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Um bebé sorri para a mãe, uma criança de três anos compreende uma
conversa, uma outra, de seis anos, brinca com os amigos e inventa as regras
do jogo, as crianças de oito e de dez anos são capazes de memorizar a mesma
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Hoje em dia, a idade adulta ou a velhice são alvos de tanta curiosidade
como a infância ou a adolescência. As pessoas não param de se desenvolver
quando atingem a idade adulta. Progressivamente, foi-se abandonando a
ideia de imutabilidade dos adultos. As alterações das condições de vida nas
sociedades ocidentais reforçaram este fato. Pensemos, por exemplo, que os
jovens são inseridos cada vez mais tarde no mundo do trabalho, na precarie-
dade do estatuto profissional, no aumento de divórcios, nos casamentos pos-
teriores. Quer dizer que surgem continuamente novas necessidades de adap-
tação que requerem o desempenho de novos papéis sociais. Mudamos mesmo
depois de crescidos e diferentes fases da vida implicam diferentes exigências
biológicas, sociais, e também psicológicas que é importante conhecer. Por
isso, muitas investigações se preocupam com estas exigências e com a forma
como respondemos a elas.
Também as ideias sobre os mais velhos têm mudado, distanciando-se
de conceções associadas ao declínio. Fatores como o aumento do tempo de
vida, a deterioração de algumas capacidades e a evolução de outras, o entrar
na reforma quando se está apto para um conjunto de tarefas e de relações,
permitem às pessoas adaptar-se a novas situações e estarem abertas à
mudança e ao desenvolvimento. Sabemos hoje que o envelhecimento começa
com a vida. Por exemplo, a densidade dos neurónios corticais começa a dimi-
nuir desde o nascimento, tal como a acuidade percetiva que começamos a
perder muito cedo. Por tudo isto, é fácil perceber que nos desenvolvemos ao
longo de toda a nossa existência. O corpo e as capacidades físicas evoluem, a
vida afetiva transforma-se, o estatuto social muda.
A psicologia do desenvolvimento centra-se nas mudanças ao longo da
vida. Neste sentido, mudança significa alterações quantitativas e qualitativas,
do gatinhar ao andar, do balbuciar ao falar, do raciocínio ilógico ao lógico, da
infância à adolescência, à maturidade, à velhice, do nascimento à morte. Por
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Sobre a Psicologia do Desenvolvimento
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experiência e a estimulação que a criança recebia através dos seus sentidos,
que determinaria os conteúdos do psiquismo. A criança era como que um
adulto imperfeito que requeria uma educação rigorosa e disciplina firme, mas
indulgente, da parte dos pais, de forma a desenvolver hábitos saudáveis de
corpo e espírito.
Por sua vez, Jean Jacques Rousseau torna públicas as suas ideias sobre a
educação no seu célebre livro Emile ou de l’Education (1762). Nesta visão, a
criança tem caraterísticas específicas em cada idade e, sendo naturalmente
boa, as suas potencialidades são infinitamente boas. O desenvolvimento esta-
ria pré-determinado, mas a sua atualização seria resultante de uma interação
entre a atividade da criança e as solicitações do meio. Na sua perspetiva, a
atuação da família e da escola, organizadas em torno da criança, deveria ser
permissiva e orientar as tendências naturais de desenvolvimento da criança.
As ideias de Rousseau atualizaram-se e corporalizaram-se em modelos
educativos, tais como os de Pestalozzi (1746-1827), Froebel (1782-1852) e de
Montessori (1870-1952), que postulavam que o grande objetivo da ação edu-
cativa seria proporcionar condições para um desenvolvimento harmonioso,
defendendo a atividade espontânea e o jogo como fontes de aprendizagem e
de desenvolvimento.
Durante o século XIX, o interesse pela criança e pelo seu desenvolvi-
mento é crescente. Na sequência da Revolução Industrial, a Europa e os Esta-
dos Unidos da América sofrem grandes alterações sociais. Aparecem as gran-
des cidades, verificam-se alterações nos modos de sobrevivência das popula-
ções e, consequentemente, mudanças na educação das crianças. Até aqui,
estas viviam com os familiares numa comunidade alargada, participando nas
atividades e em pequenos trabalhos. Ao reduzir-se o horário de trabalho das
crianças, ao libertá-las da realização de trabalhos pesados, e em virtude da
indisponibilidade dos pais foi necessário criar espaços adequados, as escolas,
que assumissem a sua educação. Dá-se assim um avanço fundamental na con- © Universidade Aberta │Psicologia do Desenvolvimento 1│Texto 1│2013
sideração da infância como idade especial, começando a família a organizar-se
em redor das crianças e a atribuir-lhes importância (Candeias, 1987,1994, 1995).
Outro marco de grande importância foi a obra de Charles Darwin (1809-
1882), nomeadamente, a publicação em 1895 de The Origin of Species. As
teses de Darwin conduziram a uma alteração fundamental no pensamento
científico relativamente à infância. Segundo esta perspetiva, os seres huma-
nos tinham evoluído de espécies primitivas. Neste quadro, as crianças passam
a ter interesse científico, já que a sua observação e estudo poderiam contribuir
para esclarecer questões relacionadas com a evolução das espécies e eviden-
ciar a origem das caraterísticas psicológicas dos adultos.
Neste contexto, surge em 1890, nos EUA, a primeira associação dedica-
da ao estudo da criança (Child-Study Association) fundada por Stanley Hall
(1846-1924) e a primeira publicação dedicada à vulgarização de conhecimen-
tos na área do desenvolvimento Pedagogical Seminary.
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Os avanços no processo de industrialização, bem como todo um com-
plexo conjunto de transformações políticas, económicas, sociais e culturais,
vão obrigar à definição de uma estratégia educativa estatal e à massificação
do ensino elementar que, posteriormente, se torna obrigatório. Todos estes
acontecimentos conferiram à criança um estatuto novo, que terminava com a
chegada à puberdade e o ingresso do jovem na vida dos adultos.
No século XX, assistimos à consideração definitiva da infância como um
período claramente diferenciado e ao aparecimento do conceito de adoles-
cência. A aceitação, na nossa cultura, da adolescência como uma etapa dife-
rente da infância e da idade adulta, explica-se por uma conjugação de fatores,
tais como: a diminuição da mortalidade infantil, o prolongamento da vida, o
alargamento do ensino obrigatório, a difusão do ensino universitário e o
excesso de mão-de-obra adulta para trabalhos que requerem cada vez mais
especialização (Candeias, 1987, 1994, 1995).
A infância e a adolescência, marcadas por grandes alterações biológicas
e psicológicas, permaneceram durante muito tempo como os únicos grupos
de estudo na psicologia do desenvolvimento.
Progressivamente, verifica-se o abandono da ideia da imutabilidade
associada à idade adulta. Reconhece-se a importância do estudo das adapta-
ções necessárias às grandes transformações psicossociais a que o indivíduo
está sujeito durante esta fase de vida, tais como o acesso ao mundo do traba-
lho, a progressão na carreira profissional, a adaptação a novos instrumentos e
tecnologias, a construção de relações afetivas diferenciadas (e.g. casal), que
requerem o desempenho de novos papéis sociais estáveis (e.g. ser mãe).
Também as conceções de velhice se têm vindo a distanciar das conce-
ções tradicionais, associadas a uma degradação de funções psicobiológicas.
Esta mudança prende-se com um conjunto de fatores, nomeadamente, o pro-
longamento do tempo de vida, a grande variabilidade individual, o equilíbrio
entre a deterioração de algumas capacidades cognitivas e a evolução de © Universidade Aberta │Psicologia do Desenvolvimento 1│Texto 1│2013
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Nos nossos dias, o interesse pela temática do desenvolvimento, educa-
ção e aprendizagem continua a crescer (Lautrey, 1994). As publicações cientí-
ficas e de divulgação são inúmeras, são constantes os debates e as informa-
ções sobre dados empíricos veiculados através dos media, contribuindo para
consolidar a ideia de que a construção de um mundo melhor passa por um
melhor desenvolvimento das pessoas (Young, 1990, p. 17).
Se o conceito de desenvolvimento se foi tornando cada vez mais amplo
e flexível, também pode afirmar-se que a psicologia do desenvolvimento atual
é caracterizada pela existência de um pluralismo conceptual, em que coexis-
tem pontos de vista oriundos de diferentes quadros teóricos e uma diversida-
de de informações empíricas, que se esforçam por tornar cada vez mais inteli-
gível o processo de desenvolvimento.
O trabalho empírico em psicologia do desenvolvimento é fundamental,
embora a interpretação dos dados só seja possível pela referência a quadros
teóricos. O enquadramento teórico permite obter uma explicação para os
comportamentos observados e a compreensão das dinâmicas evolutivas.
Na investigação sobre o desenvolvimento é possível recorrer a uma
variedade de recursos metodológicos de que dispõem outras áreas da psicolo-
gia, embora a utilização de determinado método ou técnica seja determinada
pela sua adequação ou sensibilidade a mudanças desenvolvimentais.
Pode recorrer-se ao estudo de acontecimentos do passado e tentar
compreendê-los e explicá-los (investigação histórica). Mas se se estuda o pre-
sente, pode utilizar-se uma grande variedade de métodos e de técnicas.
Podem realizar-se estudos dentro de uma mesma cultura ou comparar cultu-
ras diferentes (estudos transculturais). Assim, podem realizar-se estudos des-
critivos, onde se tenta perceber determinado fenómeno através de observa-
ções, questionários, entrevistas, etc., descrevendo-o. Nos estudos compara-
tivos, o investigador tenta encontrar relações entre variáveis pré-existentes
ao estudo, em diferentes grupos, e que não são diretamente manipuladas. A © Universidade Aberta │Psicologia do Desenvolvimento 1│Texto 1│2013
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Ambas as metodologias têm vantagens e inconvenientes, dependendo
o seu uso dos objetivos da investigação. Na verdade, o que se pensava na
geração dos nossos avós sobre o desenvolvimento e a educação é diferente do
que se pensa hoje e, certamente, do que se pensará na geração dos nossos
filhos. O que hoje se exige de uma criança ou de um adolescente, a forma
como se olha para eles ou os parâmetros de desenvolvimento a que se está
atento são diferentes dos de outras gerações.
Os autores do chamado ciclo vital (lifespan), sensíveis à importância da
evolução histórica, propuseram ainda outro tipo de estudos chamados estu-
dos sequenciais. O mesmo estudo é realizado em grupos idênticos, mas de
gerações diferentes de modo a poder-se comparar os reflexos, ao nível do
desenvolvimento, de mudanças de ordem sociocultural.
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O Estudo do Desenvolvimento Humano
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imagem do cérebro que envelhece normalmente por comparação com o cére-
bro com doença de Alzheimer. À medida que o estudo do desenvolvimento
humano foi progredindo, surgiram alguns consensos sobre diversos temas
fundamentais:
1. Todos os domínios do desenvolvimento estão inter-relacionados.
Embora muitas vezes os investigadores estudem separadamente os
diferentes aspetos do desenvolvimento, cada um deles influencia o
outro. Por exemplo, o aumento da mobilidade física ajuda um bebé a
aprender sobre o mundo. As mudanças hormonais e físicas da puberda-
de influenciam o desenvolvimento emocional. Os hábitos de sono e a
nutrição na idade adulta podem influenciar a memória. Os aspetos
motores, cognitivos, emocionais, sociais estão interligados.
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maior de mães que trabalham fora de casa, alteraram profundamente a
vida familiar. Ao estudar os seres humanos, precisamos de ter em con-
sideração os padrões de contexto que são específicos de determinada
cultura. Por exemplo, no povo Efe do Zaire, os bebés têm até cinco pes-
soas a cuidarem deles desde o nascimento e são amamentados por
outras mulheres que não as suas mães. Os Gusii do Quénia não têm
uma etapa de vida reconhecida comparável à meia-idade.
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logia do desenvolvimento, vai poder olhar para si mesmo e para as outras pes-
soas de outro modo.
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escrever frases simples. Era capaz de expressar desejos, obedecer a instruções
e trocar ideias. Demonstrava afeto, especialmente pela empregada de Itard, a
senhora Guérin, bem como emoções de orgulho, vergonha, remorso e desejo
de agradar. Entretanto, além da vocalização de alguns sons de vogais e de
consoantes, Victor nunca aprendeu a falar. Quando o estudo terminou, Victor,
agora incapaz de cuidar de si mesmo como fazia quando vivia ao ar livre, foi
viver com a senhora Guérin até morrer, em 1828, com pouco mais de 40 anos.
Por que razão Victor não conseguiu tornar-se um jovem normalmente
adaptado? Sugeriu-se que a criança teria um dano cerebral (autismo, por
exemplo, que envolve dificuldades na relação social) ou ainda que teria sofrido
graves maltratos nos primeiros anos de vida. Os métodos de instrução de
Itard, ainda que avançados, podem ter sido inadequados. O próprio Itard veio
a acreditar que os efeitos do longo isolamento não poderiam ser totalmente
superados e que Victor talvez fosse demasiado crescido, especialmente para a
aprendizagem da linguagem.
Embora a história de Victor não dê respostas definitivas para as pergun-
tas que Itard se propôs investigar, ela é importante porque foi uma das primei-
ras tentativas sistemáticas de estudar o desenvolvimento humano. Desde essa
época, aprendemos muito sobre o modo como as pessoas se desenvolvem,
mas os cientistas do desenvolvimento procuram ainda respostas sobre ques-
tões fundamentais, como a importância relativa da natureza e da experiência.
A história de Victor dramatiza os desafios e as complexidades do estudo cien-
tífico do desenvolvimento humano.
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A ideia de que o desenvolvimento continua depois da infância é relati-
vamente recente. A adolescência não era considerada um período específico
de desenvolvimento até ao início do século XX, quando Stanley Hall, pioneiro
no estudo de crianças, publicou Adolescence, obra que se tornou muito popu-
lar. Hall também foi um dos primeiros psicólogos que se interessou sobre o
envelhecimento. Em 1922, com 78 anos de idade, publicou Senescence: The
Last Half of Life. Seis anos depois, a Universidade de Stanford inaugurou a
primeira equipa de investigação sobre o envelhecimento. Mas o estudo do
envelhecimento teve de esperar mais de uma geração para começar a ter visi-
bilidade. Desde o final da década de 30, do século passado, diversos estudos
importantes debruçaram-se sobre o desenvolvimento na idade adulta e velhice.
À medida que os estudos do desenvolvimento se alargavam à vida adul-
ta, os cientistas começaram a interessar-se sobre como determinadas expe-
riências, vinculadas ao tempo e ao lugar, influenciavam a vida das pessoas. Por
exemplo, durante a Grande Depressão, nos Estados Unidos, durante a Segun-
da Guerra Mundial ou nos anos 50, no boom do pós-guerra. O que significava
ser uma criança em cada um destes períodos? Ser um adolescente? Tornar-se
um adulto?
Hoje, todos os investigadores reconhecem que o desenvolvimento ocor-
re durante toda a vida. Paul Baltes (1998), líder no estudo da psicologia do
desenvolvimento ao longo do ciclo de vida, identifica os princípios fundamen-
tais desta abordagem:
O desenvolvimento é vitalício. Cada período do tempo de vida é
influenciado pelo que aconteceu antes e irá influenciar o que está por
vir. Cada período tem as suas próprias caraterísticas e um valor sem
igual. Nenhum é mais ou menos importante do que qualquer outro.
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O desenvolvimento é flexível ou plástico. A plasticidade significa que as
pessoas têm capacidade para mudar o seu comportamento. Muitas
capacidades como a memória, a força ou persistência, podem ser signi-
ficativamente aperfeiçoadas com treino e prática, mesmo em idade
avançada. No entanto, como aprendeu Itard, nem mesmo as crianças
são infinitamente flexíveis, o potencial para mudar tem limites.
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