da mediação de outrem para ser o que sou.” (O ser e o nada).

VIOLÊNCIA

Etim.: lat. violentia, violência, força violenta.

ENGELS

 
122  

“[A violência é] a parteira de toda velha sociedade de que carrega uma nova em seus
flancos.” (Anti-Dühring).

SARTRE

“A violência não é um meio entre outros para atingir o fim, mas a escolha deliberada de
atingir o fim por qualquer meio. É por isso que a máxima da violência é ‘o fim justifica os
meios’.” (Cadernos para uma moral).

“A violência[...] não pode definir-se sem relação com as leis que ela viola (leis humanas ou
naturais). Representa a suspensão dessas leis, a ‘vacância da legalidade’. Ao contrário, a
opressão pode ser institucional.” (Cadernos para uma moral).

Etim.: lat. verecundia, pudor, humilhação, vergonha.

A. Sentimento doloroso e penoso se sua humilhação ou de uma inferioridade perante


outrem.

B. Sentimento de que “caí” no mundo, coisa entre as coisas (Sartre).

Vício

Etim.: lat. vitium, defeito, imperfeição, vício.

A. Sentido geral: defeito em algo (ex.: um vício de constituição, de forma).

B. Direito: defeito que torna nulo um procedimento judiciário.

C. Lógica: o que, pela negação das regras ou formas lógicas, torna um pensamento
defeituoso.

 
123  

D. Moral: disposição habitual, permanente, enraizada, para realizar o mal (por


oposição à virtude).

DESEJO

Etim.: lat. desiderium, desejo, necessidade.

ARISTÓTELES

“ O desejo é [...] apetite, coragem e vontade [...]. o desejo é o apetite do agradável.”


(Tratado da alma).

DESCARTES

“A paixão do desejo é uma agitação da alma causada pelos espíritos que a dispõem a
querer no futuro as coisas que ela representa como sendo adequadas. Assim, não se
deseja somente a presença do bem ausente, mas também a conservação do presente.
(As paixões da alma).

SPINOZA

“ O Desejo é o Apetite com consciência de si mesmo.” (Ética).

“ O Desejo é a essência mesma do homem enquanto concebida como determinada a


fazer algo por uma afecção qualquer dada nela.” (Ética).

 
124  

HEGEL

“No desejo, a consciência de si comporta-se com relação a si mesma como uma


realidade singular. Ela remete a um objeto que é desprovido de si, que, em si mesmo, é
outra coisa que a consciência de si. Com relação ao objeto, esta consciência só chega a
atingir-se na sua igualdade consigo mesma pela supressão deste objeto.” (Propedêutica
Filosófica).

SARTRE

“Se o desejo deve poder ser para ti mesmo desejo, é preciso que seja a própria
transcendência, isto é, que seja por natureza fuga de si na direção do objeto desejado [...].
o desejo é falta de ser; e perseguido no seu ser mais íntimo pelo ser do qual é desejo.” (O
Ser e o nada).

PRAZER

Etim.: lat. placeres, aprazer.

ARISTÓTELES

“O prazer perfaz o ato, como o faria uma disposição imanente ao sujeito, mas como uma
espécie de fim advindo por acréscimo, tal como aos homens na força da idade vem
acrescentar-se a flor da juventude[...]. o prazer [reside] no ato.” (Ética a Nicômaco).

 
125  

EPICURO

“Quando, pois, dizemos que o prazer é nosso objetivo último, não entendemos com isso
os prazeres dos libertinos nem os que se vinculam ao desfrute material[...]. o prazer que
temos em vista se caracteriza pela ausência d sofrimentos corporais e perturbações da
alma.” (Carta a Meneceu).

HOBBES

“O prazer ou volúpia é[...] o aperfeiçoamento, a sensação, do que é bom.” (Leviatã).

LEIBNIZ

“Acredito que, no fundo, o prazer é um sentimento de perfeição e a dor de um sentimento


de imperfeição, desde que ele seja notável o bastante para fazer com que possamos
percebê-lo.” (Novos ensaios sobre o entendimento humano).

NIETZSCHE

“O prazer: sensação de um crescimento de potência.” (A Vontade de Potência).

“O prazer, impressão agradável da sensação de potência, que supõe sempre uma coisa
que resiste e é preciso superar.” (A Vontade de potência).

FREUD

 
126  

“O prazer está em relação com a diminuição, a atenuação ou extinção das massas de


excitação acumuladas no aparelho psíquico.” (Introdução à psicanálise).

TEMPERANÇA

Etim.: lat. temperantia, moderação, medida, retenção.

PLATÃO

“A temperança é[...] uma espécie de ordem e império sobre os prazeres e as paixões[...].


quando a parte que é naturalmente a melhor mantém a pior sob seu império, marca-se
com a expressão ‘ser senhor se si’.” (República).

Exercício Para Casa

Escolha pelo menos cinco termos, destes conceituados pelos filósofos acima, e pergunte
para cinco pessoas diferentes seus significados.

 
127  

Moral e Ética na História da Filosofia

Vamos comentar algumas importantes filosofias morais que apareceram na história da


filosofia, classificando-as da seguinte forma:

- Filosofia Moral Socrática: Sócrates, Platão, Aristóteles,

- Filosofia Moral Cristã: Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino

- Filosofia Moral Iluminista: Kant e Hegel

- Filosofia Moral de Marx

- Filosofia Moral de Nietzsche

Filosofia Moral Socrática

No ocidente o responsável pelo início da filosofia moral, ou ética, foi Sócrates. Platão e
Aristóteles encarregaram-se, através de diversas obras, de registrar este título ao
pensador. O pensamento socrático serviu de modelo à maioria das escolas gregas de
filosofia moral. A idéia de virtude é produto da razão controladora das paixões e dos
desejos, através da reflexão e da sabedoria. A virtude socrática é a característica comum
predominante na filosofia moral grega.

Sócrates e a Felicidade da Vida Virtuosa

 
128  

No primeiro bimestre estudamos o afastamento da cosmologia pré-socrática, com a


mudança do enfoque das reflexões sobre a natureza para assuntos da teoria do
conhecimento, da ética e da política. Com Sócrates delimitamos na filosofia o início do
período antropológico (ánthropos: o humano oposto ao divino), quando assuntos a
respeito da formação do sábio virtuoso e do cidadão ocupam um lugar especial na
discussão filosófica. Ao contrário dos Sofistas, que explicam a origem dos princípios
morais nas convenções humanas, Sócrates atribui toda a moral natureza humana.

A moral de Sócrates, o inventor da maiêutica, é chamada eudemonismo (eudaimonia é


felicidade), pois partia do princípio de que a felicidade é o resultado de uma vida virtuosa,
de que a felicidade é a própria perfeição ética. E era provocando seus interrogados que
este filósofo aparava, com habilidade parturiente, o conhecimento sobre a virtude e o
bem. Portanto, a virtude socrática é a própria sabedoria.

Segundo Michele Frederico Sciacca, no seu livro História da Filosofia :

“Para Sócrates, o bem consiste no proveito de todos. O homem, agindo pelo interesse
comum, ganha também a própria felicidade, que reside precisamente na consciência do
agir de acordo com a justiça, no domínio de si mesmo e dos próprios impulsos. O sábio é
pois justo, forte e temperante. Só assim a vontade particular do homem pode coincidir
com a lei moral e o bem de cada um com o de todos. Para Sócrates, é virtuoso quem é
sábio: pratica o bem quem o conhece: virtude é saber (intelectualismo ético). De outro
lado, quem conhece o bem não pode não fazê-lo, pois só quem é virtuoso é feliz; e todos
os homens aspiram à felicidade; portanto, é impossível que quem conhece o bem faça o
mal, fazendo assim também o seu próprio mal. Ninguém, portanto, é malvado
voluntariamente; aqueles que praticam o mal o fazem por ignorância: a culpa e o vício são
erros de juízo.”

 
129  

Sócrates, como já conhecemos, indagava os atenienses com sua ironia configurada na


maiêutica. A indagação moral que Sócrates realizava, era dirigida à sociedade
relacionada aos costumes, e ao indivíduo relacionado ao caráter. Ele colhia o depoimento
social acerca dos valores morais e éticos, e confrontava-os com depoimentos pessoais
baseados na conduta individual, medindo as deliberações particulares de cada cidadão,
que eram condizentes ou não com os valores da cidade.

Platão e a Caverna

O filósofo Platão nasceu em Atenas ( 428-7 a.C.) e lá morre ( 348-7 a.C.). Seu nome é
derivado de seu vigor físico e da largueza de seus ombros (platos significa largueza).
Com vinte anos de idade entra em contato com Sócrates, tornando-se seu discípulo
durante nove anos, até quando seu mestre é condenado e bebe o cálice de cicuta. Em
387 a.C., num ginásio que levava o nome do herói Academos, Platão funda a Academia,
que podemos considerar como a primeira universidade do ocidente, somente fechada
definitivamente após setecentos anos pelo imperador Justiniano. Na porta da
“universidade platônica” existia uma inscrição advertindo que ali não devesse entrar
“quem não soubesse geometria”, pois Platão considerava a matemática o modelo seguro
para enfrentar o relativismo e a diversidade de opiniões. Além de cartas Platão escreveu
cerca de trinta Diálogos. Suas obras contavam sempre com Sócrates como protagonista.
Também estudamos que o sistema filosófico de Platão baseia-se na distinção de duas
formas de conhecimento: o sensível e o intelectual. O primeiro, como crença e opinião, só
alcança a aparência das coisas; o segundo, como raciocínio e intuição, alcança a

 
130  

essência das coisas, as idéias. Portanto, o Ser verdadeiro somente é alcançado pelo
conhecimento intelectual.

No livro VII da República Platão expõe o mito da caverna, obra bastante reproduzida até
hoje, onde compara a condição ignorante dos homens à de escravos presos numa
caverna. Esta, numa parede ao fundo, apresenta somente as sombras das coisas e dos
seres iluminados pelo sol lá fora, visão que os escravos consideram a verdadeira. Assim,
a filosofia consistia no esforço de libertação das aparências, de saída da caverna para
encarar as coisas verdadeiras. Para Platão, o autor de tal esforço é o sábio virtuoso de
Sócrates. O sol, visto fora da caverna, é a idéia do Bem.

Aristóteles e o Saber Prático

Nasceu em 384 a.C. em Estagira, cidade pertencente aos domínios da Macedônia. Com
dezoito anos Aristóteles chegou em Atenas para estudar. Lá encontra duas instituições de
ensino: a de Isócrates, seguidor do pensamento dos sofistas, que ensinava política como
emissão de opiniões prováveis sobre coisas úteis; e a Academia platônica. O filósofo
escolhe a Academia e permanece até a morte de Platão. Convidado pelo imperador
Filipe da Macedônia para educar seu filho Alexandre, Aristóteles sai de Atenas e só
retorna quando Alexandre, no lugar do pai que fora assassinado, começa a construção de
seu grande império na conquista do Oriente, o que provoca um afastamento entre os dois.
Aristóteles discorda da fusão da civilização grega com a oriental por considerar a
primeira uma comunidade perfeita e bastante peculiar, impossível de ser transmitida a
outros povos: os bárbaros. Retornando para Atenas funda uma escola, o Liceu, que iria
rivalizar com a Academia. O Liceu, ao contrário das investigações matemáticas da
Academia de Platão, transformou-se num grande centro de estudos voltados
especialmente às ciências naturais.

 
131  

Aristóteles, que havia herdado o pensamento de Platão, também considera a


felicidade a verdadeira busca humana. Porém este pensador criticou a idéia platônica do
bem, que considera viável pela teoria. Aristóteles, ao contrário, formula que o bem é
alcançado somente a partir da prática. Na obra aristotélica destacam-se os estudos da
relação entre a vida teórica e a prática. Ele foi o primeiro a realizar a separação entre
saber prático e saber teorético. Conhecer pela teoria, de acordo com o filósofo, é
conhecer fatos e seres independentes de nós. Eles existem por natureza, e para serem
compreendidos não exigem nenhuma interferência humana.

Se através da técnica realizamos a fabricação de algum objeto, como a cadeira em que


estamos sentados, através da práxis realizamos alguma ação, como por exemplo emitir
algum julgamento acerca desta cadeira. Ao fabricar a cadeira o carpinteiro, durante todo
o tempo, diferenciou-se da ação fabricadora e do resultado da fabricação.. Porém, ao
emitirmos um julgamento, misturamo-nos com aquilo que dizemos e fazemos. Portanto a
ética é práxis. E práxis é toda a prática na qual o agente, a ação e o resultado
apresentam-se inseparáveis.

Aristóteles classificou as virtudes. Mais adiante, veremos que os valores morais decorrem
dos costumes e promovem a política.

Hedonismo e Estoicismo.

Vimos no bimestre passado, que a expansão do Império Romano em toda a região da


bacia do Mediterrâneo, levou a cultura grega à uma ampla divulgação, o que é conhecido
como o período helênico. No início deste este período, a filosofia desenvolveu-se em
pequenas escolas, como: o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo e neoplatonismo.

 
132  

As escolas filosóficas compartilhavam do conceito de filosofia como vida


contemplativa, e da afirmação da questão moral frente as teorias. Destas, destacamos
duas tendências completamente contrárias: o hedonismo e o estoicismo.

O Hedonismo (Etm.: grego hedoné, prazer), além de significar a busca incessante


discriminada pelo prazer, indica a doutrina sustentada por uma das escolas socráticas, a
Cirenaica, cujo fundador foi Aristipo de Cirene (séc. VI a.C ). Para os cirenaiscos os
critérios da verdade e do bem, encontravam-se respectivamente na sensação e no
prazer. O homem hedonista, é aquele que ilustra e resume a felicidade numa teoria
moral, que faz do prazer o bem soberano. A maior felicidade acontece no presente. Sua
plenitude está no ato do pensamento e da vida. Único e certeiro, este ato é mais
importante que o futuro cheio de incertezas.

Mais tarde, no período Alexandrino, Epicuro de Samos retoma as teses do hedonismo.


Epicuro, como vimos anteriormente na “escola epicurista”. elaborou uma ética sustentada
na sensação como critério da verdade e do prazer. Também Epicuro vê o bem no prazer.
Porém, compreende o prazer corporal como fonte de sofrimento e angústia. Pôr isso, este
filósofo afirma a valorização dos prazeres intelectuais e espirituais, como a amizade.

O estoicismo, também já vimos, é a escola filosófica fundada por Zenão de Cício,


aproximadamente em 300 aC do período helênico. Sabemos que esta, depois do
aristotelismo, foi a doutrina que mais influenciou o pensamento ocidental, e integra
doutrinas contemporâneas. Além do cosmopolitismo, onde se concebe o homem como
cidadão do mundo e não de um país, esta escola promoveu a condição ideal de sábio
apático, distante totalmente das emoções. Assim, no estoicismo o prazer é desprezado
porque é nascente de diversos males. O homem sábio e virtuoso deve eliminar todas as

 
133  

paixões para enfrentar com insensibilidade a tristeza e a força do acaso. No


estoicismo, o mundo é regido por uma razão divina, operadora de normas infalíveis. A
natureza humana ordenada e racional, diferente dos instintos, só pode ser boa na
harmonia. Embora a vida seja influenciada por circunstâncias materiais, o indivíduo tem
que se tornar independente desses condicionamentos através da prática de algumas
virtudes fundamentais, como a prudência, o valor, a temperança e a justiça.

Leia o texto abaixo e escreva algum comentário a respeito, utilizando no mínimo


20 linhas. Depois, participe de um debate com a turma e expresse suas opiniões.

Aristóteles:

A maioria das pessoas parecem, devido à ambição, preferir ser amada a amar. E é por
isso que os homens, em geral, amam a lisonja. Com efeito, o lisonjeiro é um amigo em
posição inferior, ou finge ser tal ao mesmo tempo que simula amar mais do que é
amado; e ser amado parece ter bastante semelhança com ser honrado, e isso é o que a
maioria das pessoas ambicionam (...).

(...) O ser amado, por outra parte, é deleitável em si mesmo, e por isso afigura-se
preferível ao ser honrado; e a amizade parece digna de ser desejada por si mesma. Mas
dir-se-ia que ela reside antes em amar do que em ser amado, como mostra o deleite que
as mães sentem em amar; pois algumas mães entregam os filhos a outros para serem
educados, e, enquanto conhecem o destino deles, amam-nos sem procurar ser amadas
em troca (se não lhes são possíveis as coisas), mas parecem contentar-se em vê-los
prosperar; e amam os seus filhos mesmo quando estes, por ignorância, não lhes dão
nada do que se deve a uma mãe.

 
134  

E assim, como a amizade depende mais do amar que do ser amado, e são louvados,
o amar parece ser a virtude característica dos amigos, de modo que só aqueles que
amam na medida justa são amigos duradouros, e só a amizade desses resiste ao
tempo(...).

(...) A amizade com vistas na utilidade parece ser a que mais facilmente se forma entre
contrários, como, por exemplo, entre pobre e rico, entre ignorante e letrado; porque um
homem ambiciona aquilo que lhe falta e dá algo em troca. Mas nesta classe também se
poderia incluir amante e amado, belo e feio. É por isso que os amantes parecem às
vezes ridículos, quando pretendem ser amados em troca; quando ambos são igualmente
dignos de amor a pretensão talvez se justifique, mas é ridícula quando não tem nenhuma
qualidade própria para despertar o amor(...).

(...) A própria amizade dos familiares, embora seja de várias espécies, parece depender
em todos os casos da amizade paterno-filial; porquanto os pais amam os filhos como
partes de si mesmos, e os filhos amam os pais por serem algo que se originou deles. Ora
, os pais conhecem os filhos melhor do que estes se conhecem como seus filhos, e o
procriador sente os filhos como seus mais do que os filhos sentem os pais como seus,
pois o produto pertence a quem o produziu (como, por exemplo, um dente, um fio de
cabelo ou qualquer outra coisa pertence ao seu dono), mas o produtor não pertence ao
seu produto, ou pertence em menor grau. E finalmente, o tempo decorrido contribui para o
mesmo resultado: os pais amam os filhos desde que estes nascem, mas os filhos
começam a amar os pais só depois de algum tempo, quando adquiram entendimento ou
o poder de discriminação pelos sentidos. Por isso tudo se evidencia também a razão de
ser o amor das mães maior que o dos pais (...).

(...) A amizade de irmãos tem as carcter;isticas observadas na amizade entre camaradas


(especialmente quando estes são bons) e, de modo geral, entre pessoas semelhantes
umas às outras, porquanto eles vivem em comum e se amam desde que nasceram, e já

 
135  

que os filhos dos mesmos pais, tendo crescido juntos e recebido a mesma educação,
têm maior semelhança de caráter; e no seu caso, a prova do tempo foi aplicada de
maneira mais completa e concludente.

Entre outros graus de parentesco as relações amigáveis são encontradas nas proporções
correspondentes. Entre marido e mulher a amizade parece existir por natureza, pois a
espécie humana se inclina naturalmente a formar casais mais do que a formar cidades, já
que a família é anterior à cidade e mais necessária do que esta, e a reprodução é
comum aos homens e aos animais. Entre os outros animais a união vai apenas até esse
ponto, mas os seres humanos vivem juntos não só para reproduzir-se, senão também
para os vários propósitos da vida. E desde o começo são divididas as funções, diferindo
entre si as do homem e as da mulher, e ajudam eles um ao outro fazendo capital comum
de seus dotes individuais. Por tais motivos, tanto a utilidade como o prazer parecem ser
encontrados nessa espécie de amizade. Pode ela, no entanto, basear-se também na
virtude, se as partes são boas; pois cada uma possui a sua virtude própria, e ambas se
deleitam nisso. E os filhos constituem um laço de união (motivo pelo qual os casais sem
filhos separam-se mais facilmente); porquanto os filhos são um bem comum a ambos, e o
que ambos possuem em comum os conserva unidos.

Como devem portar-se um para com o outro marido e mulher, e, de um modo geral,
amigo com amigo, parece ser a mesma questão que a de determinar qual seja a sua
conduta justa, porque um homem não parece ter os mesmos deveres para com um
amigo, um estranho, um camarada e um condiscípulo(...).

(...)

Existem três espécies de amizade, como dissemos no começo de nossa investigação, e


com respeito a cada uma delas alguns são amigos em termos de igualdade e outros em
virtude de uma superioridade (pois não só homens igualmente bons podem tornar-se
amigos, mas um homem melhor pode fazer amizade com outro pior, e também nas

 
136  

amizades que se baseiam no prazer ou na utilidade os amigos podem ser iguais ou


desiguais quantos aos benefícios que conferem). Assim sendo, os iguais devem ser
amigos numa base de igualdade quanto ao amor e a todos os outros respeitos, ao passo
que os desiguais devem beneficiar-se proporcionalmente à sua superioridade ou
inferioridade.

As queixas e censuras surgem unicamente ou principalmente nas amizades que se


baseiam na utilidade, e isso está conforme ao que seria de esperar. Com efeito, os que
são amigos com base na virtude anseiam por fazer bem um ao outro (pois que isso é uma
marca de virtude e de amizade), e entre os homens que emulam entre si nessas coisas
não pode haver queixas nem disputas. Ninguém é ofendido por um homem que o ama e
lahe faz bem e, se é uma pessoa de nobres sentimentos, vinga-se fazendo bem ao outro.
E o homem que supera o outro nos serviços prestados não se queixará do seu amigo,
visto que obtém aquilo que tinha em vista: com efeito, cada um deles deseja o que é bom.
E tampouco nas amizades baseadas no prazer surgem muitas queixas, porque ambos
recebem simultaneamente o que desejam, se se comprazem em passar o tempo juntos; e
mesmo o homem que se queixasse de outro por não lhe proporcionar prazer seria
ridículo, uma vez que depende dele não passar seus dias em companhia do outro.

Mas a amizade que se baseia na utilidade é repleta de queixas; porquanto, como cada
um se utiliza do outro em seu próprio benefício, sempre querem lucrar na transação, e
pensam que saíram prejudicados e censuram seus amigos porque não recebem tudo o
que “necessitam e merecem”; e os que fazem bem a outros não podem ajudá-los tanto
quanto eles querem.

Ora, é de supor que, sendo a justiça de duas espécies, uma não escrita e a outra legal,
haja também uma espécie moral outra legal de amizade baseada na utilidade. E assim,
as queixas surgem principalmente quando os homens não dissolvem a relação dentro do
espírito do mesmo tipo de amizade em que a contraíram.

 
137  

O tipo legal é aquele que assenta sobre termos definidos. Sua variedade puramente
comercial baseia-se no pagamento imediato, enquanto a variedade mais liberal dá uma
certa margem de tempo, mas estipula uma troca definida. Nesta variedade a dívida é
clara e não ambígua, mas a sua protelação contém um elemento de amizade; e por isso
alguns Estados não admitem ações judiciais em torno de tais acordos, mas pensam que
os homens que transacionaram numa base de crédito devem aceitar as consequências.

O tipo moral não assenta em termos fixos. Faz uma dádiva, ou o que quer que seja, como
se fosse a um amigo; mas espera receber outro tanto ou mais, como se não tivesse dado
e sim emprestado; e, se a situação de um deles é pior após dissolver-se a relação do que
antes de havê-la contraído, esse homem se queixará. Isso acontece porque todos os
homens ou a maioria deles desejam o que é nobre mas escolhem o que é vantajoso; ora,
é nobre fazer bem a um outro sem avisar a qualquer compensação, mas receber
benefícios é que é vantajoso.

Portanto, cabe-nos retribuir, se possível, com o equivalente do que recebemos (porque


não devemos fazer de um homem nosso amigo contra a sua vontade; é preciso
reconhecer que nos enganamos no começo, aceitando um benefício de uma pessoa de
quem não devíamos aceitá-lo, já que não era nosso amigo, nem de alguém que o fez
simplesmente por fazer; e cumpre-nos saldar as contas exatamente como se tivéssemos
sido beneficiados com base em termos fixos). Em verdade, teríamos concordado em
retribuir se pudéssemos (do contrário, o próprio benfeitor não contaria com isso); e, por
conseguinte, devemos retribuir, se isso nos é possível. Mas de início devemos considerar
o homem por quem estamos sendo beneficiados e em que termos ele procede, a fim de
aceitar o benefício nesses termos, ou então recusá-lo.

É indiscutível se devemos medir um serviço pela sua utilidade para o beneficiado e


retribuí-lo nessa base, ou pela benevolência do benfeitor. Com efeito, os que recebem
dizem ter recebido de seus benfeitores o que custou pouco a estes e que eles poderiam

 
138  

ter obtido de outros subestimando dessa forma o serviço; ao passo que os


benfeitores, pelo contrário, afirmam ter feito o máximo que podiam e o que não poderia
Ter sido obtido de outros, e que o serviço foi prestado em ocasião de perigo ou
necessidade.

Ora, se a amizade é do tipo que visa à utilidade, certamente a vantagem para o


beneficiado é a medida, porquanto é ele quem solicita o serviço e o outro o ajuda na
suposição de que receberá o equivalente. Destarte, a ajuda foi exatamente igual à
vantagem do beneficiado, o qual, por conseguinte, deve retribuir com o equivalente do
que recebeu, ou mais (pois isso seria mais nobre).

Nas amizades que se baseiam na virtude, por outro lado, não surgem queixas, mas o
propósito do benfeitor é uma espécie de medida; pois no propósito reside o elemento
essencial da virtude e do caráter.

Aristóteles. Ética a Nicômaco. In: Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p.
147-154

Filosofia Moral Cristã: A Ideia do Dever e da Intenção

Chegamos ao fim do Império Romano. O cristianismo, fortalecido, assume a educação


dos novos povos do Norte europeu encarregando-se de todo o poder político e religioso
que perdurará durante a Idade Média. Época em que a filosofia retorna ao mito, reunindo
as verdades da razão às verdades da fé.

Na antigüidade as religiões, de forma geral, pertenciam a algum Estado e tinham um forte


vínculo com a política. O cristianismo, ao contrário, não pertencia à nenhum território
nacional. A participação da fé em um único Deus e o relacionamento individual desta fé,

 
139  

dissociada de qualquer vínculo político-social, fez com que os cristãos introduzissem


questões novas à ética.

Marilena Chauí nos indica duas concepções primárias, que foram decisivas na construção
da ética ocidental:

1 – “...a idéia de que a virtude se define por nossa relação com Deus e não com a cidade
(a polis) nem com os outros. Nossa relação com os outros depende da qualidade de
nossa relação com Deus, único mediador entre cada indivíduo e os demais. Pôr esse
motivo, as duas virtudes cristãs primeiras e condições de todas as outras são a fé (...) e a
caridade (...).” ( CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São Paulo: Ática, 1995. p.
343)

2 – “... a afirmação de que somos dotados de vontade livre – ou livre arbítrio – e que o
primeiro impulso de nossa liberdade dirige-se para o mal e para o pecado, isto é, para a
transgressão das leis divinas. Somos seres fracos, pecadores, divididos entre o bem
(obediência a Deus) e o mal (submissão à tentação demoníaca). Em outras palavras,
enquanto para os filósofos antigos a vontade era uma faculdade racional capaz de
dominar e controlar a desmesura passional de nossos apetites e desejos, havendo,
portanto, uma força interior (a vontade consciente) que nos tornava morais, para o
cristianismo, a própria vontade está pervertida pelo pecado e precisamos do auxílio
divino para nos tornar-mos morais.” (CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 5ª Ed. São
Paulo: Ática, 1995. p. 343 )

O cristianismo, ao introduzir estas duas novas concepções éticas, associa duas novas
idéias morais que irão permanecer na moral ocidental até hoje: a idéia do dever e a idéia
da intenção.

O dever é o que faz um sentimento ser moral. Deus, com suas vontades e leis, promete a
salvação em troca do dever do cumprimento moral, ou o castigo diante da desobediência.

 
140  

A intenção é uma espécie de ação invisível que presta contas ao olhar divino e não
humano. A filosofia moral grega, diferentemente, considerava apenas as ações visíveis
passíveis de julgamento.

Os dois principais filósofos cristãos foram Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.

Aurelius Augustinus (354-430)

Santo Agostinho nasceu no norte da África, na cidade de Tagarte. Quando criança era
cristão, mas depois interessou-se por outras religiões, como a dos maniqueus, que
formavam uma seita, e dividiam o mundo entre o bem e o mal, trevas e luz, espírito e
matéria. Foi influenciado pelos estóicos e os neoplatônicos, e também aderiu ao
ceticismo. Conheceu a palavra do apóstolo Paulo convertendo-se à fé cristã. Fundou uma
comunidade monástica, disposto a fundamentar racionalmente a fé, como foi comum na
Idade Média. Vira vigário aos trinta e seis anos, e mais tarde bispo de Hipona. Algumas
obras: Contra Academicos; As Confissões; De Trinitate; e a Cidade de Deus.

Conforme já vimos, Agostinho "cristanizou" Platão, fazendo vários paralelos entre a parte
espiritualista Platônica e as sagradas escrituras. Fez a distinção entre o corpo (sujeito à
sorte do mundo) e a alma com a qual se pode conhecer Deus. Tentou provar que sem a fé
a razão não é capaz de chegar à felicidade. A razão para Agostinho serve como auxiliar
da fé, esclarecendo e tornando inteligível aquilo que intuímos.

São Tomás de Aquino (1227-1274)

Nasceu em um castelo próximo à cidade de Aquino, na Itália. Com 25 anos escreveu um


opúsculo O Ente e a Essência. Virou professor e foi para Paris, onde escreve
comentários sobre a Bíblia. Nessa cidade passa a vida e escreve as duas Sumas que

 
141  

compõe a sua obra: A Suma contra os gentios e a Suma teológica. Trata de Deus e
suas obras, da fé no mistério a santíssima trindade, da encarnação, dos sacramentos e
da vida eterna. Afirma que o homem possui uma capacidade, passada por Deus, de
distinguir naturalmente o certo e o errado. Este filósofo faz uma exposição completa da
religião católica, identificando o que há de verdade nela. Acerca das mulheres, como
Aristóteles, que dizia ser o homem ativo, criativo e doador de energia vital na concepção,
enquanto a mulher é receptora e passiva, Aquino encontra justificativas com a afirmação
da Bíblia que a mulher deriva de uma costela do homem.

São Tomás “cristianizou” Aristóteles, à semelhança do que fez Agostinho com Platão.
Apesar de Aristóteles não ter conhecido a revelação cristã, como diz Tomás, e de sua
obra ser original, autonôma e independente de dogmas, ele está em harmonia com o
saber contido na Bíblia. As observações sobre Aristóteles vão permanecer em todas as
suas obras. Tomás de Aquino afirma que podemos conhecer Deus pelos seus efeitos, ele
é o último em uma escala evolutiva, a causa de todas as coisas. Aquino fundamentou na
lógica aristotélica os conceitos de Agostinho de pecado original e do perdão por meio da
graça divina.

Filosofia Moral Iluminista

Iluminismo ou Filosofia das Luzes, é o nome que se dá ao movimento filosófico do séc.


XVIII que se caracterizou pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à tradição
e à autoridade e pelo incentivo à liberdade de pensamento. A heteronomia (heteros, o
outro entre dois, e nomos, regra), que prevalecia de acordo com a ordem religiosa, é
criticada profundamente e substituída pela autonomia (autós, este aqui, eu mesmo), em
que o homem dirige-se por leis ou régras próprias.

Os ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), o holandês


Benedito Spinoza (1632-1677), o francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), e o

 
142  

alemão Emmanuel Kant (1724-1804), são alguns dos principais filósofos que
pensaram a ética no Iluminismo. Porém, cabe ressaltar, a importância do filósofo italiano
Nicolau Maquiavel (1469-1527), que ainda na Idade Média causou uma verdadeira
revolução na ética, repelindo as filosofias morais grega e cristã. Definindo a ética cristã
como “efeminada”, ele busca um modelo moral baseado nos antigos romanos. Maquiavel
influenciou muitos pensadores modernos, principalmente Hobbes e Spinoza.
Conheceremos melhor este filósofo no próximo capítulo quando tratarmos de política.

Thomas Hobbes, no Leviatã, afirmou a maldade humana e justificou a necessidade de um


Estado forte e repressor. Spinoza defendeu a razão humana como critério da conduta
correta, atribuindo às necessidades humanas o poder de apontar o bem e o mal, o bom e
o mau. Rousseau em o Contrato social, atribuiu o mal à sociedade afirmando que esta
corrompem os seres humanos que são bons por natureza. Uma das maiores
contribuições iluministas à ética partiu de Emmanuel

Emannuel Kant

Sem nunca ter saído de sua cidade natal, este filósofo alemão desenvolveu um
pensamento extremamente variado, que ultrapassou continentes e séculos. Muitas
reflexões dos séculos XIX e XX brotaram da filosofia kantiana. A variedade de seu
pensamento pode ser resumida em torno de duas grandes questões: o conhecimento e a
moral.

Quando estudamos anteriormente “Kant e a Conciliação Ontológica”, vimos a primeira


destas questões. O que ele propôs foi uma síntese entre empirismo e racionalismo.
Afirmou que todo o conhecimento começa com a experiência, porém não totalmente. O
conhecimento conta também com a contribuição da nossa faculdade de conhecer. Quanto

 
143  

à possibilidade do conhecimento, vimos que Kant é agnóstico (do grego a, não e


gnosis, conhecimento). Demolindo o sistema ontológico pensada desde os clássicos,
Kant negou a possibilidade de conhecer a essência das coisas. Para ele, a pretensão do
conhecimento metafísico, de querer conhecer as coisas-em-si, esbarrou em contradições
e falsidades. O conhecimento só pode ocorrer nos limites do conhecimento do fenômeno.
Ao afirmar, no final da Crítica da razão pura, a constituição de uma proporção teórica,
expõe a existência de uma outra proporção: a prática.

Foi tratando da dimensão prática que Kant elaborou sua teoria moral contrariando a
concepção cristã e questionando a filosofia moral grega baseada na felicidade. O
importante na moral kantiana é a liberdade pautada pela razão universal, necessária e
autônoma. Desta forma, expôs em duas grandes obras – Crítica da razão prática e
Fundamentação da metafísica dos costumes – o agir de acordo com a razão. Porém, o
agir de Kant só é moral quando regido por imperativo categórico.

Os Imperativos de Kant

A palavra “imperativo” origina-se do latim imperare e significa ordenar, comandar. Na


Lógica o filósofo definiu imperativo como “qualquer proposição que exprime uma ação
livre possível, pela qual se deve realizar um fim determinado.” Além do categórico, o
filósofo define o hipotético. Mas somente o categórico refere-se à vontade humana
verdadeiramente moral.

É um imperativo condicionado.

A força do comando está subordinado aos conselhos

da prudência ou às normas da aptidão.

 
144  

Kant, em Fundamentação da metafísica dos costumes, afirmou que eles


“...representam a necessidade prática de uma ação possível, considerada como meio de
chegar a alguma outra coisa que se quer...”

Exemplos: “Estude, se queres passar” “Tome o remédio, se queres sarar”

É um imperativo condicionado.

Comanda ou ordena sem condição.

Único imperativo moral existente.

Novamente, na Fundamentação da metafísica dos costumes, ele define: “O imperativo


categórico seria aquele que representaria uma ação como necessária para si mesma e
sem relação com um outro fim, como necessária objetivamente. [...] Há [...] apenas um só
imperativo categórico, e é este: Age unicamente segundo a máxima que faz com que
possas querer ao mesmo tempo que ele se torne uma lei universal.”

Devemos agir de alguma forma que a causa nos levou a agir possa ser transformada em
lei universal. Por conter a forma da razão pura, o imperativo categórico entrega ao homem
a lei moral, tendo como singular princípio a autonomia da vontade.

A filosofia moral de Kant acentuou o caráter da liberdade como autonomia. Expôs as


principais categorias filosóficas do iluminismo, aprofundando o papel da consciência
moral , seguidora de liberdade e dever. Com isso, revelou que nosso interior é
responsável único por nossos deveres, e não sujeito às imposições estranhas à nossa
vontade. Este entendimento foi importantíssimo para afastar a moral vinculada a fé, cuja
vida após a morte era a grande referência da ação moral. O pensamento de Kant é
bastante questionado a partir do século XIX, quando vários filósofos destacam a
importância de resgatar o homem concreto, perdido em sua razão pura. Destacamos três

 
145  

filósofos – estudados bimestre passado em “Origens da ontologia contemporânea” –


que se empenharam de formas diferentes nesta tarefa : Marx, Hussel e Nietzsche. Porém,
antes destes, Hegel já havia apresentado a sua filosofia e questionado a consciência
moral subjetiva de Kant.

Após a leitura do texto abaixo, faça uma redação abordando “A liberdade e seus limites”.

Monografias do CAB

Argumentações contra a Eutanásia

Câmara estudantes de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro


de Ciências Sociais Aplicadas - Departamento de Direito Público

Disciplina: Filosofia do Direito

Preâmbulo.

Poucos problemas abrangem tantos aspectos quanto o da eutanásia, tema cujo debate
parece condenado ao emocionalismo, seja qual for a posição dos interlocutores; e disto
decorre o fato de tal questão suscitar, a fim de que se proceda uma lúcida análise do
tema, uma rigorosa adequação jurídica, moral e médica concomitantemente.

 
146  

A palavra eutanásia tem origem grega e significa morte serena, morte suave, sem
sofrimento ou dor hodiernamente, entretanto, o termo é usado para referir-se à morte
concedida àqueles que encontram-se acometidos por doenças incuráveis e/ou sofrem de
angústia e dores insuportáveis; é uma prática, destarte, utilizada em benefício(?) dos
enfermos e tem por finalidade ab-rogar a agonia demasiado longa e dolorosa daqueles
que, por ventura, desejam por termo às suas vidas.

A eutanásia, dentro dos parâmetros acima traçados, pode ser tipificada em passiva ou
ativa. No primeiro caso, consiste em permitir que alguém morra, isto é, em não prestar o
adequado tratamento médico necessário ao prolongamento da vida do moribundo; já no
segundo, resume-se a matar alguém de forma rápida e indolor.

Ambas as formas de eutanásia supracitadas podem, por conseguinte, ser classificadas


em voluntária (feita a pedido da pessoa que pretende ser morta), involuntária (ocorre
quando a pessoa morta tem condições de consentir com a própria morte, mas não o faz,
tanto porque não lhe perguntam se quer ou porque o fazem e ela opta por continuar
vivendo) e não-voluntária (ocorre quando o ser humano não é capaz de compreender a
opção entre morrer ou continuar a viver). Há também o problema do suicídio assistido e
da distanásia, temas estes freqüentemente discutidos e contendidos por todo o mundo
jurídico, médico, filosófico e religioso e que, devido a sua complexidade e amplitude, não
vislumbram um fim consensual próximo.

Os argumentos em geral invocados para se justificar a eutanásia podem ser assim


resumidos: dores insuportáveis; doenças incuráveis; vontade do enfermo, que pede
(muitas vezes suplica) a morte e, ônus econômicos decorrentes de moléstias
irremediáveis.

(...)

Uma Crítica à Eutanásia Voluntária.

 
147  

Os propugnadores da eutanásia voluntária afirmam que a mesma apenas tem


ocorrência quando, para o que há de melhor no conhecimento médico, uma pessoa está
a sofrer de uma doença incurável e dolorosa, não se podendo dizer, em tais
circunstâncias, que o fato de alguém optar por uma morte rápida configure uma escolha
irracional. Asseveram que a legalização da eutanásia, permitindo aos pacientes a
possibilidade de deliberarem se a sua situação é ou não suportável estaria muito mais
em concordância com o respeito pela liberdade individual e pela autonomia. Deveras,
consoante explicita o filósofo australiano Peter Singer, a força do argumento em favor da
eutanásia voluntária está na combinação do respeito pelas preferências ou autonomia
dos que se decidem por ela e da base inequivocamente racional da decisão em si, não
havendo, portanto, segundo os páraclitos (a justificativa das palavras pós-proparoxítonas)
do ato eutanásico, um só motivo para se recusar a eutanásia aos que devem viver e
morrer em condições muito menos confortáveis.

Entretementes, constata o indivíduo de raciocínio perspicaz e penetrante, mediante os


conhecimentos científicos e filosóficos que lhe servem de arcabouço para julgamento, o
caráter falacioso das assertivas supra mencionadas. Apartando-nos de toda
compreensão eudemonista da liberdade e do dever moral e abordando a problemática
em análise à luz da Psicologia e da filosofia moral de Immanuel Kant, pretendemos
demonstrar a irracionalidade subjacente ao arbítrio das pessoas que optam pela morte
eutanásica.

A personalidade, à proporção que se desenvolve, enfrenta uma série de problemas e


situações novas às quais se deve adaptar ou com as quais se deve conviver. Nestes
problemas, têm sua gênese estados psicológicos denominados conflitos, frustrações e
ansiedades, os quais estão presentes na existência de qualquer ser humano. É
precisamente ao esforço empreendido pela personalidade, visando à superação de tais
dificuldades psíquicas ou à convivência com as mesmas, que se designa ajustamento.

 
148  

Entende-se por frustração o estado emocional subsequente à interrupção de um


comportamento motivado, de modo que necessidade e desejos não são satisfeitos,
independendo a saúde mental de arrostarmos ou não frustrações, senão da maneira
como nos portamos ante elas.

As frustrações mais dolorosas atingem incisivamente o auto-conceito, provocando


sentimentos de inadequação e inferioridade, o que é significativamente agravado quando
as pessoas, não possuindo uma real compreensão de sua personalidade, não sabem
avaliar suas potencialidades. Estas pessoas, experienciando o incômodo e a angústia
advindos de expectativas frustrâneas, podem reagir a estas de forma ajustada ou
desajustada. Reagindo desajustadamente, tendem a adotar uma postura agressiva ou
apática.

A agressão decorrente da frustração manifesta-se deslocada ou diretamente. É


deslocada quando dirigida a alguém ou a um objeto não relacionado com a circunstância
geratriz do problema. Contudo, delineando-se algo mais grave, ao se ter em mente os
objetivos de nossa abordagem, a agressão, sendo direta, direcionar-se-á à
impossibilidade causadora da frustração. Assim, um indivíduo tetraplégico ou que seja o
portador de uma doença congênita poderá encaminhar toda sua agressividade a si
próprio, haja vista estar necessariamente ligada a si a causa da inexequibilidade de uma
existência, consoante seus padrões e ideais, plena.

A tendência normal, diante da frustração, como melhor exporemos a posteriori, consiste


em resistir à mesma, e isto de modo psicologicamente saudável. Contudo, quando as
esperanças de solução desaparecem, a apatia pode instalar-se. Esta reação foi,
repetidas vezes, observada entre os prisioneiros de guerra, entre os capturados como
reféns e os retidos em campos de concentração. Homens cheios de energia e
inteligência, ativos e criativos, nestas contingências, tornaram-se tão apáticos que se
recusavam a fazer qualquer coisa, mesmo alimentar-se. Neste sentido, uma pessoa que

 
149  

sofre de uma doença degenerativa, diante da inviabilidade de cura, pode tornar-se


apática a ponto de irrelevar suas potencialidades intelectuais, as quais permanecem
ilesas, e, tendo em mente unicamente os sofrimentos físicos que lhe serão causados por
sua doença, preferir uma morte rápida e "digna", uma vez que a vida para si perdeu o
significado e alojou-se a desesperança e ao enfado.

Os conflitos e as frustrações, assim como estados emocionais de medo, vergonha e


ridículo se constituem em fontes de ansiedade, um temor vago, sem fundamento lógico,
irracional ou desproporcional ao objeto ocasionador. Consoante Sullivan, a ansiedade é o
medo da insegurança, da solidão, do isolamento e da falta de afeto e , segundo os
existencialistas, a ansiedade nasce da constatação da inevitabilidade da morte e da
certificação de tantas possibilidades não realizadas. A sofreguidão, assim definida,
constitui um dos fatores propulsores da decisão de se conferir cabo à vida.

Não obstante, em contraposição às considerações acima consignadas, a pessoa


frustrada, mas psicologicamente ajustada, oferece combate a seus problemas vinculados
a conflitos, frustrações e ansiedades, mediante mecanismos de defesa, na denominação
do pai da Psicanálise, Sigmund Freud, são recursos ardilosos pelos quais o "eu" se
defende das emoções violentas que ameaçam seu equilíbrio. A principal função dos
mecanismos de defesa á ajudar-nos a manter a ansiedade e a tensão em níveis que não
sejam tão dolorosos para nós, evitando o desgaste advindo pelo grande aumento de
tensão intrapsíquicos causado pela situação de frustração e conflito. Portanto, são eles
benéficos, haja vista favorecerem o auto-respeito e evitarem o "stress" psíquico.

Dentre os vários mecanismos de defesa identificados por Sigmund Freud, consideramos


especialmente importante, para os fins a que nos propomos, o mecanismo da
compensação, o qual se estriba em um extraordinário esforço realizado pelo indivíduo, a
fim de obter sucesso em uma determinada área. Este esforço visa a compensar uma
fraqueza ou malogro em outra área da existência.

 
150  

(...)

Alfred Adler conferiu considerável relevância a esse mecanismo, no desenvolvimento da


personalidade: todo o comportamento humano, todo o esforço humano, seria uma
permanente luta para superar nossos fracassos e para nos superarmos a nós mesmos.

Analogamente, Carl Rogers sugere que em cada um de nós há um impulso imanente em


direção a sermos competentes e capazes quanto ao que estamos aptos a ser
biologicamente.

Logo, o homem tem que usar todas as suas faculdades para enfrentar, superar ou
conviver com seus problemas. Deste modo, tendo-se novamente em vista o caso de
alguém que não possa se locomover em função de ser tetraplégico, corroboramos a
afirmação de que uma pessoa, em tal situação, terá uma vida relativamente limitada, haja
vista não lhe ser exeqüível a satisfação de todos os seus mais caros desejos, como
patinar no gelo, dirigir um automóvel, ou exercer algum trabalho prolífico que lhe exija a
utilização de suas mãos. Entretanto, asseveramos que de modo algum sua vida torna-se
vá, pois permanece a possibilidade de instrumentalização de todo o seu potencial
intelectual e emotivo no sentido de galgar a felicidade. E, considerando que alguém que
tenha consciência de si a ponto de poder optar pela manutenção de sua vida ou pelo fim
da mesma, poderá , qualquer que seja sua limitação física, ser enquadrado no âmbito
destas reflexões, este indivíduo, sendo psicologicamente ajustado, esforçar-se-á para
superar ou conviver com suas licitações, procurando desenvolver suas potencialidade
remanescentes. Do contrário, esta pessoa será desajustada e não poderá racionalmente
deliberar sobre questão tão significativa, como é aquela concernente à conservação da
vida ou à morte.

Portanto, tendo-se em mente estas perspícuas considerações, reveste-se de


irrefragabilidade, calcando a falaz vaniloqüência dos incautos defensores da eutanásia,
as ilustradas e sensatas palavras do mestre Nelson Hungria, ao argüir: "O indivíduo que

 
151  

autoriza a morte não está, não pode estar na integridade de seu entendimento. O
apego à vida é um sentimento tão forte todas as dores e todos os calvários à mais suave
das mortes".

Tal asserção adquire mais força perante a impugnação dos desarrazoados princípios
utilitaristas que orientam os "caritativos advogados do exício digno" pela concepção de
dignidade do indivíduo que fundamenta a filosofia moral do homem de Könnigs Ler.

Consoante Immanuel Kant, a dignidade do homem consiste em não obedecer senão às


leis que ele próprio estabeleceu como ser racional. O homem, deste modo, deve ser
considerado ou tratado como coisa, como instrumento ou meio, sim como fim em si
mesmo. Se o agente racional é verdadeiramente um fim em si mesmo, ele deve ser o
autor das leis que observa, e é isso que constitui seu supremo valor. Ora, obedecer às
suas próprias leis é ser livre, Portanto, o homem, enquanto ser racional, é livre. "Das Tun
ist das Homdeln des Menschen und betrefft seine Persoenlich Keit und Freihet" ("Os atos
são a atividade do homem respeitante à sua personalidade e liberdade").

A compreensão do princípio da liberdade na ética Kantiana se alicerça na contraposição


entre fenômeno e coisa em si. Nas palavras do ilícito professor de Viena, Jodl, "O homem,
como 'phenomenon", recebe, como 'noumenon', da a lei", ou seja, como ser empírico o
homem se submete às leis psicológicas, como ser racional, inteligente, isto é, como
"coisa em si", ele se ergue acima de toda condicionalidade empírica, movido por força
que lhe confere a consciência do dever, que existe na intimidade dele mesmo e que
sempre intervém no domínio das suas ações, qual supremo agente da razão, elevando-o
a uma ordem moral superior. Essa força se chama imperativo categórico.

O comando moral é categórico, pois as ações a ele conformes são objetivamente


necessárias, independentemente de sua finalidade material ou substantiva particular.
Nisso reside sua diferença com respeito aos imperativos hipotéticos, os quais definem a

 
152  

necessidade de uma certa ação para a consecução de um objetivo desejado pelo


indivíduo.

Com maestria, ensina-nos Wilhelm Wundt que "o imperativo categórico manifesta-se em
nós diretamente, como 'voz da consciência', na qual se exprime um dever incondicionado,
por trás do qual 'se calam todos os impulsos sensitivos'. Portanto, não é o 'bem-estar',
que permanece sempre em bem exterior, senão o chamamento ao dever, o que constitui
o mais alto bem". Se os valores são associados às inclinações subjetivas, sustenta Kant,
ainda que sob a forma genérica de "felicidade", eles não são definidos pela razão, e, se
os homens deixam-se orientar por eles, não são livres.

Depreende-se, assim, que a liberdade em Kant se constitui em a liberdade de agir


segundo leis, conforme o imperativo da razão : "Atua apenas segundo aquelas máximas,
mediante as quais possas ao mesmo tempo querer que elas se convertam em uma lei
geral". Ou, como expressa o exímio jurista e filósofo neokantiano espanhol Felipe
González Vicén, "a teoria da liberdade significa a ordenação da vontade pela atividade
do eu inteligível sobre todos os afetos e impulsos que atuam 'naturalmente' sobre o querer
humano".

Em conclusão, com estas asseverações pretendemos, como Immanuel Kant, desjungir a


Moral da reflexão sobre o útil e o nocivo e, concomitantemente, demonstrar ser incabível
vincular o discurso moral concernente à eutanásia voluntária a qualquer modalidade de
utilitarismo. Reafirmamos a desarrozoabilidade substancial a guiar aqueles que
"decidem" optar pela morte eutanásica e consideramos urgir a altiloqüente defesa da vida
como um fim em si contra a infame valorização da existência humana a partir de outros
critérios quaisquer.

 
153  

Hegel e a Vontade Objetiva

Assim como Kant, Hegel foi idealista. Seu idealismo, no entanto, refletiu uma profunda
crítica às soluções kantianas, assim como às teses racionalistas e empiristas. Observou
que todos deixaram de compreender uma questão elementar da razão: a história.

Em sua crítica à razão pura de Kant, apontou que este errou por exagero de subjetividade
na prioridade que deu ao sujeito, da mesma forma que os empiristas e racionalistas
erraram priorizando o objeto. Hegel compreende a razão dialética como uma síntese
necessária do objetivo com o subjetivo. Ele entende a razão histórica movida por
contradição. No pensamento hegeliano, a razão não ocupa um lugar na história, é história.

Porque o pensamento kantiano desconsiderou a relação homem-história, priorizando


apenas a vontade individual, não enxergou a vontade objetiva. Esta vontade, impessoal, é
revelada no movimento contraditório e crescente da história, e não manifestada como
autonomia da vontade individual. Por isso, para Hegel, o imperativo categórico não é
universal por estar engessado no tempo. Ele será universal somente aceitando conteúdos
determinados pela história, variando conforme cada período da sociedade e da cultura.

Portanto, para este grande filósofo dialético, o agir ético e livre estabelece-se na relação
entre a vontade objetiva histórica e a vontade subjetiva individual, de onde surgem as
instituições (família, sociedade civil, Estado) com suas regras morais orientadoras da
conduta. Segundo Hegel, toda vez que esta relação vê-se abalada, através das
contestações aos valores morais da sociedade, presenciamos o anúncio do nascimento
de um novo período histórico.

Karl Marx

 
154  

Como vimos anteriormente, Marx colocou a dialética hegeliana de “pernas para o ar”
e causou uma significativa virada na interpretação da história.

Este filósofo, um dos maiores do mundo moderno, construiu o conceito do materialismo


histórico, de onde afirmou que as transformações das sociedades são produzidas pelas
lutas de classes. Estudou profundamente economia e explicou o desenvolvimento da
história e da cultura através dos mecanismos materiais de produção e distribuição de
mercadorias, tentando simultaneamente basear nesse conhecimento uma prática política
que levasse à construção de uma sociedade sem classes.

Segundo ele, a moral numa sociedade onde vivem exploradores e explorados, é a moral
da classe dominante. Os valores, como liberdade, racionalidade e felicidade, são
hipócritas porque são irrealizáveis numa sociedade fundada na divisão do trabalho. Desta
forma, falar em moral universal (tarefa ideológica), ou racionalismo humanista, é
completamente falso; é camuflar os interesses antagônicos das classes para manter a
dominação de uma sobre a outra. Somente poderá existir uma moral verdadeira, quando
vivermos numa sociedade sem Estado e sem propriedade privada.

Friedrich Nietzsche

Segundo Nietzche, a partir do que vimos no bimestre passado, as classes superiores


inventaram as palavras e com elas impuseram uma interpretação. O pensamento
lógico-racional expulsou a visão mística e instintiva da arte trágica pré-socrática e definiu
as fronteiras entre o verdadeiro e o aparente. Assim começou, a partir de Sócrates, a

 
155  

degeneração da filosofia baseada na ilusão ontológica de um pensamento puramente


racional. Para Nietzche, a aparência é a única existência. Ao homem, destinado à
multiplicidade, cabe a interpretação instintiva. Para ele, a verdade necessária e universal
não existe, mas apenas inúmeras idéias do real em constante transformação.

No sentido moral, Nietzche parte da destruição das idéias socráticas, e se coloca


radicalmente contra o cristianismo. A chamada conduta moral só é necessária ao fraco,
uma vez que visa permitir que este impeça a auto-realização do mais forte. Ele
expressou uma concepção ética totalmente contrária à racionalista. Entre as principais
éticas racionalistas inclui as filosofias: socrática, kantiana, judaico-cristã, socialistas e
democráticas. Isto porque Nietzsche parte do princípio de que os seres humanos não são
iguais. Assim, ele repudia os três principais critérios de igualdade na filosofia:

1 – racionalidade (Sócrates e Kant).

2 – fraternidade (religião judaico-cristã)

3 – direitos sociais (ética democrática e socialista)

Para Nietzsche, a moral racionalista tem por objetivo a repressão e não a liberdade.
Transgredir as regras estabelecidas é expressar a verdadeira liberdade, que só os
homens fortes são capazes de fazer. A moral racionalista é inventada pelos fracos e
ensina o temor à vida, ao corpo, ao desejo e às paixões. Ele propôs uma ética baseada
na vontade de potência, onde ergue-se moral dos senhores oposta à moral dos escravos
(ética racionalista). Pôr fim, valoriza a perspectiva da vontade de poder, que permite ao
homem ultrapassar-se a si mesmo, em direcção ao sobre-humano.

Vejamos alguns destes conceitos no esquema abaixo:

 
156  

- Super-Homem

(Übermensch, no Alemão, “além-do-homem”, “sobre-humano”)

Apesar da ilustração acima, lembramos que o Super-homem nietzschiano não é o que


conhecemos das histórias em quadrinhos ou dos filmes. Nietzsche utiliza-o para exprimir
um tipo superior de humanidade, obra da vontade de potência criadora. Esse
super-homem não é um ser, cuja vontade “deseje dominar”. A vontade de potência do
Super-Homem situa-se além do bem e do mal e o faz liberto das amarras de uma
sociedade decadente.

 
157  

- moral dos senhores:

A moral dos senhores, ou moral aristocrática, é positiva porque obtém o resultado da


alegria afirmada na plenitude da vida, baseada na capacidade de invenção e criação.
Aqui se define o homem-fera, animal de rapina. Afirma-se, sobretudo, a potência de onde
origina-se o “sobre-humano”, o Super-Homem.

- moral dos escravos:

A moral negativa e decadente do homem fraco, cujos valores são: humildade, piedade,
amor ao próximo e bondade. Aqui a consciência do pecado, que inibe a ação, volta-se
contra si mesmo. Um homem que desconfia de seus instintos, que vive envenenado pela
inveja e pelo ódio à própria impotência. O homem-fera vira um animal doméstico. Este é
o homem, que começa com sócrates e atinge seu extremo no cristianismo.

 
158  

Nietzche sempre foi visto como uma espécie de homem solitário e incompreendido.
Apesar de se opor aos movimentos nacionalistas e racistas da época, após sua morte,
por iniciativa de sua irmã Elisabeth, foi utilizado para fundamentar o nazismo. Sua
filosofia, no entanto, teve o grande mérito de criticar a moral hipócrita, que agia com
preconceito e repressão. Desta forma, influenciou obras recentes de pensadores como
Foucault, Deleuze e Guattari, e algumas das principais correntes de pensamento do
século XX, como o existencialismo, a filosofia analítica e a psicanálise.

EXERCÍCIOS PARA CASA

 
159  

PALAVRAS

HORIZONTAIS

1- Palavra em latim que significa a oposição ao bem, às normas e aos valores morais.

7 - Para Platão é uma espécie de império sobre os prazeres e as paixões.

10 - Aristóteles chamou de apetite do agradável.

13 - Epicuro reconheceu como um dos prazeres intelectuais e espirituais

15- Rousseau escreveu sobre a adolescência como o segundo nascimento da criança,


onde sente-se os fortes impulsos e os interesse em tudo o que o cerca, sobretudo no
modo como o vêem na sociedade. Para este filósofo, os sentimentos púberes têm uma

 
160  

origem especificamente sexual que pode causar uma preocupação obsessiva acerca
do ...

16- Palavra que expressa a tristeza acompanhada da idéia de uma causa exterior,
identificada por um filósofo do séc. XVII.

17- Escola filosófica fundada aproximadamente em 300 aC do período helênico e que


depois do aristotelismo, foi a escola que mais influenciou o pensamento ocidental. Além
do cosmopolitismo, onde se concebe o homem como cidadão do mundo e não de um
país, esta escola promoveu a condição ideal de sábio apático, distante totalmente das
emoções. De acordo com seus ditames, o indivíduo tem que se tornar independente dos
condicionamentos materiais da vida através da prática de algumas virtudes: a prudência,
o valor, a temperança e a justiça.

18- Imersão parcial ou total do corpo em água salgada, especialmente para fins lúdicos.

19- Simplório, boquiaberto, abobado. Palavra bastante utilizada no linguajar dos


descendentes de açorianos, habitantes do litoral catarinense.

20- Nome de um herói grego, em quem Platão se inspirou para denominar sua Academia.

21- Estrela que torna a imersão do corpo em água salgada mais prazerosa.

 
161  

VERTICAIS

1- Palavra em latim, que na filosofia pode identificar a doutrina que estabelece um


conjunto de regras válidas, variando conforme a época e conforme o grupo social.

2- Escola fundada por Aristóteles após a morte de Platão. Ao contrário das investigações
matemáticas da Academia de Platão, esta escola transformou-se num grande centro de
estudos voltados especialmente às ciências naturais.

3- Obra onde Platão compara a condição ignorante dos homens à de escravos.

4- Na Antigüidade, Platão coloca-o no topo do mundo inteligível. Em sentido geral é o que


é vantajoso ou útil a um fim dado. Na ética é o que corresponde ao ideal moral.

5- Filósofo moderno que conceituou o materialismo histórico, de onde afirmou que as


transformações das sociedades são produzidas pelas lutas de classes.

6- Filósofo que procurou sintetizar o racionalismo e o empirismo. Sua teoria contrariou a


concepção cristã e questionou a filosofia moral grega baseada na felicidade. Para ele as
bases morais encontram-se na liberdade orientada pela razão universal, necessária e
autônoma.

8- Segundo Epicuro, é o que se caracteriza pela ausência dos sofrimentos corporais e


perturbações da alma.

 
162  

9- Todo o ato que desconsidera qualquer norma.

11- Para Schopenhauer é um sentimento negativo e não durável. Para Kant, ao contrário,
é o contentamento pelo estado em que nos encontramos acompanhado da certeza de
que ele é durável. Para o estudante de filosofia, é o que se sente após saber que tirou
uma boa nota na prova.

12- Palavra grega que significa cidade.

13- Filósofo que Platão utilizou como protagonista em suas obras.

14- Para Rousseau é aquilo que o homem é, representando o primeiro estado de


natureza humana. De acordo com Nietzsche, é o que exalta no homem o sentimento de
potência.

 
163  

Filosofia - Apostila 4

 
164  

Introdução

Nossa “viagem intelectual” está terminando. No início de nosso percurso, entre


outros assuntos, tivemos contato com a origem da filosofia no mundo grego, com as
tensões entre mito e razão, e conhecemos os primeiros filósofos (pré-socráticos),
Sócrates, Platão e Aristóteles. Depois, enfrentamos um “bicho ontológico de sete
cabeças”, quando estudamos a matéria, a idéia, o fenômeno, o pensamento, o espírito, o
real e o ideal. Por isso, seguimos mais experientes nos estudos dos valores éticos e

 
165  

morais, onde discutimos sobre o Bem, o Mal, a Felicidade, o Amor, a Amizade, o


Ódio, a Virtude, a Igualdade, a Liberdade, a Felicidade, as Paixões, a Violência, a
Vergonha, o Vício e o Trabalho. Agora, finalizando nossa trajetória, estudaremos a
política.

Preparem-se para percorrer um caminho extremamente delicado, preenchido de


teorias que trataram de prescrever a ação do indivíduo e da sociedade, diante das formas
reais e ideais de governo. Aprenderemos na política, entre outras coisas, que: liberal não
é aquele pai que deixa os filhos sair na noite para namorar, ou aquele profissional sem
patrão; comunista não é simplesmente o antigo regime na URSS; maquiavelismo não é o
agir maldoso, com segundas intenções; contratualismo não é a atividade de um
escrevente de contratos; anarquia não é bagunça; globalização não é o excesso de
audiência da Rede Globo de TV; e que, acima de tudo, política não se resume em
politicagem.

Antes de abordarmos algumas das grandes teorias políticas, desde a antigüidade


até hoje, faremos uma breve reflexão tendenciosa sobre o amor e o ódio. Esta tendência
é tranqüila e natural para amantes da sabedoria que somos, e deve ser emprestada à
política como sinônimo de crítica e transformação.

" O pior analfabeto , é o analfabeto político .

Ele não fala ,não participa dos acontecimentos políticos .

Ele não sabe que o custo de vida , o preço do feijão , do frango , da carne ,

 
166  

do aluguel , do sapato e do remédio dependem das decisões políticas .

O analfabeto politico é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia
política .

Não sabe o imbecil , que da sua ignorância política nasce a prostituta , o menor
abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos , que é o político vigarista e
pilantra . "

"O analfabeto político" de Bertold Brecht

 
167  

Fonte da imagem: http://w w w .basicthink.in/

Política, Amor e Ódio

Estudando ética e moral, entendemos que o amor é um vivo desejo, uma


inclinação oposta ao egoísmo, direcionada a pessoas e objetos considerados bons.
Lembremos que Platão, em O Banquete, conceituou o poderoso amor como uma
“aspiração em geral na direção das coisas boas e na direção da felicidade...” Na Ética,
de Spinoza, encontramos o amor descrito como a “Alegria acompanhada pela idéia de

 
168  

uma causa exterior, [...] quem ama se esforça necessariamente por ter presente e
conservar a coisa que ama.” Sobre o ódio, o mesmo filósofo define: “Tristeza que
acompanha a Idéia de uma causa exterior [...] aquele que odeia se esforça por afastar e
destruir a coisa da qual ele tem ódio.” E a política? Devemos amá-la ou odiá-la? Uma
frase muito interessante, cujo autor desconhecemos, nos responde com sabedoria: “a
infelicidade dos que odeiam a política é serem governados pelos que a amam”.

Geralmente quem divulga seu ódio pela política – e não são poucos –
demonstram, além de uma grande insatisfação, uma completa incompreensão acerca
dos fenômenos políticos que atuam em nosso cotidiano. Desconhecem seus próprios
potenciais transformadores, e por omissão colaboram com a manutenção daquilo que
tanto reprovam: injustiça, corrupção, desigualdade, etc.. Este pensamento, equivocado e
tendente ao conformismo, resume a política nos espaços onde transitam senadores,
deputados, vereadores, prefeitos, governadores e presidentes. Por isso, é comum
odiarem a política quando se odeiam as atitudes de parlamentares e chefes do executivo,
dividindo erroneamente a sociedade em políticos e não políticos. O grande poeta Alemão,
Bertold Brecht (xxxx-14/08/1956), escreveu “o analfabeto político” e criticou os não
participantes dos “acontecimentos políticos”, só que não resumiu esta participação no
voto. Apenas, o poeta quis destacar um ódio ignorante, favorecedor das causas do
próprio ódio.

Não devemos odiar a política, afastando-nos – até porque qualquer afastamento é


ilusório –, sob o risco de tornarmo-nos espectadores de acontecimentos quase sempre
cruéis e injustos, onde o destino de toda humanidade é traçado. Devemos, ao contrário,
transformarmos este ódio em força crítica e participativa, nos colocando como atores
políticos, amantes e contribuintes da justiça. Muitos são os motivos para se amar a
política, como sinônimo de amor à vida. Basta analisar e refletir sobre a situação social
de hoje, no mundo e no Brasil.

 
169  

O BICHO

Vi ontem um bicho

Na imundice do pátio

Catando comida entre os detritos.

 
170  

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão ,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho meu Deus, era um homem.

Manuel Bandeira, dezembro de 1947

A poesia do nosso grande poeta, Manuel Bandeira, continua mais real do que
nunca. No mundo, dados da ONU (Organização das Nações Unidas), cerca de um bilhão
e duzentos milhões de pessoas vivem com menos de um dólar por dia. Destes, mais de
oitocentos e oitenta milhões são desprovidos de qualquer serviço de saúde. Quarenta
milhões de seres humanos morrem de fome todos os anos. Uma em cada quatro crianças
no planeta é desnutrida, e duzentos e cinqüenta milhões delas não podem brincar, apenas
trabalham. E os números não param, a cada dia apontam uma absurda e crescente
concentração de renda. Além da desigualdade social, a saúde do planeta está
comprometida e apresenta um quadro bastante pessimista. A vegetação original e a
água potável estão desaparecendo. De acordo com o Greenpeace, uma respeitada

 
171  

organização ecológica não governamental, a cada 2 segundos perde-se no planeta


uma área verde correspondente a um campo de futebol.

No Brasil, o contraste entre riqueza e pobreza é uma reprodução do que ocorre


nos países mais pobres do mundo. Campeão da concentração da renda em poucas
mãos, o Estado brasileiro “distribui” a mais da metade de sua população: doenças,
ausência de moradia, educação insuficiente (somos uma nação de analfabetos),
insegurança e muito desemprego. Segundo estudos da economista Sonia Rocha, do
IPEA, órgão do governo federal, os 50% mais pobres do país detêm cerca de 13% da
renda nacional, parcela equivalente ao que os 1% mais ricos detêm. Em 1997, antes
mesmo do país mergulhar na crise financeira, contavam-se 51,84 milhões de pessoas
vivendo na pobreza absoluta.

Nossa lei maior, a Constituição Federal promulgada em 1988, destaca a


igualdade social como objetivo da República. Vejamos um de seus artigos:

“Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e


regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.”

 
172  

Esses objetivos fundamentais da República não podem se eternizar em formal


promessa, pois constituem obrigações de resultado. Afinal, poder público e sociedade,
conseguem – ou conseguirão – alcançar estes objetivos e torná-los verdades de fato, e
não apenas de direito? A resposta para esta questão está na política. Neste país, em que
vivem milhões de analfabetos e miseráveis, aonde a política é incompreendida e a
democracia ilusoriamente conquistada e mantida, avistamos milhões de motivos para o
amor e a conquista. Devemos amar a política, assim como amamos a esperança em
dias melhores, para todos. E será possível “para todos” ? Se não for possível, não será
novidade. Se for, em que condições se dará?

Política é politicagem?

Fazendo esta pergunta a diversas pessoas, teremos inúmeras respostas, uma


bem diferente da outra. Perguntamos para uma professora da Universidade Nacional de
Brasília, localizada na cidade mais comentada nos assuntos políticos brasileiros, e ela
lucidamente nos respondeu:

Política não é politicagem

 
173  

"Os jovens vêm se distanciando da política porque a confundem com os políticos ou


com aquilo que alguns chamam de "politicagem". Se os eleitores escolhem mal ou
preferem se omitir, então os políticos certamente não terão as qualidades e o
comportamento que idealmente se esperaria deles. Já a ‘politicagem’ é uma forma de
expressão da pequenez do jogo de interesses humanos e pode ocorrer em qualquer
situação, inclusive fora das instituições políticas.

Na realidade, a política é o conjunto de procedimentos e de instituições por meio dos


quais é possível solucionar pacificamente conflitos que envolvem interesses coletivos.
Todos que defendem o benefício coletivo frente aos interesses particulares devem refletir
cuidadosamente sobre o significado da política. E participar, pois só assim poderão
utilizá-la como instrumento na construção de um mundo melhor."

Maria das Graças Rua – professora da UNB

* depoimento cedido gentilmente para esta apostila

EXERCÍCIO PARA SALA

1 - Sugestão de atividade:

Realize uma poesia coletiva, ou música, com a turma da seguinte forma:

- discuta um assunto referente a este primeiro capítulo;

- peça para o primeiro aluno de cada fileira destacar uma folha em branco;

 
174  

- cada um deles deverá escrever uma frase (reflexão qualquer), dobrar a folha
suficientemente para tapar o que escreveu, e passar a folha para o colega de trás, que
fará a mesma coisa sem saber o que foi anteriormente escrito, e assim sucessivamente;

- recolha todas as folhas e leia para a turma a obra coletiva, ou leve para casa e elabore
uma ordem que julgar mais lógica.

EXERCÍCIO PARA CASA

2 - Após cantar – ou somente ler – as músicas abaixo, você poderá elaborar uma nova
música, ou poesia, com os mesmos temas. Depois, faça uma dissertação (pode ser uma
música ou um poema), abordando a relação entre: política, desigualdade, miséria e
violência:

A NOVIDADE ¯

(Gilberto Gil)

A novidade veio dar à praia

Na qualidade rara de sereia

Metade, o busto de uma deusa maia

Metade, um grande rabo de baleia

A novidade era o máximo

Do paradoxo estendido na areia

 
175  

Alguns a desejar seus beijos de deusa

Outros a desejar seu rabo pra ceia

Ó, mundo tão desigual

Tudo é tão desigual

Ó, de um lado este carnaval

Do outro a fome total

E a novidade que seria um sonho

O milagre risonho da sereia

Virava um pesadelo tão medonho

Ali naquela praia, ali na areia

A novidade era a guerra

Entre o feliz poeta e o esfomeado

Estraçalhando uma sereia bonita

Despedaçando o sonho pra cada lado

Ó, mundo tão desigual

Tudo é tão desigual

Ó, de um lado este carnaval

Do outro a fome total

O MEU GURI

 
176  

Chico Buarque

Quando, seu moço, nasceu

Meu rebento

Não era momento

Dele rebentar

Já foi nascendo

Com cara de fome

E eu não tinha nem nome

Pra lhe dar

Como fui levando,

Ele a me levar

E na sua meninice ele

Um dia me disse

Que chegava lá

Olha aí, olha aí

Olha aí, ai o meu guri,

Olha aí olha aí, é o meu guri

E ele chega

Chega no morro

Com o carregamento

Pulseira, cimento, relógio

 
177  

Pneu, gravador

Rezo até ele chegar

Cá no alto

Essa onda de assaltos

Tá um horror

Eu consolo ele, ele me consola

Boto ele no colo

Pra me ninar

De repente acordo

Olho pro lado

E o danado

Já foi trabalhar,

Olha aí olha aí

Ai meu guri, olha aí

Olha aí, é o meu guri

E ele chega

Chega estampado

Com vendas nos olhos, legenda

E as iniciais

Eu não entendo

Essa gente, seu moço

 
178  

Fazendo alvoroço de mais

O guri no mato,

Acho que tá rindo

Acho que tá rindo

De papo pro ar

Desde o começo, eu não disse,

Seu moço

Ele disse que chegava lá

Olha aí, olha aí

Olha aí, aí meu guri

Olha aí olha aí,

É o meu guri

QUINHENTOS ANOS DE HISTÓRIA ¯


TRIBO DE JAH

500 anos de história

Se não me falha a memória

Não há muito que comemorar

Melhor que se investir de glórias ilusórias

E se por em seu devido lugar

Os anos e danos da colonização

 
179  

Índios dizimados, a escravidão

Ainda se fazem lembrar

De que vale Ter riquezas em demasia

No mundo ser a oitava economia

Se poucos podem desfrutar

A educação entre as piores do terceiro mundo

A saúde é um poço profundo

(que humilhação)

Onde se lança a sorte da população

A dignidade não se irá conquistar

Nem com dez copas mundiais

Se a injustiça é a premissa da

Ordem a nos desgovernar

Com a ditadura sem compostura

De quem pode mais

O salário mínimo é um salário mísero

O máximo da hipocrisia

(Tente Sr. Presidente, passar ao menos um

dia com um salário tão indecente)

É uma afronta a cidadania

Uma ofensa aos direitos do cidadão

 
180  

Do trabalhador, da família

Uma verdadeira agressão

A justiça omissa e submissa

Poderosos imunes a punição

(A impunidade é uma crônica enfermidade

que corrói o corpo da sociedade assim

como a corrupção

Sem falar no fisiologismo

Na politicagem e no banditismo

De um capitalismo selvagem

Sem lei e sem restrição)

Perfeição

Renato Russo,

"Vamos celebrar (...) nossa polícia e televisão

 
181  

Vamos celebrar nosso governo e nosso Estado que não é nação

Celebrar a juventude sem escola

As crianças mortas

Celebrar a nossa desunião (...)

Vamos Celebrar nossa tristeza

Vamos celebrar nossa vaidade

Vamos comemorar como idiotas a cada fevereiro e feriado

Todos os mortos nas estradas

Os mortos por falta de Hospitais

Vamos celebrar nossa Justiça

A ganância e a difamação (...)

O voto dos analfabetos

Comemorar a água podre e todos os impostos

Queimadas, mentiras e seqüestros

Nosso castelo de cartas marcadas

Não se ter a quem amar

Vamos celebrar nossa bandeira

Nosso passado de absurdos gloriosos

Vamos cantar juntos o Hino Nacional

 
182  

(A lágrima é verdadeira)

Vamos celebrar nossa saudade e comemorar a nossa solidão

Vamos celebrar a inveja

A intolerância e a imcompreensão

Vamos festejar a violência

E esquecer a nossa gente

Que trabalhou honestamente a vida inteira

E agora não tem mais direito a nada! (...)"

Teorias Políticas Antigas e Medievais Política (Etim.: grego politike,pólis


cidade.)

Filosofia e política nasceram na mesma época. Alguns dos primeiros filósofos,


que conhecemos como pré-socráticos (período cosmológico), foram políticos. Filosofando
há mais de dois mil e seiscentos anos, os pré-socráticos discordaram do óbvio mítico, e
trataram sobre o princípio das coisas e do universo, ou seja, sobre o que os gregos
entendiam como Arkhé(o que está à frente). Cada um deles defendeu este princípio.
Assim, por exemplo, Tales de Mileto falou em água, Anaxímenes em ar , Anaximandro em
água, ar, terra e fogo, Pitágoras em números , e Demócrito em átomo.

 
183  

Começamos analisando a Arckhé cosmológica , porque daí originou-se as


definições dos primeiras regimes políticos, relacionados a quantidade dos que
comandam. Outro vocábulo grego que define os regimes políticos, não a partir da
quantidade dos que comandam mas de quem comanda, é Kratos , que significa poder.

ARCKHÉ

O QUE ESTÁ À FRENTE

COM ANDO

AUTORIDADE

MAGISTRATURA

POR EXTENSÃO

 
184  

GOVERNO

REINO IMPÉRIO

COMANDO POLÍTICO

MONARKHIA ANARKHIA OLIGARKHIA

(MONOS: UM) (A:NÃO) (OLIGOS: POUCOS NUMEROSOS)

KRATOS

PODER

 
185  

AUTOCRACIAS ARISTOCRACIA DEM OCRACIA

(AUTOS: EU M ESM O) (ARISTOS: O M ELHOR) (DEM OS: O POVO)

Invenção da Democracia

Na Grécia arcaica (século VIII a.C.), a pólis (cidade) surgiu resultante de vários
avanços técnicos, como a navegação, e a partir do estabelecimento do poderio
econômico e militar. Este foi o período vivido pelos pré-socráticos. Porém, somente na
época clássica (século V a.C.), Atenas foi a cidade mais importante da Grécia,
expandindo seu império marítimo, militar e comercial, e atingindo o apogeu da vida

 
186  

urbana, intelectual, artística e política. Época em que a democracia foi inventada e


fortalecida, e na qual viviam Sócrates e os sofistas. A filosofia, afastando-se da
cosmologia pré-socrática, mudou o foco de suas reflexões para assuntos da teoria do
conhecimento, da ética e da política. O que está em pauta é a formação do sábio virtuoso
e do cidadão, e por isso é também conhecido como o período antropológico (ánthropos:
o humano oposto ao divino).

DEMOCRACIA

DEMOKRATÍA

palavra grega

DÊMOS KRÁTOS

(O POVO) (O PODER)

O PODER POPULAR

 
187  

O GOVERNO DE TODOS OS CIDADÃOS

A democracia dos gregos na antigüidade clássica era direta. O caráter


representativo, de delegação de poderes, tal como conhecemos hoje em dia, em que o
cidadão utiliza o voto para a escolha de seus representantes, era desconhecido dos
gregos. Eles praticavam a democracia direta ou participativa, na qual os cidadãos
discutiam e votavam seus assuntos nas assembléias gerais (chamadas de ekklesía) e no
conselho de quinhentos cidadãos ( boulé ), onde cada cidadão era submetido a um
sorteio, obtendo a garantia de participar das decisões da pólis. Existiam dois direitos
inquestionáveis: isonomia e isegoria. O primeiro direito significa igualdade perante a lei,
e o segundo, isegoria, era o direito de discutir em público todas as questões que
dissessem respeito à cidade. Porém, já sabemos, somente os cidadãos gozavam destes
direitos. Escravos, mulheres, crianças e estrangeiros não participavam do espaço da
cidadania.

(FOTO DE ARISTÓTELES/ VER ÚLTIMA PÁGINA)

“O homem é por natureza um animal político, de modo que quem vive fora da
cidade, naturalmente, por certo, e não pelo acaso das circunstâncias, é um ser
degradado ou um ser sobre-humano”

Política, Aristóteles.

(FOTO DE PLATÃO/ VER ÚLTIMA PÁGINA)

 
188  

“A arte política [...] realizando o mais magnífico e mais excelente de todos os


tecidos, envolve, em cada cidade, todo o povo, escravos ou homens livres,
mantém-nos juntos em sua trama e, assegurando à cidade, sem falta ou fraqueza,
toda a felicidade de que ela pode desfrutar, comanda e dirige.

Político, Platão.

Platão (427-347 a.C) e Aristóteles (384-322 a.C) deram seguimento ao período


inaugurado por Sócrates, o período antropológico (ánthropos: o humano oposto ao
divino). Os dois viveram na época helenística, quando a democracia grega já havia
enfraquecido e a Grécia passa a pertencer ao Império de Alexandre da Macedônia, de
quem Aristóteles fora preceptor.

Os primeiras estudos sistemáticos sobre a sociedade começaram com Platão, em


seu livro A República, e Aristóteles, com a obra Política. Principalmente com Aristóteles,
as bases estatutária do que viria a se transformar em ciência política, foram
primeiramente elaboradas. Definida como ciência da cidade (polis), a política é o maior
patrimônio do “animal político”, ou seja, do ser social e coletivo que é o homem , conforme
Aristóteles classificou. Para eles, morar na cidade e ser cidadão, são duas condições
básicas para a felicidade. Na filosofia antiga, o objetivo da vida humana é a felicidade,
fim perfeito e Soberano Bem.

CIDADE

lat. civitas, conjunto de cidadãos.

Comunidade organizada e mantida por leis:

 
189  

a cidade forma um conjunto político.

“Toda cidade, vemos, é uma certa comunidade [...]. quanto à comunidade formada de
várias aldeias, é a cidade acabada que já atinge uma espécie de autarquia completa: sua
gênese se explica pelas necessidades vitais, mas, quando ela existe, ela permite, além
disso, uma vida feliz. É por isso que toda cidade é natural, como são as primeiras
comunidades que a constituem.”

(Aristóteles, Política)

CIDADÃO

Etim.: lat. civis, cidadão.

Indivíduo membro do corpo político, que desfruta de direitos políticos

e, portanto, participa do poder.

“O que constitui [...] propriamente o cidadão, sua qualidade verdadeiramente


característica, é o direito de sufrágio nas assembléias e de participação no exercício do
poder público.”

(Aristóteles, Política)

 
190  

FELICIDADE

Etim.: lat. felicitas, felicidade

“Se é verdade que a felicidade é a atividade conforme à virtude, é evidente que a mais
perfeita é aquela conforme à virtude, isto é, a mais elevada da parte do homem[...]. É a
atividade desta parte de nós mesmos(divina), atividade conforme a sua virtude própria,
que constitui a felicidade perfeita.” (Aristóteles, Ética a Nicômaco)

Platão trata do problema da política nas obras: República, Políticose Leis. Na


República, ele pensa numa cidade ideal dividida em três classes sociais: filósofos,
guerreiros e produtores. Aos filósofos, homens sábios, caberiam o comando da república,
onde orientariam as ações do homem em direção a uma ordem ideal do mundo, guiados
por uma razão teorética. Aos demais, homens comuns, caberiam as tarefas de defesa da
cidade, da agricultura e do comércio. Aristóteles também excluiu da política algumas
classes, como os comerciantes e os artesãos, e assim como Platão, compartilhou da
idéia de que ética e política se completam. Para ambos a virtude do governante é que
determina a justiça na política. A política será boa se bom for o governante. Eles tratam da

 
191  

formação do sábio virtuoso e do cidadão. Cabe ao Estado defender os cidadãos dos


inimigos externos e internos, e promover a educação física e moral dos cidadãos.

Porém, com maior rigor histórico que Platão e mais próximo à realidade
concreta, Aristóteles não se preocupa com uma forma ideal de Estado: "é preciso pensar
num governo não só perfeito, mas também realizável e que possa facilmente adaptar-se a
todos os povos". Ao ideal sensível platônico, ilusório e aparente, Aristóteles analisa um
mundo político onde o governante não é o homem filósofo, mas sim o homem prudente
possuidor do saber prático. Ao contrário de Platão, Aristóteles define a origem da pólis
de forma histórica e empírica. Para ele, o Estado é uma instituição decorrente da natureza
humana. Entendendo o bem comum como superior ao bem particular, Aristóteles defende
um Estado superior ao indivíduo. O homem, que “é por natureza um animal político”,
realiza sua perfeição e felicidade pertencendo ao Estado, que é uma categoria humana
auto-suficiente.

(FAVOR TRANSFORMAR EM ESQUEMA)

1 MONARQUIA 2 ARISTOCRACIA 3 DEMOCRACIA


4 FORMA MISTA

1 O GOVERNO DE UM SÓ,

O VALOR É A UNIDADE

A DEGENERAÇÃO É A TIRANIA

2 O GOVERNO DE POUCOS

 
192  

VALOR É A QUALIDADE

DEGENERAÇÃO É A OLIGARQUIA

3 O GOVERNO DE MUITOS,

VALOR É A LIBERDADE

4 DEGENERAÇÃO É A DEMAGOGIA.

A MELHOR FORMA DE GOVERNO

VALOR É A MEDIANIA

Antes de Platão e Aristóteles, Heródoto (séc. V a.C), considerado o pai da História, já


havia registrado em uma de suas narrações (ver texto complementar) três formas de
governo: o governo de muitos, de poucos e de um só. Na Política, tendo como base as
constituições então existentes (reuniu 158 das quais apenas uma – a de Atenas – foi
encontrada), Aristóteles distinguiu três tipos de constituições, ou formas de comando:
monarquia , aristocracia e democracia. Destas, o filósofo destaca pontos válidos e
pontos degenerados.

Aristóteles observa, na Política, que "a extrema pobreza diminui o caráter da democracia
e que, portanto, medidas devem ser adotadas para lhes proporcionar prosperidade
duradoura; e que é igualmente do interesse de todas as classes que os proventos das
receitas públicas devem ser acumulados e distribuídos entre os pobres, se possível em

 
193  

quantidades que os possibilite adquirir um sítio ou, ao menos, iniciar um comércio ou


plantação" As preferências de Aristóteles apontam para uma forma mista baseada na
mediania, ou seja, na defesa que faz de uma classe média, livres do excesso da riqueza e
do limite da pobreza. Deste modo, o filósofo conclui acerca da melhor forma de governo:
“Está claro que a forma intermediária é a melhor, já que é a mais distante do perigo das
revoluções; onde a classe média é numerosa raramente ocorrem conspirações e revoltas
entre os cidadãos.”

Assim como na Antigüidade, na Idade Média os filósofos continuaram a descrever


a sociedade em que viviam e a propor normas para que o homem vivesse numa
sociedade ideal, governados por homens virtuosos. Porém, diferente da Antigüidade, na
Idade Média prevalece o valor da divindade. Santo Agostinho, por exemplo, na sua obra A
Cidade de Deus, achava que os homens viviam na cidade onde reinava o pecado.
Propunha então, normas para se viver numa cidade onde não houvesse pecado. O poder
espiritual era superior ao poder temporal (dos homens, dos reis), e a Igreja Católica foi a
força dominante de toda a vida política medieval. O pensamento político cristão misturou
os pensamentos platônico e aristotélico, adequando-os aos princípios teológicos de onde
se atribuiu que “todo o poder vem do alto”. Na visão política cristã, o regime político
perfeito, que melhor representa o poder de Deus sobre os homens, é a Monarquia.

TEXTO COMPLEMENTAR Nº 1

(COPIAR TEXTO “A CIDADE E O CIDADÃO” REALE, Giovanni. História da


filosofia: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. Pp. 208-209)

 
194  

TEXTO COMPLEMENTAR Nº 2

PERGUNTAS DE UM OPERÁRIO QUE LÊ.

Quem construiu Tebas, a das sete portas?

Nos livros vem o nome dos reis,

Mas foram os reis que transportaram as pedras?

Babilònia, tantas vezes destruida,

Quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas

Da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde

Foram os seus pedreiros? A grande Roma

Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem

Triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio

Sò tinha palácios

Para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida

Na noite em que o mar a engoliu

Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Indias

Sòzinho?

 
195  

César venceu os gauleses.

Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?

Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha

Chorou. E ninguém mais?

Frederico II ganhou a guerra dos sete anos

Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitòria.

Quem cozinhava os festins?

Em cada década um grande homem.

Quem pagava as despesas?

Tantas histórias

Quantas perguntas

Bertold Brecht

EXERCÍCIO PARA CASA

4 – Qual a relação existente entre os dois textos complementares?

5 – Hoje, que tipo de dificuldades um operário encontra para participar politicamente?

 
196  

Teorias Políticas Modernas

Na história ocidental, denominou-se “moderno” o período que começou no séc. XVII, após
o Renascimento. Vimos no segundo bimestre, que o Renascimento (fins do séc. XIV até
fins do séc. XVI ) foi um movimento filosófico, literário e artístico, espalhado da Itália para
toda a Europa. Termo de origem religiosa e que durante a Idade Média designou o
retorno do homem a Deus, a partir do século XV Renascença representou a renovação
moral, política e intelectual. Com o Renascimento, surgiram pensadores que começaram
a tratar os fenômenos sociais numa perspectiva realista e não religiosa. Assim,
escrevem sobre a sociedade de sua época: Maquiavel, (considerado o primeiro cientista
político) em O Príncipe; Tomás Morus, em Utopia; Tommaso Campanella, em A Cidade
do Sol; Francis Bacon, em Nova Atlântida. Mais tarde, destacam-se Elogio da Loucura,
de Erasmo de Rotterdam, e Leviatã, de Thomas Hobbes.

Depois dos renascentistas vieram os iluministas. Fruto da modernidade, o


Iluminismo (também conhecido como Filosofia das Luzes) foi o movimento filosófico do
séc. XVIII, caracterizado pela confiança no progresso e na razão, pelo desafio à tradição
e pela liberdade de pensamento. A heteronomia (heteros, o outro entre dois, e nomos,
regra), que prevalecia de acordo com a ordem religiosa, com o Iluminismo foi substituída
pela autonomia (autós, este aqui, eu mesmo), em que o homem dirige-se por leis ou
régras próprias. O suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), foi um dos principais
filósofos que pensou a política no Iluminismo.

Este panorama intelectual reflete interesses da burguesia consolidada no poder


político e econômico, interesses de uma classe revolucionária e dirigente. O capital se
expande em diversos ramos de atividade. Desenvolve-se intensamente a manufatura,
tornando-se necessário o desenvolvimento de novas técnicas de produção. O trabalho,
antes realizado com mãos ou ferramentas simples, incorpora novas divisões. A máquina

 
197  

a vapor passa a ser a grande otimização econômica, e inaugura um processo


irreversível de construção de novas máquinas. Surge junto à burguesia, entre as máquinas
que tecem e descaroçam o algodão e as quentes que “cospem fumaça”, uma nova
classe: o operário.. Essas alterações no processo produtivo, somadas a herança cultural
e intelectual do séc. XVII irão definir o séc .XVIII como um século explosivo, servindo de
exemplo e parâmetro para as revoluções políticas posteriores.

Na Idade Moderna, o capitalismo, filho da Idade Média, cresceu e atingiu sua


emancipação. Algumas teorias que trataremos a partir de agora, sustentaram
teoricamente, nas suas mais diversas formas, esta nova realidade capital, como em geral
o contratualismo e o liberalismo. Outras, como o socialismo, trataram do questionamento
e das propostas alternativas ao capitalismo. Porém, antes de abordarmos o pensamento
dos contratualistas e dos liberais, faremos uma incursão ao maquiavelismo, entendendo
aqui se tratar de um modelo realista e experimental, inaugurado por Maquiavel, que
provocou uma revolução nas teorias políticas, separando o que após Antigüidade e a
Idade Média encontravam-se juntas: ética, religião e política. Ele iniciou a ciência política
moderna e pavimentou o caminho para os contratualistas e os liberais, e também para os
socialistas.

Maquiavel

"Tendo o príncipe necessidade de saber usar

bem a natureza do animal, deve escolher a raposa e o leão,

pois o leão não sabe se defender das armadilhas

 
198  

e a raposa não sabe se defender da força bruta dos lobos.

Portanto é preciso ser raposa, para conhecer as armadilhas

e leão, para aterrorizar os lobos."

(O Príncipe)

“Os fins justificam os meios”

Máxima extremamente conhecida,

jamais escrita por Maquiavel.

Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu em Florença, na Itália. Para este


pensador, toda a teoria política anterior a ele era equivocada, pois ocultava a realidade
social em favor dos poderosos. Para ele, a sociedade sempre foi dividida e resultou de
um jogo de interesses opostos. E o que os gregos, os romanos e os cristãos entenderam
como finalidade política – baseados na ética, na justiça e na religião – era somente para
mascarar esta divisão social e oprimir o povo. Ele não acreditou que a prudência, a
virtude e a representação divina, fossem o melhor caminho para bem governar e, desta
forma, inaugurou a separação da ética e da religião do pensamento político. A arte de
governar parte de uma análise fria sobre o Estado onde, por exemplo, a ausência da
violência, por parte de seus governantes, é a responsável por sua completa ruína.

Diferente das três formas de governo definidas por Aristóteles, Maquiavel definiu
apenas duas: principados e repúblicas. Estas estariam mais de acordo com a realidade

 
199  

de seu tempo, assim como as formas definidas por Aristóteles também


correspondiam a realidade na Antigüidade. Seu pensamento não chega a teorizar o
Estado moderno, mas teoriza de forma realista e experimental os mecanismos
necessários para a construção e a manutenção de um Estado, inaugurando a ciência
política.

Vivendo durante a Renascença Italiana, este pensador presenciou inúmeras


revoltas e crises permanentes. A Itália estava dividida em diversos principados cuja
tirania imperava. Em O príncipe, obra que ingressou brilhantemente no patrimônio do
pensamento político, Maquiavel revoluciona toda a teoria política até então existente. Sua
inspiração para escrevê-lo, partiu de um ato violento praticado por César Bórgia, que
após ter conquistado uma cidade afundada em furtos e crimes diversos, encarregou um
ministro de resolver a situação. Este, de forma tirana e resoluta, pois fim aos problemas
mas tornou-se odiado por toda parte. Bórgia, que havia designado tal função ao ministro,
resolveu recuperar sua popularidade mandando executar o mesmo em praça pública. O
livro é um manual prático presenteado ao Príncipe Lorenzo de Médice, onde Maquiavel
analisa procedimentos corretos, de forma fria e calculista, para a obtenção e
manutenção do poder. Para Maquiavel , um príncipe não deve evitar a crueldade se o
que estiver em jogo for a integridade nacional e o bem do seu povo. Temor e ódio são
dois sentimentos diferentes, e o príncipe deve impedir que o segundo se manifeste.
“Deve, portanto, o príncipe fazer-se temer de maneira que, se não se fizer amado, pelo
menos evite o ódio, pois é fácil ser ao mesmo tempo temido e não odiado.[...] Deve,
sobretudo, abster-se de se aproveitar dos bens dos outros, porque os homens esquecem
mais depressa a morte do pai do que a perda de seu patrimônio.”

É importante destacar que Maquiavel deve ser compreendido em seu contexto.


Ao escrever O Príncipe, Maquiavel desejou uma Itália forte e unificada, sob o comando de

 
200  

um monarca decidido e atuante, que defendesse o povo sem medir esforços, abrindo
mão de todos os escrúpulos. Maquiavel morreu antes da unificação da Itália e certamente
não imaginava o estrondoso sucesso que faria. Ele entrou para ficar na história política e
circula em todas as esferas da vida. O termo maquiavélico se popularizou e geralmente é
empregado de forma pejorativa. Filósofos e cientistas políticos de hoje, sustentam que
Maquiavel, fingindo ensinar aos governantes, ensinou também ao povo. Este filósofo
influenciou muitos pensadores modernos, principalmente Hobbes e Spinoza.

(TEXTO COMPLEMENTAR Nº 2 “ Da crueldade e da piedade – se é melhor


ser amado ou temido” / OS PENSADORES – MAQUIAVE PP. 69-71)

(TEXTO COMPLEMENTAR Nº3 “ Lições de Maquiavel” / Revista Veja, ano


33, nº 31, 02/08/00 pp. 52-53)

EXERCÍCIO PARA CASA

6 – Explique, de acordo com o texto nº2, como Maquiavel relaciona temor e ódio na
política?

7 – Por que sustentam que Maquiavel, fingindo ensinar aos governantes, ensinou também
ao povo?

8 – Levando em consideração que você já conhece Maquiavel, leia a matéria (texto


complementar nº3) e coloque-se no lugar do repórter Mario Sabino, fazendo a sua
própria reportagem, abordando o mesmo assunto.

9 - Sugestão de atividade:

 
201  

- pergunte a três pessoas o que é Maquiavelismo, anote e traga para discutir em


sala de aula.

Contratualismo

O contratualismo é uma vertente de pensamento que entende o Estado – também


a sociedade civil – originado em um contrato. Alguns filósofos e historiadores atribuem
aos sofistas a inauguração deste pensamento. Contudo, o contratualismo que abordamos
neste capítulo, determinante na formação do Estado moderno, é aquele defendido a partir
de três grandes pensadores: Hobbes, Locke e Rousseau. Eles analisaram a passagem
do homem por três dimensões: estado natural, contrato social e estado civil. Apesar de
partirem da idéia de que os homens constróem o Estado (estado civil) quando
abandonam seu estado de natureza, através de um pacto ou contrato, apresentam
diferentes concepções de Estado e de soberania. Porém, de forma geral, o
contratualismo defende o individualismo (um dos princípios fundamentais do liberalismo),
e por isso exige do Estado a função de salvaguarda da harmonia dos interesses
particulares.

Você sabia ?

 
202  

O autor desta tira colocou o nome no bicho de estimação de Calvin, em


homenagem a Hobbes.

Thomas Hobbes (1588-1679)

O filósofo inglês Thomas Hobbes, quando estudamos ontologia, foi visto como
representante do materialismo mecanicista, que teorizou a natureza considerando um
“corpo natural” e a sociedade um “corpo artificial”. Na galeria dos filósofos, mencionamos
sua teoria de Estado Absolutista. No início de sua vida intelectual, Hobbes traduziu
Tucídidas (historiador grego) , que detalhou a Guerra do Peloponeso. Por ocasião da
tradução, admitiu um caráter frágil e traiçoeiro da Democracia, tendo Atenas como o
exemplo histórico do desastre democrático.

Em sua maior obra, Leviatã (nome bíblico de um monstruoso peixe que protegia
os menores da gula dos peixes maiores), desenvolveu um aprofundado estudo filosófico,
afirmando a maldade humana e justificando a necessidade de um Estado forte e
repressor, o Absolutismo. O Estado, segundo o filósofo, é a única garantia do controle
dos sentimentos naturais do homem: a ambição, o egoísmo, a crueldade, e outros
similares. Isto, porque o estado de natureza (primitivo) era contaminado pela guerra
constante, pois o homem, escreveu Hobbes, é naturalmente “lobo do próprio homem”, e
somente a partir de um pacto social, orientado pela força da espada, o homem supera o
egoísmo e a guerra, impedindo a ferocidade do “lobo”. Para Hobbes, a propriedade
(bens móveis e imóveis) não existe no estado de natureza, pois foi criada pelo

 
203  

Estado-Leviatã, e somente este, com poder absoluto, poderá acabar com o direito de
propriedade, quando necessário for.

John Locke (1632-1704)

Opondo-se ao absolutismo de Hobbes, Locke, o maior representante do


empirismo moderno, (autor da famosa teoria da tábula rasa) pensou o contratualismo em
bases liberais, tornando-se o fundador do liberalismo na Inglaterra. Além de ter
influenciado a revolução norte-americana, influenciou a revolução francesa e a declaração
dos direitos do homem e do cidadão. Locke defendeu o poder político vinculado a uma
origem democrática e parlamentar, e lançou os princípios da separação dos poderes
legislativo, executivo e judiciário, dos quais Montesquieu iria desenvolver no século XVIII.

Na obra Ensaio sobre o Governo Civil afirmou que o homem atribuiu ao Estado
apenas o papel de regulamentador da vida social, e que os direitos individuais são
intocáveis e indelegáveis. As liberdades fundamentais, como o direito à vida e à
propriedade, e todos os direitos comuns ao homem, são anteriores e superiores ao
Estado. Portanto, ao contrário de Hobbes, Locke observa que a propriedade é criação do
estado de natureza, e que o contrato social é um pacto de consentimento, onde o homem
busca no Estado, na sociedade civil e política, o reconhecimento e a proteção da
propriedade. Este pacto, quando desrespeitado, pode ser alterado e desfeito, assim
como faz-se em qualquer contrato, autorizando o homem a limitar o poder dos
governantes e de, inclusive, promover insurreições. A base principal da liberdade
burguesa, que nesse período era uma classe revolucionária, é a propriedade. E para
Locke, a liberdade está em função da propriedade.

 
204  

“A liberdade consiste menos em fazer sua vontade do que em não submeter-se à


de outrem; consiste ainda em não submeter a vontade de outrem à nossa.

Quem quer que seja senhor não pode ser livre, e reinar é obedecer.”

(Cartas Escritas da Montanha).

Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778)

Na França, o filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, filho de um relojoeiro, não


perdeu a hora na tarefa de defender uma sociedade baseada na justiça, na igualdade e
na soberania do povo. Suas principais idéias deste iluminista estão nas obras: Emílio,
Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens e O Contrato Social. As
idéias do brilhante filósofo, além de fundarem a concepção democrático-burguesa,
inspiraram os movimentos socialistas do século XIX.

Como os demais contratualistas, Rousseau afirma que a sociedade se funda num


contrato, porém estabelece diferenças fundamentais em sua concepção. Ao contrário de
Hobbes, que via no estado de natureza o homem egoísta e cruel, Rousseau viu um
homem feliz, sadio, livre e igual. Em O Contrato Social ele afirma que “O homem nasce
puro; a sociedade é que o corrompe.” E ao contrário de Locke, onde o contrato é a
realização da sociedade civil e do Estado, para Rousseau é somente a sociedade civil,
de onde emana o poder soberano do povo, independente do Estado. Locke defende a
liberdade em função da propriedade, Rousseau atribuiu à propriedade a causa da

 
205  

corrupção dos homens, da queda das democracias e do crescimento das


desigualdades sociais. Para ele, onde existe desigualdade não existe liberdade.

Inspirado pela antiga democracia direta de Atenas, onde a soberania era


exercida na assembléia, Rousseau rompe com a separação dos três poderes (legislativo,
executivo e judiciário) submetendo a vontade individual à vontade geral expressa por
maioria na assembléia, único lugar verdadeiramente soberano. Porém, admitindo o
caráter utópico desta concepção, Rousseau afirmou que este tipo de democracia nunca
havia existido e talvez nem viesse a existir, mesmo entre os gregos, onde a participação
era limitada ao cidadão ocioso.

Liberalismo

O economista inglês Adam Smith (xxxx –xxxx), autor de A riqueza das nações, partiu do
princípio de que a natureza humana teria uma tendência para trocar uma coisa por outra.
Analisando a estrutura da sociedade capitalista, Adam Smith chegou a extraordinária
conclusão, para a sua época, da divisão da sociedade em classes. Para ele, três são as
classes fundamentais da sociedade capitalista: o operariado, os capitalistas e os
proprietários de terras. Salienta que, na sociedade capitalista, existe comunidade de
interesses, uma vez que os benefícios comuns resultam sobretudo do choque de
interesses das diversas classes sociais. Por isso defendia a livre concorrência.

 
206  

Também economista inglês, David Ricardo (xxxx –xxxx) apresentou os princípios


básicos de seu pensamento na obra Ensaio sobre a influência do baixo preço dos
cereais nos lucros da bolsa. Ele defendeu a idéia de que os lucros aumentam com a
redução dos salários e diminuem com a elevação destes. Com outros economistas da
época, entendeu que a tendência ao desemprego, no sistema capitalista, era fenômeno
limitado.

O liberalismo é a teoria política e econômica da burguesia, onde os princípios


que regem uma sociedade capitalista encontram total sustentação. Surgida no início do
séc. XVII e consolidada nas duas grandes revoluções burguesas (na Inglaterra, em 1688,
e na França, em 1789), que derrubaram os regimes teocrático e absolutista do
feudalismo, esta teoria consagrou como direito natural dos indivíduos a propriedade
privada. Da mesma forma, consagrou a idéia de contrato social voluntário, opondo-se a
idéia de poder e Estado nos limites da divindade, cujo representante era o rei.

O liberalismo, que às vezes é empregado como sinônimo de individualismo,


aplica a liberdade individual nos terrenos político e econômico e defende a idéia de
Estado mínimo. Estabelece-se claramente a distinção entre as atribuições do Estado e
as da sociedade civil. No Estado abrigam-se assuntos da vida pública (política), e na
sociedade civil assuntos da vida particular (principalmente a economia). Surge A
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789, que
oficializou a destruição do regime feudal, livrando os servos de seus compromissos com
os senhores. Esta, formalizou os burgueses definitivamente no poder, e promoveu o
individualismo, o igualitarismo e a fraternidade entre os revolucionários. Essas idéias
propagaram-se por toda a Europa devido à política expansionista de Napoleão
Bonaparte.

 
207  

Na esfera política, o liberalismo teve como um dos maiores representantes o


contratualista John Locke. Na econômica, Adam Smith e David Ricardo foram os dois
maiores expoentes. Algumas de suas características:

Liberalismo Político:

- oposição ao absolutismo, pois a burguesia já estava fortalecida e não precisava mais


da aliança com o Estado;

- teorias contratualistas para legitimar o poder independentemente da religião;

- criação do voto;

- limitação de poderes;

- garantia dos direitos individuais, liberdade de pensamento, expressão e religião.

Liberalismo Econômico:

- oposição à intervenção do rei nos negócios;

- defesa da propriedade privada dos meios de produção e a economia de mercado;

- Estado mínimo, ou seja, um Estado não intervencionista;

Declaração Universal dos Direitos Humanos

 
208  

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família


humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em atos


bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que
os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do
temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum.

Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para
que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a
opressão.

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações.

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos
humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos
dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores
condições de vida em uma liberdade mais ampla.

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com


as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a
observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta
importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

A Assembléia Geral proclama:

A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido
por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da
sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da
educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua

 
209  
observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros,
quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de
razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas
nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição.

Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política, jurídica ou
internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território
independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de
soberania.

Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de


escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo V - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante.

Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa
perante a lei.

Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção
da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente
Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo VIII - Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio
efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela
constituição ou pela lei.

 
210  

Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por
parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do
fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo XI

1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe
tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não
constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais
forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar
ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à
proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada
Estado.

2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.

Artigo XIV

1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros
países.

2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por
crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

 
211  

Artigo XV

1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de


nacionalidade.

Artigo XVI - Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça,
nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de
iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.

1. O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos nubentes.

2. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade


e do Estado.

Artigo XVII

1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião
ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em
público ou em particular.

Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a
liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e
idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo XX

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas.

2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

 
212  

Artigo XXI

1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por
intermédio de representantes livremente escolhidos.

2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.

3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em
eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente
que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização e
recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua
dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII

1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe
assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a
que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus
interesses.

Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das
horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.

Artigo XXV

 
213  

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família
saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os
serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle.

2. A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,


nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da mesmo proteção social.

Artigo XXVI

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus
elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigratória. A instrução
técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no
mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e


do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A
instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a
seus filhos.

Artigo XXVII

1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as
artes e de participar do processo científico e de seus benefícios.

2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de
qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.

 
214  

Artigo XXVIII - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os
direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo XXIX

1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento
de sua personalidade é possível.

2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações
determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e
respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da
ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.

3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente
aos propósitos e princípios das Nações Unidas.

Artigo XXX - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o
reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou
praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui
estabelecidos.

Fonte: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo - Comissão


de Direitos Humanos

(TEXTO COMPLEMENTAR Nº 4 “DA MORTE DO CORPO POLÍTICO”/ OS


PENSADORES – ROUSSEAU, PP 102-103)

 
215  

EXERCÍCIO PARA CASA

10 - A Declaração Universal dos Direitos Humanos, feita pela ONU, estabelece critérios
quanto a maus-tratos cometidos por países contra seu povo. Este critério corresponde a
realidade atual?

11 – Sugestão de atividade:

- divida a turma de acordo com os artigos da Declaração, ou selecione apenas alguns.

- peça para os alunos redigirem sobre o artigo escolhido, relacionando-os com o


presente.

12 – Explique, situando no texto, a seguinte frase de Rousseau : “ O corpo político, como o


corpo do homem , começa a morrer desde o nascimento e traz em si mesmo as causas
de sua destruição.”

13 – Rousseau compreendeu o estado de natureza diferente de Hobbes, e a sociedade


civil e o Estado diferente Locke. Que diferenças foram estas ?

14 – O liberalismo, que às vezes é empregado como sinônimo de individualismo, aplica a


liberdade individual nos terrenos político e econômico e defende a idéia de Estado
mínimo. O que significa Estado mínimo?

 
216  

Teorias Políticas Socialistas

¯Ó, mundo tão desigual


Tudo é tão desigual

Ó, de um lado este carnaval ¯


Do outro a fome total

¯
(A NOVIDADE, de Gilberto Gil)

Mais recentemente, a partir do séc. XIX, apesar de se diferenciarem em diversos


aspectos, as teorias socialistas criticam o individualismo burguês e seu caráter
exploratório, responsabilizando-os pelas condições precárias em que vive a classe
operária. Para acabar com esta situação, colocaram a necessidade de acabar com a
propriedade privada e de expandir a igualdade social. As principais teorias socialistas
modernas são: o socialismo utópico, o anarquismo e o socialismo científico.

 
217  

Socialismo Utópico

Na história da humanidade encontramos diversos pensamentos acerca de uma


sociedade perfeita, sem injustiças e com distribuição de riquezas. No século V a.C., o
filósofo grego Platão já inaugurava, em A República, o ideal deste tipo de sociedade.
Porém, a palavra utopia, de origem grega (significa “lugar inexistente”), foi empregada
primeiramente no séc. XVI por Tomás Morus, quando escreveu um romance filosófico,
cujo nome é Utopia. No livro, Morus escreve sobre uma ilha onde não existia a
propriedade privada e nem o poder da religião. No séc. XIX, alguns dos principais
socialistas utópicos foram os franceses Saint Simon, Proudhon e Fourier. Eles
defenderam a liberdade e a igualdade, como conseqüência de um autogoverno dirigido
por trabalhadores organizados em cooperativas.

Anarquismo

O Anarquismo (anarkhía, a, não, e arkhé, comando ) parte do princípio de que


todo ser humano é capaz de autogovernar- se, através da convivência comunitária. As
idéias do socialista utópico Proudhon, influenciaram bastante esta teoria política, que
teve como um dos principais representantes o russo Mikhail Bakunin (1814-1876).

Confiando na convivência pacífica dos homens, o anarquismo baseia-se numa


estrutura autogestionária, ou seja, sem regras, autoridades e hierarquias, valorizando

 
218  

apenas a liberdade natural de cada indivíduo. Conhecidos como libertários, contrários


aos ideais do liberalismo, ao autoritarismo e à autoridade, os anarquistas são contra
qualquer tipo de Estado, curiosamente levando ao extremo uma concepção liberal. Se o
liberal considera o Estado um mal necessário, o anarquista considera-o um mal
desnecessário.

Socialismo Científico

 
219  

“Os filósofos sempre se preocuparam em interpretar a realidade,

é preciso agora transformá-la”. Karl Marx

 
220  

2 – Karl Marx (1818 - 1883)

Somente com Marx, o socialismo tornou-se objeto de análise científica. É isto que
veremos a partir de agora: Como que Karl Marx, o fundador do socialismo científico,
conseguiu criar uma teoria que apontasse efetivamente para a transformação da
sociedade?

Depois de Maquiavel, que separou a ética da política, e provocou uma verdadeira


revolução nas teorias políticas desde a antigüidade, Marx, desmascarando a política
liberal, causou uma verdadeira revolução, não só teórica, mas também prática. Diversos
países, como a URSS, e Cuba, entre outros, realizaram suas revoluções
instrumentalizados pela teoria marxista. Para Marx, a liberdade numa sociedade
baseada na divisão do trabalho é ilusória, porque camufla os interesses antagônicos das
classes para manter a dominação de uma sobre a outra. Sua obra, extremamente
complexa, parte de um profundo combate às filosofias idealistas e avança para a
construção do materialismo histórico, uma doutrina baseada no princípio de que são as
lutas de classes que produzem a história e transformam as sociedades. Foi assim entre
senhores e escravos, e entre senhores feudais e servos. Da mesma forma, entre burguês
(patrão) e proletário (operário).

Na base do pensamento marxista, divide-se a realidade social em três


dimensões: econômica, política e simbólica. Nestas dimensões definem-se a
infra-estrutura e a superestrutura. A infra-estrutura, é a base de toda a superestrutura, a
realidade econômica fundamental, que comanda todos os fenômenos sociais. A
superestrutura (determinada pela infraestrutura) é dividida em superestrutura

 
221  

jurídico-política (Estado, polícia, exército, leis, normas e tribunais) e superestrutura


ideológica (idéias políticas, religiosas, estéticas, éticas, morais e filosóficas).

REALIDADE

POLÍTICA E

SIMBÓLICA

SUPERESTRUTURA

JURÍDICO-POLÍTICA

(ESTADO, POLÍCIA, EXÉRCITO,

LEIS, NORM AS E TRIBUNAIS)

SUPERESTRUTURA IDEOLÓGICA

(IDÉIAS POLÍTICAS, RELIGIOSAS,

ESTÉTICAS, ÉTICAS, M ORAIS E FILOSÓFICAS).

INFRA-ESTRUTURA

REALIDADE ECONÔM ICA

Portanto a visão que temos do mundo e a nossa psicologia são reflexo da base
econômica de nossa sociedade. As idéias que surgiram ao longo da história se explicam

 
222  

pelo desenvolvimento das sociedades. Elas são oriundas das necessidades das
classes sociais de cada tempo. Por isso a teoria marxista é materialista, porque
considera que as manifestações espirituais ( idéias/pensamentos) são determinadas
pela estrutura material da sociedade (superestrutura) , diferente dos idealistas para quem
as idéias movimentam o mundo. Segundo Marx, ao examinar-mos a maneira pela qual
os homens produzem os bens necessários à vida, podemos compreender as formas do
seu pensamento.

Assim escreveu Marx em Ideologia Alemã : “A classe que tem à sua disposição
os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção
espiritual, o que faz com que a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as
idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espirituais.”. Portanto a
representação ou idéia apresentada como racionais mas que exprimem os interesses da
classe dominante, Marx chama de ideologia. Devido à ideologia o proletário não percebe
a própria alienação e, portanto, não reconhece a exploração de que é vítima. Um operário
sem consciência de classe é um reprodutor das idéias dominantes, contrárias aos seus
próprios interesses. Para Marx, a ideologia surge das relações de produção que
determinam as contradições sociais. A realidade contraditória da sociedade é negada e
ocultada por falsas idéias, produzidas e divulgadas pela classe dominante. De acordo
com a teoria marxista, o operário, a classe social que vende sua força de trabalho para
viver, quando consciente de ser explorada, se destina a libertar-se e libertar toda a
humanidade na construção do socialismo.

Após o socialismo, de acordo com a teoria marxista, uma fase superior se


desenvolveria: o comunismo. O Estado desapareceria definitivamente, pois seu único
papel é manter a divisão das classes e perpetuar a exploração. Com o fim das classes, a

 
223  

sociedade seria baseada no bem coletivo dos meios de produção, com todas as
pessoas sendo absolutamente livres.

(TEXTO COMPLEMENTAR Nº 5 “DINHEIRO”/ OS PENSADORES – MARX, PP


197-198)

15 – De acordo com Marx, no texto complementar, como o dinheiro representa “a


inversão geral das individualidades” ?

16 – O que é ideologia para Marx? De onde ela surge e qual sua função?

17 – Na apostila, quando lemos sobre os anarquistas, encontramos a seguinte afirmação:


“Se o liberal considera o Estado um mal necessário, o anarquista considera-o um mal
desnecessário.” Explique.

18 - Sugestão de atividade:

- pergunte a três pessoas com ocupações diferentes (empresário, professor e estudante),


“o que é o dinheiro e para que serve”, anote e traga para discutir em sala de aula.

Neoliberalismo, Globalização e Democracia

O liberalismo fundamentou a expansão da economia capitalista, que trouxe um


desenvolvimento impar em toda a história da humanidade. Matematicamente pensando,
antes da Revolução Industrial, a ciência desenvolveu-se aritmeticamente (1,2,3,4,5,6...). A
partir da Revolução, o ritmo foi geométrico (2,4,8,16,32,64...). Em praticamente 200 anos,
superamos toda a técnica desenvolvida em mais de 3.000 anos. Verdadeiras maravilhas
foram criadas, marcando decisivamente como tecnológica nossa civilização.

 
224  

Conhecemos o telefone, o rádio, a fotografia, o cinema, a televisão, o computador, a


Internet, o fax, o forno de microondas, a cura de muitas doenças, satélites, ônibus
espaciais, etc.. Muitas coisas, hoje consideradas normais e simples em nosso cotidiano,
eram temas de ficção científica. Assim como hoje, também muitas coisas consideradas
ficção científica poderão, em um futuro não muito distante, ser pura realidade. No
passado, era ficção a imagem de um robô. Hoje, temos um número variado deles,
desempenhando funções humanas, principalmente na linha de montagem industrial. E no
presente, é ficção falar em igualdade social?

Diante dos inúmeros problemas ocasionados pela lógica capitalista, o maior


deles é a desigualdade social. Desde que o capitalismo se tornou o modo produção
dominante em todo o mundo, a concentração de renda em poucas mãos e a proliferação
da miséria tem aumentado vertiginosamente. Em apenas uma dúzia de países bem
sucedidos o capitalismo obteve sucesso, levando em conta o bom nível de vida de seus
operários. Os demais países, entre eles o Brasil, sofrem um processo crescente de
injustiças sociais, agravado por um novo impulso do capitalismo: o neoliberalismo.

 
225  

Em 1987, Berlim comemorava seus setecentos e cinqüenta anos de fundação,


quando o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que estava presente à
solenidade, falou:

- "Senhor Gorbachov, abra estes portões! Senhor Gorbachov,


derrube esta parede! "

Neoliberalismo

Antes do neoliberalismo, o Estado, no início do século XX, começou a adquirir


um caráter intervencionista, chamado de Estado de Bem Estar Social. Este
intervencionismo configurou-se em ações controladoras no campo econômico e social, e
deflagrou um processo de prosperidade econômica a partir da Segunda Guerra Mundial.
Sobretudo nos EUA e na Inglaterra, fruto deste caráter intervencionista do Estado, surgem

 
226  

programas de empréstimos a empresas, e políticas assistenciais responsáveis por


melhores condições de vida e trabalho dos operários. Portanto, o Estado capitalista,
contrariando as aspirações liberais, entre elas, a nítida separação entre Estado e
sociedade civil, provoca uma reação liberal, um novo liberalismo.

O chamado neoliberalismo resultou do encontro de duas correntes do


pensamento econômico: a Escola Austríaca e a Escola de Chicago. O principal
representante da primeira foi Leopold von Wiese, que na década de 40 prosseguiu com
Friedrich von Heyek, autor de "O Caminho da Servidão" (1944), considerado a “Bíblia” do
neoliberalismo. A Segunda, Escola de Chicago, foi fundada pelo prof. Milton Friedman, e
combateu especialmente a política do Presidente Roosevelt (New Deal), dos EUA. Os
neoliberais consideram o mercado auto-suficiente e auto-regulado, e qualquer tipo
intervenção estatal contraria suas leis próprias, levando a crise do capitalismo. Para eles
o poder do mercado é ilimitado e o poder do Estado deve ser, ao contrário, limitado.

As políticas do Estado de Bem-estar Social, orientadas principalmente por


sociais-democratas, orientavam-se na distribuição de renda, baseada nas Leis do
Serviço Nacional de Saúde, da Educação e do Seguro Nacional. O Partido Trabalhista
inglês, adotando estas políticas, venceu as eleições de 1945. Os neoliberais, criticaram
radicalmente estas políticas, chegando a compará-las aos princípios do nazismo. Contra
qualquer interferência do Estado no mercado, os neoliberais atribuíram às conquistas
sindicais a culpa pela adulteração da dinâmica natural dos preços dos produtos e do valor
dos salários. Porém, as teses neoliberais só ultrapassaram os limites da academia a
partir da década de setenta, quando a grande crise do petróleo provocou uma grande
onda inflacionária. O neoliberalismo focalizou as causas da crise mundial nas políticas do
Estado de Bem-estar Social. Com isto, inicia-se um processo de desmonte do Estado,
com a diminuição dos impostos, a privatização das estatais, e as demissões de seus

 
227  

funcionários. A Inglaterra, com a Sra. Margaret Tatcher, foi o primeiro país do ocidente
a empregar os princípios neoliberais. Ela aprovou leis que limitaram as atividades
sindicais e que diminuíram os impostos sobre as grandes fortunas, além disto privatizou
diversas empresas estatais, diminuindo a função pública do Estado. Nos EUA, o
presidente Ronald Reagan foi o precursor, e no Brasil o neoliberalismo começou com
Fernando Collor de Melo. Hoje, a ordem econômica que impera na esmagadora maioria
dos países é o neoliberalismo.

Globalização

Chamamos de global uma visão total, integral. Decorrente desta palavra,


globalização é uma denominação nova, que procura identificar o atual estágio do
capitalismo: a mundialização da economia e da cultura. Porém, esta nova palavra, diz
respeito a um processo nem tão novo assim. Na verdade, diz respeito a um novo e mais
forte estágio de globalização. Na história, ocorreram diversas globalizações, como a
constituição do Império Romano, que através de um forte poderio militar e político, se
mantiveram no poder durante seiscentos anos (de 300 a.C. a 300 d.C.). Podemos ainda
destacar os séculos XIV e XV, período das grandes navegações e descobertas de novos
continentes. Também no séc. XIX, após as Guerras napoleônicas, quando ocorreram a
colonização européia da África e da Ásia, uma nova globalização se fez presente. No séc
XX, após a II Guerra Mundial, quando o mundo é dividido (EUA X URSS) e passa a
vigorar a guerra fria. E mais recentemente, a partir da década de 80, quando os EUA
passa a ocupar sozinho a posição de potência mundial, cujo marco simbólico foi a
derrubada do Muro de Berlim. O período atual de globalização, muito mais “globalizado”
que os anteriores, está caracterizado pela acumulação capitalista financeira, que tem na

 
228  

liderança o império americano. A vida social, regida por um capital sem fronteiras,
comporta um cotidiano padronizado internacionalmente, expresso na música, na roupa,
nos meios de comunicações, nas relações de trabalho, na política, etc..

Democracia

É prudente que, ao falarmos em democracia, façamos algumas considerações


acerca de dois pólos diferentes: o formal e o substancial. Esta diferenciação tomamos
emprestado do italiano Norberto Bobbio (ver texto complementar), filósofo
contemporâneo, que identifica um antagonismo entre liberalismo e democracia
substancial.

De acordo com os princípios neoliberais, são demagogos os regimes políticos


que defendem a igualdade social, pois a desigualdade é da natureza humana, e qualquer
tentativa de superação desta é pura demagogia. Também, de acordo com o
neoliberalismo, são injustos estes regimes, porque favorecem o capaz e o incapaz. Um
pensamento assim, é incompatível com a democracia, sobretudo àquela em que as
igualdades social, política e econômica, são os objetivos substanciais.

ISTOÉ

14 de agosto de 1996

Desordem mundial

 
229  

Ignacy Sachs, economista polonês radicado na França, diz que a globalização


produz desigualdades sociais e prevê a disseminação da pobreza no planeta

Sachs: "Livre comércio não passa de retórica"

O economista Ignacy Sachs, 68 anos, tem tudo para se encaixar no figurino do indivíduo
globalizado. Nasceu na Polônia, estudou no Brasil, doutorou-se na Índia e foi morar na
França em 1968 no auge do movimento estudantil. Hoje, Sachs naturalizou-se francês,
mas visita o Brasil pelo menos três vezes por ano. Em Paris, dirige o Centro de
Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo na Escola de Altos Estudos em Ciências
Sociais. Apesar de ser um autêntico cidadão do mundo, quando o assunto é a
globalização, Sachs revela-se um crítico feroz. Ele acha que a abertura das economias
nacionais foi excessiva e aumentou o fosso entre ricos e pobres em todos os países.
Esse fenômeno foi batizado por Sachs de "terceiro-mundialização" do planeta. Segundo
ele, o processo de globalização está produzindo uma massa de excluídos, espalhada não
apenas pelas favelas e bairros periféricos das metrópoles do Terceiro Mundo mas
também pelas esquinas e becos de Paris, Nova York e Londres.

Ao contrário do receituário neoliberal, propagado pelos quatro cantos do mundo, Sachs


defende uma atuação mais vigorosa dos Estados Nacionais, que deveriam impor limites
às forças do mercado e estabelecer o combate ao desemprego como prioridade número
1 das políticas públicas. Diz também que o livre comércio não passa de uma mera peça
de retórica, deixando de cabelos em pé os "teólogos do mercado sem fronteiras". "Os

 
230  

países praticam formas de protecionismo dissimulado. Embora da boca para fora


digam que a intenção é abrir o mercado, os blocos econômicos estão sempre se
fechando ao mundo exterior", sustenta Sachs.

Casado, pai de três filhos e avô de cinco netos, Sachs orientou as teses de doutorado de
pelo menos 20 brasileiros, entre eles o governador do Distrito Federal, Cristovam
Buarque (PT). Conheceu o presidente Fernando Henrique Cardoso como acadêmico na
França no final da década de 60. Quando provocado para comentar o governo do seu
colega, Sachs é tão tucanoquanto diplomático. Evita as críticas, mas deixa insinuar uma
leve reprovação à timidez do projeto de reforma agrária. Falando um português fluente,
adquirido quando, entre os anos de 1941 e 1954, morou no Rio de Janeiro, onde cursou
economia na Faculdade Cândido Mendes, Sachs recebeu ISTOÉ na terça-feira 13, um
dia depois de dar uma palestra em Brasília sobre "Globalização sem exclusão:
possibilidade ou ilusão?"

ISTOÉ - A palavra da moda é "globalização". Esse é um processo irreversível, que vai


afetar todos os países do mundo?

Ignacy Sachs - A globalização não é só uma palavra da moda, mas uma expressão que
está sendo esticada para encobrir diferentes sentidos. Na medida em que aumentam os
fluxos de mercadorias e de capital, todos os países do mundo, em proporções diversas,
vão ser afetados por este processo. Mas a internacionalização da economia não data de
hoje. Já teve fases altas, como entre 1870 e 1913, que coincidiu com o auge do
imperialismo. Depois, houve uma grande retração e agora vive mais um período de
ascensão. Mas a globalização não andou tão depressa quanto se pensa. A liberalização
da economia foi que andou longe demais, depressa demais e produziu alguns efeitos
nefastos.

ISTOÉ - De que maneira os países vão se prejudicar com esse fenômeno?

 
231  

Sachs - Um dos aspectos mais importantes do processo atual é que os principais


atores não são países e sim empresas. Então raciocinar em termos de países requer um
certo cuidado. Entretanto, haverá certamente países que vão perder mais e outros que
terão alguns ganhos. O importante é dizer que neste processo haverá ganhadores e
perdedores dentro de cada nação. Os processos de exclusão que estamos observando
no mundo inteiro não afetam unicamente os países do Sul, mas representam a principal
preocupação dos países industriais. Tal como se processa a globalização nas formas
atuais, muita gente está ficando de fora. Segundo estimativas de autores americanos,
inclui um terço e deixa fora dois terços da população mundial. Metaforicamente, está
havendo uma terceiro-mundialização do planeta.

ISTOÉ - O que o sr. quer dizer com isso?

Sachs - Há 40 anos, pensava-se que exportar o modelo dos países ocidentais para os
países periféricos teria como consequência superar a pobreza estrutural desses países
periféricos, porque um setor moderno em expansão acabaria por exaurir toda a força de
trabalho no setor tradicional. A história nos pregou uma piada. Hoje estamos com
dualismo entre pobres e ricos em todos os países industrializados. Os mesmos modelos
utilizados para analisar a situação dos países pós-coloniais e periféricos estão sendo
utilizados para os países industrializados. Hoje a agenda dos países ricos inclui temas
como exclusão social e segregação.

ISTOÉ - Além da terceiro-mundialização do planeta, o sr. sustenta que vivemos uma


era de "darwinismo social". O que isso significa na prática?

Sachs - Não importam os custos sociais e ecológicos. A palavra de ordem é


competitividade a todo e qualquer preço. Quando se coloca isso em termos de disputa de
mercado pelos países, o significado é que o capitalismo de hoje é o capitalismo dos que

 
232  

têm a melhor capacidade de sobreviver. É a fórmula de Darwin, em síntese. No nível


ideológico, isso se reflete no individualismo exacerbado. Cada um é convidado a se virar
sem olhar os outros. Isso é o oposto de uma ideologia de solidariedade. Como escreveu
o cientista político italiano Norberto Bobbio, aceitar esse individualismo exacerbado ou
acentuar a sensibilidade social, mais do que nunca, continua a ser a linha divisória entre a
direita e a esquerda.

ISTOÉ - O que países como o Brasil têm de fazer para ficar no rol dos ganhadores
dentro do processo de globalização?

Sachs - Defendo a tese que retoma a argumentação do economista indiano Deepak


Nayyar, segundo a qual só se beneficiarão países que tenham uma estratégia de
desenvolvimento autônomo e uma política industrial firme, ou seja, países que seguirão o
postulado da autoconfiança e autonomia tão bem desenvolvido no livro do presidente
Fernando Henrique Cardoso Idéias em seu lugar.

ISTOÉ - O sr. acha que o governo do sociólogo Fernando Henrique está conseguindo
colocar em prática esse postulado?

Sachs - Olha, eu acho impossível formular juízos peremptórios sobre um governo e sobre
um processo tão complexo que leva anos como esse de adaptação à nova situação
mundial. Não posso honestamente como cientista social responder esta questão. Aliás,
fico chocado quando leio nos jornais declarações desse tipo que viajantes de outras
partes do mundo formulam, gerando polêmicas ocas. Não se pode julgar a atuação de um
governo frente a um problema estrutural que requer um longo prazo a partir de alguns
meses. O que se pode dizer é que o problema de fratura social provocada pelo
desemprego afeta o Brasil tanto quanto outros países e isso tem de ser equacionado.

 
233  

ISTOÉ - No manual do neoliberalismo, uma das regras é o livre comércio entre os


países. Isso está acontecendo na prática?

Sachs - Está acontecendo um discurso sobre livre comércio. Por detrás deste discurso,
diferentes países praticam formas de protecionismo dissimulado. Embora da boca para
fora estejam sempre dizendo que a intenção é abrir, os blocos econômicos se fecham ao
mundo exterior. A União Européia faz o grosso do seu comércio no seu interior. Além
disso, é preciso lembrar que três quartos do fluxo de capitais, mercadorias e tecnologias
da economia internacional se passam na tríade composta pelos Estados Unidos, Europa
e Japão. Todo o resto do mundo é apenas um apêndice dessa tríade. Por isso, qualquer
análise prospectiva da economia mundial depende do que vai acontecer com essa tríade
e com que o economista Roberto Macedo chamou de "baleias". Existem quatro baleias
no oceano global: China, Índia, Rússia e o Brasil.

ISTOÉ - O que os países devem fazer para enfrentar o problema do desemprego


estrutural?

Sachs - Em primeiro lugar, tornar o problema do emprego o ponto central na formulação


das estratégias de desenvolvimento. É necessário ver quais são os setores da economia
em que existem reais possibilidades de geração de empregos. A minha lista é a
seguinte: primeiro o desenvolvimento rural, em segundo o conjunto de empregos ligados à
eliminação do desperdício no uso dos recursos naturais e a uma melhor manutenção da
infra-estrutura. A terceira grande área é a expansão de empregos nos serviços sociais,
sobretudo quando se tentam criar novas parcerias entre os usuários, as entidades da
sociedade civil e o setor público. A quarta é a construção de moradias populares para
atacar o problema das populações que vivem nas pré-cidades, talvez também aí em

 
234  

parceria com eles próprios, através de mutirões assistidos pelo poder público. É claro
que a demanda por investimentos de infra-estrutura é enorme, o problema é até onde se
pode avançar sem comprometer o equilíbrio fiscal.

ISTOÉ - O que o sr. está propondo é uma série de políticas públicas para combater o
desemprego. Mas com a globalização, os Estados Nacionais não estão ficando
impotentes diante dos problemas estruturais?

Sachs - Discordo frontalmente desta tese. É uma tese fácil porque os Estados falam que
não podem fazer nada diante desta força avassaladora. É verdade que estamos
atravessando um momento difícil e que não se trata de jeito nenhum de voltar aos
excessos do estatismo. Não é uma questão de mais Estado ou menos Estado. Isso é um
falso problema. Trata-se de discutir para qual desenvolvimento e com que métodos vai-se
regular uma economia que se baseia em grande parte no mercado, mas que comporta
uma função importante para o setor público e que contém no seu bojo uma economia fora
do mercado, a economia doméstica. Quando falo dessa economia, não estou me
referindo ao mercado informal. Estou falando das atividades domésticas que consomem
nas sociedades industrializadas, sobretudo no cotidiano das mulheres, mais da metade
do tempo total de trabalho e provavelmente aqui no Brasil mais ainda. Estado reformulado
é certamente um Estado enxuto, um Estado desprivatizado. Esta é a verdadeira reforma.

ISTOÉ - O sr. citou o desenvolvimento rural como um dos principais mecanismos para
gerar empregos. Um dos maiores problemas do Brasil é justamente a reforma agrária.
O sr. acha que o País tem condições de resolver esta questão?

Sachs - Um colega meu da Universidade de Nice escreveu recentemente um trabalho


que se chama A França doente de trabalho. Parafraseando, eu diria que o Brasil está
doente da sua questão agrária não resolvida. Isso pesa sobre tudo. Este País, olhado de
fora, tinha as melhores condições do mundo para realizar um desenvolvimento equilibrado

 
235  

cidade-campo. Em vez disso, enveredou numa urbanização excessiva. Eu considero


que aqueles que saíram do campo foram desruralizados, mas não foram ainda
urbanizados. Os refugiados rurais vivem numa espécie de purgatório, numa pré-cidade,
nas favelas, nos bairros periféricos e estão esperando para serem urbanizados. Esse
problema coloca a questão: o que é mais fácil? Urbanizar toda essa gente, dando-lhes
emprego decente, moradia e condições efetivas para o exercício da cidadania? Ou frear
o êxodo rural, gerando empregos e ao mesmo tempo urbanizando o campo, ou seja,
levando os serviços sociais e culturais ao campo? Eu penso que a segunda solução não
está sendo explorada .i.que, penso a segunda solução não está sendo explor ;.i.que,
penso a segunda solução não está sendo explor ; até os seus últimos limites. Quando se
olha o potencial do Brasil em terras ainda não aproveitadas, quando se olham aqueles
enormes latifúndios improdutivos de um lado e, do outro, a massa dos sem-terra, fica
muito difícil de entender por que esse problema não está sendo tocado para frente de
uma forma mais enérgica e, eu diria, até mais radical. Isso explica a impaciência dos
sem-terra.

ISTOÉ - Ao mesmo tempo que a onda é a globalização, é consenso que o chamado


Estado de Bem-Estar Social está em falência. O sr. concorda?

Sachs - Não há dúvida de que existe uma crise da social democracia na Europa. Durante
três décadas, depois da Segunda Guerra Mundial, o capitalismo civilizado funcionou
relativamente bem, baseado no paradigma de uma economia propulsada pelas forças do
mercado e um Estado que assegurava a justiça social através da redistribuição da renda.
Hoje, esse esquema está se desagregando porque ficou impossível arcar com o seu
custo por causa do número de excluídos.

 
236  

ISTOÉ - Uma crítica que se faz ao governo Fernando Henrique Cardoso é de que ele
estabilizou a moeda, mas não deu atenção à questão social. Isso não compromete o
discurso social-democrata?

Sachs - É perigoso discutir rótulos. O Plano Real estabilizou razoavelmente a economia,


graças à eliminação do imposto da inflação, e transferiu renda para as camadas mais
pobres. Mas a estabilização acontece uma vez. A questão agora é como fazer essa
economia estabilizada retomar o crescimento mais rápido sem entrar uma vez mais no
processo de fabricação de excluídos. Os dados mostram que o problema de desemprego
é sério e a economia não está gerando o número de empregos suficientes para absorver
o contingente enorme de brasileiros jovens que ingressam no mercado de trabalho. Este
é o cerne do problema que o governo vai enfrentar nos próximos dois anos. Vamos ver o
que vai ocorrer. Ainda é cedo para julgá-lo.

ISTOÉ - Um dos grandes problemas da globalização é a velocidade com que os


capitais especulativos se movimentam de um país para outro numa extraordinária
ciranda financeira. A crise do México foi provocada pela fuga em massa desses capitais
depois de uma desvalorização cambial. O sr. acha que Brasil e Argentina correm esse
risco?

Sachs - O México e a Argentina são antimodelos para o Brasil. Acho que o governo
brasileiro tirou algumas lições da crise mexicana. O presidente Fernando Henrique
Cardoso está consciente do perigo e está colocando a regulação dos capitais voláteis
como tema da agenda internacional. A economia não é uma ciência. A condução da
política de um país é uma arte que requer atenção a tudo.

ISTOÉ - O que o Brasil pode fazer para se vacinar contra esse perigo?

 
237  

Sachs - O Chile pode ser um exemplo. Eles têm um mecanismo fiscal que
praticamente impede o capital volátil de entrar e sair. No Brasil, as reservas estão muito
altas e isso cria um certo clima de confiança. Mas há vulnerabilidades potenciais. A
conjunção de um real sobrevalorizado com taxas de juros escorchantes é uma
camisa-de-força para a economia, que terá de ser revista mais dia menos dia.

ISTOÉ - O sr. é um pessimista?

Sachs - Respondo dizendo: a razão é pessimista, mas a ação é otimista. Quanto mais
pessimista é a análise, tantas mais razões existem para se engajar na luta com o objetivo
de reverter as atuais tendências.

(TEXTO COMPLEMENTAR Nº7 “ Só vale fora daqui” / Revista Veja, ano 33,
nº 31, 02/08/00 p. 128)

EXERCÍCIOS PARA CASA

19 – sugestões de atividades

- procure algum material de propaganda ou documento partidário, de pelo menos três


dos partidos abaixo, e identifique-os com relação às propostas diferentes de Estado.

 
238  

- promova um debate em sala de aula, em que haja o confronto entre as diferentes


propostas.

PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO - PCB

PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL - PC Do B

PARTIDO DA FRENTE LIBERAL - PFL

PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL - PMN

PARTIDO DA RECONSTRUÇÃO NACIONAL - PRN

PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB

PARTIDO DA SOLIDARIEDADE NACIONAL - PSN

PARTIDO DE REEDIFICAÇÃO DA ORDEM NACIONAL - PRONA

PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA - PDT

PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO - PMDB

PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT

PARTIDO GERAL DOS TRABALHADORES - PGT

PARTIDO LIBERAL - PL

PARTIDO POPULAR SOLICALISTA - PPS (Antigo PCB)

PARTIDO PROGRESSISTA BRASILEIRO - PPB

PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB

PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA - PRP

 
239  

PARTIDO SOCIAL CRISTÃO - PSC

PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO - PSD

PARTIDO SOCIAL LIBERAL - PSL

PARTIDO SOCIAL TRABALHISTA - PST

PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB

PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES UNIFICADO - PSTU

PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB

PARTIDO TRABALHISTA DO BRASIL - PT Do B

PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL - PTN

PARTIDO VERDE - PV

20– sugestões de atividades:

- após ler a reportagem “ Só vale fora daqui”, elabore um texto à respeito da posição líder
dos Estados Unidos e dos efeitos da globalização em países pobres.

21 – De acordo com o texto de Bobbio, responda:

- É possível uma sociedade liberal igualitária? Por quê?

- Qual dos dois significados de democracia é ligado ao modelo liberal?

 
240  

- O que é uma democracia substancial?

22 – De acordo com o economista Ignacy Sachs, em entrevista publicada pela Revista


ISTOÉ, responda:

- O que é globalização?

- Qual o principal problema ocasionado pelo fenômeno da globalização?

Quando foi que o mundo presenciou o “capitalismo civilizado” ?

23 – Você acha que a corrupção é uma das conseqüências da democracia, ou que é


anterior e independente desta?

You might also like